MANEJO DA DOR EM CÃES E GATOS: REVISÃO DE MÉTODOS E PRÁTICAS CLÍNICAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202412130859


Laiane Borges de Souza1


RESUMO

Este estudo teve como objetivo revisar e consolidar os avanços no manejo da dor em cães e gatos, abrangendo desde a neurobiologia da dor até métodos de avaliação e intervenções terapêuticas. Foi destacado que a dor, seja aguda ou crônica, é um fenômeno multifatorial, influenciado por mecanismos neurofisiológicos, comportamentais e emocionais, exigindo abordagens integradas para diagnóstico e tratamento. A neurobiologia da dor revelou processos complexos de sensibilização central e periférica, bem como o papel de sistemas moduladores, como o endocanabinoide, na regulação da resposta nociceptiva. Em termos de avaliação, ferramentas subjetivas, como escalas comportamentais, e tecnologias objetivas, como o Índice Bispectral (BIS), demonstraram ser eficazes, embora desafios relacionados à padronização e treinamento técnico ainda persistam. A terapia multimodal emergiu como o padrão-ouro no manejo da dor, combinando medicamentos convencionais, como opioides e AINEs, com terapias complementares, incluindo melatonina, canabinoides e gabapentino. O impacto do efeito placebo, especialmente o “placebo-by-proxy”, foi amplamente discutido, evidenciando sua influência nos resultados clínicos e na percepção dos cuidadores, ao mesmo tempo em que reforçou a necessidade de métodos objetivos de avaliação. O manejo perioperatório da dor foi identificado como uma área crítica, com protocolos preventivos e tecnologias avançadas promovendo recuperações mais rápidas e redução de complicações. Apesar dos avanços, lacunas como a ausência de biomarcadores específicos, a escassez de estudos robustos sobre terapias alternativas e a falta de padronização nos métodos de avaliação representam desafios significativos. Estudos futuros devem explorar abordagens mais precisas, integrando inteligência artificial e biomarcadores moleculares, além de investigar a aplicação de terapias emergentes em diferentes espécies. Este trabalho contribui para a prática clínica e o bem-estar animal, consolidando bases para futuras pesquisas e avanços no campo da medicina veterinária.

Palavras-chave: Manejo da dor. Cães. Gatos. Terapia multimodal. Bem-estar animal.

ABSTRACT

This study aimed to review and consolidate advances in pain management in dogs and cats, covering topics from the neurobiology of pain to evaluation methods and therapeutic interventions. It was highlighted that pain, whether acute or chronic, is a multifactorial phenomenon influenced by neurophysiological, behavioral, and emotional mechanisms, requiring integrated approaches for diagnosis and treatment. The neurobiology of pain revealed complex processes of central and peripheral sensitization, as well as the role of modulatory systems, such as the endocannabinoid system, in regulating nociceptive responses. In terms of evaluation, subjective tools, such as behavioral scales, and objective technologies, such as the Bispectral Index (BIS), proved effective, although challenges related to standardization and technical training persist. Multimodal therapy emerged as the gold standard in pain management, combining conventional medications, such as opioids and NSAIDs, with complementary therapies, including melatonin, cannabinoids, and gabapentin. The impact of the placebo effect, especially “placebo-by-proxy,” was widely discussed, highlighting its influence on clinical outcomes and caregiver perceptions, while reinforcing the need for objective evaluation methods. Perioperative pain management was identified as a critical area, with preventive protocols and advanced technologies promoting faster recovery and reduced complications. Despite progress, gaps such as the absence of specific biomarkers, the scarcity of robust studies on alternative therapies, and the lack of standardization in evaluation methods remain significant challenges. Future studies should explore more precise approaches, integrating artificial intelligence and molecular biomarkers, as well as investigating the application of emerging therapies in different species. This work contributes to clinical practice and animal welfare, providing a foundation for future research and advances in veterinary medicine.

Keywords: Pain management. Dogs. Cats. Multimodal therapy. Animal welfare.

1. INTRODUÇÃO

O manejo da dor em cães e gatos é um tema central na medicina veterinária, pois a dor não tratada impacta negativamente o bem-estar animal, prejudica a recuperação pós-operatória e aumenta o risco de complicações clínicas. Estudos recentes destacam que a dor não é apenas uma experiência sensorial, mas também envolve aspectos emocionais e comportamentais que afetam profundamente a qualidade de vida dos animais. Em cães, a dor muitas vezes se manifesta por meio de vocalizações, posturas anormais ou redução na atividade física. Já os gatos apresentam sinais mais sutis, como relutância em saltar ou diminuição nas interações sociais, o que pode dificultar o diagnóstico preciso. Por isso, identificar, avaliar e tratar a dor de forma eficaz são tarefas complexas, que exigem a combinação de métodos objetivos e subjetivos, além da implementação de abordagens terapêuticas personalizadas (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

Historicamente, a avaliação da dor em medicina veterinária foi limitada pela dependência de observações subjetivas, como mudanças de comportamento e expressões faciais. Embora esses métodos ainda sejam amplamente utilizados, sua precisão é comprometida pela subjetividade do avaliador e pela dificuldade em interpretar sinais de dor em espécies diferentes. Com o avanço da tecnologia, novos métodos objetivos surgiram para complementar a avaliação clínica, como o Índice Bispectral (BIS) e o Índice de Atividade do Tônus Parassimpático (PTA). Essas ferramentas, ao medir alterações neurológicas e autonômicas associadas à dor, oferecem dados quantitativos que aumentam a confiabilidade dos diagnósticos e permitem ajustes mais precisos nos protocolos analgésicos. No entanto, a adoção dessas tecnologias ainda enfrenta desafios relacionados ao custo, à necessidade de treinamento especializado e à padronização para diferentes espécies e contextos clínicos (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; MWANGI et al., 2018).

Além dos avanços na avaliação, a terapia multimodal tem ganhado destaque como uma abordagem eficaz para o manejo da dor em cães e gatos. Essa estratégia combina diferentes classes de medicamentos e técnicas para abordar múltiplos mecanismos de dor, reduzindo a necessidade de altas doses de um único fármaco e, consequentemente, minimizando os efeitos adversos. A combinação de opioides, anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e adjuvantes, como gabapentino e melatonina, tem mostrado resultados promissores no controle da dor aguda e crônica. Estudos demonstram que o uso de melatonina, por exemplo, além de seu efeito antioxidante, contribui para a modulação do estresse oxidativo em cães submetidos a procedimentos cirúrgicos, enquanto o gabapentino se destaca no manejo da dor neuropática, particularmente em gatos (MONDES; TAMURA, 2021; DI CESARE et al., 2023).

A introdução de terapias complementares, como canabinoides, também ampliou o leque de opções para o manejo da dor em pequenos animais, especialmente em casos de dores crônicas e neuropáticas. Os canabinoides, ao interagirem com o sistema endocanabinoide, apresentam propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e neuroprotetoras. No entanto, seu uso ainda é limitado por questões regulatórias e pela necessidade de mais estudos clínicos controlados que validem sua segurança e eficácia em cães e gatos. Da mesma forma, a implementação de protocolos baseados em terapias multimodais enfrenta desafios relacionados à falta de padronização, à variabilidade interespécies e à necessidade de formação especializada por parte dos profissionais veterinários (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017; MWANGI et al., 2018).

