LIBERAÇÃO DO USO DAS DROGAS E SEUS EFEITOS NA SOCIEDADE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11660623


Jackson Portugal De França;
Orientação: Esp. Luciana Gomes de Sousa Télis.


RESUMO 

A proposta desta dissertação é a análise crítica e transdisciplinar do paradigma descriminalização do uso das drogas, tema esse contemporâneo que carrega uma série de debates nos Tribunais Superiores e na cúpula do poder público. A liberação do uso das drogas é um tema complexo e controverso, que envolve considerações jurídicas, sociais e políticas. A Constituição Federal, como norma fundamental, estabelece bases rígidas, mas admite alterações formais e informais para se adaptar às transformações sociais. A separação dos poderes, princípio do Estado Democrático de Direito, distribui funções entre Legislativo, Executivo e Judiciário, garantindo equilíbrio e evitando a concentração excessiva de poder. No contexto brasileiro, o ativismo judicial, caracterizado pela postura proativa dos tribunais na interpretação da Constituição, tem gerado intensos debates. Defensores do ativismo judicial argumentam que ele é necessário para preencher lacunas legislativas e efetivar direitos fundamentais. No entanto, críticos alertam que essa abordagem pode comprometer a separação dos poderes e gerar insegurança jurídica. A liberação do uso das drogas, em particular, depende de um diálogo equilibrado entre os poderes, com o Legislativo desempenhando um papel essencial na formulação de políticas que reflitam mudanças sociais e demandas da população. A interseção entre mutação constitucional e ativismo judicial destaca as tensões entre a necessidade de adaptação do ordenamento jurídico e a preservação da estabilidade e segurança jurídica. Em última análise, a proposta de trabalho visa demonstrar a que atuação do STF e a participação ativa do Legislativo são fundamentais para construir uma ordem jurídica que respeite a Constituição, atenda às demandas sociais e assegure a estabilidade necessária ao Estado Democrático de Direito no Brasil, considerando o relevante tema.  

Palavras-chave: Liberação do uso de Drogas. Direito penal. Proibicionismo. Jurisdição. Política criminal.

INTRODUÇÃO 

A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) é o órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública que coordena as ações de prevenção ao abuso de drogas, atenção e reinserção social de usuários, além da repressão ao tráfico. Foi criada em 1998, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, como Secretaria Nacional Antidrogas, com o intuito de ratificar, para a comunidade internacional, a adoção do modelo de repressão às drogas 

A política pública sobre drogas constitui o conjunto de esforços do país para redução da oferta e da demanda de entorpecentes. O Brasil, assim como boa parte das nações, passou a implementar uma política sobre drogas na primeira metade do século 20 com a transposição das disposições e recomendações introduzidas pela Convenção Internacional do Ópio (Haia, 1912) para a legislação nacional. Ainda sobre esse viés, observa-se que, além dos serviços sociais e de saúde para usuários, há um grande investimento em educação, no sentido de abordar temas de enfrentamento ao uso de drogas, ao tráfico e à violência que vai desde as séries iniciais do ensino fundamental até ao ensino médio, visando instruir desde logo as crianças e adolescentes acerca dos malefícios causados pelos entorpecentes através de programas como o PROERD. 

O cenário contemporâneo traz consigo um debate acalorado e complexo acerca da liberação do uso e da descriminalização do porte de entorpecentes, uma temática que transcende os limites das discussões políticas para adentrar diretamente no tecido social. Ademais verifica-se um esforço por parte dos tribunais superiores, em especial no Supremo Tribunal Federal, que busca delimitar objetivamente a quantidade do porte de drogas ilícitas para se diferenciar o usuário do traficante, busca-se ainda determinar se apenas a maconha será permitida ou se tal decisão se estenderá a todas as drogas, além da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do tipo penal de porte de drogas para consumo próprio previsto no artigo 28 da Lei 11.343.  

Nessa esteira, pondera-se também descriminalizar a figura do porte para uso próprio, utilizando-se de variadas fundamentações que vai desde o “Direito Penal Mínimo” ao “preconceito racial e socioeconômico”, visto que estatisticamente a maioria dos encarcerados, sob o fundamento da prática de tráfico de drogas, são negros e pobres, mesmo estando com ínfima quantidade.  

A temática chegou no Pretório Excelsior através da RE 635.659, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, questionando a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/06, após a condenação de um homem flagrado em um presídio com três gramas de maconha. Para o órgão defensor, o referido dispositivo legal fere os direitos de liberdade, privacidade e autolesão, direitos esses garantidos pela Carta Magna Brasileira. 

Ressalta-se ainda que este tema já foi amplamente debatido pelo poder legislativo, o que tem gerado uma certa instabilidade entre os poderes da república, visto que a conduta do porte para uso já se encontra despenalizada pela atual Lei de Drogas 11.343/06, no sentido de não poder ser aplicada a pena de privação da liberdade, sendo cabível apenas a advertência, prestação de serviço à comunidade e medidas educativas e em última hipótese admoestação verbal e multa, que tem o condão educativo e principalmente de desestimular o uso da substância.     

Sobre os possíveis impactos sociais com a adoção dessas medidas de descriminalização, discutem-se quais as consequências para a sociedade a longo prazo, levando em consideração que o consumo desenfreado de drogas poderá aumentar a demanda pelos serviços de saúde, causando um verdadeiro colapso no sistema, de maneira que mesmo que libere apenas o uso da maconha, há estudos que revelam que tal substância aumenta o risco de esquizofrenia em algumas pessoas. Somado a isso, tal medida poderá fomentar o tráfico de drogas e a consequente violência que o engloba, visto que o uso indiscriminado da substância aumentaria a dependência e consequentemente o seu consumo, além de influenciar as novas gerações que a partir de então presenciariam vários episódios de consumo de drogas ao ar livre.  

Portanto, surge a trabalhosa questão diante desse contexto: a liberação do uso das drogas e a descriminalização do porte para o usuário, surtirá efeitos positivos ou negativos para a sociedade, como política de combate às drogas? A adoção dessas medidas será uma ferramenta de combate ao tráfico e a diminuição da violência que o engloba? 

Diante desses aspectos o recente desenvolverá uma análise quanto a liberação do uso das drogas e a descriminalização do porte do entorpecente para usuários, considerando os efeitos sociais dessa nova ideologia política impulsionada, principalmente, pelo STF. Neste cenário, surge um debate complexo que vai além das discussões políticas, com impactos na estrutura social. O objetivo é examinar os possíveis efeitos sociais decorrentes da adoção dessa ideologia, especialmente em relação ao tráfico e ao consumo de drogas. 

O trabalho propõe uma análise aprofundada dos impactos gerados por essa abordagem, priorizando a compreensão das possíveis consequências negativas que podem sobrepujar os benefícios almejados. O escopo desta pesquisa abrange não apenas a liberação em si, mas também a questão da descriminalização do porte para uso próprio, fomentando uma análise crítica dos desdobramentos dessa perspectiva no âmbito sociopolítico. 

Nesse ínterim, pretende-se abordar de maneira abrangente os efeitos na sociedade resultantes da liberação do porte de entorpecentes, com uma ênfase especial nas implicações negativas que podem se manifestar de forma mais proeminente do que as supostas melhorias. Para atingir esse fim, exploraremos a política vigente de combate ao tráfico de drogas, analisaremos os diversos pontos de debate jurídico e doutrinário sobre a temática e discutiremos o fenômeno do ativismo judicial, em relação ao tema, como uma forma de mutação constitucional, provocando uma reflexão sobre a necessidade de participação ativa do legislativo na regulamentação desse contexto. 

Em suma, buscar-se-á realizar uma análise para áreas cruciais dessa problemática, incluindo uma descrição detalhada das políticas atuais de combate ao tráfico, a apresentação de perspectivas jurisprudenciais e doutrinárias relevantes, e uma avaliação dos possíveis efeitos sociais em caso de legalização do uso, considerando principalmente os impactos sobre a saúde pública e a segurança da sociedade, visando apresentar os diversos e mais importantes pontos das controvérsias, elencando as principais fundamentações jurídicas e científicas que permeiam o assunto. Ao percorrer esse caminho, esperamos contribuir para um entendimento mais completo e informado, incentivando uma reflexão aprofundada sobre as direções a serem tomadas nas políticas relacionadas ao consumo de drogas no país. 

