REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202502281640
Eliezer Pacheco1
1 A LUTA SOCIALISTA E A EDUCAÇÃO
O pensamento de Karl Marx (1818/1883), assim como de outros teóricos socialistas, é resultado do desenvolvimento do sistema capitalista e da nascente classe operária. As condições de vida dos trabalhadores, totalmente desprovidos de direitos, eram terríveis e o acesso a serviços públicos inexistentes. Isto levou ao surgimento de pessoas e movimentos que procuravam minorar esta situação ou mesmo transformá-las radicalmente.
Como as leis que regem o desenvolvimento das relações sociais de produção, assim como a estrutura de classes da sociedade, somente seriam descobertas por Marx e Friedrich Engels (1820/1895), estas primeiras manifestações anticapitalistas eram marcadas pela utopia e pelo idealismo. Eram os chamados Socialistas Utópicos (Saint Simon, Fourier, Proudhon e Owen) que, embora contestando o sistema capitalista, acreditavam que o socialismo poderia ser alcançado pelo convencimento da maioria ou pela educação das novas gerações. Saint Simon passou boa parte da vida escrevendo cartas para reis e governantes, tentando convencê-los de como seria melhor um sistema de igualdade. Owen acreditava que a educação destinada às novas gerações seria capaz de construir uma nova sociedade igualitária.
Marx inverte a lógica idealista, afirmando que não são as ideias que geram o ser, mas ao contrário, o ser que gera as ideias. Para ele, as ideias de uma sociedade são parte da superestrutura gerada pela infraestrutura, isto é, pelas condições objetivas, materiais e econômicas desta sociedade. As ideias marxistas impactaram as concepções pedagógicas até então existentes, marcadas pelo idealismo e ao assumir um caráter de classe, identificado com o socialismo. Para Marx, pedagogia e revolução estão interligadas e esta é parte integrante do processo revolucionário. A educação não pode ser desvinculada da luta de classes pois esta é a grande educadora das massas.
2 MARX E SUA REVOLUÇÃO COPERNIANA DA PEDAGOGIA
Segundo Marx2,
Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras, o que importa é modificá-lo.
Educar é pensar o mundo para além da sociedade do capital, sendo uma tarefa com potencial revolucionário que se desenvolve no campo das ideias(ideologia) e da transformação das forças produtivas.
É necessário distinguir o papel da escola, enquanto instituição reprodutora das relações capitalistas, mas permeada pelas contradições em curso na sociedade de classes e a prática pedagógica, como prática política mais ampla. A educação reproduz estas relações e concepções, mas fornece os elementos científicos para a superação dialética da sociedade de classes. O conhecimento é sempre subversivo e revolucionário, pois o novo será sempre superação do velho.
Karl Marx era, sobretudo, um humanista, sendo o homem o centro de suas investigações. O conteúdo humanista da concepção marxista da história se apresenta em dois aspectos distintos, mas dialeticamente interligados:
a) A crítica da alienação produzida por uma sociedade fundada no primado da propriedade privada sobre os meios de produção;
b) Omnilateralidade de um homem visto em todas as suas dimensões.
Para Marx, o conhecimento acumulado historicamente pela humanidade e a relação com o mundo do trabalho são o conteúdo essencial da ação educativa emancipadora.
No capítulo XIII, “Maquinaria e a Grande Indústria” 3, ele diz:
A grande indústria (…) faz com que o reconhecimento das variações do trabalho e, daí, dá maior versatilidade possível do operário (…) se torne uma questão de vida ou morte.
O conhecimento humano – científico, tecnológico, cultural – constitui-se em elemento superestrutural das múltiplas e contraditórias relações sociais que os homens estabelecem entre si e com a natureza, durante o processo de realização das suas condições materiais de existência. Nadejda Krupskaya (1869/1939), uma das principais intérpretes de Marx no campo pedagógico, nos ensina que4,
Em um estado burguês – seja monarquia ou república – a escola é instrumento de subjugação espiritual das grandes massas populares. O objetivo da escola, em tal estado, não está atrelado aos interesses dos alunos, a não ser os da classe dominante, quer dizer, o objetivo da escola condiciona toda a sua organização, todo seu modo de vida escolar, todo conteúdo da instrução e a educação escolar. Se partirmos dos interesses da burguesia, o objetivo da escola variará segundo a camada da população à qual se destina. Às crianças da classe dominante, tem por objetivo preparar indivíduos capazes de desfrutar a vida e de governar.
