LEGITIMAÇÃO, PROCEDIMENTO E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

LEGITIMATION, PROCEDURE AND JUSTIFICATION OF JUDICIAL DECISIONS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410261709


Guilherme Richena Ferreira1


RESUMO:

O presente artigo acadêmico pretende analisar a relação entre a teoria de Niklas Luhmann, da Legitimação pelo procedimento e a necessidade de fundamentação das decisões judiciais, a fim de se responder se a fundamentação judicial é um requisito para a legitimação na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann e de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro (também pelo viés do procedimento).

Para facilitar a leitura e compreensão, serão fornecidas, brevemente, durante o decorrer do texto, algumas definições quanto aos conceitos empregados pelo autor alemão em sua obra, que certamente auxiliarão o leitor a compreender a proposta e as conclusões do presente artigo.

PALAVRAS CHAVE: Autopoiese. Sistemas. Legitimação pelo procedimento. Teoria dos sistemas. Legitimação das decisões judiciais. Dever de fundamentação.

ABSTRACT:

This academic article intends to analyze the relation between Niklas Luhmann’s theory of Legitimation by procedure and the need to substantiate judicial decisions, in order to answer whether judicial substantiation is a requirement for legitimation in Niklas Luhmann’s systems theory and in accordance with the Brazilian legal system (also from a procedural perspective).

To facilitate reading and understanding, some definitions regarding the concepts used by the German author in his work will be briefly provided throughout the text, which will certainly help the reader to understand the proposal and conclusions of this article.

KEY WORDS: Autopoiesis. Systems. Legitimation by the procedure. Systems Theory. Legitimation of court decisions. Duty to justify judicial decisions.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

Niklas Luhmann foi um importante sociólogo alemão, de relevância mundial, nascido em Lunenburgo, na Alemanha, em 08 de dezembro de 1927, mesmo país em que faleceu em 06 de novembro de 1998.

Forneceu grandes bases à Teoria Geral e à Filosofia do Direito, em especial a partir de sua Teoria dos Sistemas e da obra Legitimação pelo procedimento, que adentra em uma análise sociológica da legitimação das decisões, inclusive e expressamente, as jurídicas.

Na obra temos uma tentativa de elaborar uma teoria para a legitimação das decisões judiciais, que perpassa o ânimo dos litigantes com suas pretensões em juízo, a importância do distanciamento das partes do litígio e a sua representação por advogados, a função do elemento tempo como pacificador e legitimador da decisão, como elemento de pacificação dos ânimos dos contendentes.

O autor cita, para além da ritualística e dos elementos já expostos, como legitimadores do provimento jurisdicional nesta teoria que assenta bases de uma legitimação pelo procedimento, as preclusões judiciais, o elemento da seletividade do meio, o processo a partir dos atos processuais e procedimentos, como fundamentos da legitimação da decisão.

A legitimação da decisão, a partir das necessárias preclusões, permitem-nos pôr um termo no litígio e, assim, também o procedimento cumpriria o seu papel.

Nos parece, outrossim, que em um processo moderno, democrático, há outro elemento essencial à legitimação do provimento jurisdicional, que seja, a fundamentação das decisões judiciais.

É ao cerne desta questão que pretenderemos chegar com o presente artigo, demonstrando a importância do dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais à legitimidade das decisões.

2. NIKLAS LUHMANN, A TEORIA DOS SISTEMAS E A LEGITIMAÇÃO PELO PROCEDIMENTO.

Conforme expõe a Mestre em Sociologia, Carolina de Moraes Kunzler em seu artigo intitulado “A Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann”, o sociólogo pretendeu, com a sua teoria dos sistemas, elaborar uma teoria geral da sociedade em contraposição à uma teoria social de um contexto específico2.

Esta “teoria geral” enfatizaria os “sistemas autopoiéticos, ou seja, os sistemas vivos, psíquicos e sociais”3, os quais, “além de autopoiéticos, são também autoreferentes e operacionalmente fechados”4.

O desenvolvimento do direito não é aleatório, a sua vitalidade e a preservação de seu caráter harmônico pressupõe uma capacidade de adaptação a novas circunstâncias5, processo de transformação, o qual podemos sugerir, realizado a partir da irritação produzida por meios externos, mas que não permite perder de vista o caráter de autorreferencialidade e de autoprodução do direito, uma vez que, é a partir das mencionadas provocações e da significação dos elementos externos no próprio sistema do direito, que a autoprodução permitirá uma adaptação do Direito e das instituições jurídicas.

Quando falamos especificamente da obra “Legitimação pelo procedimento”, Luhmann, embora não se limite a analisar a legitimação pelo procedimento no contexto jurídico, das decisões judiciais, a analisa, principalmente, no contexto dos procedimentos jurídicos judiciais e extrajudiciais, reservando a “Parte II” da obra para a análise dos “Processos Judiciais”, onde encontramos Capítulos como o da “Diferenciação”, da “Autonomia”, dos “Sistemas de Contato”, dentre outros, que muito auxilia na compreensão das características do procedimento enquanto sistema de legitimação das decisões, além de trazer elementos que podem influir na atuação das partes no processo judicial, como ocorre face ao “sistema de contato”.

É uma teoria da legitimação grandemente contida na perspectiva jurídica; o autor inicia a obra com os seus fundamentos, que perpassam pela “concepção clássica do processo legal”, avançando para os procedimentos judiciais, suas características, inclusive o “sistema de contato”, analisando questões legislativas e eleitorais, procedimentos decisórios da administração pública, chegando, em momento posterior, às consequências e às projeções do procedimento.

A legitimidade, que analisa como corolário do procedimento, foi definida em sua obra como uma disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo ainda não definido, dentro de certos limites de tolerância6.

Luhmann expõe que, para que possamos compreender a teoria do procedimento, necessitamos, antes, entender a teoria processual da dogmática jurídica, sendo necessária a esta compreensão, que analisemos 3 (três) de suas concepções: I – concepção de ação; II – concepção de situação (situação jurídica); e III – concepção de relação7.