CAPÍTULO I 

IMPACTOS SOCIAIS DA LIBERAÇÃO DAS DROGAS: AVALIAÇÃO DOS PRÓS E CONTRAS  

No debate acerca da liberação das drogas, emerge uma dicotomia entre a proposta radical de abolição total das leis restritivas e uma abordagem mais moderada, que sugere a legalização controlada. Como apontado por Rodrigues (2003), a liberação total preconiza a eliminação não apenas das proibições ao uso de drogas, mas também daquelas que o permitem sob determinadas circunstâncias. Neste cenário, a legalização surge como alternativa, apresentando diferentes facetas, a exemplo da legalização liberal, legalização com forte controle estatal e a legalização controlada (Rodrigues, 2003). 

Essa afirmação destaca a dualidade de perspectivas no contexto do debate sobre a liberação das drogas. A dicotomia mencionada refere-se à existência de duas abordagens extremas: a proposta radical de abolição total das leis restritivas e uma visão mais moderada que advoga pela legalização controlada. 

Primeiramente, é essencial considerar as experiências de países que já adotaram algum tipo de legalização ou descriminalização de drogas, como o Uruguai, o Canadá, e alguns estados dos Estados Unidos. Essas experiências oferecem dados empíricos valiosos para a análise dos impactos dessas políticas. 

No Uruguai, a legalização da maconha em 2013 foi acompanhada por um sistema rigoroso de controle estatal, onde o governo regula a produção, distribuição e venda da droga. Este modelo visa não apenas reduzir o mercado ilegal, mas também assegurar a qualidade e a segurança dos produtos disponíveis aos consumidores, além de financiar programas de saúde pública com os impostos arrecadados. Até agora, os resultados indicam uma diminuição do mercado negro e um controle mais efetivo sobre o uso de maconha. No Canadá, a legalização da maconha recreativa em 2018 seguiu um modelo similar, com regulamentações rigorosas sobre a venda e a produção. O objetivo é proteger a saúde pública, manter a droga fora do alcance dos jovens e privar o crime organizado de receitas provenientes da venda ilegal. Relatórios preliminares mostram uma alta adesão ao mercado legal e uma redução nas taxas de crimes relacionados à maconha. 

Nos Estados Unidos, estados como Colorado e Washington legalizaram a maconha recreativa, resultando em um aumento significativo nas receitas fiscais, que são direcionadas para a educação, saúde e infraestrutura. Além disso, esses estados observaram uma redução nas prisões relacionadas ao porte e uso de maconha, aliviando o sistema judicial e carcerário.  

Outra perspectiva importante é o impacto da descriminalização de drogas em Portugal. Em 2001, Portugal descriminalizou o uso de todas as drogas, optando por tratar o uso de drogas como uma questão de saúde pública em vez de um problema criminal. O país adotou um modelo de intervenção que inclui tratamento, educação e reabilitação. Como resultado, Portugal viu uma diminuição significativa nas taxas de infecção por HIV, uma redução nas mortes por overdose e uma menor pressão sobre o sistema judiciário. 

A proposta de abolição total, como indicado por Rodrigues (2003), vai além da simples revogação das proibições ao uso de drogas, abrangendo também aquelas que permitem o consumo sob certas circunstâncias. Essa abordagem radical sugere a eliminação completa das restrições legais, proporcionando total liberdade no acesso e uso de substâncias psicoativas. 

Em contraste, a abordagem mais moderada, representada pela legalização controlada, reconhece a necessidade de regulamentação e controle, evitando a completa abolição das leis restritivas. Nesse cenário, a legalização apresenta diferentes formas, como a legalização liberal, que propõe tratamento similar ao de mercadorias, a legalização com forte controle estatal, que preconiza regulamentações rigorosas semelhantes às do álcool e tabaco, e a legalização controlada, que busca um equilíbrio entre liberdade individual e controle estatal. 

Essa dicotomia reflete a complexidade do debate sobre políticas relacionadas às drogas, onde diferentes abordagens buscam conciliar questões de liberdade individual, saúde pública e segurança. A diversidade de propostas destaca a necessidade de uma análise crítica e ponderada para encontrar soluções que atendam tanto às preocupações individuais quanto aos interesses coletivos na sociedade. 

Na vertente da legalização liberal, proposta por figuras como Milton Friedman, destaca-se a ideia de tratar as drogas como mercadorias, conferindo a cada indivíduo a responsabilidade sobre suas escolhas. Sob essa ótica, a intervenção legal só ocorreria quando o uso prejudicasse terceiros, acionando a lei para reparar danos (Santos, 2012). O indivíduo, assim, teria a liberdade de decidir sobre o consumo de psicoativos, alinhando-se a uma visão mais libertária. 

A vertente da legalização liberal, cuja proposta é associada a pensadores como Milton Friedman, fundamenta-se na concepção de tratar as drogas como mercadorias, assemelhando seu status ao de outros produtos comercializados. Essa abordagem confere a cada indivíduo a responsabilidade plena sobre suas escolhas em relação ao consumo de substâncias psicoativas. 

Dentro desse contexto, a ideia central é permitir que os indivíduos tenham a liberdade de decidir se desejam ou não fazer uso de drogas. Sob a ótica da legalização liberal, a intervenção legal seria acionada apenas quando o uso dessas substâncias prejudicasse terceiros. Nesse cenário, a lei atuaria como um instrumento de reparação de danos causados pelo comportamento de um indivíduo a outro. 

Essa perspectiva alinha-se a uma visão mais libertária, na qual a liberdade individual é valorizada como princípio fundamental. Os defensores desse modelo argumentam que cada pessoa deveria ter autonomia para tomar decisões sobre seu próprio corpo, incluindo a escolha de consumir ou não drogas. A intervenção do Estado seria limitada ao momento em que as ações individuais impactassem negativamente a liberdade ou o bem-estar de outras pessoas na sociedade. 

Assim, na legalização liberal, a ênfase recai na responsabilidade individual, na liberdade de escolha e na intervenção do Estado apenas quando necessário para corrigir transgressões que afetem terceiros. Essa abordagem reflete uma abertura para a autonomia pessoal, mas também destaca a importância de uma estrutura legal para lidar com possíveis danos causados pelo uso de drogas. 

Por outro lado, a abolição total das leis restritivas poderia levar a uma situação de incerteza e potencial aumento do consumo de drogas, sem mecanismos adequados de controle e apoio. Esta abordagem radical poderia exacerbar problemas de saúde pública e segurança, se não forem implementadas políticas complementares eficazes. 

Contudo, Santos (2012) também nos apresenta a perspectiva oposta, defendendo a legalização com forte controle estatal. Este modelo preconiza a regulação rigorosa da produção, venda e circulação de drogas, seguindo uma lógica similar às restrições impostas ao álcool e ao tabaco. Nesse contexto, a proteção coletiva assume um papel preponderante, buscando equilibrar a liberdade individual com a mitigação dos danos sociais associados ao consumo de substâncias psicoativas. 

Contrastando com a abordagem da legalização liberal, Santos (2012) propõe uma perspectiva oposta, defendendo a legalização com forte controle estatal. Essa proposta se baseia na premissa de uma regulação rigorosa da produção, venda e circulação de drogas, seguindo uma lógica semelhante às restrições impostas ao álcool e ao tabaco em muitas sociedades. 

Nesse modelo, a intervenção estatal é proeminente, com o objetivo de estabelecer regras claras e limites para a comercialização e consumo de substâncias psicoativas. A regulação abrange desde a produção até a distribuição, assegurando que as práticas sejam realizadas de maneira controlada e de acordo com normas predefinidas. 

A lógica subjacente a essa abordagem é a busca pelo equilíbrio entre a liberdade individual e a proteção coletiva. Ao impor regulamentações, o Estado visa mitigar os potenciais danos sociais associados ao consumo de drogas, protegendo a sociedade como um todo. A ênfase na proteção coletiva destaca a responsabilidade do Estado em garantir que a liberdade individual não resulte em consequências prejudiciais para a comunidade. 