Certamente, ao longo do tempo, as lutas dos trabalhadores e dos setores democráticos foram conquistando avanços e permeando a escola de aspectos mais progressistas, embora sem alterar seu caráter de classe.
O conhecimento acumulado historicamente pelo processo de desenvolvimento da humanidade sofre o crivo seletivo por parte das instituições, de caráter ideológico. A Universidade clássica opera o conhecimento num duplo sentido: de um lado, efetiva um ordenamento com o propósito de reproduzi-lo através da educação das novas gerações, de outro, padroniza métodos teóricos de produção de novos conhecimentos, o que possibilita a produção de conhecimentos contraditórios com seus interesses.
Ao colocar o indivíduo em contato com a ciência e o conhecimento, acaba lhe dando instrumentos para a negação do conhecimento vigente e do próprio sistema. O conhecimento científico é sempre, potencialmente, revolucionário, pois será sempre uma negação dialética do velho. Este processo não é mecânico, pois as contradições presentes na sociedade permeiam as instituições educacionais. Trabalhar com o conhecimento e com jovens, torna a universidade um ambiente propício a grandes debates.
Já nos marcos das sociedades de cultura greco-romanas, a civilização ocidental criou a escola como lócus social responsável por sistematizar tanto a produção como a reprodução e disseminação do conhecimento. Entretanto, ela também se torna um espaço fomentador de contradições, especialmente pela composição social dos estudantes, em grande parte oriundos da pequena-burguesia. Esta não tem um projeto próprio de sociedade, oscilando entre os projetos das duas classes fundamentais, burguesia e proletariado
A nascente burguesia, no início dos tempos modernos, teve o cuidado de estabelecer as diferenças entre instrução e educação já que a mecanização tornara a formação profissional necessária. Para os filhos das classes dominantes, uma educação humanística geral, de qualidade, tem como objetivo final o ensino superior, a formação da elite dirigente. Para os filhos dos trabalhadores, o ensino elementar precário, seguido da formação profissional, ou seja, mão-de-obra para o capital.
A educação não teve uma abordagem específica por parte de Marx ou Engels, fundadores do Materialismo Dialético e do Materialismo Histórico. Entretanto, aparece claramente em suas preocupações com a construção do homem plenamente desenvolvido em suas potencialidades físicas e espirituais, não subjugado ao domínio do capital.
Foi a produção capitalista, a grande indústria, que possibilitou à Marx e Engels a formulação de uma teoria capaz de propor a superação das condições que impediam a plena formação do homem. Na esteira da combinação entre escolaridade e trabalho, Marx formulou o cerne de sua concepção educacional, ou seja, o entendimento de que era possível, por meio da educação aliada à práxis social, formar o homem novo, consciente de suas potencialidades históricas. No início do século XX, Gramsci retoma o sentido de prática e teoria no âmago da concepção marxista da educação5.
A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha: escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual.
A escola pública, uma conquista, tal como se desenvolveu na sociedade burguesa, não conseguiu realizar a relação efetiva entre educação escolar, formação tecnológica e física, tal como concebeu Marx, combinando formação intelectual e física com o trabalho produtivo. Pelo contrário, como denunciava o educador soviético Moisey Pistrak (1888/1937)6,
O objetivo da escola é formar crianças para que possam, num prazo breve, com um gasto mínimo de energia e força, pagando à vida um tributo mínimo pelo aprendizado, adquirir a experiência necessária para se tornar trabalhadores completos.
Karl Marx e Friedrich Engels (1820/1895) projetaram uma sociedade baseada na igualdade e no qual não haveria uma classe explorada submetida apenas ao trabalho manual, mas onde todos pudessem aperfeiçoar-se no campo em que lhes aprouvesse, sem uma esfera de atividade exclusiva7.
Fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou crítico.
