LGBTICÍDIO: (DES) NECESSIDADE DE QUALIFICADORA DO CRIME DE HOMICÍDIO NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202505300853


Bruno José de Souza Chagas1
Rafaela Andrade da Rocha2
Júlio César Rodrigues Ugalde3


RESUMO

O estudo analisa a violência letal contra pessoas trans no Brasil (2011-2024), partindo do seguinte problema: “É necessária uma qualificadora específica para o crime de homicídio (art. 121 do Código Penal) contra pessoas trans?”. Com o objetivo de demonstrar a viabilidade do LGBTIcídio como qualificadora, adotou-se uma abordagem qualitativa e comparativa, utilizando dados do Atlas da Violência, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e do Grupo Gay da Bahia (GGB), além de análise jurisprudencial (ADO 26/STF) e legislativa. Os resultados evidenciaram a brutalidade dos crimes (83%-89% com requintes de crueldade), a subnotificação persistente e a insuficiência da legislação atual, mesmo após a equiparação da homotransfobia ao racismo pelo STF. Comparações com outros tipos penais, como o feminicídio, Lei 7.716/89 (Racismo) e a legislação francesa, reforçam que a tipificação exige políticas intersetoriais complementares. Conclui-se que a qualificadora é juridicamente viável, socialmente necessária e alinhada aos direitos humanos internacionais.

Palavras chaves: Violência contra pessoas trans; LGBTIcídio; Transfobia; Qualificadora penal; Direitos Humanos.

ABSTRACT

This study examines lethal violence against trans people in Brazil (2011-2024), addressing the following research question: “Is a specific qualifying circumstance necessary for the crime of homicide (Article 121 of the Penal Code) against trans individuals?” Aiming to demonstrate the feasibility of LGBTicide as a qualifying factor, a qualitative and comparative approach was adopted, using data from the Atlas of Violence, the National Association of Travestis and Transsexuals (ANTRA), and the Gay Group of Bahia (GGB), alongside jurisprudential (ADO 26/STF) and legislative analysis. The results revealed: (i) the brutality of crimes (83%-89% involving extreme cruelty); (ii) persistent underreporting; and (iii) the inadequacy of current legislation, even after the Supreme Federal Court (STF) equated homotransphobia with racism. Comparative analyses with other penal classifications, such as femicide, Law 7,716/89 (Racism), and French legislation, reinforce that criminalization requires complementary intersectoral policies. It is concluded that the qualifying circumstance is legally viable, socially necessary, and aligned with international human rights standards.

Keywords: Violence against trans people; LGBTIcide; Transphobia; Criminal qualification; Human rights.

1 INTRODUÇÃO

A violência contra a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexos, Assexuais, Pansexuais, Não-bináries (LGBTQIAPN+) é histórica e estrutural, manifestando-se por discriminação, exclusão e agressões. No Brasil, travestis e transexuais estão entre os grupos mais vulneráveis. Segundo Jaqueline Gomes de Jesus (2012), pessoas transgênero não se identificam com o sexo atribuído ao nascer, expressando-se como travestis, mulheres transexuais, homens trans e não-bináries.

Há 15 anos, o Brasil lidera globalmente os assassinatos de pessoas trans (Benevides, 2023). Apesar disso, o ordenamento jurídico ainda não reconhece a motivação transfóbica como qualificadora do homicídio, dificultando a responsabilização adequada dos autores. Buscando suprir essa lacuna, a deputada Luizianne Lins propôs o Projeto de Lei 7.292/2017 – a chamada ‘Lei Dandara’ – que altera o Código Penal para incluir o LGBTIcídio como qualificadora do homicídio e o classifica como crime hediondo (Brasil, 2017).

Diante desse cenário, a pesquisa questiona: é necessária uma qualificadora específica para o crime de homicídio contra pessoas trans?

O objetivo geral é demonstrar que o LGBTicídio é uma qualificadora necessária para o crime de homicídio (art. 121 do Código Penal). Os objetivos específicos são: (i) conceituar gênero, sexo e sexualidade; (ii) descrever formas de transfobia que impulsionam a violência; (iii) examinar características dos homicídios de pessoas trans; (iv) identificar lacunas legais; e (v) avaliar precedentes nacionais e internacionais sobre crimes de ódio.

O trabalho está dividido em quatro partes: a Introdução contextualiza o tema; Materiais e Métodos detalham a abordagem qualitativa e comparativa; Resultados analisam os aspectos socioculturais, a transfobia estrutural, o perfil dos crimes e experiências internacionais; e a Discussão avalia a viabilidade da proposta à luz da teoria e do direito.

Parte-se da hipótese de que uma qualificadora específica pode tornar o sistema penal mais justo, dar visibilidade à violência transfóbica e fomentar políticas públicas. A relevância do tema se evidencia na expectativa de vida de apenas 35 anos para pessoas trans no Brasil (Benevides, 2023) e no aumento dos homicídios motivados por identidade de gênero.

