REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7981499
Paula Rayanne Silvério De Oliveira1
Ana Paula Veloso de Assis Sousa2
RESUMO
O objetivo deste estudo foi informar sobre o procedimento da laqueadura no Brasil perante a autonomia reprodutiva da mulher no procedimento de esterilização voluntária sem que seja necessária a autorização do cônjuge. Portanto, no dia 10 de agosto de 2022, um marco histórico para os direitos das mulheres foi alcançado no Brasil. O plenário assumiu o Projeto de Lei 1941/2022, que posteriormente foi sancionado como Lei 14.443/2022, acolhendo a idade mínima de 21 anos para a realização da laqueadura tubária. Essa importante conquista representa um avanço significativo no reconhecimento e garantia da autonomia reprodutiva da mulher, assegurando-lhe o direito de tomar decisões sobre seu próprio corpo e planejamento familiar. A autonomia reprodutiva é um direito fundamental que possibilita às mulheres o exercício pleno de sua cidadania e o desenvolvimento de sua personalidade. A metodologia empregada para este estudo foi a pesquisa bibliográfica e exploratória. Conclui-se que a Lei 14.443/2022 representa um avanço significativo na proteção dos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil. Ao reconhecer a importância da autonomia da mulher sobre seu próprio corpo, a legislação contribui para o fortalecimento da igualdade de gênero e para a promoção da saúde sexual e reprodutiva.
Palavras-chave: Direitos reprodutivos. Esterilização voluntária. Laqueadura. Lei 14.443/2022.
ABSTRACT
The objective of this study was to provide information about the tubal ligation procedure in Brazil in view of the reproductive autonomy of women in the voluntary sterilization procedure without the need for the authorization of the spouse. Therefore, on August 10, 2022, a historic milestone for women’s rights was reached in Brazil. The plenary took over the Bill 1941/2022, which was later sanctioned as Law 14.443/2022, welcoming the minimum age of 21 years to perform tubal ligation. This important achievement represents a significant advance in the recognition and guarantee of women’s reproductive autonomy, assuring them the right to make decisions about their own body and family planning. Reproductive autonomy is a fundamental right that enables women to fully exercise their citizenship and develop their personality. The methodology used for this study was bibliographical and exploratory research. It is concluded that Law 14,443/2022 represents a significant advance in the protection of women’s reproductive rights in Brazil. By recognizing the importance of women’s autonomy over their own bodies, the legislation contributes to strengthening gender equality and promoting sexual and reproductive health.
Keywords: Reproductive rights. Voluntary sterilization. Tubal ligation. Law 14.443/2022.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho acadêmico aborda a temática da laqueadura e a ausência de liberdade da mulher com seu corpo. A laqueadura é um procedimento cirúrgico permanente de esterilização feminina, que consiste na compreensão das trompas de Falópio, impedindo a passagem dos óvulos para o útero. No entanto, essa prática tem sido alvo de debate em relação à autonomia e liberdade da mulher em tomar decisões sobre seu próprio corpo.
Neste contexto, surge o seguinte problema de pesquisa: Quais as consequências da intervenção estatal e seus limites com enfoque na autonomia reprodutiva da mulher no procedimento de esterilização voluntária e seu parecer em relação a Lei 14.443/2022 onde não é mais necessária a autorização do cônjuge?
O objetivo geral foi informar sobre o procedimento da laqueadura no Brasil perante a autonomia reprodutiva da mulher no procedimento de esterilização voluntária sem que seja necessária a autorização do cônjuge. Os objetivos específicos foram estudar os direitos sexuais e reprodutivos da mulher no âmbito dos direitos humanos; investigar a intervenção estatal nos corpos femininos e ausência de liberdade no procedimento de esterilização voluntária e analisar a laqueadura como direito reprodutivo no ordenamento jurídico brasileiro, referente a Lei 14.443/2022 e liberdade conjugal.