Apesar dos avanços, o manejo da dor em medicina veterinária ainda enfrenta lacunas significativas no conhecimento, particularmente no que diz respeito à avaliação precisa da dor e à eficácia de novas terapias. A ausência de biomarcadores específicos e amplamente validados continua sendo um dos principais obstáculos para o diagnóstico e o monitoramento contínuo da dor em cães e gatos. Adicionalmente, o impacto do efeito placebo, especialmente o “placebo-by-proxy”, tem levantado preocupações sobre a validade de estudos clínicos baseados em escalas subjetivas. Essas limitações ressaltam a importância de combinar métodos objetivos e subjetivos na avaliação da dor, além de fomentar pesquisas que explorem novas tecnologias e abordagens terapêuticas (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

O presente artigo revisa os avanços nos métodos de avaliação e nas opções terapêuticas para o manejo da dor em cães e gatos, com foco nos desafios e nas perspectivas futuras. Serão abordados aspectos neurobiológicos da dor, métodos subjetivos e objetivos de avaliação, bem como terapias convencionais e complementares. Além disso, serão discutidas as particularidades do manejo da dor em diferentes espécies, destacando a necessidade de abordagens personalizadas e baseadas em evidências. A relevância deste estudo está em consolidar informações para orientar práticas clínicas mais eficazes, promover o bem-estar animal e contribuir para o avanço da medicina veterinária (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; DI CESARE et al., 2023).

2. METODOLOGIA

Este estudo foi conduzido por meio de uma revisão de literatura, método amplamente utilizado na produção científica para sintetizar o conhecimento existente e identificar lacunas que necessitam de exploração adicional. Segundo Tamayo e Tamayo (2004), a revisão de literatura é uma pesquisa metodológica que busca responder a perguntas científicas por meio da análise de estudos já realizados, organizando e interpretando os achados para produzir um panorama geral sobre determinado tema. Essa abordagem foi escolhida devido à sua capacidade de integrar informações e fornecer um embasamento teórico consistente sobre o manejo da dor em cães e gatos.

A coleta de dados foi realizada em bases de dados eletrônicas amplamente reconhecidas, como PubMed, ScienceDirect, SciELO e Google Scholar, utilizando descritores relacionados ao tema, como “pain management in veterinary medicine”, “analgesia in dogs and cats”, e “alternative therapies in veterinary care”. Foram selecionados artigos publicados entre 2010 e 2023, considerando relevância e qualidade metodológica. De acordo com Severino (2007), é essencial que o pesquisador estabeleça critérios claros de inclusão e exclusão para garantir a objetividade e a validade da revisão, evitando vieses na seleção das fontes.

Após a coleta, os artigos foram submetidos a uma leitura exploratória para identificar os mais relevantes ao escopo do estudo. Em seguida, foi realizada uma leitura analítica e crítica, buscando compreender a estrutura lógica e os resultados apresentados por cada estudo (MARCONI; LAKATOS, 2017). Essa etapa incluiu o fichamento dos textos, destacando conceitos centrais, metodologias empregadas, principais achados e possíveis lacunas. Além disso, utilizou-se a triangulação das informações, uma técnica recomendada por Severino (2007), para confrontar os dados e reforçar a consistência dos resultados.

A análise foi organizada em categorias temáticas pré-definidas: neurobiologia da dor, métodos de avaliação, farmacologia e terapias complementares. Essa estruturação temática, conforme Marconi e Lakatos (2017), facilita a compreensão e sistematização do conteúdo, permitindo a identificação de padrões, contradições e tendências na literatura. Para cada categoria, foram destacados os estudos mais representativos, garantindo a profundidade e a coerência na abordagem.

A validação do processo foi reforçada pela diversidade das fontes consultadas, incluindo artigos científicos, capítulos de livros e revisões sistemáticas. Segundo Tamayo e Tamayo (2004), a inclusão de múltiplas perspectivas enriquece a análise e aumenta a confiabilidade dos resultados. Além disso, todas as fontes utilizadas foram devidamente referenciadas, em conformidade com as normas da ABNT (NBR 6023), assegurando o rigor acadêmico e ético da pesquisa.

Por fim, esta revisão de literatura não apenas compila os avanços recentes no manejo da dor em cães e gatos, mas também aponta lacunas no conhecimento que demandam futuras investigações. Como enfatizam Marconi e Lakatos (2017), a pesquisa bibliográfica é um passo crucial para fundamentar estudos empíricos e promover o progresso científico em áreas ainda pouco exploradas. Assim, espera-se que os resultados deste trabalho contribuam para a prática clínica e para o aprimoramento do bem-estar animal.

3. RESULTADOS E ANÁLISES

O quadro comparativo apresentado a seguir sintetiza os principais aspectos abordados pelos estudos analisados nesta revisão de literatura, destacando informações como título, autores, revista de publicação, ano, objetivos, metodologias e principais resultados. Este instrumento foi elaborado com o objetivo de organizar e contrastar as contribuições de cada artigo, facilitando a visualização das abordagens metodológicas e dos achados científicos relacionados ao manejo da dor em cães e gatos. A sistematização das informações em formato tabular também permite identificar áreas de convergência e lacunas no conhecimento, proporcionando uma base sólida para discussão crítica e proposição de diretrizes futuras. Os dados reunidos refletem a diversidade e a complexidade dos estudos sobre o tema, evidenciando a relevância das terapias convencionais e complementares no contexto da medicina veterinária. Assim, o quadro serve como um recurso valioso para leitores que buscam um panorama geral sobre os avanços e desafios no manejo da dor em animais de companhia.

Quadro 1. Resultados encontrados na revisão de literatura

TítuloAutoresObjetivoPrincipais Resultados
Neurobiology of anesthetic-surgical stress and induced behavioral changes in dogs and catsHernández-Avalos, Mota-Rojas, et al.Discutir a neurobiologia do estresse anestésico-cirúrgico em cães e gatos, com foco em biomarcadores e bem-estar.Respostas neuroendócrinas ao estresse prolongam a recuperação e aumentam riscos pós-operatórios; destaca ausência de biomarcadores específicos para mensurar estresse.
A systematic review of analgesia practices in dogs undergoing ovariohysterectomyMwangi, Mogoa, Mwangi, Mbuthia, MbuguaAvaliar práticas analgésicas em cães submetidos à ovariohisterectomia e identificar abordagens mais eficazes.Terapias multimodais (opióides + AINEs) mostraram maior eficácia analgésica; protocolos de 72h foram superiores para controle da dor.
Melatonina em Animais de Companhia: uma Revisão de LiteraturaMondes, TamuraRevisar os efeitos da melatonina em cães e gatos, com foco em aplicações terapêuticas.A melatonina é eficaz no manejo de estresse oxidativo, regulação circadiana e propriedades anti-inflamatórias, mas estudos clínicos são escassos.
Gabapentin: Clinical Use and Pharmacokinetics in Dogs, Cats, and HorsesDi Cesare, Negro, Ravasio, Villa, Draghi, CagnardiRevisar o uso clínico e farmacocinético do gabapentino em cães, gatos e cavalos.Gabapentino é eficaz no manejo de dor neuropática e pós-cirúrgica em cães e gatos; baixa biodisponibilidade em cavalos limita seu uso.
Clinical Pharmacology of Tramadol and Tapentadol in Dogs and CatsDomínguez-Oliva, Casas-Alvarado, Miranda-Cortés, Hernández-ÁvalosRevisar farmacologia e eficácia terapêutica de tramadol e tapentadol em cães e gatos.Tramadol é mais eficaz em gatos devido ao metabólito ativo; tapentadol é promissor para dor crônica, mas requer mais estudos.
Pain Management and Analgesics in Small Mammals: Emphasis on MetamizoleLupu, Bel, AndreiRevisar práticas analgésicas em pequenos mamíferos e destacar o metamizol como alternativa terapêutica.Metamizol é eficaz para dor perioperatória em pequenos mamíferos; necessidade de mais estudos para avaliar segurança em longo prazo.
Caregiver Placebo Effect in Analgesic Clinical Trials for Painful CatsGruen, Dorman, LascellesExaminar o efeito placebo do cuidador em ensaios clínicos de dor em gatos.O efeito placebo do cuidador afeta significativamente os resultados de ensaios clínicos, dificultando a avaliação objetiva de tratamentos analgésicos.
Review of Different Methods for Recognition and Assessment of Pain in Dogs and CatsHernandez-Avalos, Mota-Rojas, Mora-Medina, Martínez-Burnes, Casas-Alvarado, Verduzco-Mendoza, Lezama-GarcíaRevisar métodos de avaliação de dor em cães e gatos, incluindo escalas subjetivas e objetivas.Escalas multidimensionais são mais eficazes para avaliação de dor; índices como PTA e BIS oferecem avanços significativos na detecção de dor intraoperatória.