O estudo dialoga com autoras como Jaqueline Gomes de Jesus, Judith Butler, além de Camila de Jesus Mello Gonçalves, articulando ciências criminais e direitos fundamentais na defesa da vida e cidadania plena da população transgênero.

2 MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo adotou uma abordagem metodológica de natureza qualitativa, exploratória e descritiva, baseando-se em uma revisão sistemática da literatura especializada. Foram analisadas jurisprudências, legislações nacionais e internacionais, documentos de organizações de direitos humanos, pesquisas acadêmicas pertinentes à temática da transfobia e violência de gênero, além de relatórios elaborados por entidades não governamentais sobre a violência direcionada a esse grupo.

Para a investigação, foram empregadas três principais abordagens metodológicas: (i) análise jurídico-normativa, para examinar normas e jurisprudências relacionadas à criminalização da transfobia; (ii) análise de conteúdo, aplicada à revisão de artigos científicos, dissertações e relatórios para identificar padrões argumentativos sobre a proteção da população trans; e (iii) análise comparativa, que permitiu cotejar diferentes marcos normativos e acadêmicos, ampliando a compreensão do tema.

No aspecto jurídico, foi realizada uma análise detalhada das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), com foco na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, que equiparou a homofobia e a transfobia ao crime de racismo. Também foram estudados marcos legais estrangeiros, como o Código Penal Francês, que prevê como agravante os crimes motivados pela identidade de gênero da vítima, e os Princípios de Yogyakarta, que estabelecem diretrizes de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero. A seleção das jurisprudências e legislações seguiu os critérios de relevância para a criminalização da transfobia e sua comparação com outras normativas de proteção a grupos vulneráveis.

Além da abordagem normativa, foi utilizada a análise de conteúdo para examinar publicações acadêmicas e relatórios de direitos humanos, permitindo uma visão mais ampla das discussões sobre a violência contra pessoas trans. O Atlas da Violência analisa homicídios por gênero, raça e faixa etária, usando dados do SIM e Sinan (Ministério da Saúde). A ANTRA mapeia assassinatos de pessoas trans, abordando evolução, distribuição regional, perfil das vítimas (idade, classe, raça, identidade de gênero), métodos, crimes de ódio e impactos da violência estrutural. O Observatório de Mortes Violentas de LGBT+ (GGB) monitora a violência contra LGBTQIAPN+, especialmente trans, destacando a subnotificação. Desde 1980, o GGB coleta dados reconhecidos nacional e internacionalmente.

Foram analisados 26 documentos (2011-2024): 9 dossiês da ANTRA (2017-2024), 12 relatórios do GGB (2011, 2013-2015, 2017-2022) e 5 edições do Atlas da Violência (2019-2023), cobrindo 14 anos de violência contra pessoas trans e travestis no Brasil. Embora os relatórios utilizados forneçam informações relevantes sobre a violência contra a população LGBTQIAPN+, o próprio Atlas da Violência (2024) ressalta que os registros não necessariamente indicam motivações ligadas à LGBTfobia, uma vez que se referem a vítimas LGBTQIAPN+ independentemente da causa do crime, excluindo apenas os casos de violência autoprovocada. Ou seja, não se descarta a presença de outras motivações, mas também não se identifica com precisão quando a LGBTfobia é o fator determinante.

A análise comparativa possibilitou o cruzamento de informações entre os documentos normativos nacionais e internacionais, assim como entre as discussões acadêmicas e os dados empíricos disponíveis. Dada a reconhecida subnotificação dos crimes motivados por identidade de gênero, a pesquisa manteve-se qualitativa e exploratória, priorizando uma abordagem crítica e interdisciplinar na interpretação das normas, das decisões judiciais e das evidências científicas sobre a proteção da população trans.

3 RESULTADOS

A presente seção busca aprofundar a análise sobre a violência letal contra pessoas transgênero no Brasil, evidenciando tanto suas raízes estruturais quanto as insuficiências do ordenamento jurídico para enfrentá-la de maneira adequada. Inicialmente, discute-se como a marginalização histórica das identidades trans alimenta um ciclo de exclusão e vulnerabilidade extrema, resultando em índices alarmantes de homicídios. Em seguida, examina-se a resposta do direito penal brasileiro, apontando suas limitações na tipificação e repressão dessas violências, bem como experiências internacionais que podem inspirar soluções mais efetivas.

3.1 Transfobia estrutural: da construção social do gênero aos homicídios de pessoas trans

A travestilidade e a transexualidade constituem expressões identitárias de gênero tão socialmente construídas quanto as identidades cisgêneras (homem/mulher), conforme demonstram Oliveira Santos e Wolf Krawczak (2017). Contudo, por desafiarem o sistema binário e normativo, essas identidades enfrentam processos sistemáticos de marginalização que as tornam particularmente vulneráveis à violência material e simbólica. Essa dinâmica inicia-se precocemente, desde a infância, indivíduos que fogem às expectativas de gênero enfrentam discriminação cotidiana (Idem ibidem), sendo socialmente punidos por sua transgressão às normas estabelecidas (Stefanes Pacheco; Pacheco, 2016).

