LEI MARIA DA PENHA SOB O ASPECTO DO ESTELIONATO EMOCIONAL E OS CIBERCRIMES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202505252034


Anallice Martins Silva
Simone Barbosa de Jesus
Orientadora: Professora Larissa Gabrielle Braga e Silva


RESUMO

A Lei Maria da Penha 11.340/2006 foi imprescindível na ampliação do direito das mulheres em relação a diversos tipos de violências sofridas. A lei visa proteger a integridade física e psicológica das vítimas de violências, que a cada ano cresce no Brasil. O artigo visa apresentar os tipos de violências existentes, novos tipos de violências que ainda não são debatidos ou mesmo considerados como violência por alguns, por não entenderem sobre o assunto e em quais âmbitos acontece a violência. Será apresentado também leis que enquadram a determinados tipos de violência existentes a muito tempo e novas leis e aparatos legais que surgiram para atender a nova demanda de crimes desenvolvidos através do avanço da tecnologia, dando ênfase, ao estelionato emocional e os crimes cibernéticos. Ao final, será apontado quais brechas existem na legislação, desafios enfrentados nesta luta e quais medidas ainda podem ser criadas para mudar esse cenário de violência contra as mulheres que vem crescendo a cada dia. O intuito principal é entender o cenário da violência e suas modernizações e buscar medidas mais eficazes a cada caso, garantindo mais segurança e confiança nas leis e nas políticas públicas.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violências. Estelionato emocional. Cibercrimes.

ABSTRACT

The Maria da Penha Law 11.340/2006 was mandatory in expanding women’s rights in relation to various types of violence suffered. The law aims to protect the physical and psychological integrity of victims of violence, which is increasing every year in Brazil. The article aims to present the types of violence that exist, new types of violence that are not yet discussed or even considered as violence by some, because they do not understand the subject and in which areas violence occurs. It will also present laws that classify certain types of violence that have existed for a long time and new laws and legal mechanisms that have emerged to meet the new demand for crimes developed through the advancement of technology, with an emphasis on emotional fraud and cybercrimes. At the end, it will point out which loopholes exist in the legislation, challenges faced in this fight and what measures will still be created to change this scenario of violence against women that is growing every day. The main objective is to understand the scenario of violence and its modernizations and seek more effective measures in each case, ensuring greater security and confidence in laws and public policies.

Keywords: Maria da Penha Law. Violence. Emotional fraud. Cybercrimes.

1. INTRODUÇÃO

A Lei Maria da Penha (11.340/2006) foi um marco primordial na ampliação dos direitos das mulheres. Desde sua promulgação em 2006, tornou-se um marco no combate à violência doméstica e familiar, ampliando os mecanismos de proteção às mulheres e reconhecendo as diversas expressões da violência de gênero. Porém, ainda há muitas brechas no ordenamento jurídico acerca de meios para evitar ou mesmo punir de forma mais eficaz novos meios de violência contra a mulher, como crimes cibernéticos que estão cada vez mais recorrentes em uma sociedade tecnologicamente evoluída as quais desafiam os instrumentos legais tradicionais.

Um novo meio de violência, o qual é novo no sentido em que o tema não era debatido e estudado, é o estelionato emocional, o mesmo já existe há muito tempo, todavia não havia um debate mais específico no que diz respeito a essa modalidade de violência, nesse modelo o criminoso manipula a vítima com falsas promessas com o intuito de atingir a finalidade de ganhar de dinheiro da vítima a persuadindo.

Outro novo meio é o cibercrime que ocorre no âmbito dos meios digitais, onde a mulher sofre violências psicológicas seja por meio de ações como ameaças, difamação, vazamento de imagens íntimas e perseguições virtuais, que muitas vezes se entrelaçam com relações abusivas marcadas por dominação e controle, comentários que as constrangem em redes sociais, visando coagir a vítima. Vale ressaltar que esses crimes virtuais geram violências psicológicas, mas que também podem virar violências físicas.

A metodologia aplicada para o estudo do tema da Lei Maria da Penha sob o aspecto do crime cibernético e do estelionato emocional será de viés qualitativo, exploratório e descritivo, com base em análises bibliográficas e documentais. A pesquisa buscará compreender as práticas de violência emocional e psicológica, crescentes pelo uso de tecnologias digitais, violências essas que se enquadram na proteção da Lei Maria da Penha.

Para propósito do estudo, serão analisados artigos científicos, legislações, bibliográficas, doutrinas jurídicas, artigos acadêmicos, casos específicos, estatísticas disponíveis, políticas públicas e legislações nacionais que tratam de violência contra a mulher no ambiente digital. Bem como as possíveis lacunas na aplicação da legislação em situações que envolvem crimes cibernéticos, como manipulação emocional, chantagens e fraudes sentimentais. Refletir sobre as limitações da Lei Maria da Penha em relação ao estelionato emocional e cibercrimes. Propor recomendações ou soluções para aprimorar a proteção das vítimas. Resumir os principais achados e contribuições do trabalho. Reiterar a importância de uma abordagem integrada entre legislação e combate a novas formas de violência, aprimorando os meios para combater essas novas formas de violência.

