MÁQUINA PÚBLICA: IMPACTOS DO TELETRABALHO NA PANDEMIA NA ANEEL

THE PUBLIC MACHINERY: IMPACTS OF TELEWORK IN THE PANDEMIC AT ANEEL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7877530


José Rocha Moreira Junior1
Jefferson Silveira dos Santos2
Fabio Luiz dos Santos Lima3


Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar o impacto da implementação compulsória da modalidade de teletrabalho na Administração Pública, desde o início da pandemia por COVID-19, por meio da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, de natureza aplicada e abordagem qualitativa. A metodologia utilizada foi composta pela pesquisa bibliográfica e a documental, que permitiu a compreensão dos aspectos do tema. A análise dos dados documentais amparou grande parte do estudo, por dificuldade de acessar a sede da instituição, localizada em Brasília (DF). Com base nessa análise, conclui-se que a adoção do trabalho remoto na ANEEL iniciou de forma contingenciada e não planejada, porém passou a ser incorporada às atividades da autarquia. Recomenda-se estudos posteriores de acompanhamento, considerando o pouco tempo de implementação para uma conclusão mais abrangente e substancial.

Palavras-chave: Teletrabalho; Servidores Públicos; COVID-19; Administração Pública; Impactos.

Abstract

This article aims to analyze the impact of the compulsory implementation of the telework modality on The Public Administration, since the beginning of the COVID-19 pandemic, at Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). This is exploratory-descriptive research, with an applied nature and a qualitative approach. The methodology used consisted of bibliographical and documentary research, which allowed the understanding of aspects of the theme. The analysis of documentary data supported a large part of the study, due to the difficulty of accessing the institution’s headquarters, located in Brasília (DF). Based on this analysis, it is concluded that the adoption of remote work at ANEEL started in a contingent and non-intuitive way, but then was implemented to the activities of the autarchy. Further follow-up studies are recommended, considering the short implementation time for a more widespread and substantial conclusion.

Keywords: Telework; Public Workers; COVID-19; Public Administration; Impacts.

1 Introdução

A tecnologia ocupa no dia a dia da população mundial, cada vez mais, com colossal volume de acesso à troca de dados informacionais pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação (TICs), já que os processos organizacionais e atendimento às demandas dos cidadãos demandam maior celeridade e eficiência (ISNARD, 2021). 

Com o surgimento da pandemia causada pela COVID-19 e a necessidade de distanciamento social, as instituições públicas foram obrigadas a implementar, de forma compulsória, a modalidade do teletrabalho em suas tarefas laborais (PANTOJA; ANDRADE; OLIVEIRA, 2020).

Nesse contexto, a população espera que os serviços prestados pela Administração Pública também sejam otimizados, possibilitando a redução de prazos e de custos, pilares da eficiência organizacional (GUERRA et al., 2020). 

Entretanto, há dois entraves imediatos: a escassez de recursos e a resistência a mudanças nas instituições públicas. Este receio contra a transformação está, inerentemente, ligado à inseguranças arraigadas nos servidores acerca da manutenção de benefícios e do respeito à jornada de trabalho no ambiente residencial (DURÃES; BRIDI; DUTRA, 2021).

Embora alguns órgãos públicos já utilizassem o teletrabalho, mesmo que de forma mais tímida ou experimental, como o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), que instituiu o teletrabalho remoto de caráter permanente e facultativo desde 2015 (Portaria nº 4.252/2015), foi com a chegada da pandemia causada pela COVID-19 e subsequente decretação de estado de calamidade pública, em 18 de março de 2020, e decorrente urgência de implementação de distanciamento social, que o teletrabalho se tornou compulsório em todas as esferas e em diversos setores do governo. Era necessário manter as engrenagens da Máquina Pública executando e fornecendo os serviços públicos à Nação. 

Como não existiam parâmetros substanciais ou normas específicas para a implantação do teletrabalho, a Instrução Normativa (IN) de n.º 65/2020 tornou-se uma ferramenta crucial, com diretrizes que nortearam esta transição, com racionalidade e efetividade, na Administração Pública federal; implementada por instituições como a Agência Nacional de Petróleo (ANP), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Agência Nacional das Águas (ANA), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) entre outras. 

Há de se considerar que a medida não é simples. Não bastaria o servidor possuir o aparato tecnológico, já que a questão da segurança da informação, que recebe todo revestimento e blindagem de segurança adequados no espaço físico de trabalho, adquiriu um posto de proeminência e investimentos a fim de mitigar riscos de ciberataques e assegurar que não houvesse vazamento ou comprometimento de dados das organizações públicas, observando à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (BRASIL, 2019), protegendo os direitos fundamentais e de privacidade dos cidadãos (SANTOS; COSTA, 2022).

Após dois anos, com a evolução da política de vacinação contra a COVID-19, o declínio considerável no número de infectados e de óbitos no país e no mundo permitiu o relaxamento das medidas de proteção; consequentemente, o cenário desenha o retorno das atividades presenciais, inclusive na esfera pública (PIFANO et al., 2022). Assim, as instituições precisaram elaborar diretrizes que orientaram a retomada gradual das tarefas e interações, a partir de um Programa de Gestão, como orienta a IN 001/2018, que prevê e define modalidades como o teletrabalho e o trabalho semipresencial (ALVES, 2020; CUNHA; BIANCHI, 2023).

Por conseguinte, este trabalho terá, como escopo, o tema Teletrabalho na Administração Pública no contexto pandêmico da COVID-19, no âmbito da ANEEL. Para isso, elaborou-se o problema de pesquisa que busca responder à questão central: Como ocorreu o processo da implementação compulsória do teletrabalho em consequência da COVID-19 na ANEEL? 

O objetivo deste artigo é identificar os impactos da implementação compulsória do teletrabalho na Administração Pública, em consequência da COVID-19, com as subsequentes transformações nas atividades profissionais na Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Para isso, estabelece-se como objetivos específicos: i) compreender como o teletrabalho impactou a Administração Pública, a partir das eventuais mudanças nas atividades profissionais na ANEEL; ii) verificar eventual relação da implementação do trabalho a distância e alterações dos níveis de produtividade e economicidade na Agência Reguladora; iii) descrever as fases da implementação do teletrabalho na ANEEL.

Assim, esta pesquisa justifica-se para compreensão mais específica, ante a um número ainda pouco significativo de trabalhos publicados sobre o impacto do teletrabalho na pandemia (BATISTA et al., 2021), focando em uma autarquia da Administração Pública, a ANEEL, a fim de descrever como ocorreu o processo de adoção do teletrabalho no auge do período pandêmico e posterior ao início da imunização e consequente redução de óbitos. A realidade de uma sociedade hiper tecnológica desafia a gestão pública a acompanhar o ritmo em que as inovações surgem e afetam as relações de trabalho, a oferta dos serviços públicos e o gerenciamento dessas interações (CUNHA; BIANCHI, 2023).