Essa exclusão manifesta-se também de forma aguda no âmbito laboral. Marinho e Almeida (2019) destacam que o não reconhecimento social e jurídico das identidades trans restringe severamente suas oportunidades econômicas. Dados da Rede Nacional de Pessoas Trans (Aquino; Nogueira; Cabral, 2017 apud Marinho; Almeida, 2019) revelam que apenas 10% dessa população acessa o mercado formal, enquanto 90% sobrevivem na informalidade ou na prostituição – consequência direta do preconceito estrutural no mundo do trabalho.

Tal marginalização socioeconômica correlaciona-se com alarmantes índices de violência. O Grupo Gay da Bahia (2023) alerta que, embora pessoas trans representem apenas 1 milhão no Brasil (contra 20 milhões de homossexuais), seu risco relativo de assassinato é 19% superior. Complementando esses dados, o Atlas da Violência (2024) registrou 4.170 casos de violência contra pessoas trans/travestis em 2022, incluindo agressões físicas, psicológicas e homicídios.

A psicologia social oferece chaves interpretativas para essa violência extrema. Conforme Herek (1990), McDevitt et al. (2002) e Bettcher (2007), a transfobia opera por um duplo mecanismo: eliminação física da vítima e aniquilamento simbólico de sua existência. Esse processo decorre tanto do desengajamento moral (Bandura, 1999) quanto da percepção distorcida da identidade trans como “ameaça” (Sternberg, 2003).

No contexto brasileiro, essa violência possui raízes históricas profundas. Durante a ditadura militar, políticas estatais explicitamente segregacionistas visavam pessoas trans, como evidenciado pelo plano policial de 1980 para confinar travestis em espaços específicos (Estado De S.Paulo, 1980 apud Comissão Da Verdade, 2022, p.15). Na atualidade, a transfobia institucional persiste, como demonstrou o caso de uma defensora pública de Rondônia que, em 2023, utilizou publicamente o termo “barbudo de vestido” para se referir a pessoas trans (G1, 2023).

A escalada contemporânea da violência relaciona-se diretamente com a atuação organizada de grupos antitrans. Relatórios da Antra (2024) e Benevides (2024), documentam como coalizões entre movimentos antigênero, políticos de extrema-direita e grupos religiosos criam um ambiente social hostil, fomentando discursos de ódio que legitimam a violência. Como sintetizam Hunter e Power (2019) e Miguel (2021 apud Cerqueira; Bueno, 2024), essa dinâmica representa a continuidade histórica da violência de Estado contra corpos que desafiam as normas de gênero hegemônicas.

A análise evidenciou como a transfobia estrutural, desde a marginalização socioeconômica até a violência física, perpetua a vulnerabilidade da população trans. Esse cenário exige a avaliação crítica das respostas penais existentes.

3.2 A insuficiência da legislação penal brasileira frente aos homicídios contra pessoas transgênero sob o aspecto do direito penal e da criminologia

De acordo com (Lamble, 2013), a Transfobia constitui uma gama de expressões e comportamentos hostis em relação a pessoas trans, estendendo-se de expressões de medo e repulsa ao extremo da violência, como agressão e assassinato. Essa antipatia por um indivíduo devido à sua identidade de gênero assume muitas formas, desde abuso verbal até formas institucionalizadas de discriminação.

Estudos de Mendes et al. (2019) evidenciam padrões específicos de violência contra a população LGBTQIAPN+, destacando a escassez de pesquisas internacionais sobre violência letal, particularmente homicídios. Em análise espacial e estatística, o estudo revelou a extrema brutalidade dos assassinatos de pessoas trans, configurando um grave problema de saúde pública.

Já segundo os relatórios da Antra (2024) e (Benevides, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022, 2023, 2024), o Brasil registrou uma média de 126 assassinatos anuais de pessoas trans entre 2008 e 2023, com picos em 2017 (179 casos) e 2020 (175). A esmagadora maioria das vítimas é transfeminina (93–98%), sendo 78% negras – dado subestimado pela escassez de informações sobre raça. Os crimes são marcados por violência extrema: 83–89% dos casos envolvem requintes de crueldade (tiros, facadas, espancamento e métodos combinados). Regionalmente, Nordeste e Sudeste lideram em números absolutos (ex.: 39% e 32% em 2017, respectivamente), refletindo desigualdades geográficas na violência e na cobertura midiática.

