SELF-DEFENSE: ANALYSIS, REQUIREMENTS, LIMITS AND PRACTICAL APPLICATIONS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202411081705
Ana Heloísa de Oliveira Moura1;
Cecilia Carneiro Carlos2;
Samara Trigueiro Félix da Silva3
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo o estudo e análise dos requisitos, aplicações práticas e limites para a configuração da legítima defesa, sendo esta, excludente de ilicitude, podendo ser utilizada quando o indivíduo ofendido usa moderadamente dos meios necessários para repelir a agressão injusta cometida contra si ou a outrem, quando o Estado se encontra impossibilitado de proteger a integridade física do cidadão. Essa pesquisa busca compreender até onde esse direito se estende e quais suas implicações jurídicas e sociais, tendo como fonte o estudo do Código Penal Brasileiro, jurisprudências, doutrinas e trabalhos científicos. Contudo, a análise visa a compreensão aprofundada sobre o instituto da legítima defesa, contribuindo para o debate social e acadêmico sobre a defesa desse direito fundamental.
Palavras-chave: Legítima defesa; Direito Penal; Lei.
ABSTRACT
The present work aims to study and analyze the requirements, practical applications and limits for the configuration of self-defense, which excludes illegality and can be used when the offended individual uses moderately the necessary means to repel the unjust aggression committed against himself or another, when the State is unable to protect the physical integrity of the citizen. This research seeks to understand how far this right extends and what its legal and social implications are, using as a source the study of the Brazilian Penal Code, case law, doctrines and scientific works. However, the analysis aims at an in-depth understanding of the institute of self-defense, contributing to the social and academic debate on the defense of this fundamental right.
Keywords: Self-defense; Criminal Law; Law.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa visa em sua matéria analisar as nuances da legítima defesa e proporcionar a compreensão de sua evolução social e jurídica, assim, destacando a importância da discussão atual sobre os requisitos, limites, modalidades e aplicações práticas, buscando compreender até onde esse direito se estende e mostrando a sua imprescindível concepção do direito penal.
A princípio, no Capítulo 1, será enfatizado o contexto histórico da legítima defesa, trazendo consigo o estudo dos antigos livros, a implementação e a regulamentação de tal instituto, visando compreender a iniciação do seu regimento até suas disposições atuais.
Diante da necessidade da conceituação de crime, será abordado o conceito jurídico de crime em seus três tipos de definições, esclarecendo a violação do bem jurídico, analisando a teoria tripartite do crime e objetivando o comportamento descrito em lei. Ademais, será analisado o significado de ilicitude e sua excludente, se ramificando no entendimento do estado de necessidade e do estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Em seguida, haverá a discussão da ideia da legítima defesa, com o intuito de diferenciá-la de atos de violência considerados crime, sendo abordados os requisitos essenciais para sua caracterização, como a moderação e meios necessários, sendo necessário a proporcionalidade, a agressão injusta e seu entendimento e a obrigatoriedade da agressão ser atual ou iminente para que haja a configuração da legítima defesa.
Posteriormente, serão analisadas as diferentes modalidades de legítima defesa reconhecidas pelo ordenamento jurídico, implicando na explicação e nas características da legítima defesa protetiva, visando abordar o instituto jurídico que a define, a legítima defesa sucessiva, dispondo de suas condições para tal caracterização, bem como, a legítima defesa putativa, tema este controverso para os tribunais superiores.
Além disso, também serão apresentados casos concretos de acontecimentos em que houve a disposição das diferentes formas da legítima defesa, assim, cada subitem tratará de um caso específico, analisando os detalhes, a fundamentação jurídica e o julgamento de cada ocorrido e suas repercussões, buscando a compreensão de tais modalidades e sua aplicações práticas.
Por fim, será feito o apanhado de todo o estudo, explicando a importância do instituto da legítima defesa no Código Penal, destacando a sua relevância, uma vez que a legítima defesa é explicada e analisada de forma objetiva, trazendo consigo o contexto histórico, a caracterização de crime, os requisitos de legítima defesa, suas modalidades e conteúdos práticos, como também, o estudo de doutrinas, jurisprudências, legislação brasileira, fontes de pesquisas digitais, livros, dentre outros artigos científicos.
1. CONTEXTO HISTÓRICO
O Livro V das Ordenações Filipinas representa um marco importante para o direito penal no Brasil, caracterizando um conjunto de leis que regeram o Brasil Colônia, determinando a regulamentação da legítima defesa em casos de homicídio, assim, em seu Livro Quinto, título XXXV, dispõe que:
“Qualquer pessoa, que matar outra, ou mandar matar, morra por ello morte natural. Porém se a morte for em sua necessária defesa, não haverá pena alguma, salvo se nela excedeu a temperança, que deverão ter, porque então será punido segundo a qualidade do excesso”.
