JURISPRUDÊNCIA DO STF SOBRE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7893155


Wladimir da Silva Nobre Formiga¹


Resumo

A definição da maioridade penal no Brasil está prevista na Constituição Federal, estabelecendo a idade de dezoito anos como limite para inimputabilidade, tratando-se de questão formalmente presente no Direito Constitucional brasileiro. Ocorre que na aplicação da legislação que prevê os atos infracionais praticados por menores de idade, deve se observar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto aos limites da atuação do Estado em executar as medidas socioeducativas. Nesse sentido, este trabalho busca analisar decisões do STF no que concerne a aplicação de tais medidas a crianças e adolescentes infratores para se chegar a um panorama de como é o tratamento jurisprudencial da temática em questão como orientação aos juízos e operadores do Direito.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência. Medidas socioeducativas.

Introdução

A Constituição Federal de 1988 é o instrumento jurídico fundamental que deve embasar todo o arcabouço legal e aplicação do direito no país. No que se refere ao Direito Penal, notadamente à questão da possibilidade de imputação criminal de crianças e adolescentes, a Constituição Cidadã prevê inimputabilidade penal aos menores de idade em seu artigo 228, que segue in verbis:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Com isso, segundo Guilherme Nucci (2014, p. 245), o texto constitucional buscou um critério biológico para definição de imputabilidade. Assim, deixou os menores de dezoito anos de idade com presunção absoluta de inimputabilidade, tendo em vista que o legislador constitucional considerou que antes de atingir a maioridade, crianças e adolescentes não possuiriam a compreensão das consequências das práticas delitivas.

Tal orientação constitucional foi adotada pela legislação ordinária, através do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), conforme seu artigo 104, bem como do Código Penal brasileiro (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), conforme seu artigo 27.

Lei nº 8.069/90
[…]
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
Decreto-lei nº 2.848/40
[…]
Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Assim, eventuais condutas realizadas por menores de idade não são consideradas crimes ou contravenções, mas atos infracionais análogos. Com isso, a legislação brasileira entende que deve ser realizado um procedimento diferenciado aos menores de dezoito anos, em virtude de se encontrar em período de formação, o que exige uma tutela diferenciada do Estado. Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas socioeducativas que devem ser aplicadas em caso de cometimento de atos infracionais.

Porém, dada a excepcionalidade conferida pela Constituição a crianças e adolescente no Direito Penal, a aplicação de tais medidas requer um controle jurisdicional para evitar eventuais abusos do Estado, como também para garantir a ressocialização do menor infrator.

Nesse sentido, este estudo buscará analisar algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no que se refere à aplicação de medidas socioeducativas a menores de idade para verificação de seu entendimento na interpretação do aludido dispositivo constitucional.

HC 105.917 PE

No julgamento do Habeas Corpus nº 105.917, sob relatoria do Ministro Ayres Brito, o STF analisou pedido da Defensoria Pública da União (DPU) para liberação de adolescente que estava cumprindo medida socioeducativa de internação face a condenação por ato infracional análogo a tráfico de drogas e a porte ilegal de arma de fogo. Segue abaixo a ementa:

EMENTA: HABEAS CORPUS. ATOS INFRACIONAIS EQUIPARADOS AOS DELITOS DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA PROTETIVA DE INTERNAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

  1. A Constituição assegura o mais amplo acesso aos direitos de prestaçãopositiva e um particular conjunto normativo-tutelar (arts. 227 e 228 da Constituição Federal) aos indivíduos em peculiar situação de desenvolvimento da personalidade. Conjunto timbrado pela excepcionalidade e brevidade das medidas eventualmente restritivas de liberdade (inciso V do § 3º do art. 227 da CF).
  2. Nessa mesma linha de orientação, a legislação menorista – Estatuto daCriança e do Adolescente – faz da medida socioeducativa de internação uma exceção. Exceção de que pode lançar mão o magistrado nas situações do art. 122 da Lei 8.069/1990.
  3. A mera alusão à gravidade abstrata do ato infracional supostamenteprotagonizado pelo paciente não permite, por si só, a aplicação da medida de internação.
  4. Ordem deferida para cassar a desfundamentada ordem de internação edeterminar ao Juízo Processante que aplique medida protetiva de natureza diversa.
    (Supremo Tribunal Federal STF – Habeas Corpus: HC 105.917 PE, Rel. Min. Ayres Brito, 07/12/2010)

No caso em tela, a Defensoria evoluiu a lide ao STF, uma vez que o remédio constitucional pleiteado fora denegado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse sentido, a DPU alegou que a internação do menor seria ilegal, uma vez que a situação pelo qual fora julgado não se enquadraria nas hipóteses excepcionais que lavam a internação para o cumprimento de medida socioeducativa. Tais previsões de excepcionalidade estão contidas no artigo 122, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), conforme segue:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I – Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – Por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – Por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal. (Redação dada pela Lei nº 12.594, de 2012)
§2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.