O tema sobre a violência contra as mulheres é muito debatido, entretanto com os novos avanços novas modalidades estão surgindo, sendo necessário também a atualização de informações sobre o tema e novas resoluções de leis mais específicas e novos métodos para atender problemas diferentes dos existentes apresentados. Este trabalho propõe-se a analisar a aplicação da Lei Maria da Penha frente a essas novas formas de violência, refletindo sobre os limites e possibilidades do ordenamento jurídico brasileiro em acompanhar as transformações sociais e tecnológicas. Além disso, a pesquisa busca compreender em que medida o sistema legal está preparado para reconhecer e coibir essas condutas, bem como garantir uma resposta efetiva à proteção das mulheres em um cenário cada vez mais digitalizado e complexo. Logo, esse artigo tem a finalidade de apresentar novas formas de violências existentes, apresentar novas leis que surgiram com a tecnologia, brechas a serem preenchidas, problemas enfrentados e apresentar novas soluções aos óbices.

2. LEI MARIA DA PENHA E SUA EVOLUÇÃO

2.1 FORMAS DE VIOLÊNCIA EO CIBERCRIME

2.1.1  A EVOLUÇÃO HITÓRICA DA LEI MARIA DA PENHA

A promulgação da Lei n.º 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representou um avanço significativo na legislação brasileira no tocante à proteção dos direitos das mulheres. Sua criação foi motivada, entre outros fatores, pela condenação do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em razão da omissão do Estado no caso de Maria da Penha Maia Fernandes, que por anos foi vítima de violência doméstica.

Essa lei foi criada depois que Maria da Penha foi vítima de uma dupla tentativa de feminicídio por parte do marido Marco Antônio, em 1983. No início do relacionamento, Marco se mostrava amoroso e carinhoso, porém, depois que se casaram e tiveram filhos, começaram as agressões, e o ciclo de violência começou e foi se agravando. Em 1983, depois da tentativa de feminicídio, Maria da Penha ficou paraplégica e teve outros traumas psicológicos e complicações físicas. Após o acontecimento, o marido a ameaçou e a manipulou para que ela não o denunciasse e inventasse outra história para que ele não fosse preso, e ela o fez. Logo após, sua família preocupada e buscando por justiça, tirou Maria da casa em que vivia com seu marido. Em 1991, 8 anos após o crime, Marco teve seu primeiro julgamento. O agressor foi sentenciado a 15 anos de prisão, entretanto, com o uso de recursos, saiu do fórum em liberdade. Em 1996, Marco foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão, mas outra vez teve alegações pela defesa e saiu em liberdade. Apenas em 1998 a 2001 que a justiça foi feita, todavia, dessa vez ele foi denunciado e o Brasil também devido à de negligência, e foram julgados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). O Brasil foi oficiado para que cumprisse a sentença em favor da senhora Maria da Penha para punir Marco e teve uma série de recomendações, entre elas que Maria fosse indenizada. Em 2002, notou-se que essa violência foi gerada devido ao gênero feminino de Maria da Penha. Com isso, verificada a não existência de leis e aparatos jurídicos, foi formado um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Após projetos de leis formulados em 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei n. 11.340, a qual foi chamada de Lei Maria da Penha em reconhecimento de sua luta contra as violações dos direitos humanos das mulheres.

Antes da existência dessa lei, os casos de violência doméstica eram tratados como meras infrações de menor potencial ofensivo, muitas vezes punidos com penas alternativas e sem a devida atenção do sistema de justiça. A Lei Maria da Penha, portanto, rompeu com essa lógica ao estabelecer mecanismos específicos de proteção, ampliar o conceito de violência doméstica e reconhecer a complexidade das relações de poder envolvidas nesse tipo de agressão.

Além disso, a norma também trouxe inovações como as medidas protetivas de urgência, o afastamento do agressor do lar, a criação de juizados especializados e a previsão de políticas públicas voltadas à prevenção e ao atendimento das vítimas.

2.1.2 AS FORMAS DE VIOLÊNCIA PREVISTAS NA LEI

A Lei Maria da Penha conceitua a violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico e dano moral ou patrimonial. Ela reconhece cinco formas principais de violência:

A violência física, caracterizada por agressões que atentam contra sua integridade corporal da mulher; a violência psicológica, que envolve ações que causam danos emocional, diminuem a autoestima, utilizam manipulação, chantagem, constrangimento e outras formas de controle emocional; a violência sexual, que se refere a qualquer conduta que force a mulher a manter ou presenciar relações sexuais não desejadas; a violência patrimonial, que inclui a subtração, retenção ou destruição de bens, documentos ou recursos econômicos da vítima; e a violência moral, expressa por meio de calúnia, difamação e injúria.