Logo após, no período imperial, o Código Criminal de 1830 foi implementado, caracterizando a legítima defesa e os requisitos excludentes de ilicitude. Em seu Art. 14 e respectivos parágrafos, o crime justificável não teria punição quando feito para evitar mal maior e quando for em defesa própria, de seus direitos, da defesa da família do agressor e em defesa de terceira pessoa, devendo preencher os requisitos descritos em tal artigo, sendo eles:
“Para que o crime seja justificável neste caso, deverão intervir conjuntamente a favor do delinquente os seguintes requisitos: 1º Certeza do mal, que se propôs evitar: 2º Que este fosse maior, ou pelo menos igual ao que se causou: 3º Falta absoluta de outro meio menos prejudicial: 4º Probabilidade da efficacia do que se empregou”.
Posteriormente, o Código Criminal da República, vigente a partir de 1890, estipulava os mesmos requisitos do Código de 1830. Como também, o Código Penal de 1940, porém, dispõe sobre a legítima defesa em seus artigos 20 e 21, o art. 21 em seu parágrafo único traz apenas a questão sobre o excesso culposo.
Ademais, a delimitação de legítima defesa atual é dada pela Lei nº 7.209 de 1984, assim, a atual pesquisa preceitua o instituto jurídico penal previsto no Art. 25 do Código Penal Brasileiro, sendo amplamente debatido de forma rica e com diferentes formas, abrangendo aspectos jurídicos e sociais. O artigo supracitado dispõe que:
“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.”
A legítima defesa é considerada um direito natural do ser humano, derivado do instinto de sobrevivência que nasce com ele (MASSON, 2011, p. 397), sendo portanto a permissão que o indivíduo tem de usar a força em casos de necessidade, para proteger a si mesmo ou um terceiro de outrem no exato momento em que empreenda ameaça de forma injusta. Portanto, havendo risco iminente, o indivíduo poderá se defender proporcionalmente ao ato enfrentado, ressaltando-se que é vedado o excesso na utilização deste instrumento.
Outro aspecto importante referente a legítima defesa, é sua capacidade de excluir a ilicitude do fato, desconfigurando o caráter criminoso da ação, consoante o artigo 23 do Código Penal, que expressa:
“Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.
Destarte, não há de se falar em crime se alguém comete uma agressão contra agente que venha a ferir algum direito seu, visto que, existem situações em que não será possível solicitar defesa por parte do Estado, apesar de esta ser a sua função, tendo o agente como única solução a utilização dos meios necessários para se proteger de agressão injusta.
Desse modo, a diferenciação de legítima defesa e violência é essencial para a garantia dos direitos dos cidadãos, considerando ser a legítima defesa ato excludente de ilicitude, enquanto a violência é ato ilícito. Assim, as doutrinas e jurisprudências oferecem diversas interpretações sobre a legítima defesa. Como exemplo, os tribunais superiores consolidam entendimentos para limitar a aplicação do instituto, mas alguns outros tribunais visam a importância da análise de cada caso e as condições emocionais daquele que praticou o ato.
2. CONCEITO DE CRIME
A Lei de Introdução ao Código Penal e da Lei de Contravenções Penais traz o conceito de crime em seu Art. 1, in verbis:
“Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.
Para além da norma, a doutrina também definirá crime a partir de três critérios, quais sejam, o legal, material e analítico.
Assim, pelo critério legal, crime é todo ato proibido por lei que tem como consequência a punição, é todo feito praticado por algum indivíduo que viole o direito descrito no ordenamento jurídico, diferenciando-se das contravenções penais quanto à gravidade das sanções aplicáveis, a depender dos valores do legislador (MASSON, 2011, p. 171).
Por outro lado, conceito material tem como origem a consumação do crime, ou seja, a ação ou omissão que resulta em dano ou prejuízo ao bem jurídico protegido, salientando-se que o ato só poderá ser considerado criminoso se houver relevância jurídica, zelando assim, pelo fator de legitimação, que rege a esfera penal. Sobre este critério, expressa Cleber Masson (2011. p. 170):
“Com efeito, esse conceito de crime serve como fator de legitimação do Direito Penal em um Estado Democrático de Direito. O mero atendimento do princípio da reserva legal se mostra insuficiente. Não basta uma lei para qualquer conduta ser considerada penalmente ilícita. Imagine um tipo pena com o seguinte conteúdo: “Sorrir por mais de 10 minutos, ininterruptamente. Pena: reclusão, de 2 a 8 anos, e multa”. Nesta situação, o princípio da reserva legal ou estrita legalidade seria obedecido. Contudo, somente se legitima o crime quando a conduta proibida apresentar relevância jurídico-penal, mediante a provocação de dano ou ao menos exposição à situação de perigo em relação a bens jurídicos penalmente relevantes.”
Ademais, há o conceito analítico de crime, que desenvolve uma estrutura para sua classificação, formada pelo fato típico, ilícito e culpável, onde existirá uma conduta proibida, contrária ao direito e passível de reprovação social, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude, exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito (Nucci, 2014, p. 138).
A tipicidade está relacionada a descrição da ação ou omissão na lei, entretanto, cabe dizer que existirão condutas atípicas, isto é, não previstas em dispositivos penais, que serão classificadas como contravenções, com legislação própria a ser aplicada, bem como, menor gravidade em comparação ao crime.
Já a ilicitude estará presente em todo ato praticado em desconformidade com a lei de forma injustificada, havendo possibilidade de um fato típico não ser considerado crime em virtude de ter sido praticado sob algum motivo que exclui a ilicitude deste.