Inicialmente, o ministro relator indeferiu o pedido da defesa em caráter liminar, pois nos autos constavam que o menor teria reiteradamente cometido atos infracionais. Assim, foi solicitado à Vara da Infância e da Juventude do estado de Pernambuco documentos que comprovassem tal informação. Após resposta do juízo demandado, foi dada vistas à Procuradoria-Geral da República, que se manifestou pelo provimento do pedido de habeas corpus feito pela DPU.

Em seu voto, o Min. Ayres Brito, entendeu que a internação para cumprimento de medida socioeducativa deve ser aplicada excepcionalmente, citando, para tanto, o artigo 227, §3º, inciso V, da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[…]
§3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
[…]
V – Obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

Ademais, o ministro alinhou tal dispositivo ao artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (citado anteriormente). Assim, da leitura das provas acostadas no processo, não se vislumbrou qualquer uma das alternativas de excepcionalidade para que o menor de idade ora acusado fosse condenado à internação. Isso porque, a prática reiterada alegada pelo juízo de origem se mostrou como apenas uma outra ação de prática de ato infracional, o que não seria suficiente para caracterizar como reiteração.

Dessa forma, o Ministro Ayres Brito votou pela procedência do pedido, no sentido de conceder o habeas corpus ao paciente, ao mesmo tempo em que determina que o juízo inicial aplique outra medida socioeducativa, que não implique internação. A Segunda Turma do STF votou, por unanimidade, acompanhar os termos do voto do ministro relator.

HC 96.355 RJ

No caso do Habeas Corpus nº 96.355, analisado pelo STF, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRE-RJ) recorreu de decisão desfavorável do STJ quanto a manutenção de aplicação a menor infrator de medida socioeducativa após ter completado 18 anos de idade, alegando constrangimento ilegal por continuar cumprindo medida de semiliberdade. A ementa segue abaixo:

EMENTA: HABEAS CORPUS – ADOLESCENTE – MEDIDA SÓCIO- -EDUCATIVA DE SEMILIBERDADE – PRETENDIDA EXTINÇÃO DESSA MEDIDA EM FACE DA SUPERVENIÊNCIA, NO CURSO DE SUA EXECUÇÃO, DA MAIORIDADE CIVIL DO JOVEM INFRATOR (18 ANOS) –   INADMISSIBILIDADE        – LIMITE TEMPORAL MÁXIMO SITUADO, LEGALMENTE (ECA), AOS 21 ANOS – PRECEDENTESDOUTRINA – PEDIDO INDEFERIDO.

(Supremo Tribunal Federal STF – Habeas Corpus: HC 96.355 RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 10/05/2009)

O Ministro Celso de Mello, relator da lide, abriu vistas ao Ministério Público Federal, que, após análise, entendeu pela denegação do remédio constitucional pleiteado pela DPE-RJ.

Em seu voto, o ministro relator destacou que há diversas decisões de ambas as turmas do STF no sentido de que a idade máxima para o cumprimento de medidas socioeducativas é 21 anos de idade. Ou seja, ao completar 18 anos de idade, o menor infrator não ficaria automaticamente livre do cumprimento de eventual medida socioeducativa, pois sua função não seria punir o infrator, mas, sim, sua ressocialização.

Com esse entendimento, foi afastada a teoria da defesa de que a manutenção da medida de semiliberdade ao menor após ter completado 18 anos feriria o disposto na Constituição Federal, mais precisamente o inciso V, do §3º, do artigo 227 (já citado neste trabalho). Assim, entendeu o ministro relator que, face o caráter protetivo das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, a extensão do cumprimento das aludidas medidas não se caracteriza como constrangimento ilegal.