Estas três concepções, as quais ele denomina de “quase sociológicas” seriam utilizadas pela teoria processual, para construir a ideia de “processo”.

Para Luhmann, os três conceitos apresentados não seriam suficientes para uma teoria jurídico- sociológica do procedimento, isto pois, para ele:

No desenvolvimento das mais modernas teorias sociológicas, às quais se deve também ligar a sociologia do direito, conceitos como os de ação, situação ou relação parecem antes estar assimilados ao conceito de sistema social e desta forma integrados na teoria8.

O procedimento não seria um ritual demarcado e previamente definido9, inexistindo uma ação previamente definida e correta a ser tomada em cada hipótese10. Pelo contrário, para ele, o procedimento, embora encadeamento lógico, restrito, que se limita a cada ação, permite escolhas por parte dos indivíduos que o integram, de modo que a cada escolha, a cada ação, o procedimento caminha e, neste caminhar, restringe a sua abrangência e a possibilidade de agir, restrição esta que não ocorre apenas face às escolhas, mas, também, das não escolhas11, ou seja, daquelas possibilidades que se abriu mão, de forma que o procedimento passa a compreender a ideia da redução da complexidade12, de um afunilamento, a cada nova opção das partes, em seu caminhar, escolhendo, também, neste processo de redução da complexidade1314, aquilo que é relevante para o processo15:

[…] as decisões seletivas dos participantes, que eliminam as alternativas, reduzem a complexidade, absorvem a incerteza ou transformam a complexidade indeterminada de todas as probabilidades numa problemática determinável e compreensível16.

Ao procedimento seria atribuída a seletividade de uma comunicação.

A seletividade inerente   ao procedimento empresta-lhe sentido, não como cópia fiel de um modelo existente17, mas, pelas escolhas de comportamento (pela informação sobre as capacidades de seleção dos outros18) em contraposição à ideia de alavancas pré-estabelecidas19, ou seja, de escolhas estratificadas e de resultado conhecido, que sempre e indubitavelmente levarão a um mesmo passo seguinte.

É a partir desta visão que o autor pensa o procedimento enquanto sistema social, da existência     e uma conexão de ações (…), aberta e em parte autodirigida e que reduz a complexidade20.

Em relação à função do procedimento enquanto sistema social, pensa Luhmann:

[…] são sistemas sociais que desempenham uma função específica, designadamente a de aprofundar uma única decisão obrigatória e que, por esse motivo, são de antemão limitados na sua duração21.. (grifo nosso)

O procedimento, mesmo para os fins de redução da complexidade explorados por Luhmann, é composto por uma estrutura, não apenas aquelas que se referem à generalização das expectativas22, mas, também, daquela inerente ao próprio procedimento jurídico enquanto estruturante de um processo. Assim, a estrutura de um procedimento:

[…] é, primariamente, delineada por normas jurídicas gerais, válidas para diversos procedimentos. Estas normas, não constituem, porém, o procedimento propriamente dito e uma justificação por recurso a elas não constitui a legitimação pelo procedimento. Contudo, elas reduzem a tal ponto o número ilimitado de formas possíveis de comportamento, que se torna possível, sem incomodas discussões prévias sobre o sentido e finalidade duma reunião, por procedimentos individuais em movimento como sistema, definir a sua temática e os seus limites e tornar os participantes conscientes disso. Como sistemas corretos de ação, esses procedimentos ocupam então um lugar único no espaço e no tempo. Adquirem, assim, uma perspectiva que lhes é peculiar quanto ao seu ambiente e quanto ao seu próprio significado, manifestando-se numa conjuntura especial de acontecimento, símbolos e representações e reconhecendo-se, como regra geral, com rapidez23 (grifos nossos).

Os procedimentos pressupõem uma organização básica, possuindo, outrossim, enquanto célula de algo maior, uma autonomia para uma organização duma história própria24, através da qual, mais uma vez, reverbera a função de simplificação, pelo afunilamento que decorre das escolhas e não-escolhas, da seletividade25 do que deve integrar o processo, através do procedimento, como forma de simplificação do mundo26, com o necessário filtro de relevância para que integre o processo aquilo que diante dele é relevante e interessante, inclusive a partir da estratégia processual eventualmente traçada:

(…) o processo jurídico individual se torna uma matriz de acontecimentos possíveis que só se podem realizar dentro deste processo, por causa de seus teores significativos específicos27.

Mas o procedimento, embora necessite ser seletivo, em razão da “ordem inerente de simplificação, de forma a não abarcar a complexidade do mundo, permitindo que se delimite o seu objeto e aquilo que lhe é relevante, além de uma orientação inteligente da ação, não é seletivo com a comunicação, de forma que, todas as declarações, mesmo uma declaração involuntária, que contribua para o processo, são consideradas como informações que abrem, multiplicam ou eliminam possibilidades28.

Uma vez no processo, uma informação relevante em seu contexto estará integrada a ele e produzirá efeitos, mesmo que indesejados: a informação adquirida se imiscui ao processo e se funde à sua estrutura29, quase que indelével, podendo ser desconsiderada em situações muito específicas, formais, previstas, como na hipótese de, intempestiva a contestação, for determinado o seu desentranhamento dos autos.

É mais uma menção aos sistemas que Niklas Luhmann se utiliza para erigir a sua “teoria dos sistemas”, baseada, principalmente, em sistemas autopoiéticos30, sistemas vivos, e sistemas de comunicação.

Os sistemas vivos, psíquico e o sistema social são autopoiéticos e, quanto à operacionalidade, são autorreferentes e fechados31.

O sistema depende do meio, mas como referência externa para que se diferencie e se autorreferencie. Não é o meio e tampouco aberto a ele, pois se assim o fosse, não se diferenciaria do meio; o que constitui os sistemas é a diferenciação, que permitirá a autorreferência.

O sistema, embora operacionalmente fechado, interage com o meio, mas como forma de irritação, ordenada, enquanto estímulo à autopoiese do sistema, pois o sistema é seletivo e, portanto, escolhe aquilo que poderá irritá-lo (seleciona as possibilidades do ambiente em seu entorno).