Contudo, a culpabilidade é um requisito subjetivo, baseado na intenção do agente, ou seja, na pretensão (dolo) ou na falta dela (culpa) no momento do crime ou contravenção penal. Portanto, é a junção da imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
Em síntese, é possível perceber que o Código Penal Brasileiro tem inclinação ao critério analítico e observará a norma e a capacidade de violação ao bem jurídico do ato para caracterizar a conduta delitiva, sempre em conformidade com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito.
3. EXCLUDENTE DE ILICITUDE
Primeiramente, para construção do entendimento da referida excludente, deve-se começar a tecer o conceito de ilicitude, mencionado no artigo 23, do Código Penal Brasileiro. Nas palavras de Cleber Masson (2011, p. 365):
“Ilicitude é a contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.
O juízo de ilicitude é posterior e dependente do juízo de tipicidade, de forma que todo fato penalmente ilícito também é, necessariamente, típico.”
Entende-se, portanto, que se configura como ato ilícito todo aquele que gerar um resultado típico, ou seja, o dano ao bem jurídico (NUCCI, 2014, p. 201), pois conforme citado anteriormente, para existência de crime, a ilicitude e a tipicidade devem estar atreladas. Tendo isto em vista, é sabido que a ilicitude do fato é relativamente presumida, pois poderá ser excluída, caso haja provas de que a ação do agente foi contemplada por alguma das causas previstas em lei.
No sistema penal brasileiro, compreende-se o caráter objetivo da ilicitude, bastando a contrariedade com a norma e o fato típico resultante para caracterizar o crime ou contravenção penal, sendo esta apartada da culpabilidade, no que diz a aplicação de sanção.
Deste modo, a legítima defesa é uma causa genérica de excludente de ilicitude, pois está contida na parte geral do Código Penal, em seu artigo 23, inciso II. Absorve-se do dispositivo que, apesar da conduta do agente ser criminosa (típica), devido a ausência da contradição com as normas jurídicas, ocorre a perda de tal característica.
Por fim, vale ressaltar que o sistema processual penal vigente considera imprescindível que o elemento subjetivo se faça presente durante a ação para a configuração da legítima defesa, ou seja, é necessário que o agente tenha conhecimento de que sofre uma agressão injusta, bem como, de que está fazendo uso de sua força para contê-la. Sobre este aspecto, explica Aníbal Bruno:
Apesar do caráter objetivo da legítima defesa, é necessário que exista, em quem reage, a vontade de defender-se. O ato do agente deve ser um gesto de defesa, uma reação contra ato agressivo de outrem, e esse caráter de reação deve existir nos dois momentos da sua situação, o subjetivo e o objetivo. O gesto de quem defende precisa ser determinado pela consciência e vontade de defender-se.
3.1. Estado de Necessidade
O art. 24, do Código Penal dispõe sobre:
“Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.
Portanto, conclui-se como estado de necessidade aquele que pratica conduta diante de situação de perigo atual, que causado involuntariamente sem outros meios de evitar-se. Com isso, haverá o sacrifício de um bem jurídico para proteção própria ou de outrem. Assim, resta configurado tal dispositivo apenas se o agente agir com conhecimento da “salvação” de direito próprio ou de outrem, assim, não se aplicando a excludente se não houver o conhecimento.
Em hipótese, no ano de 2021, o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Joel Ilan Paciornik, revogou a prisão de uma moradora de rua que vivia em São Paulo, por furtar alimentos de mercado avaliados em R$21,69. Assim, para o relator o estado de necessidade em questão não alinha-se ao seguimento do inquérito policial. Contudo, o ministro ao trancar o inquérito policial alegou que “segundo a paciente, para saciar a fome, por estar desempregada e morando nas ruas há mais de dez anos” teria cometido tal conduta.
Outrossim, o indivíduo que quebra a janela de um carro para salvar um animal preso, e o agente que invade um imóvel particular que está em chamas, a fim de ajudar aqueles que estão dentro, também agem em estado de necessidade.
3.2. Em Estrito Cumprimento de Dever Legal ou no Exercício Regular de Direito
A excludente de ilicitude supracitada, prevista no artigo 23, inciso III, do Código Penal Brasileiro, trata-se do cometimento de um fato caracterizado como crime, decorrente de uma obrigação prevista por lei.
Neste caso, a infração penal surgirá em virtude da necessidade do agente ou funcionário garantir o cumprimento de seu dever, previamente estabelecido. Sendo assim, Cleber Masson (2011. p. 416) exemplifica:
Com efeito, na eximente em apreço a lei não determina apenas a faculdade, a escolha do agente em obedecer op não a regra por lei estabelecida. Há, na verdade, o dever legal de agir. É o caso, por exemplo, do cumprimento de mandado de busca domiciliar em que o morador ou quem o represente desobedeça à ordem de ingresso na residência, autorizando o arrombamento da porta e a entrada forçada (CPP, art. 245, § 2.°). Em decorrência do estrito cumprimento do dever legal, o funcionário público responsável pelo cumprimento da ordem judicial não responde pelo crime de dano, e sequer pela violação de domicílio.
