REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202410112030
Camilla de Camargo Miguel
Clara Casasco Ribeiro Batista
Giovanna Alves Jeronimo
Mariana Franchi
RESUMO
Um coelho (Oryctolagus cuniculus), macho, adulto, pesando 3,3 kg, apresentando uma massa de aspecto firme localizado na região mandibular com histórico de alimentação deficiente e hipercrescimento dentário recebeu atendimento médico veterinário. Com base na anamnese, exame físico e exames complementares foi diagnosticado como abscesso dentário. O tratamento de escolha foi a realização da cirurgia de marsupialização, seguido por antibioticoterapia por 10 dias, tendo resultados positivos e recebeu alta após 15 dias. Essa cirurgia se mostrou efetiva devido a localização e extensão da lesão, sendo indicada nos casos em que não é possível realizar a excisão completa do abscesso.
Palavras-chave: cirurgia, marsupialização, anestesia
INTRODUÇÃO
Os coelhos (Oryctolagus cuniculus) são mamíferos classificados taxonômicamente Ordem Lagomorpha e Família Leporidae. Uma afecção muito comum na clínica médica dos lagomorfos é a formação de abscessos faciais, que são coleções de pus que se formam nos tecidos moles da região facial, tendo origem, geralmente, secundária a infecções em tecidos danificados por incisões cirúrgicas, principalmente reação aos fios de sutura, por lesões causadas por brigas ou ataques de predadores, hipercrescimento dentário, trauma e feridas penetrantes ou corpos estranhos (Correa e Fecchio, 2014). O hipercrescimento dentário acomete principalmente os dentes incisivos, porém também podem acometer os dentes pré-molares e molares (Harkness; WAGNER, 2013). Devido ao alto índice de mortalidade em decorrência das doenças dentárias em coelhos, o diagnóstico precoce é de extrema importância, obtido através de exames complementares, como radiografia de crânio, sendo essenciais para avaliar a extensão da doença e planejar a intervenção adequada (Almeida, 2016). Segundo Capello (2006), os abscessos faciais raramente melhoram com a antibioticoterapia. Portanto, a intervenção cirúrgica, que envolve a remoção do abscesso com ampla margem, incluindo o debridamento das áreas necróticas, é o tratamento com menor probabilidade de recorrência.
OBJETIVO
O presente estudo teve como objetivo relatar um caso de abscesso facial em um coelho doméstico, apresentando a aplicação da técnica de marsupialização, bem como a abordagem clínica e cirúrgica adotada e os resultados obtidos, relacionando com o manejo alimentar inadequado.
MATERIAIS E MÉTODOS
Um coelho, macho, adulto, 6 anos de idade, pesando 3kg recebeu atendimento médico veterinário. Durante a anamnese, foi relatado prostração e anorexia há mais ou menos 7 dias, normoquesia, normodipsia e urina sem alterações. Se alimentava da ração “Funny Bunny”, com a oferta de frutas semanalmente. Ao exame físico, foram observadas mucosas hipocoradas com fundo róseo, temperatura retal de 39ºC, discreta desidratação, ausência de abdominalgia, se apresentava alerta porém prostrado, ausculta sem alterações. Após a palpação da região mandibular direita foi identificado aumento de volume e realizada tricotomia para facilitar a visualização. Na inspeção da cavidade oral, foi possível observar formação de cáseo, úlcera na língua do lado direito e hipercrescimento dentário dos incisivos inferiores e superiores, pré-molares e molares superiores.
Foi solicitado hemograma, ureia, creatinina, alanina aminotransferase, fosfatase alcalina e proteína total e frações, dos quais apresentaram apenas alterações nos leucócitos e discreta anemia. Como exames de imagem, foram feitas radiografia de crânio nas projeções ventrodorsal e latero-lateral, em que apresentou hipercrescimento dentário e osteomielite. Adicionalmente foi realizada a ultrassonografia abdominal, que não houve alterações. Ecodopplercardiograma e eletrocardiograma foram feitos para uma anestesia segura e nos quais não houve nenhuma alteração digna de nota..
O paciente foi encaminhado para cirurgia com urgência devido a progressão do quadro, em que foi realizada a técnica cirúrgica de Marsupialização. Como medicação pré anestésica foram utilizados os fármacos tramadol 4mg/kg por via oral (VO). A indução e manutenção da anestesia inalatória foram feitas com isofluorano em máscara facial adaptada. No pós-operatório foi administrado imediatamente meloxicam 0,2mg/kg por via intravenosa (IV) e metronidazol 20 mg/kg (IV). Durante o procedimento o paciente foi mantido em fluidoterapia de suporte com solução de ringer com lactato. Foi prescrito para o tutor manter tratamento em casa utilizando cloridrato de tramadol 4 mg/kg, VO, duas vezes ao dia (BID) durante 4 dias, meloxicam 0,2 mg/kg, uma vez ao dia (SID), durante 4 dias e metronidazol 20mg/kg, BID, durante 10 dias e fazer a limpeza da região com solução de clorexidine (0,12%) e pomada tópica de clorexidine (1%) a cada 8 horas, durante 7 dias e após isso pomada a base de colagenase por mais 7 dias. Por volta de 15 dias o paciente retornou com melhora significativa do quadro e recebeu alta.