O sistema não reproduz os elementos do ambiente, mas os reproduz à sua maneira, não é uma cópia, mas uma interpretação do elemento do ambiente naquele sistema, de modo que sistemas diversos podem interpretar um mesmo elemento de formas diversas, cada qual a sua maneira e de acordo com o que e quais características elementares são relevantes naquele sistema, no bojo do qual se analisa o elemento e, a partir da “irritação” do elemento externo (embora selecionado a partir dos critérios do sistema), há a autopoiese, movimento ou momento no qual o sistema se autoproduz, sendo esta a principal característica de um sistema autopoiético, aberto ao meio, mas fechado operacionalmente e autorreferente.

Assim, o sistema jurídico também é autopoiético, fechado operacionalmente e autorreferente, embora aberto, ressalte-se, seletivamente, ao ambiente e às irritações externas (embora a partir de critérios internos, conforme a ideia de seletividade apresentada pelo autor em sua obra).

O sistema jurídico pode, ao eleger, ao ser irritado por um elemento do sistema, produzir uma reflexão diferente, para o mesmo elemento, do que o sistema da medicina, dentre outras razões, pelas diferentes perspectivas da análise e de referenciações a partir das características relevantes, necessárias à redução da complexidade e, mesmo, ao aproveitamento do próprio sistema e da autopoiese.

A função do procedimento seria a especificação do descontentamento e o fracionamento e a absorção dos protestos32, doutro lado, sua força motriz, enquanto “fator efetivo de legitimação,   seria a incerteza quanto aos resultados33.

Mencionada “função” do procedimento, agregada dos ritos protocolares, da sempre ressalvada imparcialidade do julgador, do distanciamento dos atores, em especial do magistrado, colima com que se aceite34 a decisão emanada como obrigatória sem que isso dependa duma disposição interior35, mesmo que não se leve necessariamente, ao consenso efetivo, à harmonia coletiva de opiniões sobre justiça e injustiça (…)36.

A legitimação seria um processo de reestruturação das expectativas jurídicas37.

Para Niklas Luhmann:

A envergadura do reconhecimento institucional da jurisdição pura e simples (…) criam uma situação inequivocamente estruturada, que já não deixa ao indivíduo quaisquer chances. E é exatamente esta evidência que facilita a aceitação, determina a debilidade do perdedor isolado, possibilita-lhe aceitar com maior rapidez a decisão como premissa própria de comportamento38 (grifo nosso).

A ideia é a da aceitação, mesmo que com ressalvas, discordâncias e descontentamentos da decisão, que não se legitima por seu conteúdo, por sua correção ou por algum critério de justiça, como na hipótese da teoria discursiva de Robert Alexy, em que a pretensão de correção seria elemento essencial do conceito de direito e, portanto, de obrigatória observância, mas pela própria “instituição” procedimento39.

3. O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO INERENTE ÀS DECISÕES JUDICIAIS E A LEGITIMAÇÃO PELO PROCEDIMENTO.

A decisão judicial é consequência do processo deliberativo, ato ou agir desenvolvido por um “agente de decisão”, o juiz40.

Decidir é forma de autoprodução do Direito, verdadeira autopoiese; para a Professora, Doutora    em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) decidir é forma, pois retrata um modo de decidir e é, ao mesmo tempo, relação com o mundo, estando presente a produção judicial do próprio direito41.

A professora leciona que a decisão é fruto de um conjunto de escolhas e que, a responsabilidade face a este conjunto de escolhas leva à necessidade da fundamentação da decisão e da sua justificação racional, com a racionalização do processo de tomada de decisões42.

A justificação seria um princípio metodológico que busca ampliar a margem de racionalidade de um raciocínio (…) e que fornece a base racional para a tomada de decisões43.

No ordenamento jurídico brasileiro, o dever de fundamentação das decisões judiciais é previsto pela legislação federal e pela Constituição da República de 1988, o que evidencia, por seu alto grau de proteção (direito à fundamentação das decisões jurisdicionais), o seu elevado status em nosso sistema/ordenamento jurídico.

Conforme lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

A exigência de fundamentação das decisões judiciais é manifestação do princípio do devido processo legal (CF 5º. LIV). (…) O CPC 489 §1º. estabelece explicitações da CF 93 IX, ao considerar não fundamentadas as decisões, sentenças ou acórdãos que contiverem os vícios que menciona. A fundamentação das decisões judiciais é exigência que existe no sistema constitucional, razão pela qual o CPC 489 §1º em nada inovou; apenas esmiuçou o que já consta da CF.44

À luz do ordenamento jurídico brasileiro, o dever de fundamentação, de status constitucional, deve ser observado com toda a seriedade que merece, face à sua natureza de garantidor do contraditório amplo e efetivo e da ampla defesa, além de um processo justo.

Com toda certeza, este grau de proteção advém da necessidade de se positivar o dever de fundamentação, enquanto verdadeira garantia constitucional após um período de mais de 20 (vinte) anos de ditadura militar, em respeito aos direitos básicos dos cidadãos.

Nos cabe perquirir, agora, o papel do dever de fundamentação das decisões jurisdicionais face à Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, do sistema jurídico dentro da teoria dos sistemas e, também da ideia exposta na obra Procedimento como legitimação.

Para que se chegue a uma conclusão, algumas considerações e raciocínios precisam ser elaborados, de maneira crítica, para que se possa enxergar algo além do óbvio.

Em primeiro lugar, necessário perceber a fundamentação como meio e como continente dos elementos de irritação do sistema, que permitem sua autoprodução a partir de uma ideia de autorreferência, nesta teoria de sistemas abertos, porém, operacionalmente fechados.

Em segundo lugar, vital que se adote a ideia de Luhmann do sistema do procedimento enquanto um encadeamento de ações, de forma não automática, consecutiva e aberto às escolhas e adepto à seletividade, que escreve, tanto sua história, enquanto procedimento, mas também a história do processo, a partir das escolhas, mas também, das não escolhas (portanto, preclusões).