Portanto, dever legal será qualquer tipo de ação, fruto direto ou indireto de lei (MASSON, 2011, p. 416) originária de órgãos da administração. Tal requisito é de grande importância para a caracterização do instituto, visto que, em caso de ordem de caráter específico, será caso de obediência hierárquica, a qual excluirá a culpabilidade do agente, não mais a ilicitude.
4. LEGÍTIMA DEFESA
Com fulcro no Art. 25 do Código Penal, entende-se por legítima defesa aquele que usa de meios necessários, moderadamente, repelindo agressão injusta, atual ou iminente contra si próprio ou de outrem. Destarte, a legítima defesa é uma excludente de ilicitude, assim, aquele que age em legítima defesa não comete crime. Assim, trata-se da proteção evidente de um bem jurídico indisponível.
Dessa forma, os conceitos doutrinários são importantes para um entendimento mais aprofundado do instituto do direito penal. Todavia, Fernando Capez então dispõe sobre à legítima defesa como:
“Causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há, aqui, uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa”.
Outrossim, tal prática não concede ao indivíduo “fazer justiça com as próprias mãos”, devendo se atentar ao exercício regular de direito de cada cidadão, as questões doutrinárias e as jurisprudências vigentes.
4.1. Requisitos
O art. 25 do Código Penal visa impor limitações para que seja configurada a legítima defesa, a fim de evitar excessos. Assim, para que um ato possa ser considerado legítima defesa, deve cumprir com alguns requisitos, sendo eles:
4.1.1. Moderação e Meio Necessários
A reação à agressão deverá ser moderada, empreendida de forma proporcional, não excedendo os limites adequados. Entretanto, caso este excesso venha a ocorrer, a situação deverá ser analisada individualmente, visando compreender a intenção do ofendido, observando-se se realmente havia a necessidade do meio imposto e a moderação em sua utilização, sendo analisado se o instrumento de defesa utilizado foi o de menor potencial ofensivo possível.
Ademais, a constituição da moderação deve ser analisada respeitando a particularidade de cada caso, não se devendo estabelecer uma quantidade exata para caracterizá-la, visto que existem circunstâncias em que a reação aparenta ser descomedida, quando na verdade foi a necessária para defesa do bem ofendido. Podemos citar como exemplo a Apelação Criminal julgada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA – HOMICÍDIO ( CP, ART. 121, CAPUT)- ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – LEGÍTIMA DEFESA – ACUSADO REPELE AMEAÇA E OFENSA INJUSTA DA VÍTIMA – SITUAÇÃO VIOLENTA E AMEDRONTADORA. RECURSO MINISTERIAL – AUSÊNCIA DE MODERAÇÃO – ACUSADO QUE DESFECHA DEZESSEIS GOLPES DE FACÃO NA VÍTIMA – VÍTIMA NÃO CESSA AMEAÇA, MESMO DEPOIS DE GOLPEADA VÁRIAS VEZES – EXCESSO NÃO CARACTERIZADO E, SE CONSIDERADO, ESCUSÁVEL ANTE O QUADRO FÁTICO – EXCESSO EXCULPANTE. Não se pode exigir de um cidadão comum que ele tenha contenção e calcule a intensidade da sua reação e delimite o início do excesso. Ademais, é perfeitamente compreensível a conduta do denunciado que, diante do momento amedrontador, efetua dezesseis facadas na vítima que, inclusive, consegue dar início à uma fuga. A reação à injusta agressão será típica, porém lícita, em razão da excludente de antijuridicidade denominada legítima defesa. Ao passo que o excesso decorrente desta, será típico e antijurídico, contudo não será culpável, pois a inexigibilidade de conduta diversa supralegal excluirá a reprovabilidade da conduta excessiva do agente. ALEGADA INTENÇÃO DO DENUNCIADO EM CEIFAR A VIDA DO OFENDIDO, POIS, EM PRIMEIRO MOMENTO, ACREDITA-SE SER O EX-MARIDO DE SUA MULHER – ERRO QUANTO A PESSOA – IRRELEVÂNCIA. Presentes simultaneamente os requisitos da excludente de antijuridicidade, o equívoco sobre a pessoa não pode descaracterizar o instituto da legítima defesa. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-SC – APR: XXXXX20128240024 Fraiburgo XXXXX-57.2012.8.24.0024, Relator: Getúlio Corrêa, Data de Julgamento: 14/03/2017, Segunda Câmara Criminal).
Já os meios utilizados para casos de legítima defesa referem-se aos atos e instrumentos utilizados pelo indivíduo para se proteger a si mesmo ou outrem de uma agressão injusta. Assim, a reação deve se adequar a proporcionalidade da agressão. Isso significa dizer que se alguém está sendo agredido com chutes, a resposta proporcional para essa agressão seria a força física de chutes ou equivalente.
