LEIOMIOMA EM IDADE PRECOCE: UM RELATO DE CASO

LEIOMYOMA AT AN EARLY AGE: A CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202509301013


Letícia Silva Guimarães
Luiza Horst Neto


Resumo

Apresentação do caso: Paciente do sexo feminino, 14 anos, exibia empachamento e vômitos pós-prandiais desde a infância, aos 4 anos já apresentava alteração radiológica gástrica, tratada como hérnia de hiato. Devido a piora progressiva, realizou tomografia computadorizada (TC) e endoscopia digestiva alta (EDA) que evidenciou espessamento da cárdia sugerindo acometimento neoplásico. Desse modo, a paciente foi internada e submeteu-se ao REED que exibiu megaesôfago grau II. O procedimento cirúrgico foi iniciado por videolaparoscopia, mas devido à presença de esôfago muito dilatado e hérnia esofágica, optou-se pela conversão para laparotomia, quando houve identificação de volumosa massa em esôfago distal. Logo, procedeu-se a esofagectomia distal com retirada do tumor seguido de anastomose esofagogástrica. Anátomo-patológico confirmou a suspeita de leiomioma esofágico com 12 cm de extensão. Paciente evoluiu com progressão da dieta oral associada ao uso de pantoprazol. Discussão: Leiomiomas representam menos de 1% das neoplasias do esôfago, sendo mais frequente no sexo masculino entre os 20 e 50 anos. O local mais acometido são os dois terços inferiores do esôfago, em razão da topografia do músculo liso predominantemente distal. Frequentemente são achados incidentais ou se apresentam com disfagia, dor epigástrica ou retroesternal. Se tamanho superior a 3-5 cm ou presença de sintomas, indica-se ressecção cirúrgica. Comentários finais: Nota-se a singularidade de tal patologia e seus impactos clínicos, reforçando, portanto, a importância de relatos de casos com vinculação acadêmica para disseminação de informações que auxiliem na propedêutica e manejo deles.

Palavras-chave: Leiomioma; esôfago; esofagectomia

Abstract

Case Presentation: A 14-year-old female patient had been experiencing bloating and postprandial vomiting since childhood. At age 4, she presented with a gastric radiological alteration, which was diagnosed as a hiatal hernia. Due to progressive worsening, a computed tomography (CT) scan and upper gastrointestinal endoscopy (UGI) showed thickening of the cardia, suggesting neoplastic involvement. The patient was hospitalized and underwent a REED, which revealed grade II megaesophagus. The surgical procedure was initiated by videolaparoscopy, but due to the presence of a very dilated esophagus and esophageal hernia, conversion to laparotomy was decided upon when a large mass was identified in the distal esophagus. Subsequently, a distal esophagectomy was performed, with removal of the tumor followed by esophagogastric anastomosis. Anatomical pathology confirmed the suspicion of a 12-cm esophageal leiomyoma. The patient progressed with progression to oral nutrition combined with the use of pantoprazole. Discussion: Leiomyomas represent less than 1% of esophageal neoplasms and are more common in men between 20 and 50 years of age. The most commonly affected site is the lower two-thirds of the esophagus, due to the predominantly distal smooth muscle topography. They are frequently incidental findings or present with dysphagia, epigastric, or retrosternal pain. If the size exceeds 3-5 cm or symptoms are present, surgical resection is indicated. Final comments: The uniqueness of this pathology and its clinical impacts are noted, reinforcing the importance of academically linked case reports for the dissemination of information that aids in the diagnostic workup and management of these cases.

Keywords: Leiomyoma; esophagus; esophagectomy

Introdução 

Leiomiomas são neoplasias benignas originadas no músculo liso e, portando, lesões subepiteliais. Os órgãos mais acometidos pelo leiomioma são útero, esôfago e intestino delgado. No esôfago, a camada muscular própria é a origem mais comum, sendo possível também o desenvolvimento a partir da camada muscular da mucosa. O leiomioma é formado por células musculares lisas fusiformes, sem atipias ou necrose, positivas para actina de músculo liso e desmina.  (A-Lai et al., 2022; Andrási et al., 2021)

Representa entre 1% a 5,9% das neoplasias do esôfago, apesar de ser responsável por 70% a 80% dos tumores submucosos esofágicos, descrita como a neoplasia benigna mais comum do órgão. Aparece mais comumente no sexo masculino, em uma proporção de aproximada de 2:1, predomina na faixa etária dos 20 aos 50 anos, com 90% dos casos relatados na idade entre 20 e 69 anos. O local mais acometido são os dois segmentos mais inferiores do esôfago, em razão da topografia do músculo liso predominantemente distal, apresentando-se como leiomioma único na maioria das vezes ou múltiplos em cerca de 3 a 4% dos casos. Cerca de 50 a 60% localizam-se no segmento inferior, 30 a 40% no segmento médio e apenas 10% no segmento superior. (A-Lai et al., 2022; Gowrie et al., 2025)