Essa perspectiva reconhece os riscos inerentes ao consumo de drogas e busca controlar esses riscos por meio de uma estrutura regulatória robusta. Ao adotar uma abordagem semelhante à aplicada ao álcool e ao tabaco, a legalização com forte controle estatal procura estabelecer parâmetros que equilibrem as escolhas individuais com a necessidade de proteger a saúde pública e a ordem social. 

Num meio-termo entre essas abordagens extremas surge a proposta da legalização controlada, visando uma regulamentação estatal flexível. Este modelo, ao admitir a necessidade de controle, não se distancia totalmente da liberdade individual, buscando conciliar a autonomia do indivíduo com a responsabilidade do Estado na mitigação dos impactos negativos. Tais abordagens, segundo Rodrigues (2003), compõem um leque de opções que requerem análise crítica para orientar decisões políticas. 

Além das experiências internacionais, é relevante considerar os aspectos econômicos e sociais das diferentes propostas de legalização. A legalização controlada, com forte controle estatal, pode gerar receitas significativas para o Estado, que podem ser reinvestidas em programas de prevenção, tratamento e educação. No entanto, essa abordagem também enfrenta desafios, como a criação de um mercado regulamentado que possa competir eficazmente com o mercado ilegal e a necessidade de garantir que as políticas de legalização não promovam um aumento no consumo problemático de drogas. 

Para aprofundar ainda mais a discussão sobre a liberação das drogas, vamos explorar mais detalhadamente as implicações sociais, econômicas e de saúde pública, bem como as diferentes estratégias adotadas globalmente. 

Implicações Sociais 

Redução da Criminalização: A descriminalização do uso de drogas pode levar a uma redução significativa no encarceramento de indivíduos por delitos relacionados a drogas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a legalização da maconha em alguns estados tem resultado em uma diminuição das prisões por posse de pequenas quantidades da droga, aliviando a sobrecarga do sistema penitenciário e permitindo um redirecionamento dos recursos para crimes mais graves. 

Desestigmatização e Inclusão Social: A legalização pode ajudar a desestigmatizar os usuários de drogas, permitindo que eles busquem ajuda sem medo de repercussões legais. Isso pode facilitar a reintegração social e reduzir o isolamento dos indivíduos que usam drogas. 

Implicações Econômicas 

Geração de Receita: A legalização de drogas, especialmente da maconha, tem o potencial de gerar receitas significativas através da tributação. Estados como Colorado e Washington têm utilizado essas receitas para financiar programas de educação, saúde e infraestrutura. 

Mercado de Trabalho e Emprego: A legalização pode criar novos empregos em setores como agricultura, distribuição, varejo e serviços de apoio, como laboratórios de teste e empresas de segurança. 

Implicações de Saúde Pública 

Qualidade e Segurança dos Produtos: A regulamentação pode garantir que as drogas disponíveis no mercado sejam de qualidade controlada e seguras para consumo, reduzindo o risco de contaminação e overdose. Isso é evidenciado pela experiência do Uruguai, onde o governo controla a produção de maconha. 

Acesso ao Tratamento: A descriminalização pode facilitar o acesso a serviços de saúde e tratamento para usuários de drogas. Em Portugal, a descriminalização acompanhada de programas de tratamento e reabilitação resultou em uma redução significativa nas taxas de infecção por HIV e mortes por overdose. 

Modelos Globais de Legalização e Descriminalização 

Uruguai: Além do controle estatal da maconha, o Uruguai implementou uma série de medidas de educação e prevenção para jovens, além de campanhas de conscientização sobre os riscos do uso de drogas. 

Canadá: O modelo canadense de legalização da maconha inclui a regulamentação rigorosa da produção e distribuição, além de campanhas de informação pública para educar a população sobre o uso responsável. 

Portugal: O modelo de descriminalização de Portugal trata o uso de drogas como uma questão de saúde pública, oferecendo serviços de tratamento e reabilitação ao invés de punições criminais. Este modelo tem sido amplamente elogiado por seus resultados positivos em saúde pública. 

Considerações Éticas e Morais 

Liberdade Individual vs. Saúde Coletiva: O debate sobre a liberação das drogas frequentemente confronta o direito à liberdade individual de escolha com a necessidade de proteger a saúde pública. Enquanto a abolição total das restrições pode maximizar a liberdade individual, pode também trazer desafios significativos para a saúde pública se não for acompanhada de políticas de mitigação adequadas. 

Justiça Social: A criminalização desproporcional de minorias e comunidades vulneráveis é uma preocupação significativa. A descriminalização e a legalização controlada podem ajudar a corrigir essas injustiças históricas, oferecendo um tratamento mais equitativo e focado na reabilitação e inclusão. 

O debate sobre a liberação das drogas é multifacetado e complexo, exigindo uma abordagem equilibrada que considere as lições aprendidas globalmente, as implicações sociais e econômicas, e as necessidades de saúde pública. Enquanto algumas nações optam por modelos de controle estatal rigoroso, outras exploram a descriminalização como meio de tratar o uso de drogas como uma questão de saúde pública. A escolha do modelo mais adequado deve ser informada por uma análise crítica das evidências disponíveis e adaptada ao contexto específico de cada sociedade. 

Ao avaliar os prós e contras dessas perspectivas, é imperativo considerar as implicações sociais associadas a cada modelo. Questões de saúde pública, segurança e justiça social demandam uma reflexão profunda para a formulação de políticas equilibradas. Este capítulo introdutório nos conduziu por um panorama das diferentes propostas, preparando-nos para explorar, no próximo capítulo, as consequências da descriminalização do porte para uso próprio. Uma jornada que, como observada por Santos (2012), requer a ponderação cuidadosa dos valores individuais e coletivos para encontrar um caminho que promova o bem-estar da sociedade como um todo. 

Em suma, o debate acerca da liberação das drogas revela uma dicotomia entre a abolição total das leis restritivas e uma abordagem mais moderada, representada pela legalização controlada. As propostas extremas de abolição sugerem a eliminação completa das restrições legais, enquanto a legalização controlada se apresenta como uma alternativa que reconhece a necessidade de regulamentação e controle, sem abolir por completo as leis restritivas. 

A legalização, conforme delineada por Rodrigues (2003), se desdobra em diferentes facetas, como a liberal, que propõe tratamento semelhante ao de mercadorias, a com forte controle estatal, que busca uma regulamentação rigorosa, e a controlada, que procura equilibrar a liberdade individual com o controle estatal. Cada abordagem carrega consigo implicações distintas para a sociedade, destacando a complexidade do debate e a necessidade de uma análise crítica. 

A dicotomia entre a abolição total e a legalização controlada reflete a pluralidade de perspectivas no âmbito das políticas relacionadas às drogas, onde a busca por equilíbrio entre liberdade individual, saúde pública e segurança é crucial. A legalização liberal, que enfatiza a responsabilidade individual, contrasta com a legalização com forte controle estatal, que prioriza a proteção coletiva. 

O caminho a ser trilhado na definição de políticas sobre drogas é desafiador e demanda uma avaliação profunda dos prós e contras de cada proposta, considerando suas implicações sociais. Como apontado por Santos (2012), a ponderação cuidadosa dos valores individuais e coletivos é essencial para encontrar um caminho que promova o bem-estar da sociedade como um todo.  

Portanto, a complexidade do debate sobre a liberação das drogas exige uma análise cuidadosa das diferentes abordagens, considerando as evidências empíricas, os impactos sociais e econômicos, e a capacidade de implementação das políticas propostas. Cada modelo possui seus próprios méritos e desafios, e a escolha de um caminho deve ser feita com base em uma avaliação detalhada das necessidades e características específicas da sociedade em questão. No próximo capítulo, exploraremos as consequências da descriminalização do porte para uso próprio, aprofundando-nos nas complexidades dessa temática e na necessidade de decisões embasadas e equitativas. 

CAPÍTULO II 

DESCRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS PARA USO PRÓPRIO 

Qualquer tipo penal necessariamente descreverá uma conduta criminosa que atenta a um bem jurídico a ser protegido. Caso não haja um bem jurídico considerado imprescindível para a sociedade, não haverá motivo para a vedação de uma conduta atentatória pela ultima ratio do Direito Penal. No contexto da legislação antidrogas, o bem jurídico tutelado corresponde à saúde pública (GOMES, 2006). 