Entretanto, deve-se considerar o estado emocional do indivíduo no momento da reação, pois nem sempre será possível para o ofendido calcular a intensidade do exercício da defesa. Sobre este aspecto, expõe Mirabete e Fabrinni (2007.p. 81):
“A legítima defesa, porém, é uma reação humana e não se pode medi-la com um transferidor, milimetricamente, quanto à proporcionalidade de defesa ao ataque sofrido pelo sujeito. Aquele que se defende não pode racionar friamente e pesar com perfeito e incomensurável critério essa proporcionalidade, pois no estado emocional em que se encontra não pode dispor de reflexão precisa para exercer sua defesa em equipolência completa com a agressão.”
Por fim, salienta-se que o estudo de cada caso individual é fundamental para determinação de tal instituto, evitando o excesso e garantindo a proteção efetiva, de acordo com os limites legais previstos em lei, sendo estes meios de defesa, necessários.
4.1.2. Agressão Injusta:
A defesa deve ser contra uma conduta que ameaça os direitos do indivíduo, conduta esta, ilícita. Tal agressão é caracterizada como uma ação, ou até mesmo uma omissão contrária à lei, não necessariamente criminosa, capaz de causar dano a alguém, independente do juízo de valor do autor. Sendo assim, se este oferecer risco a outra pessoa, poderá o ofendido retribuir o ato.
Sobre a identificação da agressão injusta, exemplifica Guilherme Nucci (2016):
Portanto, a agressão injusta nada mais é do que a agressão ilícita, vale dizer, contrária ao ordenamento jurídico. Ilustrando, o oficial de justiça que, cumprindo um mandado judicial, pretende promover a reintegração de posse de certa área, acaba por efetivar uma agressão contra os ocupantes, que podem ser movidos dali, inclusive, se necessário, com violência. Porém, trata-se de agressão lícita, logo, justa, para fins de legítima defesa. Não podem os ocupantes reagir, licitamente, contra o oficial. Qualquer repulsa contra o funcionário público, que cumpre seu dever, constitui infração penal.
Além disso, não caberá o direito em casos de mera provocação ou motivo banal, ou seja, não será legítimo o ataque em resposta a uma briga, insultos, duelos, entre outros, mesmo sob alegação de defesa da honra.
Ainda, importa dizer que na hipótese de um ofensor se defender da resposta do ofendido à sua agressão inicial, não será o primeiro vítima de uma agressão injusta. Em síntese, não existirá legítima defesa contra legítima defesa. Portanto, somente será recíproca a legítima defesa em sua modalidade putativa, a qual será mencionada posteriormente.
4.1.3. Agressão Atual ou Iminente:
Para que a legítima defesa seja caracterizada, é fundamental que haja a agressão atual ou iminente, não podendo agir em defesa contra agressões passadas ou futuras. Assim, se dá por atual a agressão que não foi concluída, e por iminente aquele que está prestes a acontecer, de qualquer forma, ambos os casos só poderão ocorrer de forma imediata à agressão. De acordo com essa questão Nelson Hungria (1978, p. 286) dispõe:
“Não é assim admissível a legítima defesa de uma agressão que já cessou, ou contra agressão futura, ou contra uma simples ameaça desacompanhada de um perigo concreto e imediato”
Contudo, o instituto da legítima defesa tem como objetivo a proteção de direito da pessoa humana, não compactuando com a vingança contra o indivíduo ou com o medo da agressão. Portanto, a legítima defesa perderá seu caráter de excludente de ilicitude quando empregada em desfavor de uma agressão futura.
Em suma, além dos requisitos objetivos listados acima, que são indispensáveis para garantir a configuração da legítima defesa, se faz necessário o estudo das jurisprudências e dos casos práticos essenciais para a aplicação deste instituto.
4.2. Excesso Punível
Consiste quando o agente extrapola os limites de proteção de seu direito, assim, segundo o parágrafo único do Art. 23 do Código Penal, o agente poderá responder pelo excesso doloso ou culposo. No excesso doloso o agente age consciente da prática do excesso, de forma voluntária, visando o excedente. Por outro lado, no excesso culposo o resultado se dá por imprudência, negligência ou imperícia.
A esse respeito, a título exemplificativo, é imperativo frisar o que as jurisprudências de diferentes tribunais informam sobre esse caso em questão:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – LESÃO CORPORAL GRAVE – AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS – PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELAS PROVAS – LAUDO PERICIAL CONTUNDENTE – EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA CONFIGURADO – PEDIDO ABSOLUTÓRIO RECHAÇADO. Inexiste legítima defesa quando o autor do crime e a vítima afirmam peremptoriamente que as agressões foram iniciadas de forma mútua, mas em determinado momento o réu vale-se de meio desproporcional para repelir a agressão sofrida. (0013472-93.2016.8.13.0382, 7ª CÂMARA CRIMINAL, Relator SÁLVIO CHAVES, juntado em 24/09/2024).