Esta pesquisa está estruturada, além desta primeira, introdução, em mais cinco seções. A seção 2, o referencial teórico, irá abordar estudos relacionados ao tema e apresentar diferentes correntes de estudiosos do assunto; enquanto, na seção, 3 são descritos os procedimentos metodológicos, que irão demonstrar o processo de coleta de dados para análise; enquanto na seção 4, trata-se do desenvolvimento a partir da apresentação e discussão dos resultados; a seção 5 aporta a conclusão; e, por fim, a 6.ª seção lista as referências que foram utilizadas para fundamentar o estudo.

2 Referencial Teórico

A estratégia de prevenção à COVID-19 recomendada pelas autoridades sanitárias de isolamento social obrigou a adoção do teletrabalho para os servidores públicos. Esta modalidade de trabalho é recente e pouco adotada no setor público. 

Diante disso, a fundamentação será feita a partir da abordagem geral do trabalho remoto na Administração Pública, seguida do debate feito acerca da perspectiva dos servidores públicos em torno das inovações implementadas no ambiente de trabalho, para, enfim, descrever como se deu a implementação do teletrabalho na ANEEL, objeto central do estudo.

2.1 Teletrabalho na Administração Pública

O teletrabalho começa a ser estudado anteriormente à Revolução Tecnológica e ao atual modelo, advindo do desenvolvimento da tecnologia da informação, ainda nos anos 1950, quando o termo “trabalho a distância” foi utilizado pela primeira vez, com uma concepção diversa à empregada nos dias de hoje. Nos anos 1970, já em debate acadêmico, passa a ter um conceito relacionado ao uso de tecnologias de informação e comunicação (TICs). Esta modalidade laboral foi implementada, inicialmente, pelo setor privado, com objetivo de otimizar as tarefas e reduzir custos, com o intuito de promover o aumento da produtividade (ALVEZ, 2022; FINCATO, 2021).

O surgimento da pandemia fez aumentar o número de teletrabalhadores sem que houvesse um planejamento, encorajado pelo discurso focado em supostos benefícios para o trabalhador. A presente discussão tratará do conceito de teletrabalho e seus impactos na Administração Pública por meio de suas instituições e seus servidores. Tal como uma reflexão sobre os efeitos no âmbito doméstico do servidor público, que, muitas vezes, ultrapassa a carga horária prevista, devido às ferramentas tecnológicas à disposição (DURÃES; BRIDI; DUTRA, 2021; OLIVEIRA, 2019). 

Esta modalidade laboral foi implementada, inicialmente, pelo setor privado, com objetivo de otimizar as tarefas e reduzir custos, com o intuito de promover o aumento da produtividade (ALVEZ, 2022; FINCATO, 2021). A discussão intelectual e a sua inserção na Administração Pública brasileira ganham força e efetividade nos anos 2010, quando, ainda na mesma década, a categoria torna-se equiparada – não específica – com base na Lei 12.551/2011 (MELLO; FERREIRA, 2012). 

Desde então, o trabalho a distância inseriu-se, discreta e timidamente, nas organizações públicas, encontrando mais robustez com a Reforma Trabalhista instituída pela Lei 13.467/2017, que inclui e regulamenta a modalidade do teletrabalho, delineando suas idiossincrasias no art. 75-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (BRASIL, 2017). No setor público, a Instrução Normativa 001/2018, passa a prever outras modalidades, diferentes do trabalho presencial, desde que possuam diretrizes explícitas em um Programa de Gestão (BRASIL, 2018). 

Recentemente, a Lei nº 14.442/2022, complementou o Art. 75-A da CLT, com o Art. 75-B, que considera “teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, […] com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo” (BRASIL, 2022). 

Estas inserções, sejam trabalhadores celetistas ou estatutários, têm um simbolismo relevante, já que sobrepõe a falta de clareza anterior, evitando entraves burocráticos deliberados e permitindo, por meio do arcabouço legal, maior controle sobre a executoriedade dos trabalhos informatizados (FINCATO, 2021; REGIS, 2021).

Assim, o Governo Brasileiro vem adotando novas tecnologias na prestação de serviços; em especial, na esfera federal, com a adoção do Governo Digital, ou e-Gov, que permite que os cidadãos acessem serviços disponibilizados nos sítios da administração direta e indireta (CRISTÓVAM; SAIKALI; SOUSA, 2020).

O passo gradual dessa convergência foi profundamente impactado pela pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), que obrigou o Brasil a decretar estado de calamidade pública a fim de atender as recomendações das autoridades sanitárias locais e da Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio da Lei 13.979/2020 (BRASIL, 2020). 

Este fenômeno inesperado interrompeu as atividades laborais não essenciais, tanto do setor público, quanto no setor privado; e trouxe a inevitabilidade do aceleramento da implementação do trabalho remoto nas organizações públicas, que não poderiam deixar de realizar suas atividades, nem ignorar as demandas da sociedade (REGIS, 2021). Afinal, as engrenagens da máquina pública possuem a importância e a imprescindibilidade da manutenção de suas atividades em sua gênese, cujas premissas são oriundas da Carta Magna (BRASIL, 1988). 

Segundo Mendes, Filho e Tellechea (2020), nos últimos anos, diversos estudos buscaram avaliar os impactos da adoção do trabalho remoto nas mais distintas esferas. Desde 2000, vislumbrava-se que o teletrabalho pudesse aumentar o envolvimento das pessoas em suas comunidades (impacto social), diminuir o gasto energético, reduzir o trânsito, mitigar a poluição nas cidades (impacto ambiental) e possibilitar a diversificação organizacional e trabalhista; além de pavimentar o crescimento em alguns setores da economia (impacto econômico). Contudo, sempre foi latente o receio acerca dos impactos psicológicos sobre os teletrabalhadores, motivados pelo temente risco de haver máculas de impessoalidade e baixo envolvimento nas tarefas realizadas. Desde então, os impactos organizacionais e sobre o trabalhador têm norteado a busca de soluções por todos que estudam o tema (MENDES; FILHO; TELLECHEA, 2020).

Entre as discussões que só apontam vantagens e enxergam, na modalidade, a solução para diversos problemas do trabalho até as abordagens mais críticas, que examinam os efeitos nocivos do teletrabalho no mundo contemporâneo, as produções sobre a temática sinalizam que o contexto e as rotinas do trabalho remoto são distintos daqueles do trabalho convencional (SAKUDA; VASCONCELOS, 2005). O sistema comunicacional integrado em redes, a imperiosidade da gestão do conhecimento, a diminuição do convívio social e o enfraquecimento das relações de confiança são algumas dessas especificidades (FILARDI; CASTRO; ZANINI, 2020).