Fonte: Autor (2024)

Os estudos analisados destacaram avanços significativos na compreensão da neurobiologia da dor, com foco nos mecanismos neurofisiológicos que diferenciam a dor aguda, associada a respostas protetoras, da dor crônica, marcada pela sensibilização central e periférica. A dor crônica, frequentemente ligada a condições como osteoartrite, foi amplamente discutida em termos de alterações neuroquímicas e estruturais no sistema nervoso. Além disso, o papel do sistema endocanabinoide e de biomarcadores como o cortisol foi explorado como potencial na modulação dos processos dolorosos, oferecendo perspectivas para intervenções mais precisas e personalizadas.

Outro ponto crucial abordado foi a avaliação da dor, que engloba métodos subjetivos, como as escalas Visual Analogue Scale (VAS) e Numerical Rating Scale (NRS), e ferramentas multidimensionais mais robustas, como a Glasgow Composite Pain Scale. Tecnologias emergentes, como o Índice Bispectral (BIS) e o Índice de Atividade do Tônus Parassimpático (PTA), oferecem avanços significativos ao fornecer dados objetivos e precisos sobre a dor, especialmente em contextos intraoperatórios. No entanto, sua aplicação ainda é limitada pela necessidade de padronização e treinamento técnico especializado.

Na farmacologia da analgesia, os opioides, como tramadol e tapentadol, continuam sendo os pilares no manejo da dor moderada a severa, enquanto os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) são amplamente utilizados para controlar a dor inflamatória. A terapia multimodal, que combina diferentes classes de analgésicos, mostrou-se eficaz para abordar múltiplos mecanismos da dor, reduzindo os efeitos adversos e otimizando os resultados clínicos. Essas combinações são particularmente úteis em casos de dores crônicas e neuropáticas.

As terapias alternativas e complementares foram discutidas como uma área promissora no manejo da dor em cães e gatos. Compostos como melatonina, canabinoides e gabapentino apresentaram propriedades analgésicas, antioxidantes e anti-inflamatórias, sendo eficazes em condições como osteoartrite e neuropatias. Apesar dos benefícios relatados, a adoção dessas terapias enfrenta desafios, incluindo a falta de padronização nas doses e a necessidade de mais estudos clínicos que validem sua segurança e eficácia.

Outro ponto importante foi o impacto do efeito placebo nos estudos clínicos, especialmente o “placebo-by-proxy”, que reflete a percepção dos cuidadores sobre a melhora dos animais. Essa influência subjetiva pode dificultar a avaliação da eficácia dos tratamentos analgésicos. Estratégias como o uso de metodologias duplo-cegas e a integração de métodos objetivos são recomendadas para minimizar vieses e aumentar a confiabilidade dos resultados.

Por fim, os estudos sobre o manejo perioperatório da dor destacaram a importância de protocolos analgésicos preventivos e de tecnologias avançadas para controle intraoperatório, como o BIS. Essas abordagens demonstraram reduzir significativamente a dor pós-operatória e acelerar o tempo de recuperação, reforçando a necessidade de tratamentos personalizados para cada paciente. Assim, os achados evidenciam tanto os avanços quanto as lacunas no manejo da dor em pequenos animais, apontando caminhos promissores para a prática clínica e a pesquisa futura.

3.1 Neurobiologia da Dor

A dor é um fenômeno complexo que envolve componentes sensoriais, emocionais e cognitivos. Em cães e gatos, a percepção da dor é mediada por nociceptores presentes na pele, músculos, ossos e órgãos internos, que detectam estímulos nocivos e os transmitem ao sistema nervoso central. Quando ativados, esses receptores geram impulsos elétricos que viajam através das fibras nervosas até a medula espinhal, onde ocorre a primeira etapa de modulação da dor. Esses sinais são então retransmitidos para o cérebro, especificamente para o tálamo e córtex cerebral, onde são interpretados como dor. Esse processo é essencial para a sobrevivência, pois alerta o animal sobre lesões ou condições prejudiciais. Contudo, em situações patológicas, como inflamações crônicas ou neuropatias, a dor pode persistir além do necessário, tornando-se disfuncional e prejudicando o bem-estar do animal (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

A distinção entre dor aguda e crônica é fundamental para entender os mecanismos neurobiológicos subjacentes e selecionar o tratamento mais adequado. A dor aguda é geralmente uma resposta protetora a uma lesão tecidual recente e está associada a mudanças neuroquímicas transitórias. Em contraste, a dor crônica persiste por períodos prolongados, mesmo após a resolução do evento inicial, e frequentemente envolve sensibilização periférica e central. A sensibilização periférica ocorre devido à ativação sustentada dos nociceptores na área da lesão, levando a um aumento na excitabilidade desses receptores. Já a sensibilização central resulta de alterações no processamento de dor na medula espinhal e no cérebro, tornando o sistema nervoso mais responsivo a estímulos, mesmo na ausência de novos danos teciduais (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

A neuroplasticidade, que é a capacidade do sistema nervoso de se adaptar a estímulos externos, desempenha um papel crucial no desenvolvimento e na manutenção da dor crônica. Embora a neuroplasticidade seja essencial para a recuperação em algumas condições, como após lesões nervosas, ela também pode levar a mudanças mal-adaptativas, como a amplificação dos sinais de dor. Estudos destacam que a dor neuropática em gatos, frequentemente causada por lesões nos nervos periféricos, é particularmente difícil de tratar devido à natureza persistente das alterações neuroquímicas e estruturais no sistema nervoso central. Essas alterações podem incluir um aumento na liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, e a redução da eficácia dos mecanismos inibitórios, exacerbando a percepção da dor (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

Outro aspecto crítico da neurobiologia da dor é o papel do sistema endocanabinoide na modulação da resposta nociceptiva. Esse sistema, composto por receptores canabinoides (CB1 e CB2), ligantes endógenos e enzimas associadas, é fundamental para regular a sensibilidade à dor e a inflamação. Os receptores CB1 estão localizados predominantemente no sistema nervoso central e estão envolvidos na modulação da percepção da dor e na redução da liberação de neurotransmissores excitatórios. Já os receptores CB2, presentes principalmente em células do sistema imunológico e em tecidos periféricos, desempenham um papel importante na redução da inflamação. Estudos em cães e gatos indicam que a ativação desses receptores pode oferecer uma abordagem terapêutica promissora para condições dolorosas, particularmente aquelas associadas à inflamação crônica (DI CESARE et al., 2023).

Além dos sistemas nociceptivos e endocanabinoides, os mecanismos hormonais também influenciam a resposta à dor. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), ativado em resposta a estímulos dolorosos, leva à liberação de hormônios do estresse, como o cortisol. Embora o cortisol tenha propriedades anti-inflamatórias em curto prazo, sua liberação sustentada pode causar efeitos adversos, como imunossupressão e aumento da sensibilidade à dor. Esse mecanismo é particularmente relevante em cães submetidos a estresse cirúrgico, onde níveis elevados de cortisol foram associados a uma recuperação mais lenta e a um aumento no risco de complicações pós-operatórias (MONDES; TAMURA, 2021).