Contudo, a proteção da saúde pública se torna de difícil verificação quando se observa a criminalização do porte de droga para uso pessoal; vejase, a punibilidade em prol do interesse público, de um agente que, individualmente faz uso de entorpecente e lesiona exclusivamente a própria integridade física, em tese, corresponde a medida desproporcional e carente de sentido. Apenas o usuário é prejudicado pelo uso do entorpecente, de modo que o risco a bem jurídico essencial, ao ponto de que sua tutela se dê pelo Direito Penal torna-se um conceito ambíguo no tocante à criminalização do porte e uso para consumo pessoal (PINSKY; BESSA, 2012). 

Dessa forma, não há uma correlação clara entre o bem jurídico tutelado e a conduta do indivíduo, muito menos da necessidade de repressão penal acerca dessa conduta. Assim, inexiste, a princípio, motivação clara para a criminalização do porte individual para uso pessoal de entorpecente (SOUZA, 2011). 

De fato, de uma perspectiva unicamente formal, a tipificação da conduta constitui crime e a sanção cominada deverá ser aplicada caso se constate a autoria e materialidade do fato. Contudo, o Direito Penal não se sustenta unicamente em sua forma, devendo ser analisado como parte integrante de um sistema jurídico, o qual cumpre determinadas finalidades materiais que devem ser observadas sob o prisma dos mandamentos constitucionais (SOUZA, 2011). 

Dessa forma, se não existir uma correlação entre o contexto social em que uma determinada norma se insere e a proibição prescrita pela norma, poderá ocorrer a atipicidade conglobante do dispositivo penal. É nesse contexto que a descriminalização se insere, uma vez que condutas realizadas pelo indivíduo contra si próprio, sem extrapolar os limites da autonomia, liberdade e vida privada, em tese, não poderiam ser criminalizadas (SOUZA, 2011).  

Jazem, portanto, inúmeras as doutrinas e teses jurídicas que advogam pela descriminalização para uso pessoal a partir do entendimento exposto acima, pois sua criminalização consistiria afronta à liberdade constitucional outorgada aos indivíduos. 

A Constituição Federal prevê a liberdade de expressão, pensamento e inviolabilidade à intimidade e vida privada como baluarte fundamental das garantias individuais, conforme artigo 5º, incisos IV, IX e X. Com base nessas garantias, o Estado não poderia legitimar uma norma infraconstitucional que atentasse contra garantias fundamentais (SOUZA, 2011).  

A Constituição prevê ao indivíduo o direito de se autodeterminar, sendo livre para praticar qualquer conduta que não ultrapasse sua esfera de direitos, atingindo a outrem, sendo tal esfera inviolável pelo Estado. 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988) 

Caso tais garantias não sejam respeitadas pelo Estado, haverá violação a direito fundamental, de modo que o cidadão comum que faça uso de entorpecentes será automaticamente enquadrado como criminoso e sujeito às penalidades gravosas do Direito Penal. Claramente, pode-se perceber certa desproporcionalidade entre o ato e a sanção cominada (GOMES, 2006).  

A proteção a bem jurídico fundamental é a finalidade precípua do Direito Penal, de modo que suas normas devem ser elaboradas e aplicadas conforme tal finalidade. A norma não poderia ser um fim em si mesma, não sendo elaborada e executada conforme as finalidades previstas na Constituição (SOUZA, 2011).   

Nesse contexto, cabe conceituar, a princípio, a descriminalização e a legalização. Descriminalizar refere-se a desconsiderar uma determinada conduta enquanto crime; legalizar corresponde a regulamentar determinado fato de acordo com preceitos legais. 

Isto posto, analisando a realidade brasileira, percebe-se um cenário de instabilidade completa no tocante à política de drogas. Em vez de reprimir o consumo de drogas, a legislação atual tem resultado no estímulo do consumo de drogas, na ausência de tratamento adequado aos dependentes e o empoderamento do tráfico de drogas (GOMES, 2006).  

A força do tráfico advém justamente da ilegalidade da venda e consumo de drogas, o que torna os entorpecentes de difícil produção, armazenamento, distribuição e venda, aumentando consideravelmente seu custo de produção e, consequentemente, o lucro obtido pelo tráfico (MASSON, 2019). 

Descriminalizando a cadeia produtiva das drogas, e com a devida regulamentação e taxação destes produtos, o quantum arrecadado poderia ser investido no Estado, revertendo em políticas institucionais sanitárias e educacionais, de caráter informativo e reabilitante para os usuários de drogas (MASSON, 2019).   

A perigosa, insana e sangrenta “guerra às drogas” – tão perigosa, insana e sanguinária como qualquer outra guerra – não é uma guerra às drogas. Como qualquer outra guerra, não é dirigida contra objetos.  

É uma guerra contra as pessoas – os produtores, comerciantes e consumidores das substâncias erradamente escolhidas e que foram tornadas ilegais. Mas é uma batalha ainda mais digna contra os mais vulneráveis entre estes produtores, vendedores e consumidores. Os “inimigos” nesta guerra são os pobres, os marginalizados, os impotentes (PINSKY; BESSA, 2012). 

 A falta de um parâmetro de medição mostra um efeito discriminatório que é visível para as pessoas que enfrentam o problema, jovens da classe média à classe alta, moradores de áreas muito ricas, via de regra, são classificados como usuários, jovens muito pobres pessoas e pessoas vulneráveis, que são as mais escolhidas pelas forças de segurança pública, são consideradas traficantes de drogas, tornou-se uma frase popular devido à criminalização de gênero e cor (PINSKY; BESSA, 2012).. 

Para a eficácia do Art. 28 da Lei de drogas, independentemente da criminalização ou não criminalização das drogas para uso pessoal, é importante estabelecer critérios para distinguir o uso de drogas do tráfico. 

Em seu voto no RE 635.659, Barroso (2018) afirma que, “insistir no que não funciona, depois de tantas décadas, é uma forma de fugir da realidade, é preciso então ceder aos fatos”. Portanto, se a proibição não tiver os resultados esperados, a situação tenderá a piorar, por que não se ater à legalização das drogas para uso pessoal. 

Para fins de adaptar a legislação para o contexto atual, a doutrina tem movimentado discussões a respeito de interpretações acerca da legislação antidrogas. 

Surgem, dessa forma, diferentes posições doutrinárias, como a de Mendonça e Carvalho (2008) que afirmam que a legislação atual basta para fins de diferenciar traficante de usuário, conforme art. 28 da Lei 11.343/06.  

Caberá, portanto, ao julgador aplicar, conforme o caso concreto, o disposto no §2º do mesmo artigo, para fins de diferenciar usuário de traficante, principalmente no que diz respeito a: 

à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.  

Mesmo que tal dispositivo fuja da regra geral, no que se refere à redação exposta, não pode ser considerada prática criminosa, uma vez que o comportamento é definido de forma específica e impõe sanção com prática criminosa, ainda que não seja visível o elemento criminoso que priva o agente de sua liberdade (MENDONÇA; CARVALHO, 2008).  

Masson (2019) observa que, com base no § 2º do referido artigo, não será privado de liberdade quem possuir um entorpecente apenas com a finalidade de consumi-lo. 

Segundo o autor, no diploma atual houve um aumento do que se chama de descriminalização branca, ou seja, não está expressa a abolição completa do uso de drogas. Isso porque a lei não prevê a prisão, mesmo reincidente, pelas condutas previstas no art. 28, ou ainda o descumprimento, por parte do agente, das sanções decorrentes dessa conduta, ainda que isso acabe por levar à falta de controle criminal por parte do Estado (MASSON, 2019). 

O autor acredita que a nova Lei Antinarcóticos teria criado um novo tipo de crime, que não se equipararia à categoria jurídica de crime ou ato criminoso, levando à conclusão de que a referida lei teria criado um tipo de crime . “infração é um crime não identificado”. Portanto, há o entendimento de que o comportamento atribuído ao art. 28 do referido diploma não constitui crime, mesmo uma espécie de ato criminoso, pode constituir um novo tipo de violação do princípio que não se enquadrará em qualquer outro processo penal (MASSON, 2019). 