Isso é verificado no próprio ECA, em seus artigos 120, §2º, e 121, §5º, que seguem abaixo:

Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.
[…]
§2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
[…]
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
[…]
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

O voto do ministro relator foi acolhido por unanimidade pela Segunda Turma do STF no sentido de indeferir o pedido de habeas corpus. Nesse sentido, aduz-se da decisão em tela e de toda a jurisprudência da corte constitucional mencionada no voto do ministro relator, que os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente que permitem as medidas de semiliberdade e de internação ao menor infrator são constitucionais.

HC 88.788 SP

Em outro julgamento de habeas corpus pelo Supremo Tribunal Federal, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP), no bojo do processo HC nº 88.788 SP, recorreu de decisão do STJ, que não reconheceu prescrição de medida socioeducativa no caso em concreto. A Ementa da decisão do STF segue ipisis literis:

EMENTA: HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIOEDUCATIVA.  INTERNAÇÃO-SANÇÃO. LEGITIMIDADE. INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO. APLICABILIDADE. PARÂMETRO. PENA MÁXIMA COMINADA AO TIPO LEGAL. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL À METADE COM BASE NO ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. HIPÓTESE DE CRIME DE ROUBO. PRESCRIÇÃO NÃO CONSUMADA, NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.

  1. Não incide a irregularidade apontada pela impetrante, no sentido de que a medida de internação-sanção teria sido decretada antes do envio de precatória para a comarca onde o paciente estaria residindo. Constam informações nos autos de que a execução da medida de liberdade assistida foi deprecada e, diante da devolução da carta precatória, a medida extrema veio a ser decretada.
  2. O instituto da prescrição não é incompatível com a natureza não-penal das medidas socioeducativas. Jurisprudência pacífica no sentido da prescritibilidade das medidas de segurança, que também não têm natureza de pena, na estrita acepção do termo.
  3. Os casos de imprescritibilidade devem ser, apenas, aqueles expressamente previstos em lei. Se o Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelece a imprescritibilidade das medidas socioeducativas, devem elas se submeterem à regra geral, como determina o art. 12 do Código Penal.
  4. O transcurso do tempo, para um adolescente que está formando sua personalidade, produz efeitos muito mais profundos do que para pessoa já biologicamente madura, o que milita em favor da aplicabilidade do instituto da prescrição.
  5. O parâmetro adotado pelo Superior Tribunal de Justiça para o cálculo da prescrição foi o da pena máxima cominada em abstrato ao tipo penal correspondente ao ato infracional praticado pelo adolescente, combinado com a regra do art. 115 do Código Penal, que reduz à metade o prazo prescricional quando o agente é menor de vinte e um anos à época dos fatos.
  6. Referida solução é a que se mostra mais adequada, por respeitar os princípios da separação de poderes e reserva legal.
  7. A adoção de outros critérios, como a idade limite de dezoito ou vinte e um anos e/ou os prazos não cabais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente para duração inicial das medidas, além de criar um tertius genus, conduz a diferenças de tratamento entre pessoas em situações idênticas (no caso da idade máxima) e a distorções incompatíveis com nosso ordenamento jurídico (no caso dos prazos iniciais das medidas), deixando de considerar a gravidade em si do fato praticado, tal como considerada pelo legislador.
  8. No caso concreto, o acórdão do Superior tribunal de Justiça não merece qualquer reparo, não tendo se aperfeiçoado a prescrição até o presente momento.
  9. Ordem denegada.

(Supremo Tribunal Federal STF – Habeas Corpus: HC 88.788 SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 22/04/2008)

Segundo o argumento da DPE-SP, o prazo prescricional para atos infracionais praticados por menores de idade deveria regular-se pela pena in abstrato do crime análogo, mas pela pretensão executória da medida em curso, que, no caso, era a de liberdade assistida. Tal entendimento estaria baseado nos termos da Constituição Federal, notadamente em seu artigo 227, §3º, inciso V:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[…]
§3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
[…]
V – Obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; [grifo nosso]

Porém, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a prescrição deveria atender ao disposto no artigo 115 do Código Penal brasileiro, conforme segue:

Art. 115 – São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

O ministro relator abriu vistas do processo à Procuradoria-Geral da República, que, após análise, manifestou-se pela denegação do remédio constitucional requerido por entender que o instituto da prescrição não seria aplicável às medidas socioeducativas. Em seu voto, o relator discordou do parquet, ao entender que a prescrição poderia ser aplicada à medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois a mera não-previsão desse instituto no ECA não o tornaria inválido. Ao contrário, defende que os casos de imprescritibilidade é que devem estar expressamente previstos na legislação, conforme os termos do artigo 12, do Código Penal brasileiro.