A dor também é modulada por fatores emocionais e comportamentais, que influenciam a resposta global do animal ao estímulo doloroso. Em cães, o vínculo com os cuidadores pode atenuar a percepção da dor, enquanto em gatos, o estresse ambiental frequentemente exacerba a resposta dolorosa. A identificação desses fatores é essencial para o desenvolvimento de estratégias de manejo que levem em consideração não apenas os aspectos físicos, mas também os emocionais da dor. Isso é particularmente importante em contextos clínicos, onde mudanças sutis no comportamento do animal podem fornecer pistas valiosas sobre o nível de dor experimentado (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

A sensibilização periférica e central também desempenham papeis importantes na amplificação da dor em condições como artrite e doenças degenerativas articulares. Na sensibilização periférica, a inflamação local aumenta a liberação de substâncias pró-inflamatórias, como prostaglandinas e citocinas, que reduzem o limiar de ativação dos nociceptores. Isso leva a uma hiper-responsividade a estímulos que normalmente seriam inócuos. Na sensibilização central, a ativação persistente dos nociceptores resulta em alterações duradouras na medula espinhal e no cérebro, incluindo a ativação de microglia e o aumento na expressão de receptores NMDA, ambos associados ao aumento da percepção da dor (MWANGI et al., 2018).

Os biomarcadores de estresse oxidativo têm recebido atenção crescente como indicadores potenciais de dor em animais. Em cães submetidos a esterilização cirúrgica, por exemplo, níveis elevados de malondialdeído (MDA), um marcador de peroxidação lipídica, foram correlacionados com maior dor pós-operatória. A administração de melatonina nesses animais não apenas reduziu os níveis de MDA, mas também aumentou a atividade de enzimas antioxidantes, como a superóxido dismutase (SOD) e a catalase (CAT), indicando seu potencial como adjuvante no manejo da dor (MONDES; TAMURA, 2021).

Por fim, a individualização no manejo da dor é essencial, dado que a resposta nociceptiva varia amplamente entre indivíduos e espécies. Em gatos, por exemplo, a manifestação da dor é frequentemente sutil e pode ser confundida com outros comportamentos, como redução na interação social ou preferência por ambientes isolados. Isso torna imperativo o uso de abordagens combinadas que integrem métodos objetivos e subjetivos de avaliação, além de terapias adaptadas às necessidades específicas de cada animal. Assim, compreender a neurobiologia da dor não apenas melhora a precisão do diagnóstico, mas também orienta o desenvolvimento de protocolos analgésicos mais eficazes e personalizados (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

3.2 Métodos de Avaliação da Dor

A avaliação precisa da dor em cães e gatos é essencial para o manejo eficaz, mas representa um desafio significativo devido à ausência de comunicação verbal nos animais e às diferenças individuais e interespécies. Tradicionalmente, a dor é avaliada com base em sinais comportamentais e fisiológicos, como alterações na postura, vocalizações, frequência cardíaca e apetite. No entanto, esses métodos são frequentemente influenciados por fatores subjetivos, como a interpretação do cuidador ou do clínico. Isso levou ao desenvolvimento de métodos mais estruturados, como escalas subjetivas, escalas multidimensionais e índices tecnológicos, que combinam indicadores clínicos para fornecer uma avaliação mais confiável da dor (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

As escalas subjetivas, como a Visual Analogue Scale (VAS) e a Numerical Rating Scale (NRS), continuam sendo amplamente utilizadas devido à sua simplicidade e rapidez. Essas escalas dependem da observação do comportamento do animal e da atribuição de um valor numérico para descrever a intensidade da dor. A VAS, por exemplo, permite que o avaliador marque em uma linha contínua a percepção da dor, enquanto a NRS utiliza uma escala numérica fixa. Embora úteis, esses métodos são altamente dependentes da experiência e da percepção do avaliador, o que pode levar a variações significativas nos resultados. Além disso, essas escalas não capturam aspectos multidimensionais da dor, limitando sua aplicação em casos mais complexos (MWANGI et al., 2018).

Com o objetivo de superar as limitações das escalas subjetivas, foram desenvolvidas ferramentas multidimensionais que integram múltiplos indicadores de dor. Exemplos notáveis incluem a Glasgow Composite Measure Pain Scale (CMPS) e a UNESP-Botucatu Pain Scale, amplamente utilizadas em cães e gatos. Essas escalas avaliam aspectos como postura, expressão facial, respostas à palpação e alterações comportamentais, proporcionando uma visão mais abrangente do estado do animal. Estudos indicam que essas escalas são mais sensíveis e específicas para detectar dor em contextos clínicos, como pós-operatórios, quando comparadas às escalas unidimensionais. No entanto, sua aplicação requer treinamento para garantir consistência e precisão na interpretação dos resultados (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

O uso de tecnologias emergentes, como o Índice Bispectral (BIS) e o Índice de Atividade do Tônus Parassimpático (PTA), tem revolucionado a avaliação da dor em medicina veterinária. O BIS mede a atividade elétrica cerebral e é usado para monitorar o nível de sedação e nocicepção durante a anestesia. Estudos demonstram que o BIS é eficaz para ajustar a administração de anestésicos e analgésicos em tempo real, reduzindo o risco de sub ou superdosagem. Por outro lado, o PTA avalia alterações no sistema nervoso autonômico, como variações na frequência cardíaca, que são indicativas de dor ou estresse. Essas ferramentas oferecem dados objetivos que complementam os métodos subjetivos e aumentam a precisão no manejo da dor intraoperatória (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

A padronização dos métodos de avaliação da dor continua sendo um desafio significativo, especialmente devido à variabilidade entre espécies e à subjetividade inerente a algumas ferramentas. Enquanto escalas multidimensionais são eficazes em cães, sua aplicação em gatos é limitada pela dificuldade de interpretar sinais comportamentais nessa espécie. Além disso, a falta de consenso sobre os critérios de avaliação e a ausência de biomarcadores específicos para dor tornam difícil a comparação entre estudos e a implementação de protocolos uniformes. Essa limitação destaca a necessidade de mais pesquisas para validar e adaptar ferramentas de avaliação a diferentes populações animais (MWANGI et al., 2018).

A integração de métodos subjetivos e objetivos é uma abordagem promissora para superar as limitações individuais de cada técnica. Em cães e gatos, combinações de escalas compostas e índices tecnológicos podem fornecer uma visão mais completa da experiência de dor, permitindo intervenções mais eficazes. Por exemplo, a inclusão de acelerômetros para monitorar a atividade física e o comportamento oferece uma medida quantitativa que complementa as observações clínicas. Estudos sugerem que essa abordagem integrada melhora a sensibilidade na detecção de dor, especialmente em condições crônicas, onde os sinais são frequentemente menos evidentes (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

Outra área de avanço é o uso de softwares e inteligência artificial para a análise automatizada de sinais de dor. Esses sistemas podem identificar padrões comportamentais ou fisiológicos associados à dor, reduzindo a dependência de avaliações humanas e aumentando a reprodutibilidade dos resultados. Por exemplo, algoritmos treinados para reconhecer expressões faciais específicas em cães têm se mostrado promissores na detecção precoce de dor pós-operatória. Essas tecnologias, embora ainda em desenvolvimento, têm o potencial de transformar a prática clínica, tornando a avaliação da dor mais acessível e objetiva (DI CESARE et al., 2023).