Em 2024, São Paulo liderou o número de assassinatos de pessoas trans no Brasil, com 16 casos registrados. Minas Gerais ocupou a 2ª posição, com 12 ocorrências, seguido pelo Ceará, que contabilizou 11 casos. O Rio de Janeiro ficou na 4ª posição, com 10 assassinatos. Bahia, Mato Grosso e Pernambuco registraram 8 casos cada, enquanto Alagoas apresentou 6 ocorrências. Maranhão, Pará e Paraíba contabilizaram 5 assassinatos cada, seguidos por Piauí e Rio Grande do Sul, com 4 casos cada. Espírito Santo e Santa Catarina tiveram 3 assassinatos cada, enquanto Goiás, Rondônia e Sergipe registraram 2 casos cada. Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Paraná registraram 1 assassinato cada. Houve ainda um assassinato no exterior. (Benevides, 2024, p. 65).

De acordo com o Observatório de Mortes Violentas (Grupo Gay da Bahia, 2011, 2013, 2014, 2015, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2024), no Brasil, pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) enfrentam risco desproporcional de morte violenta, com taxas 14 a 22 vezes superiores às de gays. Embora gays liderem em números absolutos, a categoria trans é consistentemente a segunda mais vitimada, com pico em 2020 (161 mortes). Vítimas são majoritariamente jovens (15–39 anos), muitas em contexto de prostituição, e negras (38–53% dos casos). Os crimes envolvem extrema crueldade (facadas múltiplas, espancamentos) e ocorrem predominantemente em vias públicas. A subnotificação e o desrespeito pós-morte perpetuam a invisibilidade dessa violência.

Nessa toada, “O fenômeno transexual no Brasil é uma realidade ainda precária e preocupante. A violência contra as pessoas trans é estrutural e sistemática, acontecendo em diferentes lugares, até na sua própria residência onde moram” (Castro; Franklin; Verbicaro Soares, 2024, p. 53).

A gravidade desses padrões de violência contrasta com a abordagem jurídica atual. Segundo Neto (2020), ao tratar de orientações sexuais e identidades de gênero que não correspondem ao padrão normativo esperado pelos sistemas vigentes, observa-se uma carência de legislações específicas que abordem essas questões de forma adequada. Ainda segundo o autor, a ausência de sanções mais severas e de caráter preventivo, portanto, pode contribuir para a reincidência do agressor.

Ademais, a subnotificação permanece como um desafio estrutural. Apesar da cobertura midiática de casos de violência contra pessoas trans, os registros institucionais – incluindo dados policiais e do Instituto Médico Legal (IML) – revelam lacunas substanciais (Benevides, 2025). Como destaca a referida autora, “a política estatal perpetua a subnotificação sistemática, mantendo obstáculos ao monitoramento eficaz” (Benevides, 2025, p. 63).

Em contraponto, em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, reconheceu a omissão legislativa em criminalizar especificamente a homofobia e a transfobia. Decidiu então equipará-las aos crimes de racismo (Lei 7.716/1989), estabelecendo que, nos casos de homicídio doloso, configura circunstância qualificadora de motivo torpe (Código Penal (CP), art. 121, §2º, I). A fundamentação destacou a necessidade de proteção jurídica contra violências motivadas por orientação sexual e identidade de gênero (STF, 2020).

No entanto, Camila de Jesus Mello Gonçalves, em entrevista concedida ao programa Academia Jus — integrante da faixa educativa da TV Justiça —, afirmou que, enquanto a garantia dos direitos das pessoas trans depender exclusivamente da Constituição, de princípios gerais ou de normas mais abertas, sua efetivação ficará sujeita à interpretação individual dos juízes. Essa interpretação, segundo ela, pode variar significativamente, uma vez que os Magistrados possuem formações, percepções e compreensões distintas quanto ao alcance dessas normas (Academia […], 2015).

Para uma análise estrutural desse problema, inicialmente, é necessário se examinar o ponto de vista dogmático-penal. Nucci (2025) conceitua tipo penal como descrição normativa da conduta, concretizando o princípio da legalidade. Sua estrutura abarca: (i) elementos objetivos (descritivos – e.g., “matar alguém”; normativos – e.g., “motivo torpe”, que exige valoração) e (ii) elementos subjetivos (dolo/culpa). O autor acrescenta ainda que, tipos descritivos (art. 121 CP) possuem conteúdo literal, enquanto os normativos (art. 233 CP) demandam interpretação de conceitos valorativos como “obscenidade” (Nucci, 2025). Nessa mesma linha, a tipicidade decorre da subsunção do fato concreto ao tipo abstrato (Nucci, 2025). Nos crimes qualificados pelo resultado (e.g., latrocínio – art. 157, §3º, II, CP), o vínculo físico e subjetivo entre conduta e evento agravador justifica a majoração penal, expressando política criminal de prevenção integral (Nucci, 2025).