Em terceiro lugar, adotaremos, neste artigo, a ideia de que, para que se dê a legitimação pelo procedimento, o procedimento carece de um mínimo de legitimação social e, esta ideia, conforme nos mostra a doutrina, advém, costumeiramente, embora não necessariamente apenas, da justiça do procedimento, ou seja: o procedimento precisa parecer justo e ser minimamente justo para que seja encarado como legítimo em si mesmo e legitimador daquela decisão que dá fim aos procedimentos, ao processo e que, o procedimento, por si, nela se inscreve, enquanto legitimador, como forma de chancela.

São ideias distintas, mas que contribuem, todas em suas respectivas proporções, ao entendimento de que o procedimento e o processo, além da decisão, enquanto produto final, devem ser fundamentados para que se tenha a legitimação pelo procedimento.

Estas ideias passeiam pela sociologia, enveredam pela psicologia comportamental e desembocam no direito enquanto uma teoria da legitimação dos poderes e das instituições.

Não se afasta que a ciência do direito sairia, também, engrandecida.

Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a legitimidade pelo procedimento trata de um mecanismo de redução de incertezas e da domesticação da insatisfação, tornando as inevitáveis e prováveis decepções em decepções difusas45, assim:

[…] a função legitimadora do procedimento não está em substituir uma decepção pelo reconhecimento, mas em imunizar a decisão final contra as decepções inevitáveis (grifo nosso)46.

A fundamentação é corolário do contraditório e permite o exercício pleno da ampla defesa, pois é com base nos fundamentos da decisão que se avalia a pertinência de recorrer, e se delimita quanto a que recorrer.

Cabe indagar:

I – se seria possível substituir a inevitável decepção de uma das partes pelo reconhecimento da decisão, tornando as decepções difusas47 e evitando as decepções rebeldes se à decisão faltar fundamentação por ocasião de eventual redação lacônica, se se omitir face a argumentos relevantes48 trazidos pelas partes, bem como se a decisão contiver obscuridades que obstem uma cristalina compreensão das razões de decidir;

II – se o livre convencimento motivado, com a ausência de tarifação da prova e dos meios de prova, não acresce importância à fundamentação das decisões judiciais;

Quanto à indagação I, acreditamos que não é possível a legitimação pelo procedimento, com o reconhecimento, mesmo face ao descontentamento com a prestação jurisdicional recebida, da decisão proferida, se for o decisum eivado pela violação ao dever de fundamentação das decisões judiciais.

Isto, pois, em primeiro lugar, a fundamentação judicial é condição de validade da decisão, como decorre do inciso IX, do art. 93, da Constituição Federal de 1988, bem como dos artigos 489, §1º e 1.022, parágrafo único, incisos I e II, do CPC, conforme expressa previsão do artigo 1149 do mesmo diploma processual.

A nulidade é vício que impede a consolidação da decisão que padece da adequada fundamentação, a menos que haja a preclusão da oportunidade de a suscitar, nos termos do artigo 27850, do CPC.

Se presente a nulidade em razão da ausência de fundamentação ou face à sua insuficiência, não há que se falar em legitimidade pelo procedimento, pois ter-se-á decisão nula.

Outrossim, se ocorrer a preclusão, ou, se presente a insuficiência da fundamentação e, alegada esta, insistir o Tribunal a quem em sua suficiência, mormente face a políticas judiciárias de celeridade da prestação jurisdicional, ausente a legitimidade da decisão.

Cremos que a legitimidade pelo procedimento não decorre apenas e tão somente da burocracia, do formalismo, mais ou menos rígido e das instituições do processo, como a imparcialidade, além da ritualística que nos fazem enxergar o procedimento como institucional e institucionalizado.

É certo que a legitimidade não se confunde com a concordância do resultado, pois como já asseveramos da doutrina de Niklas Luhmann, a legitimação pelo procedimento consiste, justamente, em tornar, as possibilidades de decisão, ainda incertas, aceitáveis aos jurisdicionados, ainda que estes possam discordar de seu conteúdo e nutrir, caso optem pelo desengano face à aprendizagem com o procedimento e com a decisão, um descontentamento difuso, mas que os fará seguir em frente e não se apegar ao estigma de perdedor e descontente, mesmo que o “desenganado” procure e encontre um culpado, seja ele o juiz, o advogado, ou mesmo a testemunha que tenha prestado declarações falsas e assuma, para si, no futuro, o papel de humilhado, escravizado, violentado, desconhecido, enganado, senão mesmo doente51.

O perdedor que mantém suas expectativas de forma irredutível e inconsolável e se recusa a absorver aquela decisão converte-se no diferente, no litigante, naquele cujo assunto preferido é conhecido e evitado sempre que possível52.

Mas o que faz do procedimento legitimador a ponto de evitar que o descontentamento para com a decisão avance para além de um descontentamento difuso e se torne um descontentamento rebelde?

Nos parece que a fundamentação, em linguagem clara e precisa, sem obscuridades, duplos sentidos, ideais de revanchismo e/ou lacunas. Não importa que se concorde ou não com a decisão, mas que seja lógica e que demonstre a sua lógica.

É a decisão que se desnuda e que se permite compreender, que não gera dúvidas, que não esconde seus argumentos nas entrelinhas, que desvela, se possível, o íter decisório, os fatos, fundamentos e provas tomados por relevantes e os respectivos pesos.

É fato que existem normas de textura aberta, lacunas legislativas, axiológicas, diferentes formas legítimas de se interpretar um texto legal para aplicá-lo ao caso concreto.

Desde que a fundamentação das decisões se encaminhe de forma lógica, concatenada, sem contradições com os autos, com as provas produzidas (ao menos não as contraponha sem fundamentação adequada), que o direito ofereça segurança jurídica suficiente a reforçar a impessoalidade que ressalta Luhmann em sua obra, com uma necessária coerência interna, dos elementos dos autos para com a decisão e externa, em relação ao que se costuma decidir nos demais casos, demonstrando que não se decide casuisticamente, a depender das partes integrantes do processo em detrimento da boa aplicação da lei, não parece importar, de forma suficiente que se chegue a resultado “A” ou “oposto a A” na decisão judicial, pois em uma demanda, salvo raras exceções, teremos “vencedores” e “perdedores”, portanto, “contentes/satisfeitos” e “descontentes”.