Para eles não é possível falar de educação sem referir-se à realidade material onde ela se desenvolve e à luta de classes que a caracteriza e sustenta. Desta forma, a educação perde o aspecto idealista, subjetivo e neutro, rejeitando toda reminiscência romântica anti-industrial.
A concepção marxista da educação introduz dois princípios revolucionários:
- A referência ao trabalho como princípio educativo e ontológico, vendo nele a principal fonte de conhecimentos e de relações do homem com a sociedade e a natureza, se opondo a toda tradição educativa intelectualista e espiritualista;
- A afirmação de uma constante e indissolúvel relação entre educação e sociedade, através de uma educação integral que eliminasse a barreira entre teoria e prática, pensar e fazer, trabalho intelectual e trabalho manual.
Ao prover o seu sustento, o homem estabelece relações com a natureza e a sociedade, aprendendo a conhecê-las, a dominá-las e a transformá-las. Na busca da sobrevivência, ele constrói instrumentos, cria tecnologias e desenvolve as forças produtivas, fazendo avançar os processos de desenvolvimento histórico, sempre permeado pelas contradições entre as classes. Este é o fio condutor do processo civilizatório. Entretanto, o homem somente será sujeito deste processo se ele tiver consciência das leis que regem o mesmo, agindo sobre ele.
As relações entre homem, sociedade e natureza é um processo dialético onde todos influenciam e sofrem influências, mas tendo o ser humano como elemento central. Existe uma relação indissociável entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura, estabelecendo o trabalho como princípio educativo. Ou em outras palavras, o ser humano produz a sua realidade, apropria-se dela e, portanto, pode transformá-la. O trabalho é a primeira mediação entre o homem e sua realidade material e social. Ele nos forma e nos desafia a encontrar novas soluções técnicas e tecnológicas sendo o elemento que nos transformou em humanos.
Em 1848, no Manifesto Comunista, Marx e Engels propõem os fundamentos da Escola Politécnica8:
Educação pública e gratuita de todas as crianças, abolição do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje, combinação da educação com a produção material, etc.
Nas instruções aos delegados do I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores9, Marx, além de reafirmar que todo adulto deve trabalhar tanto com o cérebro, como com as mãos, explicita que, “por ensino compreendemos três coisas: ensino intelectual, físico e tecnológico.”
Para ele, a efetiva materialização da educação assentada nestas três dimensões só poderia ser colocada plenamente em prática com a conquista do poder político pelos trabalhadores:
Se a legislação sobre as fábricas, que constitui a primeira concessão arrancada com grande esforço ao capital, combina unicamente o ensino elementar com o trabalho de fábrica, não há dúvida que a inevitável conquista do poder político pela classe trabalhadora trará a adoção do ensino tecnológico, teórico e prático, nas escolas dos trabalhadores10
3 AS CONTRIBUIÇÕES DE GRAMSCI
Antônio Gramsci (1891/1937) aborda a questão da escola com muita clareza11 :
A divisão fundamental da escola em clássica e profissional era um esquema racional: a escola profissional destinava-se às classes instrumentais, enquanto a clássica destinava-se às classes dominantes e aos intelectuais.
Gramsci trouxe extraordinárias contribuições para a concepção pedagógica, sobre o papel da escola e da cultura na formação dos indivíduos. Gramsci introduziu o conceito de “hegemonia cultural” que se refere ao domínio de uma classe sobre outra, não apenas pela força, mas pela inculcação de valores, ideias e normas, aceitas como naturais pela sociedade e disseminados, principalmente, pela escola. Mas a escola, para ele, poderia também ser um espaço de resistência e formação de uma nova consciência crítica.
Sua grande contribuição foi o conceito de ESCOLA UNITÁRIA, unindo formação intelectual e profissional, superando a divisão entre uma educação para as elites e outra para os trabalhadores. Uma educação que unisse teoria e prática, preparando não apenas para o mercado de trabalho, mas também para serem dirigentes. Ou seja, uma educação emancipadora. Para ele a escola era também um espaço de disputa ideológica, podendo ser formadora de uma consciência crítica. Ele acreditava que as transformações sociais seriam fruto não apenas da revolução, mas também de uma dura batalha cultural, na qual a educação desempenharia um papel importante na formação de uma nova consciência coletiva.