Ainda, vejamos o que o Supremo Tribunal Federal atualmente dispõe sobre o excesso doloso e culposo:
EMENTA: HABEAS CORPUS. JÚRI. QUESITOS. LEGÍTIMA DEFESA. USO DOS MEIOS NECESSÁRIOS. MODERAÇÃO. EXCESSO. Ao negarem os jurados a utilização dos meios necessários na repulsa à agressão injusta, não havia necessidade de se indagar sobre o quesito seguinte relativo à moderação, que ficou automaticamente prejudicado. É indispensável, em face da regra estatuída no parágrafo único do art. 23 do Código Penal, verificar primeiramente se o excesso foi doloso, e somente excluída a caracterização deste, torna-se imprescindível observar se não foi ele de caráter culposo. Inexiste razão jurídica para se afirmar que a indagação deste deve preceder à daquele. Habeas corpus indeferido.(HC 73574, Relator(a): ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 21-05-1996, DJ 01-07-1996 PP-23863 EMENT VOL-01834-10 PP-02184, juntado em 28/09/2024).
Desse modo, a jurisprudência atual do STF visa ser necessário primeiramente verificar se há o excesso doloso, aquele que o agente age voluntariamente visando o resultado, e somente após essa exclusão, se torna viável analisar se há o excesso culposo, tal qual ocorre quando o indivíduo age sem intenção, não assumindo o resultado.
5. MODALIDADES DE LEGÍTIMA DEFESA
5.1. Legítima Defesa Protetiva
A Lei Federal n° 13.964/19, mais conhecida como Pacote Anticrime, “aperfeiçoa” o código penal, trazendo consigo o parágrafo único do art. 25, que também considera legítima defesa “o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”.
Deste modo, a presente norma irá legitimar expressamente a ação dos agentes de segurança contra as agressões e riscos sofridos pela população. Podemos considerar que a jurisprudência abaixo trata de um caso de legítima defesa protetiva:
APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA ACUSAÇÃO. DUPLO HOMICÍDIO COMETIDO POR POLICIAL MILITAR CONTRA CIVIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. DOLO EXISTENTE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA COM ABERRATIO ICTUS SEGUIDA DE LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO. COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Tratando-se de crime doloso contra a vida de civil, praticado por militar, o julgamento da causa escapa da competência da Justiça Castrense, incumbindo à Justiça Criminal Comum, por meio da vara do Tribunal do Júri do local onde o crime foi praticado. 2. Nos termos do art. 415, inciso IV, do Código de Processo Penal, o juiz deverá absolvê-lo, desde logo, quando demonstrada causa de exclusão do crime – a exemplo da legítima defesa, a qual elide a antijuridicidade do delito. 3. Entretanto, essa absolvição sumária, quando fundada na legítima defesa, somente é possível de ser decretada se a indigitada excludente restar comprovada nos autos de forma clara, inconteste, sendo estreme de dúvidas, situação ocorrida na hipótese dos autos. 4. In casu, do acurado exame da prova testemunhal colhida no judicium accusationis, ressoa inquestionável que o réu, no exercício de sua função de policial militar, utilizou, moderadamente, dos meios necessários tanto para repelir os disparos efetuados contra si por um criminoso, quanto para salvaguardar a vida de terceiro, posteriormente feito de refém durante a perseguição. 5. O fato do acusado, para proteger sua vida, ter atingido com um disparo uma jovem inocente, caracteriza hipótese de aberratio ictus, não afastando a excludente de ilicitude da legítima defesa, por força do art. 73 do Código Penal. 6. Em relação ao infrator que veio a óbito, indubitável que a conduta do policial militar se revelou como o único meio eficaz para fazer cessar o iminente risco à incolumidade da vítima mantida como refém na ocasião. (TJ-AM – APL: XXXXX20148040001 AM XXXXX-25.2014.8.04.0001, Relator: Jomar Ricardo Saunders Fernandes, Data de Julgamento: 03/09/2018, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 03/09/2018).
Entende-se, portanto, que o exercício da função policial estará diretamente ligada a esta modalidade.
5.2. Legítima Defesa Sucessiva
Dispõe quando o agressor inicial passa a ser agredido pela vítima, que reage de maneira desproporcional. Assim, ocorre a sucessão do direito, que antes era apenas do primeiro ofendido. Sobre o tópico, detalha a seguinte jurisprudência:
APELAÇAO CRIMINAL – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14, DA LEI 10.826/03)- MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – ARMA DE FOGO APREENDIDA NO VEÍCULO DO APELANTE – PROVA TESTEMUNHAL UNÍSSONA – ABSOLVIÇÃO – INVIABILIDADE – RECURSO DESPROVIDO – DISPARO DE ARMA DE FOGO (ART. 15, DA LEI 10.826/03)- MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA – APELANTE QUE INICIOU AS AGRESSÕES – EXCESSO POR PARTE DAS VÍTIMAS – POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA SUCESSIVA, INCLUSIVE CONTRA MULTIDÃO – ABSOLVIÇÃO NECESSÁRIA – RECURSO PROVIDO. 1. Se resta comprovada nos autos a efetiva potencialidade lesiva da arma de fogo apreendida e encontrando-se esta dentro do veículo do apelante, fato este devidamente comprovado pela prova oral coligida, revela-se correta a condenação pelo delito previsto no art. 14, da Lei 10.826/03.2. Não obstante o apelante Gilmar tenha iniciado as agressões, o fato das vítimas iniciais terem se excedido em sua legítima defesa, tornou possível a prática da legítima defesa sucessiva daquele. De fato, a legítima defesa sucessiva pode ser reconhecida quando aquele que repele agressão injusta se excede fazendo surgir para o agressor inicial o direito de defender-se do excesso, eis que este passa a agir imbuído do animus defendendi (dolo de defender-se).3. É plenamente admissível pela doutrina nacional a legítima defesa contra a multidão, pois o que se reclama é apenas uma agressão injusta, proveniente de seres humanos, pouco interessando sejam eles individualizados ou não.3. Recurso interposto pelo apelante David Mattiuzzi a que se nega provimento e recurso formulado pelo apelante Gilmar Rocha Lyra a que se dá provimento, a fim de absolvê-lo da prática do delito previsto no art. 15, da Lei 10.826/03, nos termos do art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.(TJES, Classe: Apelação Criminal, 22070011022, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA – Relator Substituto : HELOISA CARIELLO, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 01/02/2012, Data da Publicação no Diário: 10/02/2012).