Face à antinomia “vencedor” e “perdedor”, é esperado que se tenha concordância e discordância para com o conteúdo da decisão, mas, conforme disposto na obra que se analisa, o objetivo do procedimento é tornar uma decisão legitima, significando a sua “aceitação”, mesmo face à incerteza quanto ao resultado a que se chegará, de modo que descontentamentos rebeldes sejam minorados à condição de descontentamentos difusos.

É neste sentido que o dever de fundamentação, em um sistema de livre convencimento motivado dos magistrados, é alçado à posição de essencialidade, pois face à ausência de tarifação, das provas e dos meios de prova, só se poderá esperar que haja a “aceitação” das decisões ainda por vir, portanto, futuras, incertas, se houver confiança no procedimento e na análise e ponderação das provas, não contribuindo para a legitimação que se espera como fim último do procedimento decisões lacônicas e que se escondam detrás de conceitos jurídicos indeterminados, de paráfrases de atos normativos, motivos genéricos, fundamentações per relationem que se furtem a demonstrar, minimamente, a adequação do caso paradigmático ao caso sub iudice, ao qual se aplicam, analogamente, as razões de decidir do caso paradigmático ou exemplificativo da jurisprudência.

A professora Cláudia Servilha Monteiro, ao falar sobre a Teoria da Decisão, ensina que a busca por um conjunto de propostas em condições de legitimar, justificar ou fundamentar os raciocínios, acabou recaindo ao longo dos séculos em uma armadilha circular53.

Ainda, para a autora em comento, quem toma uma decisão racional não pode trair a si mesmo na justificativa daquilo que decidiu, o segredo do procedimento é a própria inocência presumida do papel do agente da decisão54(grifo nosso).

Para Cláudia Servilha Monteiro a decisão, quando abandona a exigência de uma justificação racional, pode ser considerada arbitrária; arbitrariedade esta que surge como produto de uma ação eivada de subjetividade em larga escala, na qual argumentos frágeis e inespecíficos procuram alimentar a exigência de fundamentação55.

Veja-se que o CPC veda, de forma específica a fundamentação da decisão a partir de fundamentos inespecíficos, ou seja, aqueles que podem ser utilizados, quando de forma genérica, para fundamentar quaisquer outras decisões, como, mas não somente, o uso de conceitos jurídicos indeterminados, na forma dos incisos II e III, do §1º, do art. 489, do CPC.

Em artigos acadêmicos que analisam a Teoria da Decisão e se preocupam com a necessidade de racionalidade das decisões judiciais, o que se têm, por vezes, são, de um lado preocupações com a bagagem pessoal dos julgadores, seja por suas vivências, heurísticas, fatores emocionais; doutro lado se enxerga a impossibilidade de despir o julgador de sua pessoalidade (bagagem pessoal) e de se produzir decisões cuja lógica racional seja imaculada por fatores emocionais56, inclusive com a ressalva de que, ao criarmos métodos ideais, não poderão ser postos em prática57, pois os julgadores, em sua condição humana, não poderão operacionalizar tais métodos, de sorte que devem ser pensados métodos de racionalidade ou lógica racional centrados na realidade fática e que possam ser colocados em prática.

A fundamentação adequada e suficiente também permite a análise das decisões que, calcadas em doutrinas “pós-positivistas”, como a de Robert Alexy, tomam por relevantes, além de uma dimensão real, positivada do direito, calcada na separação de direito e moral e que se baseia na legalidade muitas vezes restrita, uma dimensão ideal, que podemos representar, inclusive, na figura do “não positivismo inclusivo” do jurista alemão, que valora, na teoria jurídica, agregando ao conceito de direito, uma correção moral, com o reconhecimento (para a teoria) de uma conexão entre direito e moral. Nesta teoria, a dimensão real seria representada pelo princípio da segurança jurídica e a ideal pelo princípio da justiça58.

Tais teorias pós-positivistas, embora uma louvável preocupação com a justiça das decisões, com uma recolocação, na ordem do dia, da relação entre direito e moral para o atingimento de decisões justas (princípio da justiça como representação da dimensão moral do conceito de direito), traz, um grau, senão de incerteza ao direito, a conflitar com sua dimensão positivista, uma grande abertura para a discricionariedade, que não nos parece ser, em si, o problema, mas, sim, a subjetividade que a acompanha e a possibilidade de vieses incutidos nas decisões.

É sabido, quanto às motivações subjetivas das decisões judiciais e Peter Panutto e Lana Olivi Chaim abordam a questão em artigo científico:

[…] diversos experimentos realizados com base no Realismo Jurídico constatam que a opinião dos julgadores pode ser enviesada, não apenas por motivações políticas, mas por agirem de maneira intuitiva e emocional, confiando na heurística para responder, favoravelmente, aos litigantes e às causas com quem eles simpatizam, muitas vezes de forma inconsciente59

Uma maior exigência lógica e de demonstração da racionalidade das decisões judiciais pode ser fator contributivo essencial para a redução da influência de intuições, emoções, proximidades, identificações com as partes e seus problemas judicializados e, consequentemente, dos vieses e parcialidades, conscientes ou inconscientes, como o é na grande maioria das vezes, que compõem as decisões judiciais.

Esta contribuição, da fundamentação adequada e de um esforço científico para lhe lançar e delimitar bases razoáveis, as quais, de qualquer modo, não serão capazes de extinguir as zonas cinzentas, seria capaz de dar maior segurança à operacionalização do direito em consonância com os princípios que dele decorrem, que, por muitas vezes, têm levado a população e a comunidade jurídica a expressar grande descontentamento com a jurisdição da forma como exercida pelos Tribunais e a questionar a legitimidade das decisões.