Gramsci é um dos pensadores marxistas cuja influência é mais marcante em nossos dias, junto àqueles que debatem e pesquisam a educação, especialmente no que diz respeito às questões de hegemonia cultural, Escola Unitária, papel dos intelectuais, educação como prática emancipatória, cultura popular e educação, crítica ao espontaneísmo na educação e o papel da educação na transformação social.
As Universidades públicas brasileiras, historicamente, reproduziram o modelo ensino superior para os filhos das “elites” e escola técnica vinculada para os filhos das classes trabalhadoras. A criação dos Institutos Federais em 2008, foi um rompimento com isto, inclusive possibilitando que várias escolas técnicas vinculadas às universidades aderissem aos mesmos.
4 AS CONTRIBUIÇÕES DE ALTHUSSER
Para o argelino Louis Althusser12 (1918/1990) Importante intérprete de Marx nestas questões, a formação social é resultado de um modo de produção dominante, e este produz as condições de sua existência.
Acreditamos, portanto, ter boas razões para afirmar que, por trás dos jogos de seu aparelho ideológico de estado político, que ocupava o primeiro plano do palco, a burguesia estabeleceu como seu aparelho de estado número 1 e, portanto, dominante, o aparelho escolar que, na realidade, substitui o antigo aparelho ideológico de estado dominante, a igreja.
Para ele, a inculcação da ideologia dominante apesar de ser apreendida, reforçada e perpetuada na escola, não se origina nela. Elas têm, antes, origem na formação das classes sociais, no seio do próprio Estado e de seus aparelhos. Retomando a tradição marxista, Althusser13 define o Estado como,
Uma máquina de repressão que permite às classes dominantes (no século XIX a classe dos proprietários de terras) assegurar a dominação sobre a classe operária para submetê-la ao processo de extorsão da mais-valia (que dizer, à exploração capitalista.
O Estado funciona duplamente como um aparelho ideológico e como poder repressivo, sendo o instrumento que assegura os interesses da classe dominante, a burguesia, sobre a classe dominada, o proletariado. Ora persuasivo, ora repressor, tem por objetivo garantir por meios das ideias, da concepção de mundo e/ou através da força, a permanência da classe dominante no poder reprimindo, se necessário for, qualquer resistência das classes dominadas. Ele ditará as regras e as normas de convivência, o “padrão”, o “normal” e identificará o “transgressor”, por meio de seus aparelhos de dominação ideológica (família, igreja, escola, meios de comunicação, etc.) embora um e outro exerçam ambas as funções.
Para Althusser14,
O Estado centraliza a dominação e por isto toda a luta política de classes gira em torno dele e de seu domínio. Manter o poder de Estado é o propósito central das classes dominantes para poder manipular seus aparelhos ideológicos.
Para ele, é pela institucionalização dos Aparelhos Ideológicos de Estado que a ideologia é constituída e se torna dominante. Ela tem por objetivo último a reprodução das relações de produção, pois nenhuma dominação consegue se manter apenas através da coerção.
A partir do que sabemos, nenhuma classe pode duravelmente deter o poder de Estado (repressivo) sem exercer simultaneamente a sua hegemonia sobre e nos Aparelhos Ideológicos de Estado15.
Para ele, nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes política, o aparelho ideológico dominante é o aparelho ideológico escolar, que substituiu a igreja nesta missão16.
A partir da separação entre igreja e Estado, surge a necessidade de a burguesia constituir um novo aparelho ideológico, que atue diretamente na formação da ideologia: a escola. A instituição escolar atua sob as orientações e normas do Estado burguês e sob o controle deste, substituindo a maior parte das funções exercidas pela Igreja desde os tempos antigos e, principalmente, durante a Idade Média. Ela ocupa um lugar privilegiado no modo de produção capitalista, pois é o único dos aparelhos ideológicos do Estado que além da inculcação ideológica ela reproduz as relações de produção, sobre a base da formação da força de trabalho. Ou seja, além de fazer o educando aceitar sua condição de classe, utilizando para isto a qualificação para o mundo do trabalho tenta convencê-lo da inevitabilidade disto.