Gomes (2006) diz que o art. 28 da Lei Antidrogas aboliu o ato criminoso de usar ou possuir drogas para consumo próprio. No entanto, o comportamento continua a constituir ilícito penal, uma vez que o diploma não deixou de punir os usuários e o artigo 28.º não foi retirado do mundo do direito penal. 

Por isso, o autor diz que uma das principais mudanças da antiga lei para a atual Lei Antinarcóticos diz respeito à “desconstrução” do comportamento de usuários, dependentes ou portadores de substâncias tóxicas (GOMES, 2006). 

O comportamento descrito no antigo art. 16 e, agora, no atual art. 28 continua a ser ilegal, mas trata-se de uma ilegalidade excepcional no Direito Penal. Houve uma descriminalização “legal”, ou seja, a infração não seria mais considerada “criminosa” (do ponto de vista jurídico), mas a legalização das drogas como um todo não aconteceu simultaneamente. Por outro lado, ao mesmo tempo também se pode dizer que o art. 28 apresenta a hipótese de eliminação do crime. A legislação “legal” e a legislação (simultânea) são processos que definem a inovação da lei sobre drogas (GOMES, 2006). 

Se a conduta ensejar ato criminoso válido cuja punição se refira à limitação da liberdade, de modo que não seja adotada punição para punir a conduta criminosa de posse de drogas para uso pessoal, teria ocorrido a retirada legal. O comportamento nem sequer se enquadraria nos tipos de comportamento que levam à prática de um crime, pois sua principal característica seria a prisão ou o pagamento de multa. Para o autor, a conduta não poderia ser qualificada como infração administrativa, pois as sanções apresentadas no art. 28 da Lei Antinarcóticos é utilizado pelas autoridades policiais e não pela autoridade administrativa (GOMES, 2006). 

Gomes (2006) destaca que, por não ser considerado crime ou ilícito, embora ainda esteja previsto na legislação penal, esse comportamento acima mencionado pode ser um crime único dessa natureza. 

Posteriormente, Masson (2019) também aparece com a possibilidade de aceitar os cinco tipos de penas penais constantes da norma Penal, a saber: pena privativa de liberdade, multa, perda. de bens, suspensão ou limitação de direitos e interesse público. De referir ainda que todas estas penas estão previstas no texto constitucional, no seu artigo 5.º, que amplia o rol de outros tipos de penas a aceitar previstas na Lei de Introdução do Código Penal. 

Nesse sentido, há um contexto de que a Lei 11.343/06 não utilizou os métodos de descriminalização da conduta criminosa previstos no art. 28, uma vez que o legislador optou por moderar e descriminalizar gradualmente o diploma acima mencionado, sem deixar de assinalar a conduta criminosa no texto, mas é completamente vedada a opção da prisão domiciliar em razão do comportamento do dispositivo acima mencionado (SOUZA, 2011). 

Para Souza (2011), surgiu então um novo tipo de “condenação”, que se tornou uma nova alternativa de tratamento para usuários de drogas. 

Porém, Greco (2010) diz o art. 28 da Lei 11.343/2006 não tem caráter de destituição ou de revogação da lei, defendemos que a Lei de Introdução do Código Penal de 1941 não poderia ver alterações na atual Lei Antinarcóticos, mas não é a hipótese de que a lei que seguiu a mesma definição da estrutura do sistema ficará impedida de inventar coisas novas dentro dos limites estabelecidos pelas leis vigentes, uma vez que as penalidades previstas na atual Lei Antinarcóticos são diretas e específicas, e respeitam o estatuto jurídico da constituição actual. 

Ao final desta discussão, podemos notar que os estudiosos acima mencionados têm falado sobre as alterações do novo diploma legal em relação ao tratamento que é feito aos usuários e portadores de drogas para seu uso. Gomes (2006) diz que a redução da criminalidade aconteceu, o autor diz que esse comportamento não foi retirado do campo do Direito Penal, porém, não seria considerado ato criminoso segundo a lei de introdução do Código Penal . 

Masson (2019) fala sobre o tema como a abolição da lei para os brancos, o que leva a um caso não especificado, porém, a maioria entende que o terceiro tipo de processo criminal não ocorre, uma vez que não há fundamento ou disposição geral. 

Contudo, Bittencourt (2018), que afirma que a lei não legalizou o dispositivo que se refere ao comportamento e posse de drogas para uso pessoal, uma vez que esse comportamento ainda é considerado crime, conforme consta no diploma legal, a pena é aplicado a ambos. 

Por fim, Bitencourt (2018) também diz que a nova lei apenas retirou a pena por restrição de liberdade, mas ainda há formas de punir quem infringir a lei geral, elencada no art. 28 da Lei Antinarcóticos. 

Como já mencionado antes, entre as sanções dispostas ao usuário, não há imposição de pena privativa de liberdade. A falta dessa previsão legal cria uma contrariedade com a definição legal de crime prevista no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal. (MASSON, 2019). Assim dispõe o art. 1º do Decreto-Lei Nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941.  

Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. (BRASIL, 1941).  

 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em sede do RE 430.105/RJ, deliberou que a limitação da definição de crime do art. 1º da LICP não impede que lei superveniente adote outros critérios de distinção criminal, como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 – pena diversa da privação ou restrição da liberdade.  

Portanto, não houve a transformação do fato em atípico em razão da nova lei, mas sim sua “’despenalização’, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade”, sendo a questão de ordem resolvida no sentido de que a Lei 23 11.343/06 não implicou abolitio criminis. (BRASIL. STF – RE: 430105/RJ, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Data de Julgamento: 13/02/2007).  

Assim, a suprema corte compreendeu que o porte para uso individual constitui crime, mas não apenável por pena privativa de liberdade. Ainda há a criminalização do porte, porém, é um crime não sujeito à uma pena gravosa. Não ocorreu a descriminalização da conduta típica prevista no artigo 28, caput e §1º. Além disso, a própria Constituição prevê a possibilidade de o legislador superveniente estabelecer outras penas a crimes, que não se limitem à privação da liberdade e à multa.  

Caso o indivíduo incorra nas condutas descritas no artigo 28, poderá ser apenado com   

(i) advertência sobre os efeitos das drogas;
(ii) prestar serviços à comunidade; ou,  
(iii) receber medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo. Tais penas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor (BRASIL, 2006) 

Reforçando a tese de aplicabilidade de uma pena branda, a legislação determina que as penas previstas no referido artigo   

serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses”, e em caso de reincidência (§4º), serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. Pode ainda, (§ 6º) em caso de recusa injustificada por parte do agente em cumprir as medidas educativas impostas nos incisos I, II e III, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a (i) admoestação verbal e (ii) multa (BRASIL, 2006). 

A opção legislativa pela manutenção dessa natureza jurídica foi declarada ao se batizar com a expressão ‘dos crimes e das penas’ o Capítulo III do Título III da Lei 11.343/2006, dentro do qual se encontra o art. 28. 

A descriminalização do porte de drogas para uso próprio é um tema controverso que tem sido amplamente discutido em várias esferas da sociedade, incluindo jurídica, social e de saúde pública. A criminalização de tais condutas tem sido tradicionalmente justificada pela proteção da saúde pública. No entanto, essa abordagem tem sido criticada por sua ineficácia e desproporcionalidade, principalmente quando o uso de drogas afeta primariamente o próprio usuário. Esta dissertação busca explorar os fundamentos jurídicos, sociais e de saúde pública da descriminalização, analisando experiências internacionais e propondo alternativas mais eficazes para a gestão do uso de drogas. 

Qualquer tipo penal deve descrever uma conduta criminosa que atente contra um bem jurídico protegido. No contexto da legislação antidrogas, o bem jurídico tutelado é a saúde pública (Gomes, 2006). No entanto, a proteção da saúde pública se torna ambígua quando se criminaliza o porte de drogas para uso pessoal, já que a punibilidade do usuário que prejudica exclusivamente a própria integridade física pode ser considerada desproporcional e carente de sentido (Pinsky & Bessa, 2012). 

A falta de correlação clara entre o bem jurídico tutelado e a conduta individual levanta questões sobre a necessidade de repressão penal. A Constituição Federal do Brasil, por exemplo, prevê a liberdade de expressão, pensamento e a inviolabilidade à intimidade e vida privada como garantias fundamentais (Brasil, 1988). Nesse sentido, a criminalização do porte de drogas para uso pessoal pode ser vista como uma afronta à liberdade constitucional dos indivíduos. 

