LEI Nº 11.340/2006: UM ESTUDO SOBRE A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8040758


Marcos de Oliveira Gomes1
Priscila Francisco Silva2


RESUMO

Essa pesquisa teve como cerne analisar a Lei Maria da Penha por meio dos mecanismos de proteção dispostos na lei e os prováveis obstáculos para efetivá-los no combate à violência contra a mulher. Quanto à metodologia, trata-se de um estudo dedutivo, do tipo bibliográfico. Conclui-se que a Lei Maria da Penha é de grande relevância para que o Estado tenha uma postura proativa diante do problema da violência cometida contra a mulher, a mesma proporciona instrumentos de atuação bem mais eficientes no que tange ao estabelecimento da justiça em seu sentido mais profundo. Embora tenha trazido essas ferramentas, observou-se que a efetividade da lei em estudo só existirá com a cooperação entre Estado e comunidade, por meio do desenvolvimento de políticas públicas com a finalidade de prevenir e conscientizar a população a fim de começar uma transformação de mentalidade e de comportamento. 

Palavra-chave: Mulher. Lei da Penha. Violência doméstica contra a mulher. Efetividade.

ABSTRACT

This research aimed to analyze the Maria da Penha Law through the protection mechanisms provided in the law and the likely obstacles to put them into effect in the fight against violence against women. As for the methodology, it is a deductive study, of the bibliographic type. It is concluded that the Maria da Penha Law is of great relevance for the State to have a proactive stance on the problem of violence committed against women, it provides much more efficient instruments of action with regard to the establishment of justice in its deeper sense. Although it brought these tools, it was observed that the effectiveness of the law under study will only exist with the cooperation between the State and the community, through the development of public policies with the purpose of preventing and raising awareness of the population in order to start a transformation of mentality and behavior.

Keyword: Woman. Peña Law. Domestic violence against women. Effectiveness.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo buscou analisar a violência doméstica e familiar contra a mulher no ordenamento jurídico brasileiro, temática que vem ganhando grande destaque no meio social, devido aos índices crescentes desta violência específica nos últimos anos.

A Lei Maria da Penha, sem dúvida, é uma das principais ferramentas legislativas no combate, na assistência, na prevenção, na punição e na erradicação da Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Intitula-se a esta lei também a alcunha de “diploma de proteção de extrema necessidade”. Desta forma, a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), traz consigo mecanismos ligados à coibição, prevenção e punição de todo e qualquer tipo de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

A eficácia do ordenamento jurídico em questão (texto de lei) é vigente, contudo, lamentavelmente, não se pode desprezar as falhas na maneira como se vem aplicando o ordenamento jurídico no Sistema de Justiça Penal, visto que os casos de violência contra a mulher são alarmantes e assustadores, frente a isso se constata impunidade em relação aos agressores e concomitante uma lentidão na aplicação das devidas punições, o que tem feito da lei um instrumento ineficaz.

Por conseguinte, o objetivo geral do estudo é analisar a Lei Maria da Penha por meio dos mecanismos de proteção dispostos na lei e os prováveis obstáculos para efetivá-los no combate à violência contra a mulher. Em específico, se objetivou explanar sobre a violência contra a mulher; identificar os avanços e retrocessos da Lei no que diz respeito a garantir a proteção da mulher vítima de violência e verificar os possíveis entraves existentes quanto à efetivação da Lei em estudo.

O presente estudo justifica-se na medida em que é de suma importância que se realize essa análise da aplicabilidade da Lei Maria da Penha frente ao enorme desafio de impedir, combater ou mesmo erradicar a Violência Doméstica e Familiar contra a mulher e o feminicídio.

Quanto à metodologia, trata-se de um estudo dedutivo, do tipo bibliográfico. Conclui-se que a Lei Maria da Penha é de grande relevância para que o Estado tenha uma postura proativa diante do problema da violência cometida contra a mulher, a mesma proporciona instrumentos de atuação bem mais eficientes no que tange ao estabelecimento da justiça em seu sentido mais profundo. Embora tenha trazido essas ferramentas, observou-se que a efetividade da lei em estudo só existirá com a cooperação entre Estado e comunidade, por meio do desenvolvimento de políticas públicas com a finalidade de prevenir e conscientizar a população a fim de começar uma transformação de mentalidade e de comportamento.