Complementarmente, a estrutura funcional da pena revela-se especialmente pertinente para análise de crimes contra minorias sociais, onde a adequada ponderação desses elementos pode significar maior efetividade na tutela de bens jurídicos vulneráveis. Nucci (2021) afirma que, a pena no ordenamento jurídico brasileiro apresenta finalidades multifacetadas que se interrelacionam de forma sistêmica. Em sua dimensão retributiva, atua como mecanismo de reprovação jurídico-penal proporcional ao delito cometido, cumprindo simultaneamente um potencial papel ressocializador. Sob o aspecto preventivo-geral, reforça a autoridade normativa do sistema penal perante a sociedade, consolidando a fidúcia nas instituições jurídicas. Na esfera intimidatória, opera como fator dissuasório ao demonstrar concretamente as consequências negativas advindas da prática criminosa. Por fim, em sua função protetiva, assegura a neutralização temporária do agente infrator, particularmente nos casos de alta periculosidade, garantindo a preservação da ordem pública e a segurança coletiva.

Diante desse cenário, experiências internacionais oferecem parâmetros relevantes. Os Princípios de Yogyakarta (2006) – elaborados por especialistas e apresentados à ONU em 2007 –, conforme Alamino e Del Vecchio (2018), aplicam os direitos humanos à diversidade sexual e de gênero. Embora não vinculantes, foram adotados por diversos países, podendo constituir costume internacional.

O Princípio 5 assegura proteção contra violência motivada por orientação sexual ou identidade de gênero, exigindo dos Estados não só medidas policiais e outras preventivas, mas também legislação com sanções adequadas (Princípios, 2006).

Na prática, o Código Penal Francês, traduzido por estes autores, exemplifica essa aplicação prevendo agravantes penais para crimes cometidos com motivação discriminatória, incluindo aqueles baseados em gênero, orientação sexual ou identidade de gênero da vítima (França, 2024). No caso de violência física, mesmo sem incapacidade laboral prolongada, a legislação estabelece pena de até três anos de prisão e multa de 45 mil euros quando o crime é motivado por transfobia e homofobia (art. 222-13). Além disso, atos precedidos ou acompanhados de manifestações de ódio contra a identidade de gênero da vítima têm suas penas máximas aumentadas (Idem ibidem).

Os dados analisados demonstram que, apesar das qualificadoras existentes no artigo 121 do Código Penal (como o motivo torpe), a legislação atual mostra-se insuficiente para enfrentar a especificidade dos crimes contra pessoas trans.

4 DISCUSSÃO

A travestilidade configura-se como um fenômeno marcante em toda a América Latina (Kulick, 2013), sendo o Brasil o país que, paradoxalmente, combina maior visibilidade social dessa população com os mais alarmantes índices de violência. Conforme dados do Transgender Europe (2023), o país mantém há 17 anos consecutivos a triste liderança mundial em assassinatos de pessoas trans, revelando a profundidade da transfobia estrutural em nossa sociedade. Essa violência sistemática representa grave afronta a direitos humanos fundamentais, como a vida e a integridade física, exigindo respostas urgentes do ordenamento jurídico. Nesse contexto, quando consideramos questões legais que parecem ter sua incitação emanando de uma ordem social, devemos imediatamente tentar verificar a procedência da conexão causal do comportamento do sujeito ativo, reconhecendo circunstâncias agravantes e atenuantes desse tipo criminoso (Neto, 2020).

4.1 Gênero, Identidade e Sexualidade: Fundamentos Teóricos

Para uma análise adequada da violência contra pessoas trans, é imprescindível estabelecer as distinções entre sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual, conceitos frequentemente confundidos, mas essenciais para compreender as dinâmicas de opressão e proteção dessa população.

O sexo biológico refere-se às características físicas e fisiológicas (genitália, cromossomos, hormônios) tradicionalmente categorizadas como masculino ou feminino. Contudo, como demonstra Fausto-Sterling (2019), essa classificação binária é insuficiente para abarcar a diversidade humana, que inclui indivíduos intersexos – evidenciando que o sexo é, na verdade, um espectro. Importante ressaltar, como afirma Jesus (2012, p.6), que “o sexo biológico não determina comportamentos de gênero; estes são construídos culturalmente”.

A identidade de gênero diz respeito à vivência interna e subjetiva de cada indivíduo – seja como homem, mulher, ambos ou nenhum dos dois –, independentemente do sexo biológico. Butler (2006) reforça que o gênero não é uma essência, mas uma performance social construída através de práticas repetidas e normas culturais. Essa perspectiva desnaturaliza a associação direta entre genitália e identidade.

Diferentemente da identidade de gênero, a orientação sexual refere-se à atração afetivo-sexual por outros indivíduos (heterossexual, homossexual, bissexual, etc.). Conforme Weeks (1996), trata-se de uma dimensão autônoma da sexualidade, que não está necessariamente vinculada ao sexo ou ao gênero – reforçando seu caráter subjetivo e diverso.