Em meio aos inúmeros desafios do trabalho a distância, podem ser destacados: as mudanças na relação entre o indivíduo e seu trabalho; a alteração na rotina e nos hábitos; a dificuldade em separar os aspectos laborais dos da vida privada; possíveis problemas de autoidentificação e aumento à propensão de sentimentos subjetivos (ROCHA e AMADOR, 2018). Sem o devido monitoramento, adaptação e cuidado necessários, há a possibilidade de perda de conhecimento tácito e explícito da organização (SAKUDA; VASCONCELOS, 2005).

Segundo os achados de Filardi, Castro e Zanini (2020), os gestores públicos apontaram como pontos positivos do teletrabalho: economicidade de tempo, maior noção da demanda laboral a partir da padronização das métricas de avaliação e a mitigação dos custos; como pontos negativos: problemas psicológicos e com a readaptação à volta ao sistema presencial, ruídos na comunicação e peculiaridades no relacionamento com o trabalhador presencial e o remoto. Alves (2020) traz sua contribuição em duas dimensões, no que tange às vantagens do trabalho a distância. Para a organização, lista benefícios como redução de custos; aumento da produtividade; flexibilidade; autonomia; redução do absenteísmo; entre outros. Para o trabalhador, economia de recursos financeiros; flexibilidade; autonomia; redução do estresse e da tensão profissional; oportunidade para pessoas com deficiência (PcD).

Por outro lado, Durães, Bridi e Dutra (2021) afirmam que a modalidade traz a potencial precarização do trabalho e uma maior fragilidade nas relações trabalhistas. Destacam, ainda, que apesar dos pontos positivos apresentados pelos trabalhadores em outros estudos, há o relato da maioria perceber que as atividades realizadas em ambiente doméstico torna-se um trabalho continuado, sem horário de início e fim. Isso traz a ilusão de que é o indivíduo que faz a escolha e seus próprios horários. As autoras destacam que o teletrabalho pode ser um instrumento a serviço do capital e as vantagens descritas em seu estudo servem de ilusão do discurso gerencialista que domina o setor público desde os anos 1990. 

Lucas e Santos (2021) descrevem a evolução do arcabouço legal que viabilizou o teletrabalho na Administração Pública. Os autores destacam que a IN 65/2020, que suspendeu o trabalho remoto nas Instituições Federais e determina o retorno das trabalho presencial. O dispositivo legal deixa a critério das instituições a adoção de um Plano de Gestão (PGD), que nos termos da IN 001/2018, possibilita o teletrabalho integral e parcial na Administração Pública.

Segundo Alves (2020), esse aspecto legalista existente por exigência constitucional deve ser adotado, sem que signifique uma burocratização das atividades, focadas exclusivamente em processos, pautado na desconfiança. O autor explica que a cultura administrativa sofre influência da dimensão institucional-legal, com as alterações e mudanças na legislação. Para o autor, o trabalho a distância pode incorporar a estratégia organizacional das instituições, necessitando uma análise da realidade e da capacidade de empregar as mudanças. Para isso, é preciso sensibilidade gerencial para promover o desenvolvimento de novas práticas e adaptação aos novos processos. 

Nesse sentido, Azevedo, Moreira Junior e Rocha (2023) destacam a necessidade de análise, previsibilidade e avaliação criteriosa do cenário para alcançar os objetivos definidos na estratégia institucional, independente do setor. A gestão estratégica deve analisar todo o cenário durante o processo decisório. No setor público, deve-se observar a legalidade dos atos por determinação constitucional, o que torna viável o alcance das metas estabelecidas pelas entidades públicas (ROCHA; MOREIRA JUNIOR; AZEVEDO, 2023).

2.2 Os servidores e a inovação no setor público

O trabalhador, de maneira geral, tende a demonstrar resistência implícita a mudanças organizacionais. Esta realidade não se restringe ao setor privado, apresentando similaridades e algumas distinções (FEITOSA; COSTA, 2016). Inovações organizacionais afetam a subjetividade do indivíduo, que precisa se adaptar a elas e, com isso, passa por um processo de reconstrução identitária como trabalhador (BATISTA et al., 2021; REGIS, 2018).

A COVID-19 impactou todos os setores da sociedade, atingindo os cidadãos de diversas formas. A readequação das rotinas, processos e reconstruções se tornaram contínuos. A sociedade hiper tecnológica transpõe distâncias geográficas e não tem apego a rotinas, tendo consequências quase predatórias (DURÃES; BRIDI; DUTRA, 2021; FINCATO, 2021). Oliveira (2017) relembra a concepção fordista-taylorista: a distinção das atividades nas fábricas para sua vida doméstica. O cenário, a partir de fevereiro de 2020, foi mudando essa lógica que fez parte da sociedade.

O teletrabalho doméstico, entendido como home-office, na Administração Pública brasileira foi implementado, de maneira compulsória, com o objetivo de evitar o contágio pelo novo coronavírus; e, consequentemente, os óbitos entre os servidores, seus familiares e os usuários do serviço público em razão da COVID-19 (FINCATO, 2021; REGIS, 2021). Antes disso, alguns órgãos públicos já adotavam a modalidade, como o Tribunal de Contas da União (TCU), o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a Câmara dos Deputados, a Receita Federal, Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª região, que instituiu a modalidade em caráter permanente e facultativo desde 2015 (BRASIL, 2015). Mesmo com essas experiências e a súbita implementação com chegada da pandemia, a modalidade ainda carece de estudos que permitam mensurar resultados que possam ser tabulados e analisados de forma sistemática e consistente (BUSS ROCHA et al., 2021).

Os servidores públicos que atuam com atividades remotas foram impactados de inúmeras formas, seja positiva ou negativamente, e declaram como aspectos positivos: a flexibilidade de horários, a melhoria da produtividade e qualidade do trabalho, a autonomia para organizar tarefas, a maior concentração, a segurança, entre outros (FILARDI; CASTRO; ZANINI, 2020). Por outro lado, destacam aspectos negativos como: o isolamento social e profissional, a falta de concentração, a ampliação do custo doméstico, conflito familiar, a cobrança constante da chefia etc. (BUSS ROCHA et al., 2021; NOHARA et al., 2010).