Pode-se afirmar que quando se fala em metodologia está se referindo ao método utilizado para a consecução do pretenso estudo. Método trata-se, de maneira bem prática, do caminho a ser percorrido, é o sentido a ser seguido para que não ocorra desvios no rumo, dos objetivos planejados com a pesquisa ou, além disso, um processo necessário para que os resultados esperados sejam atingidos de acordo com o problema de pesquisa.

Conforme Marconi e Lakatos (2011, p. 46), o método se configura em um grupo de atividades sistemáticas e racionais que possibilita alcançar o objetivo (conhecimentos válidos e verdadeiros) com maior segurança e economia, um meio assertivo para se detectar possíveis erros e auxiliar as decisões do cientista. Neste sentido:

Deve-se disciplinar o espírito, excluir das investigações o capricho e o acaso, adaptar o esforço às exigências do objeto a ser estudado, selecionar os meios e os processos mais adequados. Tudo isso é dado pelo método. Assim, o bom método torna-se fator de segurança e economia na ciência. (CERVO; BERVIAN, 2002, p. 23).

Assim, quando o pesquisador fizer a opção pelo método de abordagem do tema, o mesmo está escolhendo qual o caminho que irá percorrer para atingir os objetivos e responder a problemática, ou seja, estará escolhendo o caminho, a linha de raciocínio para o desenvolvimento da pesquisa.

  O estudo é dedutivo, do tipo bibliográfico, desta forma será realizado utilizando-se de fontes secundárias. Para o seu desenvolvimento serão coletadas informações em livros, artigos, dados oficiais publicados na internet, Tratados, Convenções, Lei nº 11. 340/2006 e demais legislações pertinentes ao tema em questão. A pesquisa bibliográfica tem por finalidade explicar um problema baseando-se em referenciais teóricos atinentes a área específica do tema em estudo.

A pesquisa bibliográfica é meio de formação por excelência e constitui o procedimento básico para os estudos monográficos, pelos quais se busca o domínio do estado da arte sobre determinado tema. Como trabalho científico original, constitui a pesquisa propriamente dita na área das ciências humanas. […] Constitui geralmente o primeiro passo de qualquer pesquisa científica (CERVO; BERVIAN, 2002, p.66).

Compreende-se que a pesquisa bibliográfica se constitui na análise e discussão de fontes bibliográficas e documentais capazes de oferecer argumentos fundamentais no que tange a responder a problemática da pesquisa e, geralmente, não requer a influência ou uso de dados coletados em campo.

2. DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A criação da Lei 11.340/06, denominada Maria da Penha, teve tal designação em homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, uma vítima de violência doméstica e familiar. Fazendo um breve resumo de sua história, esta pessoa sofreu por muitos anos violência doméstica chegando perto de ter sua vida ceifada diversas vezes. A mesma buscou amparo no sistema judiciário da época, mas não teve nenhuma proteção adquirida, esta busca por justiça fez com que seu cônjuge se irritasse cada vez mais e tenta-se matá-la.

Não conseguindo o seu amparo na legislação do Brasil, a mesma denunciou o Brasil por omissão, pois no entendimento de Lemos Prado (2014, p. 145), no ano de 1979 o Brasil participou da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, CEDAW (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women),

Segundo Diniz (2014, p. 58), em 1983, Maria da Penha sofreu um tiro nas costas pelo seu cônjuge, que a deixou paraplégica, caso que foi levado à justiça e teve o processo instaurado em 1984, contudo levou 15 anos para que a Justiça tomasse um posicionamento sobre o fato, vale ressaltar que durante estes 15 anos ela continuou a viver com o cônjuge e continuou a sofrer violência chegando a ser eletrocutada durante um banho.

De acordo com Dias (2015, p. 58), estes fatos, deixaram Maria da Penha consternada com a Justiça Brasileira, a mesma buscou o amparo de órgãos internacionais protetores dos Direitos Humanos, que por sua vez, atenderam a demanda e logo apresentaram o caso à Organização dos Estados Americanos (OEA). Em relato de Cunha (2014, p. 54) no ano de 1998, a Senhora Maria da Penha juntamente com os peticionários do Centro para a Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino-americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, realizaram o encaminhamento de uma petição contra o Estado Brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Em denúncia constava o fato de o Brasil descumprir o que assumiu perante os compromissos internacionais atinentes ao caso de violência doméstica, então sofrida pela vítima.