A identificação de biomarcadores moleculares para dor é outra frente de pesquisa que promete avanços significativos. Biomarcadores como citocinas pró-inflamatórias e mediadores do estresse oxidativo, como o malondialdeído (MDA), têm sido estudados como potenciais indicadores de dor. Em cães submetidos a esterilização cirúrgica, níveis elevados de MDA foram correlacionados com maior intensidade de dor, enquanto a administração de melatonina reduziu esses níveis, sugerindo seu papel como adjuvante no manejo da dor (MONDES; TAMURA, 2021). No entanto, a aplicação clínica desses biomarcadores ainda é limitada devido à falta de padronização e à influência de fatores externos.

Apesar dos avanços, ainda existem lacunas significativas no conhecimento sobre a avaliação da dor em animais. A variabilidade individual e a influência de fatores ambientais dificultam a interpretação dos resultados, especialmente em contextos clínicos dinâmicos. Além disso, a necessidade de treinamento especializado para o uso de ferramentas avançadas, como BIS e PTA, limita sua implementação em larga escala. Essas questões ressaltam a importância de continuar investindo em pesquisa e desenvolvimento para melhorar as práticas de avaliação da dor e, consequentemente, o manejo clínico (MWANGI et al., 2018).

Finalmente, as perspectivas futuras para a avaliação da dor incluem o desenvolvimento de dispositivos portáteis e não invasivos que permitam monitoramento contínuo em tempo real. Tais dispositivos poderiam ser usados tanto em clínicas quanto em ambientes domésticos, facilitando o acompanhamento de condições crônicas e o ajuste dos protocolos analgésicos. Além disso, a integração de tecnologias emergentes com abordagens convencionais promete uma evolução significativa na prática clínica, promovendo um manejo mais eficaz e ético da dor em cães e gatos (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

3.3 Farmacologia da Analgesia em Animais de Companhia

A farmacologia da analgesia em cães e gatos é um campo que tem avançado significativamente nos últimos anos, buscando atender às demandas específicas dessas espécies no manejo da dor aguda e crônica. O uso de analgésicos convencionais, como opioides e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), permanece como a base do tratamento, enquanto terapias complementares, como gabapentino, canabinoides e melatonina, estão se consolidando como opções adjuvantes promissoras. A eficácia dessas abordagens depende de uma compreensão profunda da farmacocinética e da farmacodinâmica dos medicamentos, além da individualização dos tratamentos para cada paciente. Essa personalização é essencial, dado que cães e gatos apresentam diferenças metabólicas significativas, que influenciam tanto a eficácia quanto os riscos de efeitos adversos (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; DI CESARE et al., 2023).

Os opioides continuam sendo a classe de medicamentos mais eficaz para o controle da dor moderada a intensa, devido à sua ação sobre os receptores μ-opioides. No entanto, sua aplicação em cães e gatos apresenta limitações específicas. O tramadol, por exemplo, é amplamente utilizado em medicina veterinária devido ao seu perfil de segurança e à combinação de efeitos opioides e inibição da recaptação de serotonina e noradrenalina. Em cães, a baixa conversão do tramadol em seu metabólito ativo M1 reduz sua eficácia analgésica, exigindo doses mais altas ou sua combinação com outros analgésicos. Já em gatos, a metabolização do tramadol é mais eficiente, tornando-o uma escolha preferencial para dor moderada a intensa (DOMÍNGUEZ-OLIVA et al., 2021). Por outro lado, o tapentadol, um agonista μ-opioide com ação inibidora seletiva da recaptação de noradrenalina, tem mostrado maior eficácia na redução da dor neuropática, embora estudos clínicos em medicina veterinária ainda sejam limitados (DI CESARE et al., 2023).

Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) são amplamente utilizados no manejo da dor inflamatória e pós-cirúrgica, devido à sua capacidade de inibir a enzima ciclo-oxigenase (COX) e, consequentemente, a produção de prostaglandinas inflamatórias. Estudos demonstram que o uso de AINEs, como meloxicam e carprofeno, é altamente eficaz em cães, proporcionando alívio prolongado com um perfil de segurança relativamente favorável. Contudo, em gatos, a administração de AINEs requer maior cautela devido à deficiência na glucuronidação hepática, o que aumenta o risco de efeitos adversos, como ulceração gástrica e nefrotoxicidade. A seleção de AINEs seletivos para COX-2 tem se mostrado uma estratégia promissora para minimizar esses riscos, sem comprometer a eficácia analgésica (MWANGI et al., 2018).

A terapia multimodal, que combina diferentes classes de medicamentos para abordar múltiplos mecanismos de dor, é considerada o padrão-ouro no manejo da dor em cães e gatos. Essa abordagem permite a redução das doses individuais de cada medicamento, diminuindo os efeitos adversos associados a tratamentos unilaterais. A combinação de AINEs com opioides, como tramadol ou tapentadol, é amplamente utilizada em protocolos pós-operatórios, proporcionando analgesia eficaz e recuperação mais rápida. Além disso, a inclusão de analgésicos adjuvantes, como gabapentino e melatonina, tem demonstrado benefícios adicionais, especialmente em casos de dor neuropática e crônica (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; DI CESARE et al., 2023).

O gabapentino, originalmente desenvolvido como um anticonvulsivante, tem se mostrado altamente eficaz no manejo da dor neuropática em cães e gatos. Sua ação envolve a modulação de canais de cálcio dependentes de voltagem, reduzindo a liberação de neurotransmissores excitatórios. Estudos indicam que o gabapentino é especialmente útil em casos de dores crônicas ou neuropáticas, como aquelas associadas à osteoartrite e doenças degenerativas articulares. Em gatos, o gabapentino também tem sido usado para reduzir o estresse e a ansiedade, especialmente em contextos clínicos, contribuindo indiretamente para o manejo da dor (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017; DI CESARE et al., 2023).

Os canabinoides, como o canabidiol (CBD), estão emergindo como opções terapêuticas promissoras no manejo da dor em medicina veterinária. Sua ação no sistema endocanabinoide, por meio da modulação dos receptores CB1 e CB2, proporciona efeitos analgésicos, anti-inflamatórios e neuroprotetores. Estudos em modelos animais indicam que o CBD pode ser eficaz na redução da dor crônica e neuropática, particularmente em casos de artrite. Contudo, o uso de canabinoides em cães e gatos ainda é limitado por questões regulatórias e pela falta de estudos clínicos robustos que validem sua segurança e eficácia (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; DI CESARE et al., 2023).

A melatonina, um hormônio amplamente conhecido por sua função na regulação dos ritmos circadianos, tem ganhado atenção como adjuvante no manejo da dor. Estudos demonstram que a melatonina possui propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, além de sua capacidade de modular o estresse oxidativo associado a condições dolorosas. Em cães submetidos a esterilização cirúrgica, a administração de melatonina reduziu os níveis de biomarcadores de estresse oxidativo, como o malondialdeído (MDA), e aumentou a atividade de enzimas antioxidantes, como superóxido dismutase (SOD) e catalase (CAT), contribuindo para uma recuperação mais rápida e confortável (MONDES; TAMURA, 2021).

Apesar dos avanços, ainda existem lacunas significativas no conhecimento sobre a farmacologia da analgesia em cães e gatos. Estudos longitudinais que avaliem a eficácia e a segurança de novos medicamentos, como o tapentadol e os canabinoides, são necessários para orientar sua aplicação clínica. Além disso, a ausência de biomarcadores específicos para monitorar a dor em tempo real limita a personalização dos tratamentos. A pesquisa em terapias complementares, como a melatonina, também exige maior validação para garantir sua eficácia em diferentes condições clínicas (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

Finalmente, a farmacologia da analgesia em animais de companhia está em constante evolução, impulsionada pelo desenvolvimento de novas tecnologias e pela crescente conscientização sobre a importância do manejo da dor no bem-estar animal. O futuro desse campo inclui a integração de métodos avançados de avaliação da dor com terapias multimodais personalizadas, promovendo uma prática clínica mais eficaz e ética. Essa abordagem tem o potencial de transformar o cuidado veterinário, garantindo melhor qualidade de vida para cães e gatos, independentemente de sua condição clínica (MWANGI et al., 2018; DI CESARE et al., 2023).