Percebem-se muitas semelhanças nos impactos sentidos pelos servidores públicos nos estudos disponíveis, dos quais foram coletados dados indicadores que puderam oferecer uma análise mais abrangente; tais como: indicadores estruturais, indicadores físicos, de bem-estar, indicadores pessoais, profissionais e indicadores psicológicos (BUSS ROCHA et al., 2021; FILARDI; CASTRO; ZANINI, 2020).

Batista et al. (2021) apontam que o processo de implantação de inovação organizacional enfrenta resistências dos colaboradores. Mudança organizacional implica alteração comportamental do indivíduo que afeta os grupos. É preciso adotar ferramentas que estimulem o comprometimento, o envolvimento no processo, permitindo a cooperação e a participação, a fim de mitigar a objeção. 

Castro e Oliveira (2022) entendem que, nas organizações da Administração Pública, além dos desafios enfrentados nas empresas privadas, há excessos de formalidades burocráticas que retardam a implementação de inovação, gerando insegurança nos servidores, em especial, acerca da possibilidade de perda de vantagens já adquiridas. As principais causas evidenciadas que provocam resistência a mudanças organizacionais no setor público são: falhas na comunicação e negociação entre os envolvidos, receio de perder algum benefício – inclusive, pecuniário -, desinteresse pelas novas ideias, ausência de participação no processo decisório, imobilidade vertical, dentre outras.

A avaliação metodológica da adoção emergencial da modalidade do teletrabalho na Administração Pública brasileira, no período pandêmico, carece de estudos robustos que possam servir de fundamentação teórica que sustenta, cientificamente, qualquer hipótese, eventualmente, levantada (BATISTA et al., 2021). Os autores consideram que a ínfima quantidade de trabalhos produzidos deixam lacunas e impedem um aprofundamento sistemático sobre o tema. Feitosa e Costa (2016) apontam que os estudos sobre o tema dão ênfase ao setor privado, fazendo crer que as instituições públicas não são competitivas.

No setor público, é comum que os que ocupam cargos de chefia e liderança sejam indicação política. Nas Agências Reguladoras é comum essa prática de loteamento a grupos políticos (DELPHIM, 2021). A autora destaca que os que ocuparam cargo de liderança no objeto do seu estudo tinham o perfil técnico condizente com o setor. Sustenta, ainda, que a agenda partidária é uma realidade na ocupação dos cargos de indicação. Paludo (2020) entende que a governança pública pode evitar eventuais desvios, com programa de controle interno e gestão fortes e transparentes. A gestão por competência exige, além das habilidades técnicas, uma sensibilidade organizacional, que foca na valorização dos membros da equipe (ROCHA; MOREIRA JUNIOR; AZEVEDO, 2023).

3 Metodologia

A metodologia adotada utilizou a observação de dados secundários: artigos, normas legais e demais publicações e documentos que tratem do teletrabalho no Brasil, em especial, durante o período da implementação compulsória do trabalho a distância. Com o intuito de uma análise complementar foram enviadas indagações à ANEEL, por meio da plataforma Fala.BR, assim como solicitação autorização para a distribuição de questionário virtual não estruturados para que servidores respondam de forma anônima, com objetivo de conhecer a perspectiva dos trabalhadores tanto do nível operacional (VERGARA, 2019). 

3.1 Classificação da Pesquisa

O presente estudo tem natureza aplicada, abordagem qualitativa e, quanto aos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva. Serão utilizados os critérios de taxonomia de Birochi (2015) e Gil (2002), sem prejuízo à utilização do pensamento de outros estudiosos da metodologia científica.

Quanto aos objetivos, é uma pesquisa exploratório-descritiva, construída pela análise bibliográfica para construção do escopo do estudo e do refinamento dos instrumentos de coletas de dados (BIROCHI, 2021). Gil (2002) elucida que a pesquisa descritiva é próxima à pesquisa exploratória, já que estudam os fenômenos ou populações, buscando estabelecer relações entre suas variáveis. O mapeamento do tema, por meio da análise bibliográfica e documental, e se destacam suas principais características de forma objetiva; e, assim, aprofundando o estudo a partir da análise qualitativa dos dados coletados.

Quanto à natureza, o estudo tem características de pesquisa aplicada, já que são investigações que envolvem o estudo de fenômenos relacionados às práticas administrativas do ambiente organizacional e suas relações (BIROCHI, 2015). Desta forma, aplica-se ao objeto do presente estudo, que busca compreender os impactos do teletrabalho na rotina profissional na Administração Pública, a partir de sua implementação compulsória na pandemia. 

Quanto à abordagem, será uma pesquisa qualitativa, no sentido que, de acordo com Gil (2002), esse tipo de abordagem analisa, teoricamente, os fenômenos sociais transitando entre a observação, análise e interpretação. E, com consonância com Birochi (2015), esta sorte de investigação não pode ser limitada à parametrização quantitativa. Tais entendimentos condizem com a interação das variáveis presentes nesse estudo: o teletrabalho no contexto de uma pandemia que afeta a estrutura organizacional da ANEEL.

3.2 Procedimentos para coleta de Dados

Os procedimentos técnicos para coleta de dados são definidos com base no delineamento do estudo. São definidos de modo que seja possível confrontar a visão teórica com a análise empírica e, a partir daí, seja possível fazer a interpretação da realidade do fenômeno investigado, a partir da perspectiva do pesquisador (GIL, 2002). O autor divide os procedimentos em dois grupos: os que tem “fontes de ‘papel’ e aqueles cujos dados são fornecidos por pessoa” (GIL, 2002, p. 43, grifo do autor). A partir dessa conceituação, os procedimentos adotados para essa investigação foram a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e o estudo de campo. 

Para dar suporte teórico-legal ao estudo, foram coletados dados bibliográficos e documentais. Essas informações são classificadas como dados secundários, uma vez que são levantados por terceiros (VERGARA, 2019). O estudo (ou pesquisa) de campo permite que o pesquisador faça a observação de atividades humanas, que pode ser uma comunidade de trabalho, de estudo, de lazer, etc. relacionadas ao objeto pesquisado (GIL, 2002). 

Segundo a Estevez (2021) a pesquisa de campo é o momento empírico da base teórica construída anteriormente, sendo o recorte prático da investigação. Nessa etapa, a partir da observação, é preciso fazer questionamentos que envolvem o tema e seus objetivos. Interrogar e coletar sistematicamente essas informações, classificadas por Vergara (2019) como dados primários, possibilita o registro, a análise e a interpretação dos resultados produzidos por elas. Esclarece, ainda, que dados de levantamentos sistemáticos feitos por estudos anteriores ou produzidos por institutos de pesquisas oficiais podem ser utilizados como dados primários, em especial nas pesquisas descritivas. Creswell (2007) observa que o pesquisador deve analisar se as informações extraídas de fontes documentais são dados primários ou secundários.