A experiência internacional oferece exemplos valiosos de descriminalização. Em 2001, Portugal descriminalizou todas as drogas para uso pessoal, tratando o uso de drogas como uma questão de saúde pública. Indivíduos encontrados com pequenas quantidades são encaminhados para comissões de dissuasão que aplicam medidas educativas e não penas de prisão. Desde a implementação dessa política, Portugal observou uma redução significativa nas taxas de HIV, overdoses fatais e consumo de drogas entre jovens, demonstrando que a descriminalização pode ser eficaz em termos de saúde pública e direitos humanos. 

O Uruguai, por outro lado, optou por legalizar a produção, venda e consumo de maconha sob controle estatal em 2013. O objetivo era eliminar o mercado negro e reduzir a violência associada ao tráfico de drogas. Resultados preliminares indicam uma redução no mercado ilegal e um aumento no acesso seguro ao produto, com parte da receita gerada sendo reinvestida em programas de saúde pública e educação sobre drogas. 

A descriminalização do porte para uso pessoal pode ter impactos significativos no sistema judiciário e na economia. Reduzir o número de prisões e processos judiciais relacionados a drogas alivia a sobrecarga do sistema penal, permitindo que recursos sejam direcionados para combater crimes mais graves e violentos. Em países como Portugal, essa abordagem resultou em uma diminuição significativa no número de indivíduos encarcerados por delitos relacionados a drogas. 

Além disso, a legalização e regulamentação das drogas podem gerar receitas significativas por meio da taxação, como observado em estados dos EUA que legalizaram a maconha. Esses fundos podem ser reinvestidos em serviços públicos, como saúde e educação, além de criar empregos em setores relacionados à produção, distribuição e venda de drogas legalizadas, estimulando a economia local. 

A abordagem de saúde pública à descriminalização enfatiza o tratamento e a reabilitação ao invés de penalidades criminais. Com a descriminalização, os usuários de drogas podem ser encaminhados para tratamento e reabilitação, promovendo a saúde pública e reduzindo o estigma associado ao uso de drogas. Portugal, por exemplo, observou um aumento significativo no número de pessoas que buscam tratamento para dependência química após a descriminalização. 

Além disso, a regulamentação pode garantir a qualidade e a segurança dos produtos, reduzindo os riscos associados ao consumo de substâncias adulteradas ou de baixa qualidade, comuns no mercado ilegal. Isso pode levar a uma redução nas taxas de overdose e outras complicações de saúde associadas ao uso de drogas. 

A descriminalização pode ser implementada de maneira gradual, começando com a redução das penas para o porte de pequenas quantidades de drogas e movendo-se em direção a um modelo onde o uso pessoal não seja tratado como crime. Isso permite uma adaptação gradual das políticas e da sociedade às novas normas, minimizando resistências e possíveis efeitos adversos. 

Programas de educação sobre os riscos do uso de drogas e campanhas de prevenção são essenciais para complementar a descriminalização. Experiências internacionais mostram que a educação preventiva pode ser eficaz na redução do uso de drogas entre jovens. No Brasil, por exemplo, a Lei 11.343/06 estabelece sanções educativas para usuários de drogas, como advertências e serviços comunitários, em vez de penas privativas de liberdade. 

A descriminalização do porte de drogas para uso pessoal é uma questão complexa que envolve considerações de saúde pública, direitos individuais e segurança. Países que adotaram modelos de descriminalização ou legalização controlada têm observado resultados positivos em termos de saúde pública, redução da criminalidade e eficiência econômica. No entanto, cada modelo deve ser cuidadosamente adaptado ao contexto social e legal específico de cada país. A experiência internacional pode servir como um guia, mas as soluções devem ser localmente relevantes e sustentáveis. 

A descriminalização não implica necessariamente a ausência de regulamentação; ao contrário, uma abordagem bem-sucedida requer um quadro regulatório robusto que assegure a qualidade dos produtos, ofereça suporte aos usuários e minimize os riscos associados ao uso de drogas. Além disso, políticas educacionais e preventivas são fundamentais para garantir que a descriminalização não resulte em um aumento no consumo de drogas, mas sim em uma abordagem mais humana e eficaz ao problema das drogas na sociedade. 

Dessa forma, a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal pode ser uma medida eficaz para promover a saúde pública, respeitar os direitos individuais e reduzir a sobrecarga no sistema judiciário, desde que acompanhada de regulamentações adequadas e programas de educação e prevenção. 

CAPÍTULO III 

MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E ATIVISMO JUDICIAL: O PAPEL DO LEGISLATIVO NA DISCUSSÃO DA LEGALIZAÇÃO  

Sabe-se que a Constituição Federal, como norma fundamental de um Estado, embora seja rígida, não está imune a mudanças e alterações, que podem ser tanto formais quanto informais, conforme destacado pelos juristas. Segundo Bosch (2018), o princípio do Estado Democrático de Direito, consagrado no artigo 1º caput da Constituição Federal, implica a separação dos poderes e o respeito à lei como fundamentos da ordem política. 

A Constituição Federal é a norma fundamental que estabelece as bases jurídicas e institucionais de um Estado. Embora seja considerada uma norma rígida, ou seja, mais difícil de ser modificada em comparação com outras leis, ela não é imune a alterações. Essas modificações podem ocorrer de duas maneiras: formalmente, por meio de emendas e processos previstos na própria Constituição, ou informalmente, por meio da interpretação dinâmica dos tribunais e das mudanças sociais. 

Conforme Bosch (2018), a Constituição brasileira consagra o princípio do Estado Democrático de Direito, destacado no artigo 1º caput. Esse princípio implica a observância de alguns fundamentos essenciais para a ordem política do país. Um desses fundamentos é a separação dos poderes, um conceito fundamental na teoria política que visa evitar a concentração excessiva de poder em um único órgão ou autoridade. 

A separação dos poderes, como prevista na Constituição, distribui as funções estatais entre três poderes distintos: Legislativo, Executivo e Judiciário. Cada um desses poderes possui responsabilidades específicas, contribuindo para um equilíbrio de poder e evitando possíveis abusos. Além disso, o princípio do Estado Democrático de Direito ressalta a importância do respeito à lei como um pilar fundamental desse sistema. 

Portanto, a ideia é que, mesmo com a rigidez constitucional, as mudanças e adaptações podem ocorrer para acompanhar as transformações na sociedade e no entendimento jurídico. O papel da Constituição é estabelecer princípios duradouros, mas sua interpretação e aplicação podem evoluir ao longo do tempo, garantindo que o ordenamento jurídico esteja alinhado com os valores fundamentais de um Estado democrático. 

O artigo 2º da CF/88 reforça a independência dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, estabelecendo a harmonia entre eles. A alteração formal da Constituição ocorre por decisão judicial ou por outros meios previstos constitucionalmente, como o processo legislativo, destacando-se a emenda constitucional, sujeita às limitações das cláusulas pétreas, conforme o artigo 60, parágrafo 4º. 

Os tribunais superiores têm a responsabilidade de interpretar o texto constitucional de maneira apropriada, sem incorrer em arbitrariedades que configurariam violação do poder constituinte e da soberania popular. Os limites da mutação estão intrinsecamente ligados à atividade jurisdicional, sendo incumbência do Supremo Tribunal Federal respeitar a letra expressa da constituição e os limites constitucionalmente impostos. 

O artigo 2º da Constituição Federal de 1988 reforça a independência e a harmonia entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa independência é essencial para o equilíbrio do sistema político, evitando concentração excessiva de poder em uma única esfera. A harmonia entre esses poderes é crucial para o funcionamento eficiente e equilibrado do Estado. 

A alteração formal da Constituição, conforme destacado, pode ocorrer por decisão judicial ou por outros meios previstos constitucionalmente, como o processo legislativo. A emenda constitucional, mencionada no artigo 60, parágrafo 4º, é um dos principais instrumentos para promover essas alterações. No entanto, é importante ressaltar que as emendas estão sujeitas a limitações, conhecidas como cláusulas pétreas. Estas são disposições constitucionais que não podem ser alteradas sem a realização de plebiscito ou referendo, conforme estabelecido no mesmo parágrafo. 