3.4 Terapias Alternativas e Complementares

As terapias alternativas e complementares têm ganhado crescente destaque na medicina veterinária como abordagens que complementam ou potencializam os tratamentos convencionais no manejo da dor. Essas terapias incluem o uso de compostos como melatonina, canabinoides e gabapentino, que atuam em diferentes vias fisiológicas e bioquímicas associadas à dor. Além de promoverem o alívio da dor, muitas dessas terapias apresentam benefícios adicionais, como redução do estresse oxidativo e modulação do sistema imunológico, tornando-se opções valiosas para o manejo de condições crônicas ou complexas em cães e gatos. No entanto, o uso dessas terapias exige uma compreensão detalhada de seus mecanismos de ação e limitações, bem como a realização de mais estudos clínicos que validem sua eficácia e segurança (MONDES; TAMURA, 2021; DI CESARE et al., 2023).

A melatonina, inicialmente reconhecida por sua função na regulação dos ritmos circadianos, tem demonstrado grande potencial como adjuvante no manejo da dor, especialmente em condições associadas ao estresse oxidativo. Estudos indicam que a melatonina possui propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, que ajudam a reduzir o impacto de processos dolorosos em animais. Em cães submetidos a esterilização cirúrgica, a administração de melatonina resultou em uma diminuição significativa nos níveis de malondialdeído (MDA), um marcador de peroxidação lipídica, e um aumento na atividade de enzimas antioxidantes, como superóxido dismutase (SOD) e catalase (CAT). Esses resultados sugerem que a melatonina pode desempenhar um papel importante na proteção contra os danos celulares causados pelo estresse oxidativo, contribuindo para uma recuperação mais eficiente e menos dolorosa (MONDES; TAMURA, 2021).

Outro composto que tem atraído atenção crescente é o canabidiol (CBD), um dos principais componentes não psicoativos da planta Cannabis sativa. O CBD exerce seus efeitos analgésicos e anti-inflamatórios por meio da modulação do sistema endocanabinoide, que inclui os receptores CB1, predominantemente localizados no sistema nervoso central, e CB2, presentes principalmente em tecidos periféricos e células imunológicas. Estudos iniciais sugerem que o CBD pode ser eficaz no manejo da dor crônica, particularmente em condições inflamatórias, como osteoartrite. Além disso, sua capacidade de reduzir a sensibilização central e modular a atividade de neurotransmissores excitatórios o torna uma opção promissora para o tratamento da dor neuropática. No entanto, o uso de canabinoides em cães e gatos ainda enfrenta barreiras regulatórias e científicas, destacando a necessidade de estudos clínicos robustos que validem sua eficácia e segurança (DI CESARE et al., 2023).

O gabapentino, embora originalmente desenvolvido como anticonvulsivante, é amplamente utilizado em medicina veterinária para o manejo da dor neuropática e do estresse em animais. Sua ação envolve a modulação de canais de cálcio dependentes de voltagem, reduzindo a liberação de neurotransmissores excitatórios no sistema nervoso central. Em gatos, o gabapentino tem sido utilizado tanto para o controle da dor neuropática quanto como um tranquilizante leve antes de consultas clínicas, ajudando a minimizar o estresse associado a esses eventos. Em cães, o gabapentino tem mostrado eficácia em casos de dor crônica, como aquelas relacionadas a doenças degenerativas articulares. Apesar de seu potencial, a baixa biodisponibilidade em algumas espécies, como cavalos, limita sua aplicação em larga escala (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017; DI CESARE et al., 2023).

Além dos compostos mencionados, o uso de terapias naturais, como ácidos graxos ômega-3, também tem sido explorado no manejo da dor em animais de companhia. Os ácidos graxos ômega-3 possuem propriedades anti-inflamatórias e têm sido associados à redução da inflamação em condições crônicas, como osteoartrite. Estudos indicam que a suplementação com ômega-3 pode melhorar a mobilidade e a qualidade de vida de cães idosos, especialmente quando combinada com outras abordagens analgésicas. Essa terapia complementar é bem tolerada e apresenta poucos efeitos adversos, sendo uma opção viável para tutores que buscam tratamentos menos invasivos (MWANGI et al., 2018).

A terapia multimodal, que combina terapias alternativas com tratamentos convencionais, tem se mostrado particularmente eficaz no manejo da dor em animais de companhia. Essa abordagem permite que cada terapia aborde diferentes aspectos do processo doloroso, potencializando os benefícios gerais do tratamento. Por exemplo, a combinação de melatonina e opioides em protocolos pós-operatórios demonstrou melhorar o controle da dor e reduzir a necessidade de analgesia de resgate. Além disso, o uso de canabinoides como adjuvantes em terapias convencionais têm mostrado resultados promissores, especialmente em casos de dor neuropática e crônica (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

Embora as terapias alternativas ofereçam muitos benefícios, sua implementação na prática clínica ainda enfrenta desafios. A falta de padronização nas doses, a variabilidade na resposta individual e a escassez de estudos clínicos robustos limitam sua adoção em larga escala. Além disso, muitos compostos, como os canabinoides, ainda não possuem regulamentação clara em muitos países, o que dificulta o acesso e o uso por veterinários. Isso ressalta a importância de continuar investindo em pesquisa para validar essas terapias e estabelecer protocolos claros e seguros para sua aplicação (DI CESARE et al., 2023).

Outro desafio associado ao uso de terapias alternativas é a necessidade de educar tutores e profissionais veterinários sobre seus benefícios e limitações. Muitas vezes, há uma percepção de que essas terapias são completamente seguras e isentas de efeitos adversos, o que nem sempre é verdade. Por exemplo, o uso inadequado de suplementos naturais, como melatonina, pode levar a efeitos colaterais inesperados, especialmente em doses elevadas. Assim, a orientação adequada por parte dos veterinários é crucial para garantir que essas terapias sejam utilizadas de maneira eficaz e segura (MONDES; TAMURA, 2021).

As perspectivas futuras para terapias alternativas e complementares incluem o desenvolvimento de compostos mais específicos e potentes, que possam ser integrados a protocolos multimodais de forma segura e eficaz. A pesquisa em biomarcadores que identifiquem quais pacientes se beneficiarão mais dessas terapias também é uma área promissora. Além disso, o avanço das regulamentações relacionadas aos canabinoides e outros compostos naturais permitirá que mais estudos clínicos sejam conduzidos, contribuindo para uma prática veterinária mais baseada em evidências (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; DI CESARE et al., 2023).