É a partir dessas categorias que se pode começar a compreender como o estelionato emocional e os cibercrimes se enquadram na violência de gênero, ainda que de forma implícita.

2.1.3 TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ÂMBITO DOMÉSTICO, FAMILIAR, SOCIAL E DE TRABALHO

Há vários tipos de violências contra as mulheres existentes no mundo, e isso não é de agora. Desde muito tempo existem essas violências, porém não eram debatidas e não tinham a devida atenção como atualmente.

Devido a essa luta contra a violência, foi possível identificar novos tipos de violências surgidas e as enquadrarem em leis e formular novas leis de acordo com cada caso e especificidades. Apontou a pesquisa do DataSenado alguns tipos de violências ocorridas e suas porcentagens. “A violência psicológica é a mais recorrente (89%), seguida pela moral (77%), pela física (76%), pela patrimonial (34%) e pela sexual (25%). As mulheres com menor renda são as que mais sofrem violência física, diz o estudo.” (BRASIL, 2023, n.p.).

As violências mais recorrentes são no âmbito doméstico e familiar, mas também podem ocorrer no âmbito social e de trabalho. Violências no âmbito doméstico e familiar estão previstas na Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar n.º 150, de 2015)
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, 2006, n.p.)

    Ou seja, a violência doméstica e familiar ocorre no espaço de convívio com que se tem um vínculo familiar, não sendo necessariamente uma violência cometida pelo cônjuge ou companheiro, mas também pode ocorrer por mãe, pai, irmãos, tia, entre outros. Essas violências podem ser psicológicas, físicas, sexuais, morais.

    Com a evolução das tecnologias outra forma de violência no âmbito doméstico e familiar surgiu, que são os cibercrimes que ocorrem por meio tecnológico, onde a autor por meio de redes sociais, WhatsApp e meios de comunicações comete assédios, persegue, divulga conteúdos privados da vítima, ameaça, difama, exige acesso às contas da vítima, envia conteúdos evasivos, dentre outros.

    Devido a essas formas de violência, as mulheres podem gerar também outros problemas como baixa autoestima, depressão, ansiedade, estresse, transtornos mentais, dentre outros.

    Já a violência no âmbito social e de trabalho pode ser física ou psicológica, sendo as psicológicas mais presentes. A violência psicológica contra a mulher (Incluído pela Lei n.º 14.188, de 2021)

    Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: (Incluído pela Lei n.º 14.188, de 2021)

    Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021) (BRASIL, 2021, n.p.)

    Sendo assim, qualquer violência psicológica no âmbito do trabalho ou social que afete a mulher e cause danos psicológicos se enquadra nesse tipo legal. Outro crime que surgiu com o avanço das tecnologias é o estelionato emocional, onde o autor ameaça e persuade a vítima para conseguir vantagens como ganhar presentes, conseguir dinheiro. Além de um estelionato também é uma violência psicológica, pois trabalha a cabeça da vítima até conseguir seus objetivos e benefícios e depois desaparece e causam grandes traumas como perda de confiança, vergonha, sentimento de culpa, depressão, dificuldade em estabelecer outros relacionamentos pelos meios digitais, entre outros.

    É de suma importância saber identificar e conhecer os tipos de violências existentes, para que as violências não permaneçam impunes.

    2.1.4   O SURGIMENTO DOS CIBERCRIMES NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES AFETIVAS

    Os cibercrimes, ou crimes praticados por meio da internet, ou de dispositivos eletrônicos, vêm crescendo de forma alarmante, especialmente nas relações interpessoais marcadas por afeto, confiança e intimidade. Entre os exemplos mais recorrentes, destacam-se o ciberstalking (perseguição virtual), o revenge porn (divulgação de imagens íntimas sem consentimento), as ameaças virtuais e as chantagens digitais.

    Essas práticas, muitas vezes direcionadas a mulheres por seus parceiros ou ex-parceiros, configuram uma forma contemporânea de violência doméstica, que se vale dos meios digitais para manter o controle, impor medo ou retaliar a vítima. Embora o Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014) e a Lei Carolina Dieckmann (Lei n.º 12.737/2012) representem avanços na regulamentação desses delitos, ainda há lacunas na proteção das vítimas em contextos de violência de gênero.

    Dessa forma, torna-se indispensável a análise crítica da atuação do sistema de justiça diante dos cibercrimes cometidos em relações afetivas, bem como a discussão sobre a eficácia da Lei Maria da Penha frente a esses novos desafios.