No contexto da interpretação e aplicação da Constituição, os tribunais superiores desempenham um papel crucial. É responsabilidade desses tribunais interpretar o texto constitucional de maneira adequada, evitando arbitrariedades que poderiam configurar violação do poder constituinte e da soberania popular. Essa interpretação deve respeitar a letra expressa da Constituição e os limites constitucionalmente impostos. 

Os limites da mutação constitucional, mencionados no texto, estão intrinsicamente ligados à atividade jurisdicional. O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, deve atuar dentro desses limites, garantindo a preservação da ordem constitucional e o respeito aos princípios fundamentais do Estado brasileiro. 

A postura proativa do Supremo Tribunal Federal, caracterizada por alguns como ativismo judicial, tem sido evidente em julgamentos de grande repercussão. Embora alguns considerem essa abordagem necessária para a concretização dos direitos fundamentais, outros a veem como uma afronta à separação dos poderes e uma extrapolação de competências. 

O termo “ativismo judicial” foi importado dos Estados Unidos, descrevendo a postura proativa da Suprema Corte na interpretação e aplicação da constituição. No entanto, esse ativismo tem sido alvo de críticas, especialmente no contexto brasileiro, por supostamente violar a separação dos poderes e gerar insegurança jurídica. 

A postura proativa do Supremo Tribunal Federal (STF), muitas vezes caracterizada como ativismo judicial, tem se manifestado claramente em julgamentos de grande repercussão no cenário jurídico brasileiro. Enquanto alguns defendem essa abordagem como necessária para a concretização dos direitos fundamentais e para preencher lacunas deixadas pelo Legislativo, outros a enxergam como uma afronta à separação dos poderes e uma extrapolação de competências. 

O termo “ativismo judicial” foi importado dos Estados Unidos e descreve a postura proativa da Suprema Corte na interpretação e aplicação da constituição. Embora essa abordagem possa ser vista como uma resposta à necessidade de adaptar a legislação à evolução social e a novos direitos, no contexto brasileiro, tem sido objeto de críticas significativas. Essas críticas baseiam-se na alegação de que o ativismo judicial, ao conferir ao Judiciário um papel mais ativo na formulação de políticas públicas, pode violar a separação dos poderes, comprometendo o equilíbrio entre eles. 

A discussão sobre ativismo judicial no Brasil também levanta preocupações sobre a insegurança jurídica. A ideia é que decisões judiciais proativas, muitas vezes reinterpretando a legislação ou preenchendo lacunas normativas, podem gerar incertezas sobre as regras legais e dificultar a previsibilidade do sistema jurídico. 

Dessa forma, o debate sobre o ativismo judicial no STF reflete tensões fundamentais entre a busca pela proteção efetiva dos direitos fundamentais e a necessidade de preservar os princípios de separação dos poderes e segurança jurídica no contexto brasileiro. 

É inegável que o papel do Supremo Tribunal Federal na interpretação e aplicação da constituição está limitado por esta mesma constituição, sendo, ao mesmo tempo, seu guardião e submisso a ela. No entanto, a discussão sobre ativismo judicial gira em torno da linha tênue entre interpretar a lei para efetivar direitos fundamentais e extrapolar a competência, usurpando funções do Legislativo. 

Defensores do ativismo judicial argumentam que ele é necessário para preencher lacunas deixadas pela lei e concretizar valores constitucionais diante da omissão legislativa. No entanto, críticos alegam que essa postura proativa pode comprometer a segurança jurídica, o princípio da legalidade e a independência dos poderes. 

A interseção entre mutação constitucional e ativismo judicial se torna evidente em um contexto de mudanças sociais e políticas. A separação dos poderes, o subjetivismo judicial e a insegurança jurídica emergem como questões cruciais. A discussão sobre o ativismo judicial, embora reflita a busca pela efetivação dos direitos fundamentais, também levanta preocupações sobre o equilíbrio entre os poderes e a estabilidade jurídica. 

Diante desse panorama, a atuação do Supremo Tribunal Federal na interpretação e aplicação da Constituição Federal se revela como um desafio complexo. Por um lado, a necessidade de preencher lacunas normativas e efetivar direitos fundamentais muitas vezes exige uma postura proativa, caracterizada como ativismo judicial. Por outro lado, essa abordagem é alvo de críticas, pois, ao conferir ao Judiciário um papel mais ativo na formulação de políticas públicas, pode comprometer a separação dos poderes e gerar insegurança jurídica. 

É crucial destacar que, mesmo diante da rigidez constitucional, as mudanças e adaptações são inerentes à dinâmica social e jurídica. A Constituição Federal estabelece princípios duradouros, mas sua interpretação e aplicação podem evoluir ao longo do tempo, alinhando-se aos valores fundamentais de um Estado democrático. 

O papel do Legislativo surge como peça-chave nesse contexto, sendo essencial para a discussão da legalização, seja de novos direitos ou de interpretações inovadoras sobre legislações existentes. Um diálogo equilibrado entre os poderes, com a participação ativa do Legislativo, é fundamental para construir uma ordem jurídica que respeite a Constituição, atenda às demandas sociais e assegure a estabilidade necessária ao Estado Democrático de Direito. 

Em última análise, a interseção entre mutação constitucional e ativismo judicial destaca-se como um campo delicado, onde a busca pela efetivação dos direitos fundamentais deve coexistir com a preservação dos princípios democráticos e da segurança jurídica. O desafio reside em encontrar um equilíbrio que permita a evolução do ordenamento jurídico sem comprometer a estabilidade e a harmonia entre os poderes, fundamentais para a consolidação do Estado Democrático de Direito no Brasil. 

A Constituição Federal, como norma fundamental de um Estado, estabelece as bases jurídicas e institucionais de uma nação. Embora seja considerada rígida, ou seja, mais difícil de ser modificada em comparação com outras leis, ela não está imune a alterações, que podem ocorrer formal ou informalmente. A discussão sobre a mutação constitucional e o ativismo judicial traz à tona questões sobre a separação dos poderes e o papel do Legislativo na adaptação do ordenamento jurídico às mudanças sociais. Esta dissertação analisa essas temáticas e o papel crucial do Legislativo na discussão da legalização, explorando o equilíbrio entre a efetivação dos direitos fundamentais e a preservação dos princípios democráticos. 

A Constituição Federal consagra o princípio do Estado Democrático de Direito, conforme o artigo 1º caput. Este princípio implica a separação dos poderes e o respeito à lei como fundamentos da ordem política (Bosch, 2018). A separação dos poderes distribui as funções estatais entre três poderes distintos: Legislativo, Executivo e Judiciário, garantindo um equilíbrio que evita a concentração excessiva de poder. 

A mutação constitucional refere-se às mudanças na interpretação da Constituição que ocorrem sem alteração formal do texto. Essas alterações informais são uma resposta às transformações sociais e ao entendimento jurídico dinâmico. Bosch (2018) destaca que a Constituição, embora rígida, pode e deve se adaptar para continuar refletindo os valores e necessidades de uma sociedade em constante evolução. A separação dos poderes e o respeito às limitações constitucionais são essenciais para preservar a ordem democrática. 

Os tribunais superiores, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), desempenham um papel crucial na interpretação da Constituição. O artigo 2º da Constituição Federal de 1988 reforça a independência e a harmonia entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa independência é vital para o equilíbrio do sistema político e para evitar abusos de poder. 

O ativismo judicial, termo importado dos Estados Unidos, descreve a postura proativa dos tribunais na interpretação e aplicação da constituição. No Brasil, essa abordagem tem gerado debates intensos. Defensores argumentam que o ativismo judicial é necessário para preencher lacunas legislativas e efetivar direitos fundamentais, especialmente em contextos de omissão legislativa. No entanto, críticos afirmam que essa postura pode violar a separação dos poderes, gerar insegurança jurídica e comprometer o princípio da legalidade. 

O Legislativo possui um papel essencial na discussão sobre a legalização de novos direitos e na adaptação das leis existentes. As emendas constitucionais, conforme o artigo 60, parágrafo 4º, são instrumentos formais para promover alterações na Constituição. No entanto, estas estão sujeitas a limitações, como as cláusulas pétreas, que protegem disposições fundamentais contra mudanças arbitrárias. 