Esse tema foi escolhido pelo fato que em 10 de agosto de 2022 foi um dia histórico para os direitos das mulheres, o plenário aprovou a Lei que reduz a idade para laqueadura para 21 anos com o Projeto de Lei 1941/2022, que logo foi sancionada pela Lei 14.443/2022. Dessa forma, essas mudanças tem a capacidade de representar um maior acesso da mulher ao processo cirúrgico de esterilização voluntária, pois permite que as mulheres tomem decisões independentes a respeito dos seus corpos e suas próprias vidas. Os direitos reprodutivos, particularmente o direito à esterilização voluntária, têm sido amplamente estudados e esse privilégio é essencial e indissociável do conceito constitucionalmente reconhecido de dignidade da pessoa humana.
A metodologia empregada para este estudo foi a pesquisa bibliográfica e exploratória, com abordagem qualitativa. A análise foi realizada de forma criteriosa, examinando a legislação, a jurisprudência e as mudanças ocorridas em decorrência da Lei 1941/2022 no contexto do planejamento familiar e no direito da mulher.
2 DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DA MULHER NO ÂMBITO DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos reprodutivos consistem em princípios e normas de direitos humanos que garantem o comportamento sexual e a reprodução humana individual, livre e responsável. As discussões sobre direitos reprodutivos e sexuais no Brasil tiveram início nas décadas de 1970 e 1980, marcadas pela Ditadura Militar. No processo de redemocratização, essa discussão sempre esteve em diálogo com as reformas que estavam em amadurecimento, envolvendo o sistema de saúde, consagradas na Constituição Federal de 1988 (RODRIGUES, 2021).
Na visão de Ventura (2014) a relação entre a Igreja e o Estado permitiu por muito tempo proteger o alto crescimento relacionado à natalidade, entretanto com a crise econômica brasileira na década de 1980, diminuiu a proteção referente a esse crescimento. Na década de 1970, as reivindicações em relação aos direitos reprodutivos das mulheres eram focadas na autonomia corporal, controle da fecundidade e saúde reprodutiva (RODRGIUES, 2021)
Leão e Monte (2013) enfatizam que somente foi concedido às mulheres o direito de se submeterem voluntariamente à esterilização durante uma cesariana para que não tivessem filhos, no ano de 1996. Antes dessa disposição, a prática de esterilização era vista como crime de lesão corporal.
Tomazoni e Gomes (2015) relatam que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) foi criada no ano de 1979 e seguida pela Assembleia Geral da ONU. Segundo a doutrina, é analisada uma válida carta internacional dos direitos das mulheres. Um dos documentos internacionais mais importantes sobre os direitos das mulheres. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará, foi estabelecida em 1994 pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Sua importância é indiscutível, pois reconhece que as mulheres são vítimas de diferentes formas de violência e impedem o exercício dos direitos humanos.
2.1 Lei do planejamento familiar: origem e aspectos jurídicos
O Instituto de Planejamento Familiar surgiu quando países subdesenvolvidos realizaram pesquisas que examinaram que o aumento da miséria está inteiramente relacionado ao crescimento populacional, o que causa grandes efeitos econômicos na sociedade (SOUSA, 2022). No ano de 1983, foi instituído o programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, que representa um progresso do Poder Público no acordo com as teses reprodutivas, embora não abranja nenhuma responsabilidade masculina na regulação da fecundidade (DINIZ, 2014).
Destaca-se que o planejamento familiar de origem estatal tem caráter promocional, não coercitivo, pauta-se por medidas preventivas e educativas e garante igualdade de acesso às informações disponíveis, meios, metodologias e técnicas de regulação da fecundidade. O ordenamento jurídico brasileiro consagrou o planejamento familiar apenas no ano de 1988 por meio da Constituição Federal em seu artigo 226 § 7º, afirmando que é um direito fundamental assegurado pelo Estado e baseado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.Com relação à garantia de direitos prevista na Lei de Planejamento Familiar (BRASIL, 1996).