A maior fundamentação, inclusive com a demonstração dos caminhos que levam à decisão, pode rarear decisões pré-concebidas e, posteriormente justificadas, pois a própria forma de fundamentar e pensar a decisão, inclusive com a consciência pelo próprio julgador dos processos mentais da tomada decisória, podem levá-lo a um afastamento de suas heurísticas, de suas preconcepções e de eventuais desejos, mesmo que inconscientes, de decidir de forma “A” ou “B”, pois pode tornar, ao julgador razoável e preocupado com a boa administração da justiça, que com certeza compõem a maioria dos magistrados, visíveis e perceptíveis os seus próprios vieses, de forma que estes vieses não se tornem a decisão, mas que a decisão seja formada por meio de um processo adequado e justificado, ou seja, a partir de uma justificação lógica/racional, da tomada da decisão, que permita que se enxergue uma real interpretação da lei e dos fatos, de forma lógica e concatenada e que, não se enxergando este processo, se tenha meios, mais hábeis, de se impugnar a decisão, seja por meio dos embargos de declaração, que não devem ser demonizados e ser tratado, de forma antecedente à sua interposição, como possivelmente protelatórios, seja por meio de recurso adequado.

Uma Teoria da Decisão calcada no dever de fundamentação e que coloque em prática o poder de questionamento das omissões, obscuridades e contradições positivado aos embargos de declaração, poderia emancipar o direito e minimizar alguns componentes que tornam a sua prática, imperfeita, como na hipótese das heurísticas60, onde encontramos a heurística da ancoragem, que acomete, de forma demasiado frequente, conforme demonstram Fernando Leal e Leandro Molhano Ribeiro, os julgadores e, por consequência, os julgados dos juizados especiais cíveis61; outro problema a ser combatido pela fundamentação adequada, pela demonstração efetiva da racionalidade da decisão e dos parâmetros tomados por base ao decidir.

A partir de julgado de relatoria do Excelentíssimo Ministro Celso de Mello, possível demonstrar que o STF já realizou, ao decidir, a análise da fundamentação enquanto pressuposto de legitimidade da decisão. Vejamos:

A fundamentação constitui pressuposto de legitimidade das decisões judiciais. A fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões emanadas do Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pela CF 93 IX, precisamente por traduzir grave transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídica da decisão e gera, de maneira irremissível, a consequente nulidade do pronunciamento judicial (STF, 2ª. T., HC 80892-RJ, rel. Min. Celso de Mello, j. 16.10.2001, v.u., DJU 23.11.2007, p. 115) (grifos nossos).

Conforme afirmou o Excelentíssimo Ministro Celso de Mello, a inobservância ao dever de fundamentação previsto no inciso IX, do artigo 93, da CF, importa em grave transgressão de natureza constitucional, a qual afeta a legitimidade jurídica da decisão.

Aliás, este o entendendimento do Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes, quem, antes mesmo de que integrar a Suprema Corte, já lecionava:

A legitimidade democrática do Poder Judiciário baseia-se na aceitação e respeito de suas decisões pelos demais poderes por ele fiscalizados e, principalmente, pela opinião pública, motivo pelo qual todos os seus pronunciamentos devem ser fundamentados e públicos.

A verdadeira, duradoura e incontrastável legitimidade do Poder Judiciário será concedida pela opinião pública, pois somente ela é que, em definitivo, consagrará ou rejeitará essa instituição, analisando-a em virtude de sua jurisprudência e de sua atuação perante o Estado […]62. (grifos nossos)

Assim, nos parece evidente que, a legitimação da decisão, sob os pontos de vista jurídico e sociológico, pressupõe a adequada e efetiva fundamentação das decisões judiciais enquanto pressuposto inafastável.

4. CONCLUSÃO:

Diante do exposto, parece-nos que, para além da legitimidade que advém do procedimento, enquanto concatenamento de ações regrada por um conteúdo mínimo, princípios específicos e regramentos legais, que é deixado à disposição das partes para que sejam atores efetivos e influentes e possam se responsabilizar pelo processo, até como forma de corresponsabilização pelo conteúdo e forma da decisão, há fatores psicológicos da legitimação, os quais Niklas Luhmann aborda, mesmo que de maneira mais tímida em sua teoria sociológica.

Dentre estes fatores nos parece caber a fundamentação das decisões, a qual, sem dúvida nos parece importante fator para o intérprete, principalmente dentro de uma teoria inserta em um prospecto mais abrangente de uma teoria dos sistemas63, que possui por princípio basilar a comunicação e como verdadeira célula tronco a permitir a autopoiese a irritação pela comunicação, pois se trata do modo pelo qual os sistemas são instigados a se autoproduzirem.

É a fundamentação da decisão judicial importante fator não apenas de legitimação da própria decisão proferida, mas de todo o Poder Judiciário, fator que acarreta na aceitação da legitimidade do mencionado Poder, seja pelos outros poderes constituídos, mas, mais importante, pelos cidadãos, que, em um Estado Democrático e Republicano, serão um termômetro da legitimidade e da efetividade das decisões jurisdicionais.

Sem a fundamentação enquanto base racional e lógica de comunicação das decisões, e sem a demonstração efetiva da racionalidade da decisão, a ser melhor construída com base na Teoria das Decisões, o que não nos cumpriu enfrentar no presente artigo, têm-se, uma espécie de propagação viral de decisões que soem esterilizar o sistema, vedando a autoprodução pela ausência de comunicação fértil à irritação e à autoprodução.

Decisões esterilizadoras do sistema devem ser, elas mesmas, esterilizadas, para que não se propaguem e isto, certamente, cabe, em primeiro lugar, aos Tribunais.

Por fim, saliente-se que com preocupação se deve assistir à operacionalização do sistema de precedentes no Direito Brasileiro, pois não há pior veículo à autoprodução do direito do que decisão concebida para ser paradigmática e que, não obstante, contenha elementos da esterelidade64, ou “não elementos” da fertilidade65.


2Kunzler, Carolina de Morais. A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. In: Estudos de Sociologia, Araraquara, 16, p. 123-136, 2004, p. 127.

3Idem, ibidem.

4Idem, ibidem.