3.2.1 Instrumento para coleta de dados

Os instrumentos de coleta de dados secundários foram obtidos de estudos científicos, como artigos e dissertações, por meio das plataformas de indexação de periódicos científicos, tais como SciELO, Google Acadêmico e Sucupira, para os dados bibliográficos. Nos sítios governamentais, obteve-se acesso às legislações, normas e documentos digitais pertinentes ao tema e aos fenômenos presentes nesse estudo. Para isto, foram considerados, preferencialmente, material produzido nos últimos cinco anos, que continham características e experiências com trabalho a distância; e, em especial, a partir de 2020, os concernentes ao teletrabalho implementado com o início da pandemia da COVID-19. 

O levantamento dos dados primários foi feito a partir do documento Relatório de Ambientação e Acompanhamento – PDG, produzido pela ANEEL, em novembro de 2022. De modo complementar, diante da dificuldade de acessar o ambiente e por conveniência dos autores, uma vez que a sede da instituição fica localizada em Brasília/DF, o estudo buscou obter, via Plataforma Fala.BR, respostas para questões que amparem o entendimento empírico coletado nos dados secundários.

3.2.2 Definição do universo e amostra que será pesquisada

Em conformidade com Gil (1989), é imperativo delimitar o grupo com características ligadas ao objeto da pesquisa.  O universo definido para este trabalho é composto por 621 servidores dos âmbitos operacional e gerencial participantes da modalidade de teletrabalho, já excluídos os licenciados, cedidos e estagiários. A amostra é composta pelos gestores das 23 unidades organizacionais que aderiram a modalidade de teletrabalho integral e teletrabalho parcial, sem que signifique a exclusão dos que optaram pelo trabalho presencial.

3.2.3 Detalhamento do processo para coletar os dados

Em março de 2022, teve início a elaboração do projeto da presente pesquisa, onde aprofundou-se na exploração dos estudos feitos acerca do tema e dos documentos que dão suporte legal à adoção do trabalho remoto na Administração Pública brasileira. A pesquisa bibliográfica e documental preambular permitiu o entendimento amplo do tema e, com o aprofundamento, a delimitação temática na busca da obtenção da especificidade necessária, explicitada por Marconi e Lakatos (2010). Cumpre destacar que, durante o levantamento, em setembro de 2022, o estudo identificou a publicação de Portarias internas que passaram a regulamentar o teletrabalho na ANEEL, a partir do Plano de Gestão (PGD).

Passou-se, então, a fazer a análise crítica do plano para compreender a adoção formal do teletrabalho na autarquia.  Em dezembro do mesmo ano, foi disponibilizado o Relatório de Ambientação e Acompanhamento do PGD, que traz respostas para as questões feitas pela investigação. Os dados extraídos do documento fazem parte de estudo de análise parcial dos primeiros nove meses da implantação do PGD. Essas informações serviram de base para interpretação dos resultados apresentados na discussão, em sessão própria.

3.3 Procedimentos para análise dos dados 

Os dados coletados são essencialmente de fontes documentais produzidas pela Agência Reguladora. Foram selecionadas as normas que regulam o tema e cumprem a exigência constitucional de observância do princípio da legalidade nas decisões tomadas pelas Instituições Públicas envolvidas. 

Os resultados são apresentados em tabelas, quadro e gráfico. Além disso, adotam-se as técnicas metodológicas de análise de conteúdo empreendidas por Bardin (2016), que organiza, codifica, categoriza e verifica as inferências. A primeira etapa se deu com a separação do material, a leitura flutuante, como preconiza a autora, ou seja: o fichamento, a seleção dos achados relevantes à pesquisa, considerando, optando pela análise temática.

A análise qualitativa dos resultados partiu da seleção e da exploração de todo material para identificação das informações pertinentes aos objetivos do estudo. A discussão dos resultados apresentados são fruto da construção de uma narrativa qualitativa na forma cronológica, com propósito de apresentar um retrato descritivo acerca do tema (CRESWELL, 2007).

4 Apresentação e discussão dos resultados

Os dados apresentados têm origem em documentos oficiais, mais precisamente do Plano de Gestão da ANEEL, bem como do Relatório de Ambientação de Acompanhamento do PGD. Além disso, apresenta-se informações complementares obtidas da autarquia, por meio da plataforma Fala.BR (Apêndice A).

Nesta etapa, as informações pesquisadas e referenciadas serão confrontadas com os dados que serão coletados com formulário a ser enviado à ANEEL por meio da plataforma Fala.BR e, sistematicamente, classificados para satisfação que o rigor da pesquisa científica demanda (BIROCHI, 2015).

4.1 O teletrabalho na ANEEL

Todos os atos e decisões dentro da Administração Pública precisam ter previsão legal, por força de exigência constitucional. Assim, a implementação do teletrabalho na ANEEL precisou de previsão legal antes de acontecer de fato. Devido a imprevisibilidade imposta pela pandemia, o Estado passou a regular as atividades e os procedimentos, conforme surgiam as demandas. No Quadro 1, apresenta-se uma demonstração visual da evolução das normas que disciplinam o tema e impactaram a agência, conforme passa a ser descrito (CRESWELL, 2007).

A ANEEL é uma agência reguladora constituída em 1997, que tem como atribuição fiscalizar e regular o setor elétrico e está vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). É uma autarquia em regime especial, que foi criada num período de alterações na administração pública brasileira, conhecida como Administração Gerencial ou Nova Gestão Pública.  (BRASIL, 1997). 

A agência é dividida em 23 unidades organizacionais, compreendendo toda a estrutura da instituição. O quadro de pessoal determinado pela Lei nº 10.871/04 é de 765 servidores. Entretanto, em dezembro de 2021 havia 583 cargos efetivos ocupados (ANEEL, 2021). Atualmente, conta com 702 servidores ativos, sendo 659 da própria instituição e os demais 43 estão cedidos e lotados em outros órgãos públicos (PORTAL DA TRANSPARÊNCIA, 2023).

Desde a sua constituição, as atividades laborais na agência ocorriam, exclusivamente, em sua sede, localizada em Brasília (DF), na modalidade presencial (ANEEL, 1997). A partir de 2016, há a previsão de atividades fora da sede, por determinação específica das diretorias. Com o advento da pandemia de COVID-19, e a decretação do estado de emergência em saúde pública, no ano de 2020, foram publicadas normativas para regular a continuidade das atividades e estabelecer medidas de proteção e distanciamento, a fim de evitar o contágio pelo vírus causador da pandemia, o novo coronavírus (BRASIL, 2020). Em março do mesmo ano, ocorreu a publicação da Portaria 6310/20, da ANEEL, orientando a adoção de novos procedimentos internos para manter as atividades. Com isso, as atividades presenciais ficarão suspensas, passando a ser adotado o trabalho remoto de forma compulsória.