São diversas as atividades que são desenvolvidas pelo Estado por meio dos órgãos do Sistema Único de Saúde (SUS) ou por outras instituições públicas ou privadas, conforme estabelecido no artigo 6º da Lei 9.263/96. Dentre essas atividades, a regra legal exibe diretamente cinco:
I – auxiliar na concepção e contracepção; II – assistência pré-natal; III – assistência ao parto, puerpério e recém-nascido; IV – controle de doenças sexualmente transmissíveis; V – controle e a prevenção dos cânceres cérvico-uterino, de mama, de próstata e de pênis (BRASIL, 1996).
A Lei de Planejamento Familiar obviamente não os restringe por meio de algumas ações, pois são muitas, porém, a maioria do texto da norma legal não foi usada para solucionar esse problema, mas sim para o assunto da esterilização voluntária, que introduziu artigos, autorizações, proibições, crimes e punições neste ponto.
3 INTERVENÇÃO ESTATAL E AUSÊNCIA DE LIBERDADE NO PROCEDIMENTO DE ESTERILIZAÇÃO VOLUNTÁRIA
O Estado tem o dever de fornecer recursos educacionais e científicos necessários para que a população possa exercer esse direito. O SUS foi estabelecido para promover a saúde, incluindo a assistência ao planejamento familiar. Diversos artigos da Lei 9.236/96 destacam a participação do SUS, ressaltando o papel do Estado na promoção desse direito (COSTA, 2019).
O Estado possui responsabilidades tanto positivas quanto negativas em relação ao direito ao planejamento familiar. No âmbito positivo, é exigido do Estado ações que envolvam prestação de serviços, informação, acesso a métodos de planejamento, estruturas jurídicas e técnicas. Já na dimensão negativa, o Estado deve garantir a liberdade individual, incluindo as capacidades cognitivas e a capacidade de autodeterminação. O livre exercício dos direitos reprodutivos e sexuais deve ser garantido a todos os cidadãos (CANOTILHO; MOREIRA, 2017).
De acordo com Costa (2019, p. 48) entre as principais responsabilidades do Estado no planejamento familiar, destacam-se:
Garantir o acesso a informações e serviços de saúde sexual e reprodutiva, que incluem consultas médicas, exames ginecológicos, pré-natal, parto humanizado, assistência ao puerpério e outras atividades relacionadas à saúde materna e infantil. Disponibilizar métodos contraceptivos seguros, eficazes e acessíveis à população. Isso inclui distribuição gratuita ou a preços reduzidos de preservativos, pílulas anticoncepcionais, dispositivos intrauterinos, entre outros métodos, campanhas de conscientização sobre a importância do planejamento familiar.
Nesse contexto, o Princípio da Mínima Intervenção Estatal defende que, embora seja responsabilidade do Estado intervir nas relações familiares para garantir a proteção dos indivíduos, especialmente crianças e adolescentes, essa intervenção deve ser moderada, respeitando a vontade dos membros da família sem interferir na autonomia privada (BORGES, 2022). O direito de família é regulado por distintos princípios orientadores, tais como liberdade, privacidade, igualdade entre o companheiro, entre outros. Nesse sentido, em consonância com esses princípios, o papel do Estado é somente dar subsídio aos recursos imprescindíveis quando a família não tem capacidade de garantir o mínimo para assegurar a dignidade do indivíduo (MADALENO, 2016).
Assim, o Estado, visando sua própria sobrevivência, tem um interesse primordial em proteger a família, através de leis que garantam seu desenvolvimento e a preservação de seus elementos institucionais. Assim decorre a interferência, às vezes até excessiva, do Estado nas relações familiares. No entanto, alguns doutrinadores, segundo Teixeira et al (2022), discordam sobre essa interferência estatal, classificando-a como uma forma de regulamentação e não como uma violação ao princípio da não intervenção. Um exemplo disso é o controle da natalidade por meio de políticas públicas que fornecem informações e meios contraceptivos.