5Mendonça, Paulo Roberto Soares. A tópica e o Supremo Tribunal Federal. – Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 17.

6Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 30.

7Idem, p. 37.

8Idem, ibidem.

9“(…) um procedimento não pode ser compreendido como uma sequência fixa de ações determinadas”. Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 37.

10Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 37.

11Ou seja, ideia de reação face “[…] às possibilidades eliminadas […], que se mantém no horizonte da existência do procedimento como uma possibilidade negada.

Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 39.

12“Esta função de redução da complexidade é essencialmente desempenhada pela criação de estruturas, isto é, pela generalização das expectativas de comportamento que, depois, durante largos períodos de tempo, são válidas transitória e objetivamente para diversas situações e são válidas socialmente para uma maioria”.(grifos nossos)

Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 40.

13Estudiosos da epistemologia, da metodologia das ciências, costumam colocar a ”redução” da complexidade” como uma virtude, um dos valores a serem adotados pelos cientistas, pesquisadores e que costumam guiar a produção científica, de modo que, teorias, mesmo que assertivas, mas que não são práticas, que não facilitam o entendimento de algo, costumam ser abandonadas. Virtudes menos unânimes são os caráteres preditivo e explicativo das teorias científicas.

SANKEY, Howard; NOLA, Robert. Theories of scientific method: an introduction (Philosophy and science). 1.ed. Routledge: Londres, 2007, p. 41/51.

14Aqui, a ideia parece ser não a redução da complexidade da teoria em si, mas do produto dela (legitimação pelo procedimento); a simplificação seria mecanismo para a redução de complexidade dos procedimentos e atua como fator importante da legitimação pelo procedimento e a aceitação, mesmo que a contragosto, de uma decisão que eventualmente lhe é desfavorável.

15“À ordem inerente do sistema pertence ainda um projeto seletivo de ambiente, uma visão” subjetiva“ do mundo, que, de entre as possibilidades do mundo, só escolhe alguns fatos relevantes, acontecimentos, expectativas, que considera significativos. É através dessa redução que os sistemas permitem uma orientação inteligente da ação”. (grifos nossos)

Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 39.

16Idem, p. 38.

17Idem, ibidem.

18Idem, ibidem.

19Idem, ibidem.

20Idem, p. 39.

21Idem, ibidem.

22“Esta função de redução da complexidade é essencialmente desempenhada pela criação de estruturas, isto é, pela generalização das expectativas de comportamento que, depois, durante largos períodos de tempo, são válidas transitória e objetivamente para diversas situações e são válidas socialmente para uma maioria (grifos nossos).

Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 40.

23Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 40.

24Idem, p. 41.

25Quanto à análise sociológica da seletividade, a partir da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, dispõe a socióloga Carolina de Morais Kunzler que:

“[…] se o sistema não se preocupasse em reduzir a complexidade do ambiente, selecionando elementos, e a sua própria, autodiferenciando-se, seria diluído pelo caos, por não conseguir lidar com o excesso de possibilidades. Se selecionasse tudo, não seria diferente do ambiente”(grifo nosso).

Kunzler, Carolina de Morais. A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. In: Estudos de Sociologia, Araraquara, 16, p. 123-136, 2004, p. 129.

26[…] projeto seletivo de ambiente, uma visão ‘subjetiva’ do mundo, que, de entre as possibilidades do mundo, escolhe alguns fatos relevantes, acontecimentos, expectativas, que considera significativos” (grifos nossos).

Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 39.

27Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 41.

28Idem, p. 39.

29Pois a informação também é capaz de restringir a ação, direcionando movimentos, atos, requerimentos. A informação, além do fato que apresenta, possui relevância processual por direcionar o procedimento e o processo, como consequência.

30Kunzler, Carolina de Morais. A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. In: Estudos de Sociologia, Araraquara, 16, p. 123-136, 2004, p. 127.

31Idem, ibidem.

32Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 97/98.

33Idem, p. 98.

34“Naturalmente que o interessado ‘aceita’, sempre que lhe é apresentada, uma decisão que não pode alterar ou ignorar. Para isso não é necessário um processo jurídico. O problema não reside em reconhecê-lo, mas sim em proteger o sistema social contra as consequências da escolha duma solução psíquica para o uso desse fato. Esta escolha já não deve encontrar nenhuma ressonância social, os ressentimentos proclamados não devem, como se disse, converter-se em instituições. E é este o motivo pelo qual o indivíduo deve ser levado, através de um processo jurídico, a individualizar e a isolar voluntariamente a sua posição”.

Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 100.

35Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 98.

36Idem, p. 99.

37Idem, p. 100.

38Idem, p. 98/99.

39Alexy, Robert. Constitucionalismo discursivo/ Robert Alexy; org./ trad. Luís Afonso Heck. – 3. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 20/21.

40MONTEIRO, Claudia. Fundamentos da Decisão Judicial. Congresso de Direito Constitucional. Manaus, 2012. Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acessado em: 05 de novembro de 2023.

41Idem, ibidem.

42Idem, ibidem.

43Idem, ibidem.

44Nery Junior, Nelson. Constituição Federal comentada e legislação constitucional/ Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. — 6. ed. Ampli. e atual. até a EC 95/2016 e a Lei do Mandado de Injunção – Lei 13.300/2016. — São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

45Ferraz Jr., Tércio Sampaio. Apresentação para Legitimação pelo procedimento, de Niklas Luhmann, 1ª ed., 1- 5. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980.

46Idem, ibidem.

47“Os procedimentos geram não só conhecimentos permanentes, como também ilusões permanentes. A sua função não consiste em impedir desilusões, mas sim em trazer as desilusões inevitáveis para uma forma última de ressentimento particular difuso, que não pode converter-se em instituição”.

Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 95.

48Em nosso ordenamento jurídico, à luz do inciso IV, do §1º, do art. 489, do CPC, não se considera fundamentada a decisão que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. O percalço é a menção, ou ressalva, de que devem, obrigatoriamente ser enfrentados aqueles argumentos em tese capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Assim, a norma, que disciplina e regulamenta o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, trazendo hipóteses de fundamentação insuficiente, por decorrência de sua textura aberta, que não expõe quais são os argumentos ‘em tese’, capazes de infirmar a conclusão a que chegou o julgador, não sana o problema, mas serve como uma diretriz adicional, que, quando do questionamento, seja em embargos de declaração, seja em recurso, dependerá do bom senso de seu intérprete, aqui o julgador.