Os leiomiomas do esôfago são classificados em quatro categorias: intramurais, intraluminais, extraesofágicos e anulares. Os leiomiomas intramurais representam a maior parcela, 62,9%, tendo origem na camada muscular da mucosa. Os demais tipos têm origem na camada muscular própria, sendo o tipo anular o mais raro, representando apenas 2% dos casos. O tipo intramural cresce a partir da parede do órgão em direção radial, exercendo compressão luminal e de estruturas adjacentes. Comparativamente, o subtipo extraesofágico e o subtipo intraluminal, crescem a partir da parede do órgão em direção externa e luminal, respectivamente. Atualmente, o exame de ultrassom endoscópico permitiu maior precisão na identificação da localização e da camada de origem destes tumores. (A-Lai et al., 2022; Gowrie et al., 2025)

Desenvolvimento

Métodos

Realizado estudo de um caso clínico do serviço de cirurgia geral da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte associado à revisão bibliográfica da literatura, buscando os artigos mais recentes relacionados ao tema, a fim de corroborar com o entendimento da entidade patológica e fornecer subsídios para o trabalho atual. 

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 14 anos, portadora de asma, exibia empachamento, regurgitação e vômitos pós-prandiais desde a infância, aos 4 anos já apresentava alteração radiológica gástrica, tratada como hérnia de hiato. Negava disfagia, perda ponderal, dor retroesternal ou outras queixas. Realizou investigação ambulatorial externa, com tomografia computadorizada (TC) evidenciando espessamento da cárdia, sugestiva de acometimento neoplásico primário. Endoscopia digestiva alta (EDA) subsequente evidenciou espessamento em região da cárdia, sem lesões de mucosa, com aspecto de compressão extrínseca, além de dificuldade na progressão do aparelho e estase esofágica. 

Devido a piora progressiva dos sintomas, foi internada na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte em outubro de 2024, onde realizou nova TC de abdome que revelou importante espessamento mural circunferencial da camada muscular do esôfago médio/inferior, com extensão à transição esofagogástrica, exibindo aspecto expansivo no terço inferior, determinando obliteração estenosante da luz esofágica com consequente dilatação e estase esofágica a montante, de etiologia indeterminada. Dentre os principais diagnósticos diferenciais, levantou-se a possibilidade de leiomioma esofágico inferior com hipertrofia muscular reacional a montante ou hipertrofia muscular esofágica idiopática. 

Houve avaliação da equipe de cirurgia geral, a qual determinou o início do pré-operatório para esofagectomia distal, dessa forma, a paciente foi submetida a nova EDA para passagem de sonda nasoentérica (SNE) a fim de iniciar nutrição perioperatória. O exame também revelou estenose severa no esôfago distal com consequente estase e dilatação a montante, sem lesões em mucosa, em conformidade com a EDA realizada em regime ambulatorial. 

Por fim, submeteu-se a radiografia contrastada do esôfago, estômago e duodeno (REED) que exibiu espessamento das paredes da metade inferior do esôfago (entre 0,8 e 1,4 cm) associado ao sinal do bico de pássaro no cárdia. Havia estenose ao nível da cárdia, condicionando importante dilatação esofágica a montante de até 5,9 cm, ou seja, megaesôfago grau II segundo a classificação de Mascarenhas.

O procedimento cirúrgico ocorreu em novembro de 2024, iniciado por videolaparoscopia, mas devido à presença de esôfago muito dilatado e hérnia esofágica, houve dificuldade de exposição da lesão, sendo optado pela conversão para laparotomia. Identificada volumosa massa em esôfago distal, sugestiva de leiomioma. Logo, procedeu-se a esofagectomia distal com retirada de todo o tumor seguido de anastomose esofagogástrica com sutura contínua. Realizou-se a passagem de SNE e piloroplastia à Heineke-Mikulicz. Drenagem de anastomose com dois drenos penrose siliconados. Não houve sangramento significativo, necessidade de hemotransfusão ou de aminas vasoativas. 

Anátomo-patológico confirmou a suspeita de leiomioma esofágico com 12 cm de extensão. Paciente evoluiu com bom controle álgico e progressão da dieta, inicialmente enteral via SNE e sendo substituída de forma gradual pela via oral associada ao uso de pantoprazol e bromoprida. REED de controle após um mês da cirurgia exibiu trânsito esofágico livre, sem retenções ou escape de contraste.