A transexualidade caracteriza-se pela incongruência entre a identidade de gênero e o sexo atribuído ao nascimento, muitas vezes levando a modificações corporais (como hormonização e cirurgias). Já a travestilidade, conforme Jesus (2012, p.17), constitui uma identidade própria, que não se enquadra necessariamente no binário homem/mulher, mas sim em um terceiro gênero ou uma não-categoria fixa.

Em síntese, a distinção entre sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual revela-se fundamental para compreender as especificidades da violência contra pessoas trans. Enquanto construções sociais distintas, esses conceitos demonstram como a transfobia se manifesta na negação sistemática da autonomia identitária, exigindo respostas jurídicas que reconheçam essa complexidade para uma proteção efetiva de direitos.

4.2 Violência Contra Pessoas Trans no Brasil: Dados, Padrões e Lacunas Legais

A análise dos dados revela padrões alarmantes nos crimes de assassinato e violência contra pessoas trans no Brasil, caracterizados por extrema brutalidade e requintes de crueldade. O modus operandi inclui predominantemente o uso de armas de fogo (tiros), armas brancas (facadas) e espancamento ou estrangulamento, frequentemente combinados com práticas ainda mais violentas, como pauladas, pedradas, degolamento e até atropelamento intencional, muitas vezes precedidos de tortura. A dificuldade em traçar perfis detalhados dos agressores, devido à subnotificação e à falta de dados sistematizados, não impede a identificação de um padrão: os suspeitos são majoritariamente homens cisgêneros, com casos registrados envolvendo vínculos afetivos (como parceiros ou ex-companheiros) ou situações de prostituição (Mendes et al., 2019). Quanto à dinâmica espacial, os crimes ocorrem principalmente em locais públicos (ruas e vias), mas também há registros de corpos abandonados em lixões, terrenos baldios e rios, indicando um tratamento desumanizante das vítimas. Chama atenção a faixa etária predominante das vítimas – entre 15 e 29 anos –, o que não apenas reflete a vulnerabilidade social dessa população, mas também confirma a reduzida expectativa de vida das pessoas trans no Brasil (Antra, 2024), (Benevides, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022, 2023, 2024).

Não só isso, a análise dos dados evidencia que a extrema brutalidade dos homicídios contra pessoas trans, corrobora o duplo mecanismo psicossocial descrito por Herek (1990), McDevitt et al. (2002) e Bettcher (2007), a violência transfóbica opera simultaneamente como eliminação física e aniquilamento simbólico da identidade de gênero. A predominância de agressores cisgêneros, especialmente em contextos afetivos ou de prostituição, e a juventude das vítimas (15-29 anos) evidenciam como o desengajamento moral (Bandura, 1999) e a percepção da identidade trans como “ameaça” (Sternberg, 2003) se materializam em padrões concretos de crueldade e desumanização. Esses achados demonstram que a violência analisada não é episódica, mas estrutural, exigindo respostas penais que considerem sua especificidade motivacional. Silva (2023) aponta a contradição de um país que simultaneamente violenta travestis e mulheres trans, negando-lhes proteção social, enquanto as objetifica e consome em produções pornográficas, revelando assim as tensões presentes nas políticas de desejo dominantes.

Dados do Transgender Europe (2023) revelam que o Brasil lidera o ranking mundial de homicídios de pessoas trans há 17 anos consecutivos, evidenciando a persistência de uma cultura de transfobia arraigada na sociedade brasileira. Essa realidade representa um obstáculo à garantia dos direitos humanos, como a integridade física e o direito à vida, exigindo uma mobilização efetiva do sistema jurídico, especialmente por parte do legislativo, já que o sistema penal atual se mostra ineficaz diante do aumento dos crimes de ódio.

Benevides (2024) demonstra a parcela de culpa do Estado ao evidenciar que a continuação da subnotificação e da invisibilidade nos dados͏ de violência LGBTfóbica — especialmente contra pessoas trans — mostra não apenas uma falha na estrutura do Estado, mas também uma política intencional de exclusão materializada na omissão e negação de direitos b͏ásicos. Não só isso, mas a ascensão͏ de políticos de extrema direita junto com a res͏istênc͏ia para reconhecer legalmente identidades trans firma um plano para marginalizar que v͏ai͏ além da violência físi͏ca, é uma violência epistêmica que apaga existênci͏as ͏e ͏torna políticas públicas efica͏zes i͏nviáveis.

Esse cenário de insegurança se agrava quando se observa que a transfobia no Brasil não é um fenômeno isolado ou pontual. A história recente do país é marcada por ações estatais e discursos políticos que reforçam o repúdio à existência de pessoas trans (Benevides, 2024). Durante o período da ditadura militar, políticas de repressão a travestis e homossexuais foram implementadas com o objetivo de “limpar” os espaços públicos (Estado De S.Paulo, 1980 apud Comissão Da Verdade, 2022, p.15). Nos dias atuais, mesmo em ambientes institucionais, ainda há manifestações explícitas de transfobia, como no caso ocorrido em 2023, no qual uma defensora pública de Rondônia publicou em suas redes sociais um comentário pejorativo sobre pessoas trans, referindo-se a elas como “barbudos de vestido” (G1, 2023).