    2.1.5 A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NAS REALAÇÕES INTERPESSOAIS

    Com o avanço acelerado da tecnologia e a popularização das redes sociais, as dinâmicas das relações afetivas sofreram profundas transformações. Aplicativos de mensagens instantâneas, redes sociais e plataformas de encontros virtuais ampliaram as formas de interação, mas também abriram espaço para novas formas de violência e manipulação.

    A vida digital tornou-se uma extensão da realidade, e, muitas vezes, comportamentos abusivos começam ou se intensificam no ambiente virtual. O uso de perfis falsos, a coleta de informações íntimas, a exposição não autorizada de conversas ou imagens e o controle constante por meio de mensagens são práticas que afetam a liberdade, a privacidade e a saúde emocional das mulheres.

    Essa realidade exige uma nova leitura das relações interpessoais e dos vínculos afetivos, especialmente quando envolvem relações assimétricas de poder, dominação e dependência emocional. A tecnologia, portanto, não é neutra: ela pode tanto potencializar a conexão quanto a violência.

    2.2 ESTELIONATO EMOCIONAL E A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

    2.2.1  CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO ESTELIONATO EMOCIONAL

    O estelionato emocional é uma conduta que se caracteriza pelo uso da afetividade como instrumento de manipulação para obtenção de vantagem econômica ou patrimonial.

    Diferentemente do estelionato previsto no artigo 171 do Código Penal, o estelionato emocional envolve um vínculo íntimo, geralmente amoroso, construído com o intuito de ludibriar a vítima em contextos de vulnerabilidade emocional.

    O agressor se apresenta como uma figura de afeto, conquista a confiança da vítima e, após estabelecer uma conexão emocional, passa a explorar financeiramente essa relação. Muitas vezes, são prometidos projetos de vida em comum, investimentos conjuntos ou situações urgentes fictícias que justificariam pedidos de dinheiro. Quando a vítima percebe o engano, já está emocional e financeiramente prejudicada.

    Esse tipo de violência, por ainda não estar tipificado de forma autônoma, é frequentemente invisibilizado pelo sistema de justiça. No entanto, quando praticado contra mulheres em contextos de desigualdade de gênero, pode ser enquadrado como uma forma de violência patrimonial e psicológica, conforme prevê a Lei Maria da Penha.

    2.2.2   A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E PATRIMONIAL COMO BASE PARA O ESTELIONATO EMOCIONAL

    O estelionato emocional, embora ainda não tipificado expressamente no ordenamento jurídico brasileiro, tem sido cada vez mais discutido no âmbito do Direito Penal e da proteção à dignidade da mulher. Trata-se de uma forma de manipulação afetiva em que o agressor utiliza o vínculo emocional estabelecido com a vítima para obter vantagens patrimoniais, muitas vezes explorando sua vulnerabilidade, dependência emocional ou desejo de manter o relacionamento.

    Essa conduta pode ser compreendida como uma intersecção entre a violência psicológica, que se manifesta através da manipulação, controle e engano afetivo, e a violência patrimonial, quando há prejuízo material à vítima. Nesse sentido, a Lei Maria da Penha já oferece respaldo para que situações de estelionato emocional sejam analisadas sob o prisma da violência de gênero, mesmo sem uma previsão legal específica para esse tipo de conduta.

    A ausência de uma tipificação penal clara, contudo, dificulta o enquadramento de tais práticas como crime autônomo, o que exige do intérprete uma abordagem sensível e contextualizada, baseada nos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vítima e da efetividade da lei.

    2.2.3  PERFIS COMPORTAMENTAIS DOS AGRESSORES

    Os agressores que praticam estelionato emocional frequentemente apresentam comportamentos manipuladores, carismáticos e estrategicamente calculistas. São indivíduos que conseguem construir uma imagem idealizada para conquistar a vítima, utilizando discursos envolventes e empáticos.

    Há casos em que o agressor se apresenta como alguém necessitado, criando uma narrativa de sofrimento para despertar compaixão e cuidado. Em outros, promete estabilidade e uma vida em comum, conquistando a confiança da vítima com promessas amorosas.

    Quando já estabelecida a relação, começa a solicitar recursos financeiros, empréstimos ou bens, muitas vezes de forma sutil ou apelando ao sentimento de culpa da mulher.

    Esse perfil também pode envolver traços de narcisismo ou transtornos de personalidade antissocial, que contribuem para o comportamento frio e desprovido de empatia, o que torna a manipulação ainda mais eficaz e prejudicial.

    2.2.4 RELAÇÃO ENTRE ESTELIONATO EMOCIONAL E DEPENDÊNCIA EMOCIONAL

    O estelionato emocional está profundamente relacionado à dependência emocional, condição em que a vítima deposita no outro sua autoestima, segurança e identidade. Essa dependência torna a vítima mais suscetível à manipulação, dificultando a percepção dos abusos e favorecendo a permanência na relação mesmo após sinais claros de prejuízo.