Ora, é através da aprendizagem de alguns saberes práticos(savoir-faire) envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante que são em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista, isto é, as relações de explorados com exploradores e de exploradores com explorados. (…) visto que é uma das formas essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideologia que representa a escola como um meio neutro17.
Para Gramsci, a escola favorece a formação social capitalista quando pretende sujeitar os indivíduos à ideologia dominante, garantir a reprodução da força de trabalho por meio da reprodução das habilidades, da submissão às regras da ordem estabelecidas no contexto deste regime de exploração e repressão.
Aprende-se, portanto, “saberes práticos” (savoir-faire). Mas, por outro lado, e ao, mesmo tempo que ensina estas técnicas e estes conhecimentos a escola ensina também as ‘regras’ dos bons costumes, isto é, o comportamento que todo agente da divisão do trabalho deve observar, segundo o lugar que está destinado a ocupar: regras da moral da consciência cívica e profissional, o que significa exatamente as regras de respeito pela divisão social técnica do trabalho, pelas regras da ordem estabelecidas pela dominação de classe18.
Para ele, todo aparelho ideológico, particularmente a escola, concorre para um único fim: a reprodução das relações de produção, relações de exploração. A escola procura naturalizar isto, sendo o aparelho ideológico mais completo e eficiente.
(…) nenhum aparelho ideológico de Estado dispõe durante tanto tempo de audiência obrigatória (e, ainda por cima gratuita…) 5 a 6 dias da semana, à razão de 8 horas por dia, da totalidade das crianças da formação social capitalista19.
Quanto aos professores, uma minoria tenta através das armas científicas e políticas que dispõe se contrapor à ideologia dominante, mas a maioria nem suspeita do trabalho que o sistema o obriga a fazer e o fazem com dedicação, entusiasmo e engenhosidade.
5 CONCLUSÃO
A concepção marxista de educação propõe a formação omnilateral, integral do indivíduo, tratando-se, portanto, de uma formação humanista. Ela opera com o princípio de que tanto o corpo como a subjetividade têm que se desenvolver de forma harmoniosa e integrados. O marxismo redimensionou a concepção de formação omnilateral do homem, mesmo reconhecendo que ela não pode se realizar plenamente no contexto da sociedade capitalista. No entanto, devemos antecipar aqui e agora os elementos constitutivos da sociedade do futuro, combatendo a alienação e a desumanização. A luta é capaz de arrancar das classes dominantes concessões importantes.
A crítica da ordem social constituída e sua classe dominante, a convicção de que a tarefa principal do pensamento humano consiste em desvendar o mundo burguês, cooperando com a revolução, reconstituindo a dignidade humana, representa uma parte importante do pensamento político e pedagógico de Marx.
Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado20.
Segundo a leitura do filósofo marxista polonês Bogdan Suchodolski (1903/1992)), educação deve ser um dos elementos mais importantes na criação de uma nova sociedade, unindo-se estreitamente à prática revolucionária. (1966).
Para Marx e Engels, o desenvolvimento da consciência e o despertar do sentimento revolucionário estão relacionados à questão educacional. Para ele, os educadores têm que exercer suas tarefas atentos às etapas do desenvolvimento social e das relações materiais predominantes, contribuindo para que elas sejam compreendidas e transformadas. Ou seja, como algo que se realiza articulada com o trabalho e na sociedade, nos marcos do desenvolvimento histórico. Marx se opõe a todas as ideias sobre educação apenas para a laboriosidade formuladas pelos capitalistas. O trabalho, para ele, tem também uma função ontológica pois ao prover seu sustento o indivíduo produz novos conhecimentos, novas tecnologias e transforma a natureza, o que se constitui numa característica fundamental e específica do ser humano.
Na economia capitalista o homem se aliena cada vez mais, convertendo-se em um elemento da produção, em mercadoria, mas educação libertadora, emancipadora só será plenamente possível com o fim do capitalismo e da exploração do homem pelo homem, dependendo da libertação como um todo.
A formação da consciência socialista está ligada ao crescimento da luta revolucionária, devendo a escola possibilitar um saber polifacetado e sólido baseado nos últimos conhecimentos da ciência acumulados pela humanidade.