Contudo, a intervenção estatal na esterilização planejada pode assumir diversas formas, dependendo das políticas públicas adotadas em cada país. A esterilização voluntária é um procedimento que consiste em impedir a capacidade reprodutiva de forma permanente ou temporária, é feita por meio da laqueadura tubária para mulheres e vasectomia no caso de homens (MATTAR; DINIZ, 2018).
O Estado também pode desenvolver campanhas de conscientização sobre a esterilização voluntária e outros métodos contraceptivos, com o objetivo de informar as pessoas sobre as opções disponíveis e incentivar a tomada de decisão e responsável. Deste modo, algumas das principais consequências da intervenção estatal na esterilização voluntária são a redução da taxa de natalidade; impacto sobre a saúde reprodutiva; questões éticas e morais; acesso limitado aos serviços de saúde; impacto na saúde mental e perda de direitos reprodutivos (TEIXEIRA et al, 2022).
Tannuri e Hudler (2017) informam que cabe ao Estado uma atuação positiva, no sentido de possibilitar a todos os cidadãos o amplo acesso às informações e a todos os métodos contraceptivos lícitos (preservativos, laqueadura, vasectomia, etc) e conceptivos (tratamento para fertilidade, acompanhamento médico prévio à concepção); ainda, deverá atuar de forma negativa, abstendo-se de qualquer interferência no processo decisório dos homens e mulheres, pois a escolha dos indivíduos deve ser livre de qualquer forma de estímulo ou desestímulo estatal.
3.1 Esterilização voluntária: entendimento da doutrina e da jurisprudência
Do ponto de vista doutrinário, a esterilização voluntária é considerada um direito reprodutivo das pessoas, garantido pela Constituição Federal e pelas normas internacionais de direitos humanos. No Brasil, a esterilização voluntária é regulamentada pela Lei nº 9.263/1996 e pode ser realizada em pessoas maiores de 25 anos ou com pelo menos dois filhos vivos e que tenham manifestado sua vontade de forma livre e esclarecida. Além disso, é necessário que a pessoa tenha sido devidamente acompanhada sobre o procedimento e suas instruções, e que tenha assinado um termo de consentimento (CANOTILHO; MOREIRA, 2017).
Martins e Dantas (2020) divulgam que a jurisprudência tem permitido a realização da esterilização voluntária em casos de necessidade médica comprovada, como nos casos em que a gravidez representa um risco à saúde da pessoa ou em casos de doenças genéticas que podem ser transmitidas aos filhos. A seguir, Franze et al (2018) descrevem que a jurisprudência tem reconhecido a irreversibilidade da esterilização orientada e tem enfatizado a importância da informação adequada sobre as consequências do procedimento. Os tribunais também destacaram a importância da preservação da fertilidade em pessoas que ainda desejam ter filhos no futuro, entretanto, deve ser uma escolha bem pensada e alimentada.
De modo geral, entende-se que a esterilização voluntária é uma escolha pessoal e deve ser respeitada. Cabe aos indivíduos avaliar cuidadosamente seus desejos e necessidades reprodutivas, levando em consideração os valores religiosos, éticos e culturais que norteiam suas vidas.
4 A LAQUEADURA COMO DIREITO REPRODUTIVO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: LEI 14.443/2022 E LIBERDADE CONJUGAL
A laqueadura é um método de esterilização feminina que envolve um procedimento cirúrgico, no qual as tubas uterinas são cortadas e suas extremidades são amarradas, resultando na impossibilidade de encontro entre os óvulos e os espermatozoides. No entanto, apesar de ser um procedimento relativamente simples e seguro, a laqueadura ainda é alvo de discussões no âmbito do sistema jurídico brasileiro e encontra respaldo na Lei nº 9.263/96, que regulamenta o planejamento familiar no país, e penalidades do art. 226, §7° da Constituição Federal de 1998 (TEIXEIRA et al, 2022).