Por fim, cumpre ressalvar que, o art. 1.022 do CPC, ao disciplinar os embargos de declaração, nos traz que se considera omissa aquela decisão que deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento (inciso I, parágrafo único, artigo 1.022, do CPC).

49Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

50Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão provando a parte legítimo impedimento.

51Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 94.

52Idem, p. 99.

53MONTEIRO, Claudia. Fundamentos da Decisão Judicial. Congresso de Direito Constitucional. Manaus, 2012. Disponível em: <chrome- extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/ anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acessado em: 05 de novembro de 2023.

54Idem, ibidem.

55Idem, ibidem.

56PANUTTO, Petter. CHAIM, Lana Olivi. Razão, emoção e deliberação: as adequações regimentais do Superior Tribunal de Justiça para a formação de precedentes eficazes. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 2, 2018, p. 757-776.

57“(…) se a maioria das prescrições é calcada na ideia de um agente de decisão idealmente racional, elas perdem conexão com a realidade do comportamento de agentes de decisão do mundo fático. Então, um indivíduo idealmente racional possui atributos racionais desconhecidos ou em grande parte inalcançáveis pelos homens normais. Assim, tratam-se de postulados ideais dedicados a orientar o pensamento humano para a melhor decisão racional possível”.

MONTEIRO, Claudia. Fundamentos da Decisão Judicial. Congresso de Direito Constitucional. Manaus, 2012. Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/ anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acessado em: 05 de novembro de 2023.

58Trivisonno, Alexandre Travessoni Gomes. Estudo Introdutório para Teoria discursiva do direito, de Robert Alexy. – 2. ed., 1-34. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015, p. 22.

59PANUTTO, Petter. CHAIM, Lana Olivi. Razão, emoção e deliberação: as adequações regimentais do Superior Tribunal de Justiça para a formação de precedentes eficazes. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 2, 2018, p. 757-776 (p. 761).

60“Heurísticas podem ser definidas como regras de experiência que permitem a tomada de decisão rapidamente a baixo custo. São atalhos que sugerem respostas quase automáticas (intuitivas, portanto) para problemas com base em padrões fixados em vivências anteriores. Graças ao papel desempenhado por essas regras na tomada de decisão, não precisamos mobilizar uma grande quantidade de recursos para enfrentar todos os problemas com os quais nos deparamos diariamente. Fazê-lo envolveria custos proibitivos. Contudo, se por um lado a observância de heurísticas implica vantagens para a ação de seres que não detêm capacidade infinita para processar informações e atuam em um ambiente repleto de limitações, por outro, o resultado da aplicação dessas regras de experiência nem sempre nos leva ao julgamento correto, i.e., ao resultado a que chegaríamos se desativássemos esse lado intuitivo com base no qual o cérebro funciona corriqueiramente. Essas falhas de julgamento causados pela observância de padrões intuitivos são chamadas de vieses cognitivos”.

61Ribeiro, Leandro Molhano; Leal, Fernando. Heurística de ancoragem e fixação de danos morais em juizados especiais cíveis no Rio de Janeiro. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 2, 2018, p. 777/799.

62Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2005, p. 1351.

63Ainda que a teoria da legitimação pelo procedimento seja anterior à própria teoria dos sistemas, pois formulada primeiro, deve-se levar em conta que Luhmann parece tratar a legitimação pelo procedimento dentro de uma teoria dos sistemas.

64Decisões com argumentação não lógica, genérica, confusa, a qual não permite, por inferência chegar ao resultado.

65Como sói ocorrer nas hipóteses de decisões omissas, que deixam de enfrentar argumentos relevantes, que não apresentam os fatos da demanda conforme se depreende do processo, que deixa de utilizar elementos legitimadores de tais tipos de decisões paradigmáticas, como audiências públicas, a admissão de amicus curiae, dentre diversos outros instrumentos possíveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Alexy, Robert. Constitucionalismo discursivo/ Robert Alexy; org./ trad. Luís Afonso Heck. – 3. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

Ferraz Jr., Tércio Sampaio. Apresentação para Legitimação pelo procedimento, de Niklas Luhmann, 1ª ed., 1-5. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980.

Kunzler, Carolina de Morais. A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. In: Estudos de Sociologia, Araraquara, 16, p. 123-136, 2004.

Luhmann, Niklas. Legitimação pelo procedimento, Trad. de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980.

Mendonça, Paulo Roberto Soares. A tópica e o Supremo Tribunal Federal. – Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

MONTEIRO, Claudia. Fundamentos da Decisão Judicial. Congresso de Direito Constitucional. Manaus, 2012. (Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acessado em: 05 de novembro de 2023).

Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2005.

Nery Junior, Nelson. Constituição Federal comentada e legislação constitucional/ Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. — 6. ed. Ampli. e atual. até a EC 95/2016 e a Lei do Mandado de Injunção – Lei 13.300/2016. — São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

PANUTTO, Petter. CHAIM, Lana Olivi. Razão, emoção e deliberação: as adequações regimentais do Superior Tribunal de Justiça para a formação de precedentes eficazes. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 2, 2018.

Ribeiro, Leandro Molhano; Leal, Fernando. Heurística de ancoragem e fixação de danos morais em juizados especiais cíveis no Rio de Janeiro. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 2, 2018, p. 777/799.

SANKEY, Howard; NOLA, Robert. Theories of scientific method: an introduction (Philosophy and science). 1.ed. Routledge: Londres, 2007, p. 41/51.

Trivisonno, Alexandre Travessoni Gomes. Estudo Introdutório para Teoria discursiva do direito, de Robert Alexy. – 2. ed., 1-34. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015.


1Advogado, graduado em Direito, pós-graduado e mestrando em direito processual civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: guilhermerichena@adv.oabsp.org.br.