Atualmente a paciente realiza acompanhamento conjunto com a equipe de cirurgia geral e  gastroenterologia, faz uso contínuo de seretide e pantoprazol, além de domperidona antes das refeições. Em última consulta, realizada em setembro de 2025, paciente referiu epigastralgia leve após nova EDA feita na semana anterior, a qual revelou anastomose esôfago gástrica ampla e pérvia, estase gástrica de cor e volume habituais, sem alterações em mucosa, sinais de atipia ou metaplasia. Paciente mantém boa tolerância a dieta livre, hábitos fisiológicos preservados, nega regurgitação, perda ponderal ou outras queixas. 

Discussão 

O caso apresentado distingue-se da epidemiologia mais evidente do leiomioma esofágico, a paciente encontra-se na adolescência, com sintomas desde a primeira infância, sendo que normalmente a doença acomete adultos jovens ou de meia idade e do sexo masculino. Relatos como esse são raros na literatura e demandam mais estudos em relação a sua fisiopatologia. (A-Lai et al., 2022; Gowrie et al., 2025)

Os leiomiomas esofágicos frequentemente são pequenos e assintomáticos, mas quando maiores que 5 cm podem se apresentar com disfagia por compressão luminal, dor epigástrica, dor retroesternal, dispneia e tosse por compressão extramural, ulceração causando sangramento, perda ponderal, entre outros sintomas. No caso em questão, o uso de medicações beta-agonistas para controle da asma da paciente e as mudanças na pressão intratorácica decorrentes da  hiperinsuflação  podem reduzir do  tônus  do  esfíncter  esofágico  inferior, propiciando  o  retorno  do  conteúdo  gástrico e o agravamento dos sintomas.  (A-Lai et al., 2022; Guimarães et al., 2022)

Aproximadamente 50% dos pacientes são diagnosticados por meio de achado incidental em exame de imagem. À ecografia o tumor tem aparência homogênea e hipoecoica, bem circunscrita. A tomografia computadorizada e a radiografia com contraste baritado oral também podem ser usados para caracterização do tumor. No exame radiográfico com bário, apresenta-se como falha de enchimento de superfície lisa e côncava. Na tomografia computadorizada, o tumor apresenta-se como massa bem delimitada, homogênea com baixa atenuação, calcificações raramente podem ser visualizadas. (Andrási et al., 2021; Gowrie et al., 2025)

O ultrassom endoscópico detecta precisamente 89% dos casos e tem a vantagem de realização de biópsia aspirativa por agulha fina (PAAF). A PAAF apresenta rendimento diagnóstico de cerca de 80%. A imuno-histoquímica diferencia os leiomiomas dos tumores estromais gastrointestinais (GISTs), sendo os leiomiomas positivos para actina de músculo liso e desmina e negativos para CD34 e KIT. Entretanto, a biópsia pré-operatória geralmente não é recomendada para uma lesão ressecável, como a do relato apresentado, sendo preferível para confirmar o diagnóstico se houver suspeita de doença avançada ou lesão maligna.  (Andrási et al., 2021; Gowrie et al., 2025)

Em tumores pequenos e assintomáticos com diagnóstico definitivo não se faz necessário intervenção cirúrgica ou vigilância de rotina. Indica-se observação clínica e seguimento com ecoendoscopia em lesões subepiteliais menores que 5 cm e assintomáticas, sendo o primeiro exame em 3 a 6 meses, e demais períodos entre os exames determinado pelo tamanho da lesão. Lesões entre 1 e 2 cm, a cada 1 a 3 anos, e lesões maiores que 2 cm, a cada 6 a 12 meses.  Se tamanho superior à 3-5 cm, apresentar crescimento ou presença de sintomas indica-se ressecção cirúrgica. (A-Lai et al., 2022; Andrási et al., 2021; Milito et al., 2020)

Dentre as intervenções empregadas estão a enucleação do tumor ou a ressecção esofágica, dependendo das características da lesão e acessibilidade cirúrgica.  A ressecção endoscópica é possível em tumores menores que 35 mm e que não obstruem o lúmen esofágico. (Elbawab et al., 2021; Gowrie et al., 2025; Li et al., 2024)

A enucleação cirúrgica por toracoscopia é a técnica de escolha mais comum em tumores dos segmentos superior e médio. No procedimento faz-se necessário a síntese adequada dos músculos longitudinais do esôfago para evitar a formação de pseudodivertículos. A técnica oferece as vantagens da cirurgia minimamente invasiva, tais como aceleração da recuperação pós-operatória, melhor resultado estético e menor dor pós-operatória quando comparada à toracotomia direita convencional. Entretanto, algumas circunstâncias que podem aumentar a dificuldade e o risco cirúrgico, como leiomioma gigante, adesão torácica grave e outros estados especiais, exigem a escolha da toracotomia para enucleação de leiomioma esofágico (Elbawab et al., 2021; Gowrie et al., 2025; Shen et al., 2022).