Por outro lado, Lima (2019) relata que a laqueadura é vista como um meio de promover a autonomia reprodutiva das mulheres, permitindo que elas planejem suas vidas de maneira consciente e responsável. É considerado um instrumento de empoderamento feminino, especialmente em contextos com acesso limitado a métodos contraceptivos. A laqueadura é oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), permitindo o acesso às mulheres de baixa renda. Para Franze e Loewen (2018) o tema da laqueadura envolve questões éticas, morais, legais e de direitos reprodutivos, e é essencial que o debate seja amplo e respeitoso, considerando diferentes perspectivas e garantindo o respeito aos direitos e à autonomia das mulheres.
4.1 Lei 14.443/2022
A Lei 14.443/2022, resultado do Projeto de Lei 1941/2022, entrou em vigor em 02 de setembro de 2022 e trouxe novas regulamentações para o planejamento familiar no Brasil. Conforme destacado por Alves et al (2022), a norma altera a Lei nº 9.263/96, estabelecendo prazos para o oferecimento de métodos e técnicas contraceptivas, bem como disciplinando as condições para a realização da esterilização.
Segundo Duarte e Roming (2023), a Lei 14.443/2022 diminui de 25 para 21 anos a idade mínima da mulher ou em qualquer idade, se tiver pelo menos dois filhos vivos para a realização da laqueadura e vasectomia para homens. A Lei dispensa o aval do cônjuge para realização de esterilização voluntária – laqueadura, independentemente do número de filhos e sem necessidade de período de reflexão. A medida visa garantir a autonomia das mulheres em relação às decisões reprodutivas.
Goulart e Ribeiro (2023), evidenciam que a atual lei permite que a cirurgia seja feita durante o período do parto. No entanto, a nova legislação estabeleceu um prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade da pessoa e a realização da esterilização, garantindo a gestante:
A Lei 14.443/2022 incluiu a idade mínima e dispensou o consentimento do ingresso para a realização da laqueadura, buscando facilitar o acesso à contracepção definitiva para homens e mulheres (BRASIL, 2022). Porém, Alves et al (2022) essa proposta tem gerado controvérsias, levantando preocupações sobre decisões impulsivas e irreversíveis sem a reflexão. A laqueadura é um direito garantido por lei, mas sua regulamentação visa proteger os direitos reprodutivos das mulheres, assegurando que a decisão seja tomada de forma consciente e livre de pressão externa. Conforme Goulart e Ribeiro (2023, p. 32), a esterilização somente pode ser realizada conforme já foi apresentado alguns dos requisitos anteriormente, quando preenchidos os seguintes requisitos:
- Maioridade civil ou emancipação;
- Acabou com a exigência do consentimento do conjunge para realização da laqueadura e vasectomia
- Livre e esclarecido, por escrito;
- Ser informado sobre os riscos, benefícios e consequências da esterilização, bem como sobre outras opções de contracepção;
- Período mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e a realização da esterilização;
- Avaliação médica para verificar as condições de saúde da pessoa;
- Comprovação da realização de dois filhos vivos, exceto em casos de contraindicação médica;
- Análise de equipe multidisciplinar composta por médico, psicólogo e assistente social.
Por conseguinte, o parecer favorável da equipe multidisciplinar deve ser fundamentado e emitido após avaliação individualizada, levando em consideração as condições clínicas, psicológicas e sociais da pessoa. Além disso, a lei prevê que a esterilização voluntária deve ser reversível, exceto nos casos em que há contraindicação médica (ALVES et al, 2022).
A lei tem como objetivo garantir que a esterilização voluntária seja realizada de forma segura e consciente, respeitando os direitos reprodutivos das pessoas. Em seguida, Alves et al (2022), informa que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece uma variedade de métodos contraceptivos gratuitos que podem ser adequados às necessidades de saúde reprodutiva de cada indivíduo. Além da laqueadura e vasectomia, o SUS disponibiliza o DIU, um método de longa duração, seguro e facilmente reversível. Assim, considera-se de extrema importância a informação sobre os métodos contraceptivos disponíveis, destacando a sua acessibilidade nas unidades de saúde (DOEDERLEIN, 2022). Além disso, a disponibilidade de métodos contraceptivos também está relacionada à redução da mortalidade materna, uma vez que a gravidez não adotada pode trazer riscos à saúde da mulher.