A legalização de temas controversos, como o uso de drogas, depende de um diálogo equilibrado entre os poderes. O Legislativo deve ser ativo na formulação de políticas que reflitam as mudanças sociais e as demandas da população, enquanto o Judiciário deve interpretar e aplicar a Constituição de maneira que respeite a letra expressa e os limites impostos pelo texto constitucional. 

A interseção entre mutação constitucional e ativismo judicial é um campo delicado que revela tensões entre a necessidade de efetivar direitos fundamentais e a preservação dos princípios democráticos. O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, deve atuar com cautela para não usurpar funções do Legislativo, garantindo ao mesmo tempo a proteção dos direitos fundamentais. 

O debate sobre ativismo judicial no Brasil levanta preocupações sobre a insegurança jurídica e a potencial violação da separação dos poderes. Decisões judiciais proativas, reinterpretando a legislação ou preenchendo lacunas normativas, podem criar incertezas sobre as regras legais e dificultar a previsibilidade do sistema jurídico. 

A atuação do STF é essencial para a manutenção do equilíbrio constitucional. Como guardião da Constituição, o STF deve assegurar que suas interpretações respeitem os limites estabelecidos pelo texto constitucional, evitando arbitrariedades e mantendo a harmonia entre os poderes. O desafio está em interpretar a Constituição de forma a promover a justiça social e a proteção dos direitos fundamentais sem extrapolar suas competências. 

A atuação do Supremo Tribunal Federal na interpretação e aplicação da Constituição Federal é um desafio complexo. A mutação constitucional e o ativismo judicial destacam a necessidade de encontrar um equilíbrio entre a efetivação dos direitos fundamentais e a preservação dos princípios democráticos e da segurança jurídica. 

Casos emblemáticos de ativismo judicial no Brasil incluem decisões sobre direitos LGBT, descriminalização do aborto em determinadas situações e a regulamentação do uso de drogas para fins medicinais. Essas decisões muitas vezes resultam de omissões legislativas, onde o STF intervém para garantir a proteção dos direitos fundamentais. 

Um exemplo notável é a decisão do STF em 2011, que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Esta decisão foi vista como um avanço significativo na proteção dos direitos LGBT, mas também suscitou críticas sobre o papel do Judiciário em questões tradicionalmente legislativas. 

As críticas ao ativismo judicial centram-se na alegação de que ele pode comprometer a segurança jurídica e a previsibilidade do direito. Decisões judiciais que reinterpretam leis ou preenchem lacunas legislativas podem criar um ambiente de incerteza para cidadãos e instituições, dificultando a conformidade com o sistema jurídico. 

Além disso, a intervenção judicial em áreas que deveriam ser reguladas pelo Legislativo pode ser vista como uma usurpação de funções, comprometendo a separação dos poderes e o equilíbrio institucional. Críticos argumentam que o ativismo judicial pode levar a um governo de juízes, onde decisões de grande impacto político e social são tomadas por magistrados não eleitos. 

O papel do Legislativo é crucial nesse contexto, sendo essencial para a discussão e implementação de novas legislações que reflitam as mudanças sociais. Um diálogo equilibrado entre os poderes, com a participação ativa do Legislativo, é fundamental para construir uma ordem jurídica que respeite a Constituição, atenda às demandas sociais e assegure a estabilidade necessária ao Estado Democrático de Direito. 

Em última análise, a interseção entre mutação constitucional e ativismo judicial destaca-se como um campo onde a busca pela efetivação dos direitos fundamentais deve coexistir com a preservação dos princípios democráticos e da segurança jurídica. O desafio reside em encontrar um equilíbrio que permita a evolução do ordenamento jurídico sem comprometer a estabilidade e a harmonia entre os poderes, fundamentais para a consolidação do Estado Democrático de Direito no Brasil. 

CONCLUSÃO 

O debate sobre a liberação do uso de drogas e a descriminalização do porte para consumo próprio envolve uma complexa teia de considerações sociais, econômicas e de saúde pública. Diferentes modelos de políticas, desde a abolição total das leis restritivas até a legalização controlada, oferecem variadas abordagens para equilibrar a liberdade individual com a necessidade de proteção coletiva. Exemplos internacionais, como os casos do Uruguai, Canadá, e Portugal, fornecem valiosos insights sobre os impactos dessas políticas, destacando a importância de um controle rigoroso e a priorização da saúde pública. 

A análise das propostas e suas implicações revela que a escolha de uma política deve ser informada por evidências empíricas e adaptada ao contexto específico de cada sociedade. A descriminalização do porte para uso próprio, por exemplo, requer um enfoque equilibrado que considere tanto os benefícios potenciais, como a redução do encarceramento, quanto os desafios, como o impacto na saúde pública e na segurança. 

A implementação eficaz dessas políticas demanda um esforço conjunto entre diferentes esferas de governo e sociedade, garantindo que as mudanças sejam sustentáveis e justas. Em última análise, o caminho escolhido deve promover o bem-estar coletivo, respeitando a autonomia individual e assegurando a proteção e a saúde pública. 

A descriminalização do porte de drogas para uso próprio é um tema complexo e multifacetado que exige uma abordagem integrada envolvendo saúde pública, direitos individuais e segurança. A criminalização desta conduta tem sido criticada por sua desproporcionalidade, principalmente quando o uso de drogas afeta exclusivamente o próprio usuário, levantando questionamentos sobre a necessidade de repressão penal. Experiências internacionais, como as de Portugal e Uruguai, mostram que políticas de descriminalização ou legalização podem resultar em benefícios significativos, incluindo a redução de taxas de HIV, overdoses fatais e consumo de drogas entre jovens, além da diminuição da violência associada ao tráfico de drogas. 

No Brasil, a Constituição garante a liberdade individual e a inviolabilidade da vida privada, sugerindo que a criminalização do porte de drogas para uso pessoal pode infringir esses direitos fundamentais. A adaptação gradual da legislação brasileira, alinhada com experiências internacionais bem-sucedidas, pode proporcionar um equilíbrio entre a proteção da saúde pública e o respeito aos direitos individuais. 

A implementação de políticas educacionais e preventivas, juntamente com um quadro regulatório robusto, é essencial para garantir a eficácia da descriminalização, minimizando riscos e promovendo um tratamento mais humano e eficaz do problema das drogas na sociedade. A descriminalização do porte de drogas para uso pessoal pode, assim, contribuir para a promoção da saúde pública, a redução da sobrecarga no sistema judiciário e o respeito aos direitos individuais. 

A Constituição Federal, como norma suprema do Estado, deve equilibrar a estabilidade com a capacidade de adaptação às mudanças sociais e jurídicas. Embora rígida, a Constituição não é imutável, podendo ser alterada formalmente, por meio de emendas, ou informalmente, através de interpretações dinâmicas dos tribunais. A separação dos poderes e o respeito à lei, consagrados no princípio do Estado Democrático de Direito, garantem a harmonia e o equilíbrio entre Legislativo, Executivo e Judiciário. 

O ativismo judicial, termo originado nos Estados Unidos, descreve a postura proativa dos tribunais na interpretação da Constituição. No Brasil, essa prática é vista por alguns como necessária para preencher lacunas legislativas e efetivar direitos fundamentais, enquanto outros a criticam por potencialmente violar a separação dos poderes e gerar insegurança jurídica. 

A discussão sobre a mutação constitucional e o ativismo judicial revela tensões entre a efetivação de direitos fundamentais e a preservação dos princípios democráticos. O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, deve interpretar a lei de forma a promover a justiça social e proteger direitos fundamentais sem usurpar funções do Legislativo. 

O papel do Legislativo é essencial na adaptação das leis às mudanças sociais e na discussão da legalização de novos direitos. Um diálogo equilibrado entre os poderes é fundamental para construir uma ordem jurídica que respeite a Constituição e assegure a estabilidade do Estado Democrático de Direito. Em última análise, a busca pela evolução do ordenamento jurídico deve coexistir com a manutenção da segurança jurídica e a harmonia entre os poderes, pilares da consolidação democrática no Brasil. 

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