No final de 2021, com a imunização em andamento e uma redução de óbitos e casos, a diretoria da agência determinou a revisão da Norma de Organização (NO) n.º 51, que trata do Programa de Gestão (PGD) (ANEEL, 2021). O reexame da regulação interna produziu a nova versão da ferramenta gerencial que passou a contemplar as modalidades presencial, teletrabalho integral e teletrabalho parcial. São Instrumentos Normativos que regulamentam as atividades para Superintendência de Recursos Humanos (SRH); e outro, para o Gabinete da Diretoria Geral (GDG), com a possibilidade da implementação de tais modalidades; ou seja: começa a se desenhar um esquema híbrido. As condições para adesão dependem das atividades inerentes às funções, já que nem todos os colaboradores, pela exigência funcional, poderiam aderir ao teletrabalho (ANEEL, 2022a, 2022b).

Em novembro de 2022, a autarquia disponibilizou o Relatório de Ambientação de Acompanhamento (RAA) do PGD, que objetiva “apresentar a consolidação e análise de dados quantitativos e qualitativos do Programa de Gestão da ANEEL, bem como dar publicidade do material, interna e externamente […]” (ANEEL, 2022c, p. 1). O documento traz informações relevantes que serviram como fonte de dados primários para apoiar na busca pelos objetivos da pesquisa.

Quadro 1 – A evolução do teletrabalho na ANEEL

Fonte: Elaborado pelos autores (2023)

O Quadro 1 traz informações relevantes uma vez que, segundo Alves (2020), o aspecto legal é uma exigência constitucional e afeta a cultura administrativa da organização. É possível perceber que as ações da autarquia em torno do trabalho remoto buscaram observar o princípio da legalidade que deve permear todo ato administrativo da administração pública.

Questionada sobre a normatização interna, antes da publicação do PGD, que regulava o trabalho remoto, a autarquia respondeu com links para a IN nº 19/2020 e a Portaria 6709/2021 (Anexo 1). Observa-se, portanto, que as atividades remotas estavam pautadas nas normas da IN nº 19/2020.

4.2 O Plano de Gestão (PGD) da ANEEL

O PGD é descrito como uma ferramenta gerencial, que faz parte do Programa de Gestão da ANEEL, e visa orientar os exercícios dos processos laborais, de modo a promover resultados mensuráveis de acordo com os procedimentos de cada unidade organizacional. Revisado em 2022, a ferramenta adotou o teletrabalho, parcial e integral, além da tradicional modalidade presencial. Recém implementado, o plano encontra-se em fase de ambientação, tendo o primeiro relatório de análise publicado em novembro de 2022.

Contempla todos os servidores da agência reguladora e teve início nos três primeiros meses do ano de 2022, ainda como um plano de trabalho para avaliar os procedimentos gerais antes de sua efetivação em março do mesmo ano, sendo respeitadas as particularidades das unidades organizacionais de apoio.

O planejamento parte de um processo de categorização das atividades da agência, que varia de acordo com o grau de complexidade calculado sobre o tempo de execução, dentro de um agrupamento que contempla cada unidade e demanda. Estabelece a correspondência entre a carga horária realizada e a efetivamente computada, seja em teletrabalho ou presencial, durante os três meses de duração do Plano de Trabalho. Além disso, fica prevista a garantia de um número mínimo de trabalhadores para garantir o atendimento presencial de caráter essencial.

A Tabela 1 demonstra os parâmetros adotados para categorização das atividades, permitindo o acompanhamento da realização das atividades. A coluna 1, Nível de Complexidade, mantém relação com a coluna 2, Texto Explicativo, que serve de unidade de referência para registro da execução das atividades, considerando o grau de complexidade e dificuldade para ser entregue. O monitoramento tem início a partir do registro feito pela gestão de cada unidade organizacional do início da execução da atividade e termina quando é feita a entrega esperada.

Importante esclarecer que a publicação do PGD, o início da fase de plano de trabalho até sua implementação ocorreu durante a elaboração do projeto de pesquisa que serviu de base para o presente estudo. Com isso, durante o ano de 2022, a própria instituição não possuía dados qualitativos ou quantitativos para apresentar. A ausência de informações oficiais e confiáveis foi superada em novembro de 2022, com a publicação do Relatório de Ambientação de Acompanhamento do PGD, que traz uma análise parcial dos resultados nos primeiros meses de PGD. 

Tabela 1 – Categorização das atividades, de acordo com o nível de complexidade

Fonte: ANEEL (2022c)

O aspecto explicativo e descritivo, do aspecto legal dos atos e do PGD, torna-se essencial para a compreensão dos resultados apresentados e discutidos a seguir.

4.3 Avaliação do PGD na ANEEL

O Relatório de Ambientação de Acompanhamento do PGD foi elaborado por um grupo de trabalho composto por 8 servidores designados por determinação interna para analisar a adoção do teletrabalho na ANEEL, concretizada pelo PGD. O documento fez o levantamento, no mês de setembro de 2022, nas 23 unidades organizacionais e buscou avaliar os aspectos qualitativos e quantitativos do plano. As lideranças das unidades organizacionais responderam a pesquisa que fundamentou o documento de acompanhamento. 

4.3.1Estrutura Organizacional da ANEEL e Adesão ao PGD

A Agência Reguladora conta com duas divisões hierárquicas: a Diretoria Colegiada, formada por membros indicados pela Presidência da República e aprovados pelo Senado Federal, e 23 unidades de apoio. Nesse ambiente, são distribuídos, como pessoal técnico e de apoio, 621 servidores ativos. Ressalta-se que, desse total, excluem-se os servidores licenciados, ou cedidos para outros órgãos e os estagiários. O gênero masculino é predominante no quadro de servidores, com 424 homens, o que representa 68,27% do total. Enquanto as mulheres correspondem a 197 servidoras, totalizando 31,73%.

A escolha pela modalidade de trabalho fica facultativa aos servidores da amostra, permitindo-os optar pelo modelo que melhor se adequar às suas atividades laborais e suas particularidades. Nesse sentido, 479 servidores aderiram ao PGD, distribuídos de acordo com a opção, pela modalidade e gênero, como disposto no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Distribuição servidores por modalidade e gênero

Fonte: ANEEL (2022c)

Analisando o número de servidores que aderiram ao PGD, que corresponde 77,13% do total da amostra, é possível observar que não houve resistência à essa inovação, ainda que de forma contingenciada, conforme apontado por Durães, Bridi e Dutra (2021). 