Assim, a importância da liberdade reprodutiva na sociedade conjugal está diretamente relacionada ao respeito e à autonomia dos indivíduos em suas decisões pessoais e familiares. Assim, Scherer e Mathias (2022) revelam que a liberdade reprodutiva na sociedade conjugal é essencial para o exercício pleno dos direitos humanos fundamentais, promovendo a saúde e o bem-estar dos indivíduos e de suas famílias. É fundamental que a legislação e as políticas públicas sejam atendidas com esse princípio, assegurando o acesso universal a informações e serviços de saúde reprodutiva de qualidade, bem como a garantia da liberdade de decisão e escolha dos íntimos sobre sua vida reprodutiva.
4.2 Esterilização nos tribunais brasileiro
A lei proíbe a realização do procedimento em pessoas incapazes de expressar sua vontade, como menores de idade e pessoas com deficiência mental. Nesses casos, é preciso comprovar que a esterilização é a melhor opção para proteger a saúde física ou mental da pessoa, ou ainda para evitar riscos à sua vida (TEIXEIRA et al, 2022). Os tribunais brasileiros têm se mostrado sensíveis às questões que envolvem a esterilização. Um caso que teve repercussão nacional, é apresentado pelo Jornal Estado de Minas Internacional (2018, p. 01):
Uma mulher brasileira chamada J.AQ, que era moradora de rua e sofria de dependência química, foi mantida em uma esterilização forçada após a ordem de um juiz em Mococa, no estado de São Paulo. O procedimento foi realizado sem o consentimento da mulher, causando indignação e preocupação no país. Após o caso ganhar publicidade, o juiz recuou de sua decisão, afirmando que a mulher havia expressado o desejo de fazer a laqueadura. O juiz alegou que a mulher vinha de um ambiente familiar marcado por dependência química dos pais, violência doméstica e dificuldades financeiras. Promotores afirmam que ela garantiu com a operação e alguns meios de comunicação divulgaram um formulário de consentimento assinado em 2015. Embora a decisão do juiz tenha sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, a esterilização já foi realizada,
Este caso é polêmico e levanta questões importantes sobre o direito das mulheres em decidir sobre seus corpos e o papel da justiça em intervir nessa decisão. A esterilização forçada é considerada uma violação dos direitos humanos. Mesmo que a mulher tenha assinado um formulário de consentimento, a falta de informações adequadas sobre o procedimento e as possíveis consequências podem ter influenciado sua decisão. Além disso, o fato da mulher ser dependente química e moradora de rua torna o caso ainda mais complicado, já que essas vulnerabilidades podem ter sido exploradas pela justiça. É importante que casos como esse sejam investigados e debatidos publicamente para que medidas sejam tomadas para garantir que os direitos das mulheres sejam respeitados e protegidos, independentemente de elas serem ou não moradoras de rua.
Em seguida, Bevervanço (2018, p. 12 -13) mostra um caso que ocorreu em 2013, referente a uma jovem absolutamente incapaz, portadora de doença psiquiátrica irreversível e interditada há cinco anos.