A abordagem por laparoscopia transhiatal é factível em tumores do terço inferior do esôfago sendo a preferência de serviços com experiência em cirurgias do trato gastrointestinal superior. Lesões da junção gastroesofágica mais comumente exigem esofagectomia segmentar e possivelmente um procedimento antirrefluxo em conjunto. O caso apresentado exigiu esofagectomia distal via laparotomia devido às dimensões e a associação com hérnia esofágica, sendo realizada a piloroplastia à Heineke-Mikulicz no mesmo tempo cirúrgico.  (Andrási et al., 2021; Elbawab et al., 2021; Pham et al., 2023)

Conclusão

O presente artigo expôs um caso real de uma patologia rara que ainda encontra-se com escassez de trabalhos na literatura que forneçam evidências científicas robustas sobre o tema. As técnicas de diagnóstico mais atuais foram apresentadas e os tratamentos debatidos foram exemplificados. Sabe-se que a exemplificação de casos como este contribui para novas discussões sobre o tema e aprimoramento dos recursos propedêuticos e terapêuticos. 

Referências

A-Lai, G.-H., Hu, J.-R., Yao, P., & Lin, Y.-D. (2022). Surgical Treatment for Esophageal Leiomyoma: 13 Years of Experience in a High-Volume Tertiary Hospital. Frontiers in Oncology, 12. https://doi.org/10.3389/fonc.2022.876277

Andrási, L., Szepes, Z., Tiszlavicz, L., Lázár, G., & Paszt, A. (2021). Complete laparoscopic-transhiatal removal of duplex benign oesophageal tumour: case report and review of literature. BMC Gastroenterology, 21(1), 47. https://doi.org/10.1186/s12876-021-01625-8

Elbawab, H., AlOtaibi, A. F., Binammar, A. A., Boumarah, D. N., AlHarbi, T. M., AlReshaid, F. T., & AlGhamdi, Z. M. (2021). Giant Esophageal Leiomyoma: Diagnostic and Therapeutic Challenges. American Journal of Case Reports, 22. https://doi.org/10.12659/AJCR.934557

Gowrie, S., Noel, A., Wooten, C., Powel, J., Gielecki, J., Zurada, A., Montalbano, M., & Loukas, M. (2025). Slicing Through the Options: A Systematic Review of Esophageal Leiomyoma Management. Cureus. https://doi.org/10.7759/cureus.81614

Guimarães, I. M. F., Corrêa, L. S. G., & Ferraz, A. R. (2022). Doença do Refluxo Gastroesofágico: revisão de literatura. Revista Eletrônica Acervo Médico, 15, e10828-e10828.

Li, A. X., Liu, E., Xie, X., Peng, X., Nie, X., Li, J., Gao, Y., Liu, L., Bai, J., Wang, T., & Fan, C. (2024). Efficacy and safety of piecemeal submucosal tunneling endoscopic resection for giant esophageal leiomyoma. Digestive and Liver Disease, 56(8), 1358–1365. https://doi.org/10.1016/j.dld.2024.01.193

Milito, P., Asti, E., Aiolfi, A., Zanghi, S., Siboni, S., & Bonavina, L. (2020). Clinical Outcomes of Minimally Invasive Enucleation of Leiomyoma of the Esophagus and Esophagogastric Junction. Journal of Gastrointestinal Surgery, 24(3), 499–504. https://doi.org/10.1007/s11605-019-04210-3

Pham, B. Van, Nguyen, D. D., Tran, M. D., Nguyen, T. D., Thai, A. D., & Nguyen, H. T. T. (2023). A Large Esophageal Leiomyoma: Thoraco-Laparoscopic Enucleation or Esophagectomy and Reconstruction? American Journal of Case Reports, 24. https://doi.org/10.12659/AJCR.942371

Shen, C., Li, J., & Che, G. (2022). Video-Assisted Thoracic Surgery vs. Thoracotomy for the Treatment in Patients With Esophageal Leiomyoma: A Systematic Review and Meta-Analysis.Frontiers in Surgery, 8. https://doi.org/10.3389/fsurg.2021.809253