A participação nas lutas pelo progresso social é a principal forma de educação, que deve estar ligada com as necessidades da vida concreta da sociedade existente. As premissas da educação são os homens concretos, as relações de produção e as transformações nas forças produtivas que, ao entrar em contradição com as relações de produção, criam as condições para as transformações nas relações sociais de produção.
Marx fez uma verdadeira revolução copernicana da pedagogia ao indicar que não é a vida que gira em torno das ideias, mas, ao contrário, são as ideias que giram à volta da vida. A vida material produz as ideias e não o contrário. O homem real é aquele que aparece em sua vida concreta, social e produtiva que decorre de determinadas relações sociais de produção material e não aquilo que a ideologia dominante o tenta incutir. Só o materialismo histórico e dialético consegue revelar a realidade de uma forma verdadeiramente científica e, com isto, organizar também o processo educativo do homem. Entretanto, a libertação completa das ilusões ideológicas e de classe somente ocorrerá através da transformação das condições materiais de vida, base destas ilusões.
Ao vincular a pedagogia aos princípios do materialismo histórico e dialético, e à luta revolucionária da classe trabalhadora pela sociedade socialista, Marx produz uma ruptura com a pedagogia até então existente. Esta, ao contrário, procura se separar da realidade social objetiva para não a transformar ou modificá-la buscando adequar o indivíduo às condições predeterminadas pela vida. A pedagogia marxista é o oposto, ou seja, a compreensão científica do mundo real, objetivando transformá-lo, tendo como protagonista o proletariado. O trabalho educativo deve estar acompanhado do espírito de luta política pela libertação do homem das cadeias da opressão e da transformação radical das circunstâncias e dos homens.
Com a chegada do proletariado ao poder na nascente União Soviética é iniciado o esforço para a construção de uma nova concepção de escola e o desenvolvimento de uma pedagogia socialista, integrando trabalho, coletividade e autogestão. Trata-se da primeira vez na história em que estas questões são tratadas como políticas públicas.
Moisey Pistrak (1888/1937), Anton Makarenko (1888/1939) e Nadezda Krupskaya (1869/1939) foram os principais criadores da pedagogia socialista no nascente Estado Soviético. Todos eles, além dos trabalhos práticos com crianças órfãs e jovens infratores, pois não eram apenas teóricos, mas construtores da educação socialista, destacavam a educação como um ato coletivo e a importância do trabalho com a comunidade. Pistrak defendia a Escola Politécnica, integrando trabalho, conhecimento e educação. Entendia que a educação deveria estar ligada diretamente à produção numa concepção de escola politécnica. Makarenko criou comunidades educativas autogestionadas como a Colônia Gorki destinada a crianças órfãs. Ele enfatizava a questão do trabalho, integrado ao currículo escolar, como elemento essencial no processo de aprendizagem. Krupskaya, esposa de Lenin, foi uma das construtoras do sistema educacional soviético, priorizando a redução do analfabetismo na URSS e a formação técnica para responder às demandas da acelerada industrialização soviética.
Os séculos XX e XXI trouxeram extraordinárias transformações através da revolução técnico-científica e de mudanças cada vez mais rápidas, especialmente nos instrumentos de informação.
A chamada era da Sociedade Informática suscitou perspectivas otimistas sobre a possibilidade de democratização das informações e de conquista do tempo livre, mas que se frustraram. O resultado tem sido o domínio do capital sobre todas as relações sociais numa dimensão jamais vista pela humanidade, ocorrendo não uma democratização da informação e do conhecimento, mas uma vulgarização que praticamente elimina as fronteiras entre o real e o fake. A educação, neste momento de reestruturação produtiva do capitalismo, está se ajustando cada vez mais aos ditames do mercado e se convertendo em espaço do não-conhecimento, da pós-verdade, esvaziando seu sentido. Este contexto exige uma ação de resistência das comunidades escolares e da sociedade, fazendo da escola um espaço da reflexão, da crítica e da contra hegemonia. Entretanto, esta luta isoladamente, está fadada ao fracasso. A escola de hoje já não é exatamente a mesma dos tempos de Marx, pois as lutas dos trabalhadores conquistaram avanços no sentido de sua concepção e democratização, mas isto não alterou a sua essência de classe, de aparelho ideológico das classes dominantes. Avanços específicos até são possíveis, mas as transformações profundas somente serão conquistadas com o diálogo e a participação de amplos setores da sociedade e no bojo de um projeto revolucionário de sociedade. Obviamente, a escola somente mudará sua essência quando a própria sociedade mudar, portanto, lutar por uma escola pública, democrática e popular é inseparável da busca destas mesmas características na sociedade como um todo.