A família pediu autorização judicial para realizar um procedimento de esterilização. O juiz inicialmente negou o pedido, relatando ser desprovido. Mas após a família recorrer novamente, pedir socorro para que algo seja feito em seu benefício e esse reclamo não pode ser ignorado sob o argumento falacioso (com a devida vênia) de se estar resguardando a dignidade da incapaz. O juiz deu outro deferimento, concedendo a autorização com base na lei 9263/96, considerando a esterilização como a única opção viável de contracepção. O tribunal reconheceu a medida como extrema, mas visando evitar o nascimento de crianças destinadas ao abandono e negligência. A decisão foi unânime. (Apelação Cível Nº 70047036728, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/03/2012)
Percebe-se que nesse caso, a jovem incapaz com grave doença psiquiátrica é interditada, tendo seu procedimento de esterilização negado. Inicialmente, o juiz negou o pedido, mas após a família recorrer, o juiz concedeu a autorização com base na lei 9263/96, considerando a esterilização como a única alternativa possível e eficaz de contracepção. Mas, o tribunal acabou reconhecendo a necessidade e urgência do caso destacando ser uma medida extrema, porém tendo em vista evitar o nascimento de crianças destinadas ao abandono e negligência, sendo essa uma decisão unânime.
Esses casos mostram a complexidade das questões envolvendo a esterilização e a liberdade reprodutiva, especialmente quando se trata de pessoas incapazes de dar consentimento ou de grupos historicamente marginalizados. É importante que a decisão sobre a esterilização seja tomada de forma livre e consciente, garantindo sempre a autonomia da pessoa e o respeito aos seus direitos reprodutivos.
Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a esterilização de pessoas com deficiência não pode ser imposta, mas deve ser feita de forma voluntária e com base no consentimento livre e esclarecido do indivíduo (STJ, 2018). Já em 2020, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou a esterilização de uma mulher em situação de vulnerabilidade social, mas afirmou que o procedimento deveria ser realizado com o consentimento informado da paciente (TJSP, 2020).
A lei nº 14.443/2022 trouxe requisitos e diretrizes para a esterilização voluntária, destacando a importância do consentimento livre e esclarecido. É necessário que a pessoa interessada seja maior de idade ou tenha pelo menos dois filhos vivos, manifestando seu desejo por escrito com antecedência (BRASIL, 2022). Segundo Goulart e Pires (2023), os tribunais devem analisar cada caso convidado, levando em conta as particularidades do paciente e seguindo as normas protegidas pela lei. Profissionais de saúde e equipes multidisciplinares têm a responsabilidade de garantir que o procedimento seja realizado eticamente, respeitando os direitos reprodutivos e a autonomia das pessoas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A laqueadura, como procedimento de esterilização voluntária, sempre esteve relacionada à questão da liberdade da mulher em decidir sobre sua própria vida reprodutiva. Portanto, com a promulgação da Lei 14.443/2022, avanços importantes foram alcançados na garantia dos direitos reprodutivos das mulheres.
Por conseguinte, a intervenção estatal e sua relação com a liberdade no procedimento de esterilização voluntária, exerce um papel importante no planejamento familiar. As consequências da intervenção estatal na esterilização voluntária evidencia a importância de uma abordagem equilibrada, que respeite os direitos individuais e leve em consideração as circunstâncias específicas de cada caso.
Para tanto, ressalta-se que a laqueadura como um direito reprodutivo no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei 14.443/2022, estabeleceu critérios e requisitos de suma importância para a realização da esterilização voluntária, buscando garantir a segurança e a autonomia das mulheres nesse processo. É importante advertir que a liberdade conjugal também desempenha um papel relevante nesse contexto, permitindo que o casal tome decisões conjuntas sobre sua reprodução.
Conclui-se que a Lei 14.443/2022 representa um avanço significativo na proteção dos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil. Ao reconhecer a importância da autonomia da mulher sobre seu próprio corpo, a legislação contribui para o fortalecimento da igualdade de gênero e para a promoção da saúde sexual e reprodutiva. No entanto, é necessário continuar lutando por políticas e práticas que assegurem a plena liberdade da mulher em relação às suas decisões reprodutivas, visando construir uma sociedade mais justa e igualitária para todas as mulheres.
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1Graduanda no Curso de Direito pela Universidade Evangélica de Goiás – Campus Ceres-GO. E-mail:paularayanne494@gmail.com
2Docente do Curso de Direito pela Universidade Evangélica de Goiás – Campus Ceres-GO.