Todavia, a alta taxa de adesão não permite afirmar que houve redução na resistência do trabalhador a mudanças, como ressaltam Feitosa e Costa (2016), nem tampouco que houve melhoria nas condições de trabalho desses servidores. Essa limitação se dá pelo pouco tempo de implantação do PGD. Todavia, o programa da ANEEL serve como um potencial indicador para comparação de programas similares que eventualmente venham a ser adotados em outras organizações públicas, como feito no estudo de Filardi, Castro e Zanini (2020).

O caráter optativo do programa, que faculta ao servidor a adesão, é um aspecto que demonstra uma sensibilidade gerencial, no que tange a equipe, conforme Rocha, Moreira Junior e Azevedo (2023) salientam. Por outro lado, Durães, Bridi e Dutra (2021) entendem que o teletrabalho é uma ferramenta do capital, com caráter neoliberal que predomina no gerencialismo da Administração Pública brasileira.

4.3.2 Impactos nas despesas de consumo na ANEEL

As despesas de consumo da agência englobam desde itens de higiene, material de escritório, transporte, energia, água a despesas com viagens institucionais e cursos de aprimoramento dos funcionários. A partir dos dados disponíveis no Relatório do Plano de Gestão da ANEEL (2022) dispostos na Tabela 2, com base de referência em 2018/2019. 

Os autores do Relatório trazem a seguintes informações sobre as despesas:

“[…] observa-se que, a despeito do aumento no valor de tarifas e de produtos, no mesmo período de observação em comparação ao ano de referência […], houve uma economia aos cofres públicos de mais de R$ 240.000,00 somente no ano de 2022”.

Tabela 2 – Comparativo de gastos na sede da ANEEL entre 2018 e set/2022

Fonte: ANEEL (2022c) adaptado pelos autores

É possível observar que, desde a implementação do teletrabalho na pandemia, houve redução substancial de despesas dado menor consumo com itens como: energia, água, transporte, lixo, café, papel, água mineral, caneta, esponja e detergente, ilustrado na Tabela 2.  

No relatório, é possível perceber o aumento de gastos com os itens cujas porcentagens estão em vermelho. No entanto, ao comparar as duas tabelas, é possível inferir que, como houve redução no consumo de todos os itens), tal gasto é explicado pelo reajuste dos itens: café, esponja e detergente; ainda assim, houve economia superior a R$ 240.000,000 na projeção para o ano de 2022.

Informações do RAA concluem que:

“Outro dado fornecido […] refere-se ao total de viagens e o referido custo para a Administração. […] Observa-se redução no número de viagens pagas para missões institucionais no ano de 2022 e, ainda que seja feita projeção até o final de dezembro de 2022, seguindo a média ao longo dos meses de janeiro a setembro/2022, percebe-se uma diminuição de quase 50% no total de viagens efetuadas. Houve aumento do valor médio de viagens, atualmente cerca de 74% mais alto que em 2019”.

Paralelamente, os dados do RAA demonstram que, embora tenha havido aumento no valor médio das passagens aéreas (74% em relação a 2019), o volume de viagens diminuiu a quase 50%, na projeção de 2022, em comparação a 2018/2019, o que demonstra maior economicidade também nesta área. 

Os dados apresentados nas tabelas acima corroboram uma das vantagens apontadas por segundo Filardi, Castro e Zanini (2020), quando concluem que a implementação do trabalho remoto no setor público tem potencial de mitigação de custos. A economicidade alcançada pelo trabalho a distância faz parte do estudo de Alves (2020). A autora destaca que a economia de recursos ocorre tanto para a instituição, como para os servidores

4.3.3 Benefícios e desvantagens do teletrabalho na ANEEL

No Relatório do PGD, os gestores destacaram os benefícios e desvantagens na modalidade de trabalho a distância, como disposto nas Tabelas 5 e 6. 

Tabela 3 – Principais benefícios a partir perspectiva dos gestores das unidades organizacionais

Fonte: ANEEL (2022c) adaptado pelos autores

Tabela 4 – Desvantagens a partir perspectiva dos gestores das unidades organizacionais

Fonte: ANEEL (2022c) adaptado pelos autores

A partir da Tabela 3, observa-se que, apesar da necessidade de adaptação ao teletrabalho, inclusive frente ao temor a inovações, o suporte organizacional permitiu o aprendizado tecnológico necessário para o desempenho das atividades. Assim, com a melhora na qualidade de vida pessoal e profissional e redução do estresse dada a fatores como: maior flexibilidade de horário e conciliação das tarefas domésticas e laborais, como apontaram os estudos de outros (FILARDI; CASTRO; ZANINI, 2020); com a redução da circulação de transportes nas ruas e deslocamento – o que foi também um fator importante na diminuição de custos de participação dos servidores e da agência-, o nível produtividade recrudesceu. 

O acompanhamento do PGD fortaleceu a cultura organizacional e redesenhou o método de avaliação, permitindo uma melhor interação com os servidores, o que resultou num melhor atendimento e maior alcance de metas e resultados.

A retenção de funcionários foi um dos aspectos mais positivos do relatório, porque, mesmo no período pandêmico, houve redução de licenças médicas e afastamentos das funções laborais; inclusive, muitos servidores postergaram suas aposentadorias sob o PGD.

A Tabela 6 permite afirmar que, dentre as desvantagens nas modalidades de teletrabalho e híbrida, está a dificuldade de delimitar o dispêndio de tempo entre atividades domésticas e do trabalho, o que acaba por aumentar a jornada de trabalho, concepção que vai ao encontro aos achados de Castro e Oliveira (2022). 

Ainda que haja dificuldades tecnológicas tanto no funcionamento do sistema do PGD, com instabilidades e ainda sem a integração adequada com a ANEEL, quanto às limitações de conhecimento computacional de parte dos servidores; assim como dificuldades na comunicação de forma híbrida encontradas pelos gestores, o que perfaz os dados encontrados por Batista et al. (2021), que descrevem os desafios na reestruturação e inovação organizacional, o saldo entre as vantagens (Tabela 3) e desvantagens (Tabela 4) é positivo diante de um planejamento feito sob a demanda na fase mais aguda da pandemia.

5 Conclusão

O estudo teve como objetivo identificar os impactos da implementação compulsória do teletrabalho na Administração Pública, em consequência da COVID-19, com as subsequentes transformações nas atividades profissionais na ANEEL.

Após a análise dos resultados foi possível concluir que a adoção do trabalho remoto na ANEEL iniciou de forma contingenciada e não planejada, por imposição das práticas de prevenção à infecção pelo vírus causador da pandemia. Entretanto, a modalidade foi incorporada às rotinas laborais da autarquia.