Por certo, entende-se como legítima defesa sucessiva quando a proteção não se limita ao momento do ataque imediato. Bem como, se o indivíduo estiver sendo agredido, e após a agressão, o agressor se afastar, mas mesmo distante, começar a o ameaçar de fazer novo ataque, a vítima terá o direito de se defender, considerando a continuidade da agressão.
5.3. Legítima Defesa Putativa
A legítima defesa putativa ocorre quando o cidadão acredita estar em situação de injusta agressão, sendo contra si próprio ou a outrem que somente existe em sua subjetividade. Podemos citar como exemplo hipotético, o caso onde uma senhora está na rua voltando para a sua casa, e vê um indivíduo se aproximando e colocando a mão em seu bolso, acreditando na ameaça, a senhora usa um spray de pimenta contra o indivíduo, que na verdade iria buscar o seu celular em seu bolso para verificar as horas, não pretendendo atacá-la.
A hipótese de perigo era imaginária, contudo, as circunstâncias que a levaram ao erro se tornam justificáveis, uma vez que há a crença honesta de imaginação de ameaça, mesmo que errônea. Deste modo, o art. 20 do Código Penal, em seu parágrafo 1º, dispõe sobre a legítima defesa putativa, assim, aquele que pratica tal ato sob a crença honesta será isento de pena, como visa:
“§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”.
Logo, trata-se de um tema controverso para os tribunais superiores, uma vez que os magistrados entendem que a alegação de legítima defesa putativa pressupõe de provas anteriores de atuação de injusta agressão da vítima, que de fato induz o requerente ao erro. Nesse sentido, não havendo provas que justifiquem o erro, o requerente não poderá dispor de tal instituto jurídico.
6. CASOS PRÁTICOS
6.1. Caso 1 – Legítima Defesa no Estrito Cumprimento do Dever Legal
No dia 28 de novembro de 2019, durante uma abordagem policial, o PM André Barroso efetuou dois disparos de arma de fogo contra Ringri Pires Alves, quando pretendia atingir Luiz Augusto Rodrigues, que estava armado na ocasião. Ocorre que, ambos estavam conversando, quando em dado momento, Ringri, visivelmente embriagado, apontou uma arma em direção a guarnição.
O recurso em sentido estrito foi interposto após recebimento de denúncia do Ministério Público em desfavor do policial (Processo nº 0735510-63.2020.8.07.0001), sendo provido pela 2ª Turma Criminal do TJDFT, após a Procuradoria de Justiça opinar por tal, o que resultou na absolvição sumária do réu, em razão da ocorrência da legítima defesa em estrito cumprimento do dever legal, visto que, ao se deparar com uma ameaça real, reagiu de maneira proporcional à situação, com o intuito de proteger sua equipe.
O conjunto probatório coletado durante a fase judicial gerou o entendimento de que a postura adotada por André não se originou do vazio, visto que foi registrado através de vídeos, posteriormente degravados, diálogos de Ringri Pires com a equipe policial, em que o mesmo, ao ser questionado do motivo pelo qual apontava uma arma para a viatura, se desculpa diversas vezes. Restando comprovada então a iminência do perigo.
Ademais, conforme consignado no Acórdão 1438266, um tiro foi disparado na região abdominal do agressor, o qual é plenamente justificável diante da rendição demorada do indivíduo ora armado, ficando demonstrada proporcionalidade na utilização dos meios adequados.
Sendo assim, nos moldes do artigo 415, inciso IV, do Código de Processo Penal, houve situação de exclusão de crime.
6.2. Caso 2 – Excedente de Legítima Defesa
O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios ofereceu denúncia (Processo nº 0716417-51.2019.8.07.0001) contra Oziel Carneiro da Silva, sob a alegação que “Na noite do dia 10 de junho de 2018 (domingo), no período compreendido entre 20h e 22h, na SCIA Quadra 10, Conjunto 2, Lote 6, Antigo Posto Ipiranga, próximo à AMBEV, Estrutural/DF, o denunciado, de modo livre e consciente, excedeu-se na utilização dos meios de defesa e, com vontade de matar, desferiu múltiplos golpes de faca em Francisco Pereira dos Santos, o qual veio a óbito em decorrência da ação delitiva (…)”.