    Mulheres em situação de vulnerabilidade emocional, social ou econômica são especialmente atingidas, uma vez que podem enxergar no agressor uma figura de proteção ou estabilidade. O medo da solidão, a vergonha de admitir o engano e o julgamento social também contribuem para a continuidade do ciclo abusivo.

    Essa dinâmica de poder e dominação é típica das relações violentas e, por isso, deve ser analisada sob o prisma da violência de gênero, em consonância com os objetivos da Lei Maria da Penha, que visa à proteção integral da mulher, inclusive em sua dimensão emocional.

    2.3 LEIS ATUAIS SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEUS DESAFIOS

    2.3.1  JURISPRUDÊNCIA E ENTENDIMENTOS ATUAIS SOBRE O TEMA

    Apesar da ausência de tipificação penal específica, o estelionato emocional tem sido objeto de debates no Judiciário e na doutrina jurídica. Alguns tribunais brasileiros vêm reconhecendo a gravidade dessas práticas e aplicando analogicamente dispositivos da Lei Maria da Penha, especialmente nos casos em que há evidente relação de afeto e manipulação com prejuízos emocionais e patrimoniais.

    Em decisões recentes, juízes têm concedido medidas protetivas com base na caracterização da violência psicológica e patrimonial em contextos de estelionato emocional, reconhecendo o sofrimento imposto à vítima e a necessidade de uma resposta judicial. Além disso, há iniciativas legislativas tramitando no Congresso Nacional que propõem a criminalização específica do estelionato sentimental, como forma de dar maior segurança jurídica às vítimas e ampliar a atuação do Ministério Público.

    Ainda assim, o tema carece de uniformização jurisprudencial e de maior sensibilização por parte do sistema de justiça, o que reforça a importância de debates acadêmicos e da atuação da sociedade civil organizada.

    2.3.2  APARATOS LEGAIS, ALTERNATIVAS LEGAIS E ESTATÍSTICAS

    As leis são fundamentais para atender as demandas da população, por mais que haja o surgimento de novas leis acerca de crimes na internet, mas ainda há muitas brechas nas leis e nos arcabouços jurídicos.

    Com o desenvolvimento e novas demandas, foi necessária a criação de novas leis e aperfeiçoar as existentes. No caso da violência contra a mulher, foi criada a Lei Maria da Penha e, no que concerne à violência no âmbito das redes sociais e crimes tecnológicos, foi criada a Lei Carolina Dieckmann (12.737/2012), a qual foi criada para combater crimes cibernéticos.

    De acordo com seu texto, a Lei Carolina Dieckmann (12.737/2012) prevê em alguns de seus artigos especificidades que alteram o Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; e dá outras providências.

    Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos e dá outras providências.

    Art. 2º O Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, fica acrescido dos seguintes arts. 154-A e 154-B:
    “Invasão de dispositivo informático

    Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

    Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

    § 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.

    § 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.

    § 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:
    Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

    § 4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. (BRASIL, 2012, n.p.)

    Por meio dessa lei crimes cibernéticos teve sua regulação mais específica para ajudar a tratá-lo, porém, há pouca informação sobre essa lei e divulgação, pois os crimes cibernéticos acontecem com grande frequência, pois muitos acham que a internet é uma “terra sem lei”, podendo cometer crimes e sair impunes deles, porém com a modernização e tecnologia se faz necessário a criação de leis ainda mais rígidas e com aplicação eficaz e efetiva nos casos apresentados.

    Além da lei apresentada acima, há também as principais leis gerais que regulam a internet no Brasil, como o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), o qual dispõe e estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. E no seu art. 7° prevê garantias e os direitos dos usuários da internet.

    Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

    I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

    II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

    III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

    IV – não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização;

    V – manutenção da qualidade contratada da conexão à internet;

    VI – informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade;

    VII – não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei;

    VIII – informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que:

    a) justifiquem sua coleta;

    b) não sejam vedadas pela legislação; e

    c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de internet;

    IX – consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais;

    X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei e na que dispõe sobre a proteção de dados pessoais; (Redação dada pela Lei nº 13.709, de 2018) (Vigência)

    XI – publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos provedores de conexão à internet e de aplicações de internet;

    XII – acessibilidade, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos termos da lei; e

    III – aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet. (BRASIL, 2014, n.p.)

      O marco civil também foi de suma importância, pois através dele que a internet passou a ser monitorada para evitar a ocorrência ainda maior de crimes no meio digital, através dela também que o direito pode se desenvolver mais no meio tecnológico e melhorou as formas de proteção aos usuários, melhorou o atendimento, deu mais celeridade ao processo gerando mais segurança e credibilidade.