3.5 O Efeito Placebo no Manejo da Dor

O efeito placebo é um fenômeno amplamente reconhecido em estudos clínicos humanos e animais, representando a melhora percebida em uma condição clínica na ausência de um tratamento farmacológico ativo. No contexto veterinário, esse efeito é ainda mais complexo, devido ao papel dos cuidadores, que interpretam e relatam as respostas terapêuticas dos animais. Essa interação, conhecida como “placebo-by-proxy”, ocorre quando as expectativas positivas do cuidador influenciam sua percepção sobre a eficácia de um tratamento. Estudos indicam que, em ensaios clínicos com gatos diagnosticados com doenças articulares degenerativas, os cuidadores frequentemente relataram melhoras substanciais no comportamento e na mobilidade dos animais tratados com placebo, o que destaca o impacto desse efeito no manejo da dor (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

Um dos principais desafios relacionados ao efeito placebo em medicina veterinária é sua capacidade de mascarar a verdadeira eficácia de intervenções analgésicas. Estudos com escalas subjetivas, como a Client Specific Outcome Measure (CSOM), mostraram que a taxa de sucesso percebida em grupos placebo pode variar de 50% a 70%, dependendo da intensidade da interação entre o cuidador e o animal. Isso contrasta com dados mais objetivos, obtidos por acelerômetros, que indicam taxas de melhora de apenas 10% a 50% nos mesmos grupos. Esses resultados sugerem que o efeito placebo não apenas distorce as percepções do cuidador, mas também pode interferir na avaliação objetiva da eficácia dos tratamentos (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

O impacto do efeito placebo no manejo da dor também levanta questões sobre a subjetividade das medidas utilizadas em ensaios clínicos. A dependência de métodos subjetivos, como observação de comportamentos ou preenchimento de questionários por cuidadores, torna os estudos particularmente vulneráveis ao viés de expectativa. Esse viés pode ser exacerbado pela falta de treinamento dos cuidadores em reconhecer sinais específicos de dor ou pela interação emocional entre eles e os animais. Assim, há uma necessidade urgente de métodos mais objetivos para complementar as avaliações subjetivas e fornecer uma base mais sólida para a validação de tratamentos analgésicos (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

A mitigação do efeito placebo requer o uso de estratégias metodológicas rigorosas em estudos clínicos, como a adoção de protocolos duplo-cegos, onde nem os cuidadores nem os pesquisadores sabem quais animais estão recebendo o medicamento ativo ou placebo. Além disso, a inclusão de ferramentas objetivas, como o Índice Bispectral (BIS) e o Índice de Atividade do Tônus Parassimpático (PTA), pode reduzir significativamente a influência da subjetividade. Essas tecnologias permitem monitorar alterações neurológicas e autonômicas associadas à dor, fornecendo dados confiáveis e menos suscetíveis a interpretações subjetivas. Estudos indicam que o uso combinado de métodos objetivos e subjetivos aumenta a precisão na avaliação de novos tratamentos analgésicos (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

Outro aspecto relevante do efeito placebo é seu impacto na relação entre cuidadores e animais. A atenção adicional que os cuidadores oferecem aos animais durante ensaios clínicos, motivada por sua expectativa de melhora, pode ter efeitos positivos indiretos no comportamento e no bem-estar geral do animal. Essa interação intensificada, embora não relacionada diretamente ao tratamento, pode levar a uma redução do estresse e ao aumento da atividade física, o que pode ser erroneamente interpretado como eficácia terapêutica. Assim, o “placebo-by-proxy” não deve ser visto apenas como uma limitação metodológica, mas também como um indicativo do papel crucial dos cuidadores no manejo da dor e na recuperação dos animais (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

Apesar de sua influência em estudos clínicos, o efeito placebo também apresenta implicações práticas no manejo da dor em ambientes clínicos. Em contextos de prática veterinária, onde o foco principal é o bem-estar do animal, o efeito placebo pode ser explorado como uma ferramenta complementar. Por exemplo, a criação de ambientes terapêuticos que promovam conforto e interação social entre cuidadores e animais pode potencializar os benefícios percebidos de tratamentos analgésicos. Embora isso não substitua intervenções farmacológicas adequadas, pode contribuir para melhorar o estado emocional e físico do animal durante o tratamento (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

A identificação de fatores que intensificam ou mitigam o efeito placebo é uma área promissora para pesquisa futura. Estudos sugerem que o nível de engajamento do cuidador e sua experiência em reconhecer sinais de dor são determinantes críticos na magnitude do “placebo-by-proxy”. Além disso, variáveis contextuais, como a frequência de visitas ao veterinário e o tipo de interação entre cuidadores e profissionais, também podem influenciar as percepções dos cuidadores sobre a eficácia do tratamento. A análise desses fatores pode ajudar a desenvolver estratégias mais eficazes para minimizar o impacto do efeito placebo em estudos clínicos (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

No entanto, o efeito placebo também levanta questões éticas em estudos clínicos veterinários. A administração de placebos em grupos de controle pode ser vista como uma falha em atender às necessidades de analgesia de animais que experimentam dor real, o que contrasta com os princípios éticos de minimizar o sofrimento. Estratégias que utilizam comparações com tratamentos padrão em vez de placebos são recomendadas para equilibrar a validade científica dos estudos com as considerações éticas relacionadas ao bem-estar animal (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

Por fim, o impacto do efeito placebo no manejo da dor em cães e gatos ressalta a complexidade dos estudos clínicos nessa área. Embora represente um desafio significativo para a validação de novos tratamentos, ele também destaca a importância do vínculo cuidador-animal no processo de recuperação. A integração de métodos objetivos, como tecnologias avançadas de monitoramento, com abordagens subjetivas, que considerem as percepções dos cuidadores, pode oferecer uma solução equilibrada. Dessa forma, o manejo da dor em medicina veterinária não apenas evolui em termos científicos, mas também reflete uma compreensão mais holística do bem-estar animal (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017; HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

3.6 Manejo da Dor Perioperatória

O manejo da dor perioperatória é um aspecto crucial na medicina veterinária, com impacto direto no sucesso dos procedimentos cirúrgicos e na recuperação dos pacientes. Esse período, que inclui o pré-operatório, intraoperatório e pós-operatório, requer uma abordagem multidimensional para prevenir a sensibilização central e periférica, reduzir a resposta inflamatória e promover uma recuperação mais rápida e confortável. Estudos apontam que estratégias analgésicas preventivas, quando aplicadas de forma consistente, podem minimizar a intensidade da dor pós-operatória e reduzir a necessidade de medicamentos adicionais durante o período de recuperação (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019).

No pré-operatório, a analgesia preventiva tem sido amplamente recomendada para evitar a amplificação da resposta nociceptiva. A administração de analgésicos antes do início da cirurgia bloqueia os estímulos dolorosos iniciais, prevenindo a sensibilização central. Protocolos que combinam AINEs e opioides são especialmente eficazes para cães e gatos. Em cadelas submetidas à ovariohisterectomia, por exemplo, a administração preventiva de meloxicam demonstrou reduzir significativamente os níveis de dor pós-operatória e a necessidade de analgésicos de resgate (MWANGI et al., 2018). Em gatos, a utilização de melatonina antes da cirurgia foi associada à redução do estresse oxidativo, melhorando os resultados clínicos (MONDES; TAMURA, 2021).

Durante o intraoperatório, o controle eficaz da dor é essencial não apenas para o conforto do paciente, mas também para otimizar os níveis anestésicos e reduzir os riscos associados a complicações cardiovasculares ou respiratórias. Tecnologias como o Índice Bispectral (BIS) e o Índice de Atividade do Tônus Parassimpático (PTA) têm se mostrado ferramentas valiosas para monitorar o estado nociceptivo e ajustar os protocolos analgésicos em tempo real. Estudos indicam que o uso do BIS durante procedimentos cirúrgicos em cães permitiu uma redução segura na dosagem de anestésicos gerais, mantendo o paciente em um estado estável e confortável (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019). Em gatos, o PTA foi eficaz para avaliar respostas autonômicas, como variações na frequência cardíaca, oferecendo um indicador objetivo da dor intraoperatória (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

No pós-operatório, a dor aguda é frequentemente exacerbada por fatores inflamatórios e pela recuperação das funções motoras e sensoriais. Nesse contexto, a analgesia multimodal desempenha um papel central ao abordar diferentes mecanismos de dor de forma sinérgica. A combinação de opioides, como tramadol, com AINEs, como carprofeno, mostrou-se eficaz no manejo da dor pós-operatória em cães, reduzindo os níveis de inflamação e promovendo uma recuperação mais rápida (MWANGI et al., 2018). Em gatos, a inclusão de gabapentino em protocolos pós-operatórios contribuiu para um controle mais eficaz da dor neuropática, além de reduzir a agitação e o desconforto (DI CESARE et al., 2023).