Nessa toada, a legislação penal brasileira se mostra insuficiente pois não reconhece, de forma expressa, a motivação transfóbica como circunstância qualificadora do homicídio. Embora existam dispositivos jurídicos que, em tese, poderiam abarcar tais casos — como o enquadramento por motivo torpe ou a aplicação da ADO 26, que equipara a homotransfobia ao crime de racismo — a efetividade dessas normas depende substancialmente da interpretação judicial (Academia […], 2015). A esse respeito, a Doutora Camila de Jesus Mello Gonçalves, ao ser entrevistada sobre seu trabalho de doutorado, afirmou que o sistema jurídico brasileiro, embora possua dispositivos normativos que poderiam ser utilizados na proteção da população trans, ainda se mostra dependente da subjetividade judicial (Idem ibidem). Como existem juízes com formações e convicções variadas, o julgamento de casos semelhantes pode levar a decisões radicalmente diferentes, colocando essa população em situação de insegurança jurídica e fragilidade institucional.

Apesar disso, a decisão do STF na ADO 26 foi categórica ao reconhecer a omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a criminalização específica da homofobia e da transfobia, conforme exigido pelos arts. 5º, XLI e XLII, da Constituição Federal (Brasil, 2020). Ao equiparar essas condutas ao crime de racismo (Lei nº 7.716/1989), o Tribunal destacou que essa solução é provisória, válida apenas até que o Poder Legislativo edite norma específica sobre a matéria. Se não, vejamos:

[…] 1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”); […] (Brasil, 2020, p. 5).

 O texto da decisão é claro ao estabelecer que a aplicação da Lei de Racismo ocorre “por identidade de razão”, ou seja, como medida paliativa para suprir a ausência de tipificação própria, sem prejuízo da obrigação constitucional do Congresso de legislar sobre o tema. A criação de uma qualificadora específica disciplinaria expressamente a motivação de ódio por identidade de gênero, conferindo maior objetividade na aplicação da norma penal.

Tais exemplos demonstram que a transfobia está enraizada em diversas esferas da sociedade brasileira, sendo perpetuada tanto por omissão quanto por ações diretas do Estado e de seus agentes. Nesse contexto, a inclusão de uma qualificadora específica no tipo penal de homicídio poderia atuar não apenas no plano jurídico-formal, mas também no plano simbólico e pedagógico do Direito Penal.

4.3 LGBTIcídio como Qualificadora Penal: Análise Comparativa e Viabilidade Legislativa

A criminalização do LGBTIcídio como circunstância qualificadora do homicídio exige uma análise crítica da eficácia de tipos penais já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como do modelo adotado por legislações internacionais que tipificam expressamente crimes motivados por orientação sexual ou identidade de gênero.

Segundo Rodrigues (2023), Silva (2020) e Vettorazzo (2022), o feminicídio configura-se como crime estrutural, enraizado na violência de gênero e na cultura patriarcal. Os autores destacam que a Lei nº 13.104/2015, ao tipificar penalmente o feminicídio, cumpriu importante função simbólica ao reconhecer essa forma específica de violência, fato que inclusive contribuiu para ampliar os registros oficiais dos casos. Contudo, os estudos convergem ao demonstrar que a criminalização isolada se mostrou insuficiente para reduzir efetivamente os índices de feminicídio no país, revelando os limites da resposta meramente punitiva.

De acordo com Soares e Lima (2020), após a instituição da Lei 7.716/89 e outras medidas antirracistas, houve importantes avanços no arcabouço legal e na interpretação jurídica do racismo, expandindo seu alcance e definindo crimes e políticas de igualdade. No entanto, a efetividade na erradicação do racismo na sociedade e a superação da impunidade na prática dos crimes continuam sendo desafios significativos, enfrentados por dificuldades na prova, racismo institucional e aplicação das penalidades previstas.

A França possui um marco legal abrangente de proteção aos direitos LGBTQIAPN+, com leis antidiscriminação que abarcam diversas áreas, incluindo discriminação indireta e discurso de ódio desde 2004, e proteções específicas relativas à identidade de gênero desde 2012, os quais foram devidamente traduzidos por estes autores. Um avanço significativo ocorreu em 2017, quando a transfobia foi incluída como circunstância agravante para todos os crimes passíveis de pena de prisão, conforme estabelecido no Artigo 132-77 do Código Penal francês pela Lei n° 2017-86 (France, 2017). Este desenvolvimento legal ampliou substancialmente a proteção jurídica contra crimes motivados por preconceito de gênero no país. A Lei n.º 2017-86, de 27 de janeiro de 2017, trouxe alterações significativas ao Código Penal francês, reforçando a repressão aos crimes e infrações motivados por discriminação ou ódio em razão da orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. Entre as modificações introduzidas, destaca-se a nova redação do artigo 132-77, que estabelece o aumento das penas máximas de prisão quando o crime for precedido, acompanhado ou seguido de atos que demonstrem motivação discriminatória relacionada ao sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima (France, 2017). O dispositivo prevê escalonamento de agravantes, elevando a pena conforme a gravidade do crime original, podendo chegar à prisão perpétua nos casos mais graves.