      Outra lei desenvolvida para suprir lacuna é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018), a qual altera a Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018, para dispor sobre a proteção de dados pessoais e para criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados; e dá outras providências. Seu principal objetivo é proteger a privacidade e a segurança dos dados dos cidadãos, ou seja, para ser usado dados do cidadão deve-se ter seu consentimento.

      De acordo com do Capítulo III, da LGPD, são direitos do titular:

      Art. 17. Toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos desta Lei.

      Art. 18. O titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação aos dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e mediante requisição:

      I – confirmação da existência de tratamento;

      II – acesso aos dados;

      III – correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados;

      IV – anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto nesta Lei;

      V – portabilidade dos dados a outro fornecedor de serviço ou produto, mediante requisição expressa, de acordo com a regulamentação da autoridade nacional, observados os segredos comercial e industrial; (Redação dada pela Lei nº 13.853, de 2019) Vigência

      VI – eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular, exceto nas hipóteses previstas no art. 16 desta Lei;

      Art. 19. A confirmação de existência ou o acesso a dados pessoais serão providenciados, mediante requisição do titular:

      I – em formato simplificado, imediatamente; ou

      II – por meio de declaração clara e completa, que indique a origem dos dados, a inexistência de registro, os critérios utilizados e a finalidade do tratamento, observados os segredos comercial e industrial, fornecida no prazo de até 15 (quinze) dias, contado da data do requerimento do titular.

      Art. 20. O titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses, incluídas as decisões destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os aspectos de sua personalidade. (Redação dada pela Lei nº 13.853, de 2019) Vigência

      Art. 21. Os dados pessoais referentes ao exercício regular de direitos pelo titular não podem ser utilizados em seu prejuízo.

      Art. 22. A defesa dos interesses e dos direitos dos titulares de dados poderá ser exercida em juízo, individual ou coletivamente, na forma do disposto na legislação pertinente, acerca dos instrumentos de tutela individual e coletiva. (BRASIL, 2018, n.p.)

      Sendo assim, é notório que a legislação trata do assunto, porém, como toda legislação, precisa estar em constante mudança conforme as necessidades que surgirem. No caso da violência contra as mulheres, a pena seria segundo o caso da violência, ainda assim as leis apresentadas mostram uma solução geral, já a Lei Carolina Dieckmann (12.737/2012) trata do assunto de forma mais específica.

      Porém, ainda há lacunas no que se trata do consentimento da vítima no compartilhamento das imagens quando não há roubo do dispositivo, a falta de punibilidade para um terceiro que compartilhar o que recebeu de outra fonte, a dificuldade da vítima de provar que foi vítima de divulgação das suas fotos sem autorização, e o mais importante a falta de apoio psicológico e social expresso em lei para tentarem se reerguer na vida social. Embora já tenha avançado muito, ainda há lacunas no que diz respeito principalmente à falta de proteção das mulheres contra o abuso, à disseminação de pornografias sem seu consentimento e ao apoio contra a disseminação de violência pelo fato de ser do gênero feminino.

      De fato, mesmo com o aprimoramento dos meios de coibir violências, os números não mudam, pelo contrário, apenas crescem. Conforme o

      18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 revela piora nos indicadores e violência contra a mulher em alta no país. As modalidades de violência observadas pelo estudo incluíram homicídio e feminicídio, agressões em contexto de violência doméstica, ameaça, perseguição (stalking), violência psicológica e estupro. Quando somadas, as violências atingiram 1.238.208 de mulheres em 2023. (VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER PERSISTE E CRESCE EM TODAS AS MODALIDADES, INDICA ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2024, n.p.)

      Os números são alarmantes e cada vez maior, além do número alarmante o principal público alvo são mulheres negras, entre 18 e 44 anos e a maioria são mortas dentro da residência, muitas vezes sem ter a oportunidade de se defenderem ou denunciarem, seja por medo ou dependência emocional ou financeira.

      O anuário também prevê que em 2023, o país registrou 83.988 vítimas de estupro, uma alta de 6,5%. A estatística pode ser traduzida em um crime de estupro a cada 6 minutos.

      São alvos dos estupradores meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%). E a maioria são estupradas por familiares ou conhecidos (84,7%) e dentro de suas próprias residências (61,7%). (VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER PERSISTE E CRESCE EM TODAS AS MODALIDADES, INDICA ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2024, n.p.)

      Essa estatística é alarmante, pois se deve ter legislações mais rigorosas e um poder público mais presente para atuar nesse cenário para reduzir morte, violências e traumas incuráveis.