Em Relatório de nº 54/2001 emitido pela Comissão de Direitos Humanos da OEA, o Estado Brasileiro foi oficialmente responsabilizado por omissão, uma vez que descumpriu o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará, no qual restava estabelecido o compromisso de empenho coletivo entre os Estados Partes para coibir ação ou prática de violência contra a mulher, agir com cuidado na prevenção, investigação e punição do agressor, entre outros. (DIAS, 2015).

Diante dessa situação, foi criado no Brasil um projeto de lei, baseado no artigo 226, §8 da Constituição Federal de 1988, no qual se busca criar meios legais para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, sem deixar ainda de observar os tratados internacionais firmados pelo Estado. Dessa forma, segundo relato de Cunha (2014), em 7 de agosto de 2006, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei n. 11.340/2006.

Mostra-se importante que, antes de nos aprofundarmos sobre a efetividade da Lei Maria da Penha, sabermos do que se trata a violência que gerou a necessidade da origem da Lei objeto deste estudo.

Em sentido amplo, a violência pode ser definida como as ações que resvalam em agressividade, com características de hostilidade, constrangimento, coação, ameaça, intimidação ou cerceamento. São causados tanto por indivíduos, grupos, classes ou mesmo nações afetando a integridade física, moral ou mental do seu semelhante, isto independente da raça, idade ou renda, vindo a acontecer em diferentes contextos e lugares.

Conforme Marcondes Filho (2003), a violência doméstica não é um fenômeno atual, muito pelo contrário, infelizmente é algo que já ocorre há bastante tempo na instituição familiar. Pode-se atrelar esse acontecimento a um contexto social onde a cultura era estritamente patriarcal, o homem tinha pleno direito e o poder absoluto sobre a mulher e os filhos. Ademais, não se considerava a violência doméstica como um comportamento atípico no meio familiar, já que as mulheres de antigamente preservavam o silêncio e lutavam para mostrar o exemplo de família feliz, sem que passassem por quaisquer tipos de problemas para as outras pessoas, isto é, prezavam pela aparência e idealizavam uma família acolhedora, um local seguro.

Para Marcondes Filho (2003, p. 14), do ponto de vista histórico brasileiro, a violência contra a mulher também é herança de uma cultura com seus sustentáculos numa sociedade escravocrata, desenvolvida com base em um modelo colonizador aqui instalado. Conforme Engels (2010, p. 80):

A família individual moderna está baseada na escravidão doméstica transparente ou dissimulada da mulher (…) é o homem, que na maioria dos casos, tem de ser o suporte, o sustento da família, pelo menos nas classes possuidoras, e isso lhe dá uma posição de dominador que não precisa de nenhum privilégio legal específico. Na família, o homem é burguês e a mulher representa o proletariado.

Segundo Pereira (2015, p. 6), a violência doméstica configura-se como um problema universal que afeta milhares de pessoas, grande parte desse número é acometido por tal violência de maneira silenciosa e dissimulada. É um problema que atinge pessoas de ambos os sexos e de qualquer nível social, econômico, religioso ou cultural. Provoca indescritível sofrimento às vítimas podendo vir a prejudicar um bom desenvolvimento físico e mental das mesmas.

Na concepção de Velloso (2009, p. 25), a violência contra a mulher não se restringe a um específico meio social, porque não opta por raça, idade ou condição social, é um problema universal que afeta milhares de mulheres. A maior diferença se encontra entre as de maior poder aquisitivo, pois as mulheres nessa condição acabam optando por se calarem em relação a violência à que são submetidas, talvez por receio, vergonha ou mesmo por depender financeiramente do agressor. Para Bravo (2009, p. 43), a violência contra as mulheres deixou de ser uma questão tratada somente na esfera privada e familiar, mas passa a ser objeto de intervenção do Estado. A cada dia mostra-se crescente a violência contra a mulher.

O conceito de violência contra a mulher, segundo afirma Cruz (2014), fundamenta-se na Convenção de Belém do Pará, sendo caracterizado como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, sendo a causa de danos, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político, econômico ou perda patrimonial à mulher, isso tanto no âmbito público quanto no campo privada.