A análise comparativa demonstra que a tipificação penal específica de crimes motivados por preconceito – seja por gênero (feminicídio), raça (Lei 7.716/89) ou orientação sexual/identidade de gênero (Lei francesa de 2017) – cumpre três funções essenciais: (1) reconhecimento simbólico da violência estrutural; (2) visibilização estatística dos casos; e (3) ampliação do espectro punitivo. Contudo, como evidenciam os estudos sobre feminicídio (Rodrigues, 2023; Silva, 2020; Vettorazzo, 2022) e racismo (Soares; Lima, 2020), a criminalização isolada mostra-se insuficiente para transformação social, exigindo políticas intersetoriais que atuem na prevenção, apuração eficaz e educação. O modelo francês (France, 2017), ao qualificar a LGBTIfobia como agravante geral com escalonamento de penas, oferece parâmetro legislativo relevante, mas sua eficácia dependerá de mecanismos complementares que superem os limites já identificados nas experiências brasileiras. Assim, a viabilidade da qualificadora penal para LGBTIcídio no Brasil deve considerar tanto seu potencial normativo quanto os desafios práticos já observados em figuras análogas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa confirmou a hipótese inicial de que a introdução de uma qualificadora penal específica para o homicídio contra indivíduos LGBTQIAPN+ é necessária no sistema jurídico brasileiro, não somente como meio de repressão, mas também como reconhecimento formal da violência estrutural sofrida pela população trans. Os números apresentados revelam uma situação preocupante pois o Brasil continua sendo o país com os maiores índices de homicídios de pessoas trans no mundo, delitos caracterizados por brutalidade extrema e motivação discriminatória. A falta de uma tipificação penal precisa contribui para a perpetuação da subnotificação, a impunidade e a invisibilidade dessa violência, mantendo um ciclo de vulnerabilidade e marginalização.

A análise comparativa indica que a criminalização de delitos motivados pelo ódio à identidade de gênero, a exemplo da França, desempenha funções cruciais.  Contudo, as pesquisas sobre feminicídio e racismo no Brasil indicam que uma simples tipificação não é adequada para garantir eficácia na diminuição desses delitos.  A lei precisa estar aliada a políticas públicas intersetoriais, que incluam educação em direitos humanos, formação de agentes de segurança e justiça, além de ações socioeconômicas que diminuam a marginalização da população transgênero.

O acórdão do STF na ADO 26, que equiparou a homotransfobia ao delito de racismo, representou um progresso significativo, porém insuficiente.  A falta de uma atualização específica no Código Penal perpetua a dependência de interpretações subjetivas dos tribunais, provocando instabilidade jurídica. A sugestão de incluir o LGBTIcídio como circunstância agravante do homicídio, conforme o PL 7.292/2017 (“Lei Dandara”), é um avanço crucial para preencher essa brecha, adequando o Brasil às normas internacionais de defesa dos direitos humanos.

No entanto, é crucial enfatizar que a legislação isoladamente não solucionará a questão. A transfobia é uma preocupação profundamente arraigada em estruturas sociais, culturais e institucionais, exigindo uma perspectiva multifacetada. Para uma proteção eficaz da população trans, além das alterações legislativas, será necessário um compromisso constante com políticas de prevenção, sensibilização e luta contra a discriminação em todos os setores da sociedade.

Em resumo, é juridicamente possível, socialmente necessário e politicamente imperativo estabelecer uma qualificadora penal para o LGBTIcídio. O seu efeito iria além da esfera penal, adquirindo uma natureza pedagógica e simbólica para afirmar que o Estado brasileiro não aceitará a violência motivada pelo preconceito de gênero. Contudo, sua efetividade será determinada pela integração com outras ações estruturantes, garantindo que o direito à vida e a dignidade dos indivíduos seja, finalmente, totalmente garantido.

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1Acadêmico de Direito: Bruno José de Souza Chagas. E-mail: brunoxkt1996@gmail.com. Artigo apresentado à UNISAPIENS, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO.
2Acadêmica de Direito. E-mail: rafaela.educacional22@gmail.com. Artigo apresentado à UNISAPIENS, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO.
3Professor Orientador. Professor Especialista de Direito Processual Penal da Faculdade UNISAPIENS. E-mail: julio.ugalde@gruposapiens.com.br