      2.3.3 PRINCIPAIS DESAFIOS ENFRENTADOS NO COMBATE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

      O combate à violência contra as mulheres no Brasil enfrenta inúmeros desafios, apesar dos avanços trazidos pela Lei Maria da Penha. Dentre os principais obstáculos estão a cultura machista e patriarcal, a subnotificação dos casos, a ausência de políticas públicas eficazes e a desigualdade no acesso aos serviços de apoio. Formas contemporâneas de violência, como o estelionato emocional e os cibercrimes de gênero, ainda carecem de reconhecimento legal e enfrentamento adequado. Soma-se a isso a revitimização institucional e a descontinuidade das políticas públicas.

      Além da falta de leis especiais para tratar violências novas que vão surgindo com a tecnologia, também há a falta de políticas públicas visando o bem-estar e a segurança das mulheres, como a promoção de apoio financeiro e psicológico as mulheres vítimas de violência que muitas vezes se mantém nesse cenário por medo de ser morta, por não ter apoio psicológico para trabalhar ou por não ter oportunidade, falta de condições de manter ela e os filhos, medo de perder os filhos, medo de ser julgada, ou seja, diversos fatores influenciam para que a mulher não denuncie e fique vivendo esse círculo sem fim de violência.

      Outro fator importante é a falta de campanhas, que visem ajudar mulheres no âmbito virtual a não cair em cibercrimes que são crescentes a cada ano, pois muitas mulheres não sabem identificar que estão sendo manipuladas, ou mesmo que, uma simples conversa pode mudar radicalmente sua vida. Além disso, a evolução tecnológica trouxe consigo os cibercrimes de gênero, como o vazamento de imagens íntimas sem consentimento, perseguição virtual (stalking), ameaças e difamações online. Esses crimes têm provocado sérios danos emocionais e sociais às vítimas, muitas vezes ultrapassando os limites do espaço físico. Contudo, a resposta legislativa e institucional ainda é insuficiente, exigindo maior capacitação dos profissionais envolvidos, além de atualização das leis penais e processuais.

      As lacunas ainda são muitas e variadas. Segundo o 8º Levantamento Nacional das Unidades de Polícia Civil Especializadas no Atendimento às Mulheres, realizado em 2023 pelo Ministério da Justiça, em colaboração com o Ministério das Mulheres e o Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, apenas 490 dos 5568 municípios brasileiros possuem Delegacias da Mulher. Na imensa maioria das cidades do país, elas simplesmente não existem.

      Também há a falta de conhecimento sobre os direitos das mulheres e os recursos disponíveis para vítimas de violência por parte de um público humilde, muitas vezes pessoas mais velhas que ainda vivem rodeadas de uma sociedade patriarcal, o que dificulta muitas vezes na identificação de violências. E muitas vezes as que conhecem seus direitos e as leis têm medo, por verem que a maioria dos crimes contra a mulher não tem medidas eficazes contra os agressores e não possui uma aplicabilidade da lei de forma mais rígida e específica como o necessário, desencorajando a vítima a denunciar.

      Para superar esse cenário, é essencial uma articulação entre Estado, sociedade civil e instituições, promovendo mudanças estruturais, educação para a igualdade de gênero e fortalecimento das redes de proteção às mulheres.

      3. DISPOSIÇÕES FINAIS

      O estelionato emocional, embora não tipificado de forma autônoma no ordenamento jurídico, tem se revelado uma forma de manipulação e abuso que, muitas vezes, se entrelaça com a violência psicológica. Por sua vez, os cibercrimes, como o uso de perfis falsos, a exposição indevida de imagens e dados pessoais, e o controle tecnológico, inserem-se como manifestações modernas da violência de gênero, exigindo respostas jurídicas mais contundentes e atualizadas. Novas leis foram criadas para que esses atos sejam devidamente punidos.

      O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, na quinta-feira, 24 de abril de 2025, duas novas leis que fortalecem a proteção das mulheres. A Lei n.º 15.123/2025 eleva as penalidades para aqueles que praticam violência psicológica contra mulheres por meio de inteligência artificial ou outras ferramentas tecnológicas. Isso inclui casos em que pessoas geram vídeos, imagens ou áudios falsificados – conhecidos como deepfakes – com o intuito de agredir ou menosprezar uma mulher.

      Essas tecnologias têm sido empregadas para disseminar informações falsas de natureza sexual, o que prejudica a dignidade e a integridade das pessoas afetadas, além de provocar sérios impactos em suas vidas e bem-estar emocional. Esses crimes representam uma grave violação da privacidade e da intimidade, e, consequentemente, a pena de detenção poderá ser aumentada em 50% se o delito for cometido utilizando inteligência artificial ou qualquer outra tecnologia que modifique a imagem ou o som da vítima, variando de seis meses a dois anos de prisão e multa.

      Ademais, a Lei n.º 15.125/2025, sancionada pelo presidente Lula, modifica a Lei Maria da Penha para permitir a utilização de tornozeleiras eletrônicas em agressores que estão sujeitos a medidas protetivas de urgência em situações de violência doméstica e familiar.