2.1 TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NOS TERMOS DA LEI MARIA DA PENHA

Conforme apregoa Costa (2003), a violência pode ser considerada como um fenômeno profundamente complexo e constituído por diferentes fatores, quais sejam, sociais, culturais, ideológicos, psicológicos, econômicos etc. Tanto a violência doméstica, quanto a violência de gênero e a violência contra as mulheres são expressões empregadas para designar condutas de violência cometidos contra a mulher.

O artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 elenca os diversos tipos de violência doméstica, em seus incisos de I a V, a saber: a violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e a violência moral. (BRASIL, Lei n° 11.340, 2006).

Nesse cenário, fundamentando-se em Cunha e Pinto (2019), a violência doméstica ou familiar não necessariamente se configura somente com a vítima e o agressor vivendo sob o mesmo lugar ou residência. É necessário que agressor e vítima mantenham um vínculo atual, ou outrora, seja este sanguíneo, por afinidade ou intimidade.

Outra forma de violência é a intrafamiliar a que também muitas mulheres estão submetidas, iniciando-se entre os membros da família, e isto independente de o agressor compartilhar ou não do mesmo domicílio. Dentre as diversas agressões estão o maltrato físico, a violação, pressão psicológica, abuso econômico e, algumas vezes, a própria morte da mulher. (CASIQUE e FUREGATO, 2006).

Nas palavras de Cunha e Pinto (2018, p.79)

Violência física é o uso da força, mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, queimaduras etc., visando, desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes, naquilo que se denomina, tradicionalmente, vis corporalis.

Tipos de violência elencados no artigo 7º da Lei nº 11.340/2006, incisos de I a V, têm-se como primeiro tipo a violência física, que no entendimento de Dias (2015, p. 46), “ainda que a agressão não deixe marcas aparentes, o uso da força física que ofenda o corpo ou a saúde da mulher constitui vis corporalis, expressão que define a violência física”.

Dias (2015, p. 47) aponta ainda que “a integridade física e a saúde corporal são protegidas juridicamente pela lei penal e a violência doméstica já configurava forma qualificada de lesões corporais, inserida em 2004, com o acréscimo do § 9º ao art. 129, caput do CP”. No art. 129 §9º do Código Penal se diz: “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou ainda, prevalecendo se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”.

No entendimento de Pereira (2015, p. 3) a “violência física é o uso da força com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São comuns murros e tapas, agressões com diversos objetos e queimaduras por objetos ou líquidos quentes”. Na maior parte das vezes, tal violência é praticada pelo marido da vítima, o homem mostra-se mais forte e geralmente consegue ferir, no momento de fúria, deixando marcas pelo corpo. Isso não quer dizer que as agressões também não possam partir também de parentes ou mesmo pessoas contratadas para o feito.

A violência psicológica está atrelada estritamente ao emocional da vítima, sendo um tipo bastante sutil e de um grau enorme de dificuldade para ser identificada e, por sua vez, a menos denunciada, pois não se detecta apenas observando-a. Dessa forma, Dias (2015, p. 71) aponta que “ainda que a agressão não deixe marcas, a palavra da vítima dispõe de presunção de veracidade, ocorrendo à inversão do ônus probatório, onde o agressor deve comprovar que não houve a violência, dando mais uma credibilidade a palavra da mulher.”

A violência psicológica, como acima fora dito, configura-se numa agressão de ordem emocional estabelecendo-se por meio de rejeição, discriminação, ameaças, humilhações, sendo que o agressor pratica tais agressões imbuído pelo sentimento de prazer ao atingir a vítima no intuito de que a mesma se sinta inferiorizada e ridicularizada. Naturalmente, a mulher é acometida por essa violência por muitos anos, tendo por consequências danos psicológicos em que são afetadas não somente a vítima que sofre diretamente a agressão, mas também quem presencia e convive.

Conforme assevera Dias (2015, p. 49), “a violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder entre os sexos”. É a violência que mais acometem às mulheres, mas talvez seja a que menos será alvo de denúncia, pois as agressões baseadas em longos silêncios, atos e desejos manipulados e momentos de tensões, geralmente não são percebidos pela vítima como atos de violência e que os mesmos devam ser passíveis de denúncia.