É possível, ainda, constatar que a implementação compulsória do teletrabalho na Administração Pública, a partir da perspectiva do que vem ocorrendo na ANEEL, trouxe impactos na sociedade e na sua relação com o setor público. 

Do mesmo modo, a rotina laboral dos servidores teve alterações em diferentes aspectos, observando as vantagens e as dificuldades próprias de toda ação resultante de um processo decisório. Entretanto, os dados obtidos trazem a perspectivas das lideranças. Assim, entende-se que permanece uma lacuna da perspectiva dos servidores da Agência que aderiram ao teletrabalho. 

Por outro lado, ao observar o percentual dos servidores que aderiram ao programa e os dados financeiros, que permitem estabelecer uma relação entre consumo e despesa, é possível mensurar a elevação do nível de produtividade e da economicidade como efeito da adoção do programa. 

Ressalta-se que os autores encontraram dificuldades diante da negativa aos pedidos de distribuição dos formulários para os servidores do nível operacional, bem como entrevista aos gestores das unidades organizacionais, até a conclusão do estudo.

Os autores se vêem impedidos de adotar qualquer tipo de generalização, uma vez que para isso seria necessário observar outras instituições para ter uma amostra segura que permita concluir, com fidedignidade, a realidade observada. Diante disso, recomenda-se aprofundamento sobre o tema e a busca pelo preenchimento das lacunas que permanecem.

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Apêndice

Anexo A – Resposta ao pedido de Informações

O Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL agradece o seu contato e, em atenção à sua solicitação de nº 48003.001782/2023-03, sobre o teletrabalho na Agência, esclarecemos o seguinte:
1) Antes da publicação do PDG, durante a implementação “compulsória” do teletrabalho em razão da pandemia da Covid-19, qual foi a normatização interna de orientação aos servidores e colaboradores da autarquia para manutenção de suas atividades, na modalidade remota?https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=IN&numero=19&ano=2020&ato=452g3Y61EMZpWT2e9https://www2.aneel.gov.br/cedoc/prt20216709.pdf
2) Houve algum estudo sobre as necessidades de adaptação dos servidores ao trabalho remoto e eventual atendimento das mesmas, de modo a garantir a continuidade das suas atividades laborais? Em caso afirmativo, é possível ao estudo? 
•  Em 2016 – constituição de Grupo de trabalho que estudou a viabilidade do teletrabalho na ANEEL.
•  2020 – Consulta interna sobre a nova regulamentação do Programa de Gestão na ANEEL
•  2021 – Grupo de estudos sobre o Futuro do trabalho que resultou no relatório:
?  O Futuro do Trabalho na Aneel: reflexão baseada em evidências
3) Percebeu-se impacto na produtividade dos serviços prestados pela agência? Onde é possível encontrar eventuais informações? 
Foi percebido o aumento da produtividade, mas não foi quantificado em todas as unidades. O assunto pode ser encontrado no relatório do PGD abaixo:https://git.aneel.gov.br/publico/centralconteudo/-/raw/main/Programa_de_Gestao/Relatorio_ambientacao_e_Acompanhamento_PGD-ANEEL_2022.pdf
4) As chefias/lideranças foram reparadas, em algum momento, desde o início das atividades remotas, para conduzir as equipes? De que forma ocorreu o treinamento? 
Em seu plano de capacitação, a ANEEL tem previsto ações que buscam auxiliar as lideranças a gerir equipes híbridas ou em trabalho remoto. Dessa forma, ações abertas (ofertadas pelo mercado) ou fechadas (in company) vêm sendo difundidas internamente. Não obstante, a Agência disponibilizou em seu Espaço de Aprendizagem, uma trilha específica sobre trabalho remoto, com vistas a viabilizar o aprimoramento e desenvolvimento do quadro de pessoal como um todo
5) Para a elaboração do PDG houve participação dos servidores operacionais, além das lideranças? De que forma se deu eventual colaboração? 
Foi realizada uma consulta interna com vistas a obter as percepções e contribuições das unidades e servidores da ANEEL, bem como criado um grupo de estudos que resultou no relatório : O Futuro do Trabalho na Aneel: reflexão baseada em evidências.
6) Quais dados embasaram a equipe/ grupo trabalho responsável pela elaboração do PDG? 
Pesquisas em diversos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, empresas públicas e privadas que aderiram ao programa de gestão.
Entrevistas e pesquisas com acadêmicos que estudam o teletrabalho. 
7) Houve alguma investigação sobre eventuais impactos do trabalho remoto na vida dos domésticos dos servidores? Se sim, onde é possível encontrá-lo? 
Ainda não teve investigação sobre esse assunto.
8) Existe algum procedimento formal para conseguir enviar um questionário virtual para os servidores operacionais, com o intuito de obter dados primários? 
não
9) Como é possível conseguir entrevista, por teleconferência (Meet. Zoom, Teams), com alguns dos gestores tomadores de decisão da agência? Cumpre destacar que em nossa investigação pode-se perceber que a ANEEL pode ser uma referência para outras instituições, não apenas do âmbito federal. Dessa forma, se possível, solicito que as respostas sejam dadas de forma ampla, para que seja possível compreender as lacunas que persistem no estudo. Acreditando no bom trabalho que vem sendo percebido ao longo da pesquisa, torno a cumprimentar os servidores e os tomadores de decisão da agência reguladora pelo trabalho desenvolvido.
Os contatos das lideranças da ANEEL estão disponíveis no endereço abaixo:https://www.gov.br/aneel/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/quem-e-quem
 Colocamo-nos à disposição para eventuais dúvidas.Visite nosso endereço eletrônico para mais informações: www.aneel.gov.br
Informamos ainda que há a possibilidade de interposição, ao Superintendente de Recursos Humanos, de recurso por meio do sistema no prazo de 10 (dez) dias, conforme disposto no art. 15 da Lei nº 12.527/2011.
Participe da nossa pesquisa de satisfação para que possamos melhorar nosso atendimento. Sua opinião é importante para o serviço público! Atenciosamente, Serviço de Informações ao CidadãoSuperintendência de Recursos HumanosAgência Nacional de Energia Elétrica – ANEELwww.aneel.gov.br/acessoainformacao

1Universidade Federal Fluminense (UFF/ICHS) – Volta Redonda (RJ)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9995-109X.
2Universidade Federal Fluminense (UFF/ICHS) – Volta Redonda (RJ)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2467-5948.
3Universidade Federal Fluminense (UFF/ICHS) – Volta Redonda (RJ)
ORCID: https://orcid.org/0009-0004-0644-9594.