Apurou-se, de acordo com o caso narrado, que a vítima, Francisco, havia procurado Oziel e sua ex-companheira os ameaçando com um pedaço de madeira, ocasião em que Francisco e Oziel entraram em luta corporal, que posteriormente foram separados por terceiros. Após algum tempo, Francisco retornou à residência do casal, e arremessou uma barra de ferro contra Oziel, que foi atingido, e avançou contra a vítima já desarmada, desferindo inúmeros golpes de faca, resultando na morte de Francisco.
Logo, em matéria de direito, o Conselho de Sentença fundamentou-se na tese de que o acusado estaria agindo em legítima defesa. Portanto, os jurados entenderam que, tratando-se de múltiplos golpes de faca desferidos contra a vítima, já desarmada, haveria a caracterização de excesso da legítima defesa.
No plenário, em 24 de março de 2022, os jurados do Tribunal do Júri de Brasília condenaram o réu pelo crime de homicídio, ocorrido em 2018, contra Francisco Pereira dos Santos, uma vez que fora demonstrado o excesso doloso, visto a quantidade de golpes em desfavor da vítima, como, a prática de tal ato de forma consciente e intencional. Contudo, é importante relembrar que o excedente da legítima defesa se caracteriza quando o agente ultrapassa os limites de proteção de seu direito, não configurando o instituto da legítima defesa.
CONCLUSÃO
Após o encerramento da presente pesquisa, constatou-se que o entendimento da legítima defesa é imprescindível para descaracterizar como crime fatos típicos cometidos por pessoas em um momento de desamparo, desvinculando-a da figura de um real autor de delito, ressaltando ainda a importância de analisar o contexto fático em que uma agressão foi utilizada para impedir outra, visto que por muitas vezes os meios são considerados excessivos, quando na verdade eram os necessários e os disponíveis na ocasião.
Sendo assim, iniciar o estudo destrinchando o conceito de crime se mostrou necessário para a plena observância do Código Penal Brasileiro atual, que traz consigo o critério analítico, visando à norma e violação do bem jurídico para caracterização de tal conduta criminosa. Para que assim, possamos identificar quando tal conduta é delitiva ou excludente de ilicitude.
Dessa forma, ressalta-se a importância do entendimento mais aprofundado do instituto da legítima defesa, uma vez que se faz necessária a análise dos requisitos que a percorrem. Essa análise exige um exame das circunstâncias que a permeiam, considerando a moderação, os meios utilizados, a agressão injusta, atual ou iminente, e suas modalidades, levando em consideração seus limites e o estudo de situações reais com a incidência ou não da excludente de ilicitude ora trabalhada, onde fora possível verificar o trâmite processual de cada uma delas e como ocorreu a investigação dos fatos, para que no fim restasse comprovada a configuração da legítima defesa.
Diante do exposto, para o enriquecimento da pesquisa e de sua reflexão, houve o estudo da legislação brasileira em sua origem, jurisprudências relevantes, notícias atuais e doutrinas. Assim, a compreensão dessa norma objetiva a proteção dos direitos dos cidadãos, de forma individual ou conjunta, promovendo o melhor entendimento do regulamento que rege o direito penal, inclusive no que se refere às demais excludentes de ilicitude.
Conclui-se, portanto, que a compreensão do tema somado ao exame de casos práticos realizado neste trabalho possibilitou a resolução de algumas controvérsias que envolvem a legítima defesa, ficando clara a relevância deste artigo.
REFERÊNCIAS
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MOURA, Thiago Ferreira. Legítima Defesa: Direito e Excesso de Legítima Defesa de Acordo com o Código Penal Brasileiro. São Paulo, 2021.
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JÚRI de Brasília condena réu que excedeu na legítima defesa, TJDFT, Brasília/DF, 24 mar 2022, Disponível em: Júri de Brasília condena réu que excedeu na legítima defesa — Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (tjdft.jus.br). Acesso em: 15 set. 2024.
NUCCI, Guilherme de Souza. A complexa análise da agressão injusta na legítima defesa. Blog Grupo Gen, 2016. Disponível em: https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/penal/a-complexa-analise-da-agressao-injusta-na-legitima-defesa/. Acesso em: 03 out. 2024.
MINISTRO tranca inquérito e manda soltar moradora de rua que furtou alimentos avaliados em R$21,69. Superior Tribunal de Justiça. 13 out. 2021. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13102021-Ministro-tranca-inquerito-e-manda-soltar-moradora-de-rua-que-furtou-alimentos-avaliados-em-R–21-69.aspx. Acesso em: 28 out. 2024.
MIRABETE, Júlio Fabrinni. FABRINNI, Renato. Manual de Direito Penal: Parte Geral, 24ª ed., São Paulo, Atlas, 2014.
1Acadêmica do 10º Período de Direito da Universidade Potiguar. E-mail: heloisaoliveira0918@gmail.com
2Acadêmica do 10º Período de Direito da Universidade Potiguar. E-mail: ceciliacarlos12@outlook.com
3Bacharel em Direito, Especialista em Processo Penal, Especialista em Segurança Pública e Atividade Policial e Escrivã da Polícia Civil