A Convenção de Belém do Pará reconheceu a violência sexual como violência doméstica contra a mulher, porém em contraponto a isto, pela doutrina e pela jurisprudência encontra-se um dissenso em admitir a possibilidade da ocorrência de violência sexual no âmbito familiar. A base para isso encontra-se no entendimento de que a prática sexual sempre foi um dos deveres matrimoniais da esposa, deixando a entender que culturalmente o homem guarda para si o total direito sobre o seu corpo. (CUNHA, 2014)

A Lei Maria da Penha “reconhece como violência patrimonial qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos”. Dessa forma, Segundo Cunha e Pinto (2018, p.70), configura o delito de furto subtrair para si coisa alheia móvel, no entanto, se existir relação afetiva entre a vítima mulher com o agente, não existe mais a possibilidade de reconhecer a isenção da pena, isto é, imunidades totais ou relativas dos arts. 181 e 182 do Código de Processo Penal, uma vez que está configurada a violência doméstica patrimonial.

Na explicação de Cunha e Pinto (2018, p. 40) a violência moral encontra-se sob a égide do Código Penal, nos denominados delitos contra a honra, no entanto caracteriza violência moral se forem cometidos em efeito de vínculo de natureza familiar ou afetiva, a exemplo disto: calúnia, difamação e injúria. Via de regra são coexistentes à violência psicológica.

São definidos pelo Código Penal os crimes contra a honra da seguinte forma: “caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime (CP, art. 138); difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (CP, art. 139). Injuriar alguém, ofendendo a dignidade ou o decoro. (CP, art. 140)”.

No entendimento de Collins (2009, p. 40) os casos de violência contra a mulher, na sua grande maioria, são praticados pelo companheiro, esposo ou namorado, nos quais abrangem ações de maus tratos físicos e psicológicos, muito disso em decorrência da crença de que o homem fisicamente era mais forte do que a mulher, também pela cultura totalmente distorcida do papel do homem na relação em que o mesmo, se achava o dono da mulher.

3. OBJETIVOS LEGAIS DA LEI MARIA DA PENHA

No que tange aos objetivos da Lei Maria da Penha, Souza e Nucci (2016), afirmam que ela se dedica, principalmente, a evitar e combater todos os fatos que envolvem violência no âmbito doméstico, familiar ou intrafamiliar. Já no que diz respeito ao contexto subjetivo da mesma lei, pode-se atestar que o foco principal está atrelado à proteção exclusiva da mulher contra quaisquer atos de violência praticados por homens ou mulheres.

Depreende-se que tais mecanismos legais são um marco em direção à um avanço no que diz respeito a violência doméstica no Brasil, portanto vem atender o compromisso constitucional do art. 226, § 8º da CF, bem como as convenções internacionais referidas na ementa. A partir de então, o Brasil adquire uma nova postura frente aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos.

Na explicação de Cunha e Pinto (2018, p. 39), a Lei Maria da Penha surge para retirar da violência comum uma nova espécie, qual seja, a praticada contra a mulher, em seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade. A lei supracitada traz em seu bojo uma suntuosa norma, possui um caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial com a instituição de meios próprios para coibir tal violência.

Para Dias (2015, p. 27) a Lei 11.340/2006 trouxe diversos avanços importantes, como o surgimento dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal. Assim também como institui a autoridade policial com função de investigar e instaurar o inquérito. Concede a prerrogativa da vítima de dispor de advogado, desde a fase inquisitiva até a judicial, tudo por meio do acesso à justiça gratuita praticada pela Defensoria Pública.

Portanto, em seu cerne, a Lei Maria da Penha objetiva coibir a violência doméstica que atinge tantas mulheres de classes sociais e culturas diversas, trata-se de algo extremamente complexo que alcança todos os integrantes do núcleo familiar.

3.1. DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Com a finalidade de proporcionar proteção à mulher, vítima da violência praticada no âmbito doméstico, no art. 8ª da Lei nº 11.340/2006 encontra-se uma série de medidas preventivas a fim de serem aplicadas tanto pelo Estado quanto pela sociedade, a saber:

Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

I – a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II – a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III – o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbam a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV – a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V – a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI – a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII – a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII – a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX – o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Em relação às medidas preventivas que constam no art. 8º, Souza (2007, p.78) orienta que:

Num rol meramente exemplificativo (veja que o legislador fez constar no caput, a expressão tendo por diretrizes, o que não impede que outras medidas possam ser concretamente adotadas), o artigo 8º nos seus incisos, traça algumas providências de natureza administrativa que devem ser adotadas.

Além dessas medidas preventivas, a Lei nº 11.340/2006 traz também outras medidas denominadas de reagentes (repressivas), as mesmas encontram previsão no art. 9º do mesmo documento legal.