DISCUSSÃO
O paciente foi atendido na clínica veterinária com um aumento de volume em região mandibular, hipercrescimento dentário devido a má alimentação, presença de cáseos observados durante a inspeção da cavidade oral (Figura 1 e Figura 2) e histórico de alimentação baseada apenas em ração e frutas. Segundo Smith (2022) é importante destacar que os coelhos se alimentam de comidas fibrosas como folhas e feno pois esse fato está diretamente relacionado à oclusão dentária e contribui para o desgaste dentário.
Para auxiliar no diagnóstico, foi feito a radiografia que é considerada por Bohmer (2015) como um exame essencial para determinar o tratamento e informações necessárias para o prognóstico do paciente e a projeção lateral é a ideal para avaliar a posição dos incisivos superiores e inferiores, a conformação do plano oclusal dos dentes molares e a detecção de qualquer crescimento anormal das coroas dentárias (Quesenberry. Carpenter, 2012).
A técnica cirúrgica de escolha foi a marsupialização, que consiste na drenagem do abscesso e posterior sutura dos bordos esventrados para cicatrização por segunda intenção. Esse procedimento é realizado nessas espécies pela característica do material infeccioso encontrado no interior do abscesso, diferente da maioria das espécies de mamíferos, nos coelhos apresenta-se um material mais denso, e devido a essa característica não pode ser drenada com agulha (Fecchio, 2010). Segundo Correa e Fecchio (2014), essa abordagem demonstra eficácia em lagomorfos, devido a composição caseosa dos debris infecciosos das espécies pertencentes a essa ordem, que dificulta a drenagem em feridas fechadas, sendo assim a marsupialização permite a cicatrização e drenagem com ferida aberta.
Figura 3: tricotomia realizada para visualização do abscesso facial na região mandibular.
Fonte: De autoria própria.
Como medicação pré-anestésica foi utilizado cloridrato de tramadol, que segundo Carpenter (2010) tem uma boa eficácia para controle de dor em procedimentos cirúrgicos. A indução e manutenção anestésica foram feitas com isoflurano, que tem uma rápida metabolização e uma boa recuperação (Quesenberry; Carpenter, 2012) utilizando máscara facial adaptada, além de manter suporte de oxigênio. Após o paciente ser induzido, foi posicionado em decúbito lateral é realizada uma ampla tricotomia da região para permitir a realização do procedimento (Figura 3) seguida pela antissepsia da pele com clorexidina 0,12%. Durante todo o trans-operatório os sinais vitais se mantiveram estáveis e dentro da normalidade, temperatura corporal entre 38,5ºC, frequência cardíaca entre alternando entre 150 e 250 batimentos por minuto, frequência respiratória 40 movimentos por minuto (Jepson, 2010).
Efetuou-se a incisão da pele e do tecido subcutâneo margeando a região do abscesso e desuniu-se os tecidos moles adjacentes até o afastamento da cápsula do abscesso. Em seguida, foi realizada a retirada das áreas necrosadas e irrigação efusiva com clorexidine. O foco do abscesso foi mantido aberto (Figura 4) para drenagem e os bordos da ferida foram suturados utilizando fio absorvível (poliglactina 3-0).
Figura 4: Pós operatório imediato da ferida cirúrgica.
Fonte: De autoria própria.
No pós operatório imediato foi administrado meloxicam (0,2 mg/kg, IV) que segundo Mitchell (2008) é uma opção para o controle da inflamação e da dor, e metronidazol (20mg/kg, IV) devido à sua ação contra bactérias anaeróbicas (Carpenter, 2018) que são encontradas na cavidade oral. O paciente foi mantido em fluidoterapia de suporte utilizando ringer com lactato para evitar desidratação (Mitchell, 2008). Foi prescrito para o tutor como analgésico tramadol (4mg/kg, VO) três vezes ao dia (TID) durante 4 dias, como antinflamatório foi passado meloxicam (0,2 mg/kg, VO), uma vez ao dia (SID) durante 4 dias e o antibiótico de escolha foi o metronidazol (20 mg/kg, VO) duas vezes ao dia (BID) durante 10 dias. O tratamento tópico consistiu em duas fases, limpeza com clorexidine (0,12%) e pomada a base de clorexidina (1%), a cada oito horas, durante os sete primeiros dias que consistem na fase inflamatória das feridas e após isso mais sete dias de pomada a base de colagenase para a fase proliferativa (Fecchio et al.,2010). O paciente retornou para atendimento e recebeu alta após 15 dias do procedimento.
CONCLUSÃO
Com base na análise da literatura e nas observações realizadas neste caso específico, a intervenção cirúrgica emerge como a opção terapêutica mais apropriada para o tratamento de abscessos faciais em coelhos. Nesse caso a técnica de marsupialização foi indicada devido a sua extensão e acometimento ósseo, impossibilitando a excisão completa do abscesso. Exames complementares, como radiografias e análises bacteriológicas, desempenham um papel crucial no planejamento do tratamento pós-operatório e no prognóstico do paciente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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