A personalização dos protocolos analgésicos é outro aspecto fundamental do manejo perioperatório da dor. Cada paciente apresenta necessidades únicas, influenciadas por fatores como espécie, idade, condição clínica e tipo de procedimento cirúrgico. Em cães idosos submetidos a cirurgias ortopédicas, por exemplo, protocolos personalizados que incluíram AINEs seletivos e terapias complementares, como melatonina, demonstraram melhoras significativas nos resultados clínicos e menor incidência de complicações pós-operatórias (MONDES; TAMURA, 2021). Esse enfoque individualizado também é essencial para minimizar os efeitos adversos associados aos medicamentos analgésicos.

A analgesia preventiva também desempenha um papel importante na prevenção de dor crônica pós-operatória, uma condição que pode se desenvolver em decorrência de lesões teciduais e sensibilização central durante o período perioperatório. Estudos sugerem que intervenções precoces com terapias multimodais podem reduzir o risco de cronificação da dor em pacientes veterinários, melhorando sua qualidade de vida a longo prazo (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019). Além disso, a adoção de práticas analgésicas baseadas em evidências ajuda a garantir que os pacientes recebam o tratamento mais eficaz disponível.

O manejo adequado da dor perioperatória também exige atenção ao impacto emocional e comportamental nos animais. O estresse associado a procedimentos cirúrgicos pode exacerbar a dor percebida, dificultando a recuperação. Nesse sentido, intervenções que promovam conforto, como o uso de feromônios calmantes e a criação de ambientes terapêuticos, têm sido recomendadas como adjuvantes nos protocolos analgésicos. Essas estratégias ajudam a reduzir o estresse e a ansiedade, contribuindo para uma recuperação mais tranquila e eficaz (GRUEN; DORMAN; LASCELLES, 2017).

Outro aspecto relevante é a educação e o treinamento de equipes veterinárias para implementar protocolos analgésicos baseados em evidências. A aplicação correta de tecnologias como BIS e PTA, bem como a interpretação adequada de escalas de dor, requer capacitação contínua. Além disso, a comunicação eficaz com os tutores é essencial para garantir o cumprimento das recomendações no período pós-operatório, incluindo a administração de medicamentos e o acompanhamento de sinais de dor (MWANGI et al., 2018).

Por fim, o manejo perioperatório da dor é um campo em constante evolução, impulsionado por avanços tecnológicos e por uma crescente compreensão das necessidades dos pacientes veterinários. A integração de métodos objetivos e subjetivos, a personalização dos tratamentos e a utilização de terapias multimodais são abordagens que têm transformado a prática clínica, proporcionando benefícios significativos para o bem-estar animal. Estudos futuros devem continuar explorando novas estratégias e ferramentas para otimizar o manejo da dor perioperatória, promovendo resultados clínicos ainda melhores (HERNANDEZ-AVALOS et al., 2019; DI CESARE et al., 2023).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo revisar e consolidar os avanços recentes no manejo da dor em cães e gatos, abordando desde os aspectos neurobiológicos até os métodos de avaliação e intervenções terapêuticas. Ao longo da análise, ficou evidente a complexidade envolvida no diagnóstico e tratamento da dor em animais de companhia, bem como a necessidade de abordagens individualizadas e baseadas em evidências. Este trabalho destacou as contribuições significativas de estudos recentes, ao mesmo tempo em que apontou lacunas no conhecimento e desafios práticos que limitam a adoção de novas tecnologias e terapias complementares na prática veterinária.

Os principais resultados da revisão indicam que a dor em cães e gatos é um fenômeno multifatorial, influenciado por aspectos fisiológicos, emocionais e comportamentais. A neurobiologia da dor mostrou ser um campo essencial para entender as diferenças entre dor aguda e crônica, permitindo o desenvolvimento de terapias mais direcionadas. No que diz respeito aos métodos de avaliação, as escalas multidimensionais e as tecnologias objetivas, como o Índice Bispectral (BIS) e o Índice de Atividade do Tônus Parassimpático (PTA), representam avanços importantes, mas ainda enfrentam desafios de implementação ampla. Em termos de tratamento, a terapia multimodal foi identificada como a estratégia mais eficaz, combinando analgésicos tradicionais, como opioides e AINEs, com terapias complementares, incluindo melatonina e canabinoides.

Entre as principais limitações desta pesquisa, destaca-se a dependência de estudos pré-existentes, muitos dos quais possuem amostras limitadas ou metodologias heterogêneas. A falta de padronização nos critérios de avaliação da dor e na aplicação de novas tecnologias também é um fator que dificulta a generalização dos resultados. Além disso, embora terapias alternativas tenham mostrado potencial significativo, sua aplicação ainda é restrita por barreiras regulatórias e pela escassez de estudos clínicos robustos que validem sua eficácia e segurança em diferentes contextos. Essas lacunas evidenciam a necessidade de mais pesquisas para consolidar os achados e expandir o entendimento sobre o manejo da dor em animais de companhia.

A continuidade da pesquisa nessa área deve incluir estudos longitudinais que avaliem os efeitos de intervenções analgésicas ao longo do tempo, especialmente em casos de dor crônica. Também é essencial explorar a aplicação de biomarcadores de dor em contextos clínicos, o que poderia revolucionar o diagnóstico e o monitoramento das condições dolorosas. Outra área promissora é a integração de inteligência artificial e tecnologias de monitoramento remoto, que podem permitir uma avaliação mais precisa e menos invasiva da dor em animais, beneficiando tanto os clínicos quanto os tutores.

Além disso, há espaço para investigações mais detalhadas sobre o impacto do efeito placebo, especialmente o “placebo-by-proxy”, no manejo da dor em cães e gatos. Compreender como as percepções dos cuidadores influenciam os resultados clínicos pode levar ao desenvolvimento de estratégias para mitigar esse efeito em estudos e melhorar a comunicação entre veterinários e tutores. A educação contínua dos profissionais e a conscientização dos tutores também devem ser foco de futuras pesquisas, visando otimizar o cumprimento de protocolos analgésicos e melhorar os resultados terapêuticos.

A integração de métodos subjetivos e objetivos de avaliação da dor, como escalas compostas e índices fisiológicos, deve ser explorada em maior profundidade para oferecer uma visão mais abrangente e confiável das condições dolorosas. Estudos comparativos entre espécies também são necessários para identificar diferenças na resposta ao tratamento, permitindo o desenvolvimento de protocolos mais específicos e eficazes. Esses esforços não apenas contribuirão para a prática clínica, mas também promoverão o avanço do bem-estar animal, um objetivo fundamental da medicina veterinária.

Por fim, espera-se que esta revisão contribua para o campo ao oferecer uma visão abrangente e crítica sobre o manejo da dor em cães e gatos. Ao identificar os avanços e as limitações, este estudo fornece uma base sólida para o desenvolvimento de novas pesquisas e para a implementação de estratégias mais eficazes na prática veterinária. Assim, reforça-se a importância de continuar investindo em inovações tecnológicas e terapêuticas que abordem a dor de forma ética e eficaz, garantindo melhor qualidade de vida para os animais de companhia e seus cuidadores.

REFERÊNCIAS

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1Orcid: https://orcid.org/0009-0007-4014-6572