Então, conforme se prevê nos termos do art. 9º, a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar abrange a assistência social. Neste caso, realiza-se um cadastro nos programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal, a assistência à saúde. A mulher, por meio do acesso as vantagens do aperfeiçoamento científico e tecnológico, pode contar com uma rede de serviços de saúde que proporcionam os meios de contracepção de emergência, trabalho de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST) bem como da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), dentre outros procedimentos médicos essenciais nos casos de violência sexual.

Algo que vale ser ressaltado é que no mesmo dispositivo no § 2º, incisos I e II, está previsto que “o acesso prioritário à remoção de servidora pública”, e também “a manutenção do vínculo trabalhista”, o que significa uma grande evolução na legislação. É sabido que nos casos de violência doméstica e familiar, a mulher vítima acaba ficando bastante vulnerável, daí a importância da mesma poder contar com a manutenção do vínculo empregatício, uma vez que este pode ser um meio de solução para a livrar da relação violenta, posto que já não depende economicamente do cônjuge ou companheiro agressor para sobreviver.

Já os artigos 10, 11 e 12 da Lei Maria da Penha versam a respeito do atendimento pela Autoridade Policial quando houver a ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher, mas não somente do fato consumado, também da iminência desta forma de violência. Nos respectivos artigos são instituídas novas atribuições e consequentemente maior responsabilidade aos policiais quando estes enfrentarem situações onde há vítimas desta violência.

E em razão disso, o art. 11 do referido documento legal traz estabelecida uma série de providências dadas às autoridades policiais que têm o dever de adotá-las.

Em relação a esse tema, Dias (2008, p. 127) afirma que:

A Lei Maria da Penha veio para corrigir uma perversa realidade em tudo agravada pela ausência de uma legislação própria, e também pelo inadequado tratamento que era dispensado à mulher que se dirigia à delegacia de polícia na busca de socorro. Era desastrosa – para dizer o mínimo – a forma como a violência doméstica era enfrentada no país, principalmente após a vigência da Lei dos Juizados Especiais, agravo pelo descaso na criação das Delegacias da Mulher.

Como está previsto no art. 11 da referida Lei, a mulher já agredida ou mesmo prestes à vir a ser vítima de um ato de violência, esta deve ter atendimento por parte da autoridade policial que deve garantir a sua proteção, em caso de necessidade, realizar o encaminhamento ao atendimento médico, acompanhar a vítima para recolher seus pertences, fazer o transporte para abrigo onde a mesma possa estar segura, caso haja risco de morte e, além disso, informa-la sobre a violência doméstica e familiar e quais são os direitos e serviços garantidos a ela pela Lei Maria da Penha.

Já no art. 12 da Lei em estudo, se observa quais os procedimentos determinados que devem ser realizados pela figura da Autoridade Policial nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, logo que haja o registro da ocorrência, sem prejuízo dos que estão previstos no Código Penal:

I – ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III – remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV – determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V – ouvir o agressor e as testemunhas;

VI – ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VI-A – verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento);

VII – remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

Desta forma, depois de realizados todos os procedimentos acima citados, em um prazo determinado de 48 horas a autoridade policial deve encaminhar todo o procedimento ao juízo competente ou responsável.

4. ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR À MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA

Ressalta-se aqui outro importante avanço proporcionado pela Lei Maria da Penha ao mundo jurídico, uma vez que a mesma possibilita a criação de uma equipe multidisciplinar que prestará atendimento junto ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, assim como se observa previsto no artigo 29 da Lei em comento, a saber:

Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Trazendo um conceito para melhor entendimento, Souza (2007, p. 90) leciona que equipe multidisciplinar é “o conjunto integrado de profissionais especializados na área psicossocial (psicólogo, psiquiatra e assistente social), na área jurídica (advogados, estagiários, procuradores e defensores públicos) e na área de saúde (médicos, enfermeiros e atendentes)”.

Assim, a equipe multidisciplinar é composta por profissionais que são especialistas nas mais diversas áreas da ciência como psicologia, assistência social, jurídica e da saúde. O objetivo, como previsto no art. 30 do mesmo documento legal, é executar um trabalho de orientação, encaminhamento, prevenção bem como outras providências direcionadas para as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Tais diligências também acabam abrangendo o agressor da vítima e seus familiares, sendo concedida atenção em especial às crianças e adolescentes envolvidos.