1Teses sobre Feuerbach. Moscovo, Edições Progresso, 1982, v.1 p. 1-3.
3MARX, Karl. O capital: livro um. São Paulo: Boitempo, 2023.
4KRUPSKAYA, N. La Educación Laboral e la Enseñanza. Moscou, Editorial Progresso, 1986, p. 49.
5GRAMSCI, A. Caderno 12 (1932). Apontamentos e Notas Dispersas para um grupo de ensaios sobre a história dos intelectuais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, v.2, p. 33-34.
6PISTRAK, Moysey M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981, p. 35.
7MARX, K e ENGELS, F. Crítica do Programa de Gotha. Lisboa, Editorial Avante, 1982, v.3, p. 5-30.
8MARX, K e ENGELS, F. Crítica do Programa de Gotha. Lisboa, Editorial Avante, 1982, v.3, p.125.
9Genebra, 1866
10Instruções para os Delegados do Conselho Geral Provisório. As Diferentes Questões. Lisboa: Editorial Avante, 1983, v.2, p. 559.
11GRAMSCI, A. Caderno 12 (1932). Apontamentos e Notas Dispersas para um grupo de ensaios sobre a história dos intelectuais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, v.2, p. 33.
12ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1970, p. 33.
13ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1970, p. 31.
14ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1970, p. 36.
15ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1970, p. 49.
16ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1970, p. 60.
17ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1970, p. 66-67.
18ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1970, p. 21.
19ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1970, p. 66.
20MARX, K e ENGELS, F. Crítica do Programa de Gotha. Lisboa, Editorial Avante, 1982, v.3, p. 72.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTHUSSER.L. Aparelhos Ideológicos do Estado. São Paulo: Graal, 1985.
ALTHUSSER.L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1970.
GRAMSCI, A. Caderno 12 (1932). Apontamentos e notas dispersas para um grupo de ensaios sobre a história dos intelectuais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, v. 2, p. 13-53.
GRAMSCI, A. Caderno 11(1932-1933): Introdução ao estudo da Filosofia. Apontamentos para uma introdução e um encaminhamento ao estudo da filosofia e da história da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 93-168, v. 1
KRUPSKAYA, N. La Educación Laboral e la Enseñanza. Moscou, Editorial Progresso, 1986.
MANACORDA, M.A. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo: Cortez /Autores Associados, 1991,
MANACORDA, M. O Princípio Educativo em Gramsci. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990
MANACORDA, A. A história da educação: Da antiguidade aos nossos dias. Trad. Gaetano Lo Monaco. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004
MARX, K. e ENGELS, F. Crítica do Programa de Gotha. Lisboa, Editorial Avante, 1982, v.3, p. 5-30.
MARX, K. e ENGELS, F. Instruções para os Delegados do Conselho Geral Provisório. As Diferentes Questões. Lisboa: Editorial Avante, 1983, v. 2, p. 79-88.
MARX, K. e ENGELS, F. Teses sobre Feuerbach. Moscovo, Edições Progresso, 1982, v.1 p. 1-3.
MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Lisboa, Editorial Avante, 1982, v. 1, p. 106-136.
MARX, K. e ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Lisboa, Editorial Presença, 1980.
MARX, K. e ENGELS, F. O 18 Brumário de Luiz Bonaparte, Porto Alegre, LPM, 2020.
PISTRAK, Moysey M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
SUCHODOLSKI, Bogdan. Teoria Marxista de la Educacion. México, DF, Editorial Grijalbo, 1966.
1Professor de História pela Universidade Federal de Santa Maria, Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.