      A punição para quem discriminar estudantes mães em processos seletivos de bolsa de estudos na graduação ou pós-graduação, que estejam gestantes, puérperas ou que adotaram (ou estão em processo de adoção), foi a outra medida sancionada. O colaborador da instituição que praticar o ato estará sujeito a processo administrativo que poderá ensejar a sua exclusão dos quadros do respectivo órgão ou instituto de bolsa de estudos. A prática já era adotada em diversos estados, como o Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Ceará e Rio Grande do Sul, mas agora se torna válida em todo o país. Ambas as leis foram publicadas na edição do Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira, 25 de abril.

      Assim, conclui-se que a atualização da legislação penal brasileira, ao incorporar novas realidades tecnológicas, é indispensável para a eficácia do enfrentamento à violência de gênero. É fundamental, no entanto, que essas medidas legais venham acompanhadas de políticas públicas efetivas, investimentos em educação digital e fortalecimento das redes de apoio às vítimas, para que a proteção dos direitos das mulheres seja plena, tanto no mundo físico quanto no digital.

      4. REFERÊNCIAS

      BRASIL. Lei n.º 12.737. Brasília, DF: Presidência da República, 2012. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm>. Acesso em: 05 abr. 2025

      BRASIL. Lei n.º 12.965. Brasília, DF: Presidência da República, 2012. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 08 abr. 2025

      BRASIL. Lei n.º 13.709. Brasília, DF: Presidência da República, 2018. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em: 08 abr. 2025

      BRASIL. Lei Maria da Penha n.º 11.340. Brasília, DF: Presidência da República, 2006. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 05 abr.2025

      BRASIL. DataSenado aponta que 3 a cada 10 brasileiras já sofreram violência doméstica. ([s.d.]). Senado Federal. Publicado em 21/11/2023, 13h29 – ATUALIZADO EM 24/11/2023, 11h42 Fonte: Agência Senado. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/11/21/datasenado-aponta-que-3-a-cada- 10-brasileiras-ja-sofreram-violencia domestica#:~:text=A%20pesquisa%20apontou%20que%20a,viol%C3%AAncia%20f%C3%A Dsica%2C%20diz%20o%20estudo>. Acesso em: 05 abr.2025

      BRASIL. DECRETO-LEI N.º 2.848 ART. 147-B, 1940. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/434374354/artigo-147b-do-decreto-lei-n-2848-de-07- de-dezembro-de-1940>. Acesso em: 05 abr. 2025

      Enfrentando a violência doméstica e familiar contra a mulher, 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/cartilha-auxilia-mulheres-no- enfrentamento-a-violencia/Cartilhaenfrentamento_QRCODE1.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2025

      IBDFAM: Estelionato sentimental: decisões recentes reafirmam proteção às mulheres. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/noticias/11948/Estelionato+sentimental%3A+decis%C3%B5es+recent es+reafirmam+prote%C3%A7%C3%A3o+%C3%A0s+mulheres>. Acesso em: 05 abr. 2025

      IMAP. Prefeitura Municipal de Planalto. Disponível em: <https://www.planalto.ba.gov.br/site/Noticias/noticia-070820211032212034-Conhe-a-a-hist- ria-da-mulher-que-deu-origem-a-Lei-Maria-da-Penha>. Acesso em: 05 abr. 2025

      Lei permite monitoramento eletrônico de agressores de mulheres. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/04/25/lei-permite-monitoramento- eletronico-de-agressores-de-mulheres>. Acesso em: 30 abr. 2025

      Leis sancionadas por Lula avançam na proteção das mulheres contra agressões físicas, psicológicas e digitais. Disponível em: <https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o- planalto/noticias/2025/04/leis-sancionadas-por-lula-avancam-na-protecao-das-mulheres- contra-agressoes-fisicas-psicologicas-e-digitais>. Acesso em: 30 abr. 2025

      LOBO, T. M. C. Silenciosa e brutal, violência psicológica atinge milhares de mulheres no Brasil. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/silenciosa-e-brutal-violencia-psicologica- atinge-milhares-de-mulheres-no-brasil/>. Acesso em: 05 abr. 2025

      Projeto tipifica estelionato sentimental e prevê punição específica. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/1133882-projeto-tipifica-estelionato-sentimental-e- preve-punicao-especifica/>. Acesso em: 30 abr. 2025

      Quem é Maria da Penha – Instituto Maria da Penha. Disponível em: <https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html>. Acesso em: 05 abr.2025

      Você sabe o que é Estelionato Afetivo ou Sentimental?, 2022.Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/voce-sabe-o-que-e-estelionato-afetivo-ou- sentimental/1365752795>. Acesso em: 07 abr. 2025