Neste sentido, se depreende que a equipe multidisciplinar figura como um meio de auxílio na prestação jurisdicional, ela apresenta-se como sendo mais uma ferramenta que se deu como existente pelo legislador na persecução de reprimir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Desta forma, constata-se que no mundo jurídico a Lei Maria da Penha se apresenta bem como se difunde com bastante relevância, uma vez que foi por meio dessa legislação que passou a existir as necessárias medidas protetivas que visam assegurar à mulher vítima de violência doméstica e familiar a sua integridade física e psicológica. Além disso, tratou de definir formas mais eficazes de punição aos agressores.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve por objetivo analisar a Lei nº 11. 340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, por meio dos mecanismos de proteção dispostos na lei e os prováveis obstáculos para efetivá-los no combate à violência contra a mulher. Sabe-se que a Lei foi promulgada no ordenamento jurídico pátrio, depois de intervenção internacional, tendo por finalidade proteger e acolher as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar.

Com a presente pesquisa constata-se que a violência doméstica e familiar contra a mulher não é um problema somente pontual ou local, mas de proporção universal. É uma situação difícil que não só agride a mulher vítima da violência, mas também atinge toda a população, não importa a classe social, raça ou etnia. É uma violência que pode ser identificada de diferentes tipos como a sexual, psicológica, física, patrimonial, de gênero, entre outras, mas que sempre acaba provocando consequências sérias e traumáticas na vida e na saúde tanto da vítima em si, quanto de seus familiares.

Embora a violência doméstica e familiar contra a mulher seja, há algum tempo, um tema muito debatido, ainda mais atualmente, é um fenômeno existente em toda a história, como resultado da desigualdade de gênero. Destaca-se que, apesar de todas as inovações, instrumentos e mecanismos originários da Lei Maria da Penha, ainda são alarmantes os casos e ocorrências de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Muitos homens se comportam nos relacionamentos que mantêm como se fossem proprietários das mulheres companheiras, seja em casamento ou mesmo namoro.

Inicialmente a Lei foi um verdadeiro marco, não somente para ao campo judiciário brasileiro, mas para o do mundo inteiro, sendo ainda hoje uma legislação que serve de referência para outros diversos países que sofrem do mesmo mal da violência. Sabe-se que denunciar é de suma importância, uma vez que os meios de comunicação fazem o papel de fortalecer a luta contra esse tipo de violência, pois a Lei surge para proteger a mulher.

Os movimentos sociais foram aguerridos e indispensáveis em diversas conquistas das mulheres, inclusive no que diz respeito à luta e reconhecimento dos diversos tipos de violência que elas sofriam. Com tudo isso, chegou-se a promulgação da Lei, porém, infelizmente ainda não é bem aplicada, em alguns estados a situação até piora. Há falhas do Estado na figura do Poder Judiciário, Ministério Público, pois ainda que haja denúncias alguns homens permanecem livres e bem próximos às vítimas, o que acaba contribuindo para que esta seja reiteradas vezes agredida e até mesmo morta.

Assim, conclui-se que a Lei Maria da Penha oferece importantes ferramentas para que exista uma atuação mais eficiente por parte do Estado perante a violência em estudo e, assim, exista de forma também eficiente a concretização da justiça em seu sentido mais profundo. Depreende-se que só existirá efetivamente uma diminuição e prevenção dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, se tiver uma cooperação entre Estado e comunidade, por meio do desenvolvimento de políticas públicas com a finalidade de prevenir e conscientizar a população a fim de comece uma transformação de mentalidade e de comportamento. É mais do que necessário não somente aplicar como forma ofuscada as regras legais, mas como meio propulsor de transformação social.

Deste modo, ressalta-se a importância desse estudo ter continuidade, uma vez que a finalidade é que sempre haja pesquisa a respeito desse tema para ver o que pode ser melhorado quanto à violência doméstica e familiar contra a mulher, e que estas mesmas que ainda se mantém em silêncio, possa ter força e segurança para denunciarem quaisquer formas de violência que sofram ou que possam vir a sofrer.

7. REFERÊNCIAS 

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1 Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Católica Dom Orione – FACDO.
2 Professora do curso de Direito da Faculdade Católica Dom Orione – FACDO. Mestre em Ciências do Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins – UFT.