Art. 12 – As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Porém, em que pese levar em consideração o transcurso do tempo na aplicação das medidas socioeducativas, o ministro relator entendeu que a forma mais razoável de se calcular o prazo prescricional seria o que fora adotado pelo STJ, ou seja, deveria ser observado o artigo 115 do Código Penal, ao adotar a metade do prazo prescricional do crime análogo ao ato infracional praticado pelo menor.

Segundo o Min. Joaquim Barbosa, por não haver quantum mínimo e máximo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção dos prazos previstos no estatuto em relação às medidas de internação, semiliberdade e liberdade assistida não é cabível pois estes prazos não são cabais. Além disso, criar-se-iam situações de tratamento igual a condutas diametralmente diferentes, como no exemplo dado pelo próprio ministro relator em seu voto, em que o prazo prescricional idêntico em casos de ato infracional análogo a latrocínio e de ato infracional análogo a desacato.

Dessa forma, ao utilizar o critério do artigo 115, do Código Penal, e, por consequência, o adotado pelo STJ, o ministro relator votou pelo indeferimento do pedido de habeas corpus requerido pela DPE-SP. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal votou, de forma unânime, no sentido de acompanhar o voto do relator, restando, portanto, denegada a ordem.

HC 122.886 SP

Por fim, será analisado o Habeas Corpus nº 122.886 SP, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, cuja Ementa segue in verbis:

EMENTA: HABEAS CORPUS. DUPLA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. INTERNAÇÃO DETERMINADA COM BASE NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENTE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

  1. Inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça,não compete ao Supremo Tribunal Federal examinar a questão de direito implicada na impetração.
  2. A medida socioeducativa de internação imposta com base apenas nasuposta gravidade abstrata do ato infracional ofende a garantia da excepcionalidade da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade determinada pelo texto constitucional (art. 227, § 3º, V) e contraria o rol taxativo do art. 122 da Lei nº 8.069/1990.
  3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinarao Juízo de origem que, com base nas circunstâncias objetivas do caso concreto, fixe medida socioeducativa menos gravosa e que favoreça a inserção social dos pacientes, que deverão aguardar em liberdade o trânsito em julgado da sentença.
    (Supremo Tribunal Federal STF – Habeas Corpus: HC 122.886 SP, Rel. Min. Roberto Barroso, 19/08/2014)

(Supremo Tribunal Federal STF – Habeas Corpus: HC 122.886 SP, Rel. Min. Roberto Barroso, 19/08/2014)

No caso em tela, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) evoluiu a matéria ao STF face indeferimento de habeas corpus por parte do Superior Tribunal de Justiça em relação a menores infratores que cumpririam medida socioeducativa de internação por ato infracional análogo a tráfico de drogas. A defesa dos adolescentes alega que eles possuem bons antecedentes e que não há o preenchimento dos requisitos legais, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, para uma medida como a internação.

A decisão do STJ teria como base no entendimento de que o próprio ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si, só, já está imbuído de gravidade suficiente para ameaçar a sociedade e que a aplicação de outra medida manteria tal ameaça pois levaria os menores novamente à prática do ato que se busca combater.

O ministro relator abriu vistas do processo à Procuradoria-Geral da República, que, após análise, manifestou-se pelo deferimento do pedido e concessão da ordem.

Em seu voto, o ministro relator entendeu que considerar o perigo abstrato como suficiente para permitir a medida socioeducativa de internação subverteria o princípio da excepcionalidade prevista na Constituição Federal, consoante o artigo 277, §3º, inciso V (já citado neste trabalho). Dessa forma, o perigo em abstrato não seria capaz, isoladamente, de configurar as exceções previstas no artigo 122, da Lei nº 8.069/90 (ECA).

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I – Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – Por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – Por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal. (Redação dada pela Lei nº 12.594, de 2012) §2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.

O relator acrescentou que a recorrente opção do Judiciário brasileiro em adotar o perigo em abstrato como fator para internação de menores infratores tem levado a um aumento da violência, considerando estudo recente que demonstra a baixa efetividade de ressocialização de tal medida. Nesse sentido, o ministro relator votou por conceder a ordem, deferindo o pedido de habeas corpus impetrado. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal acompanhou o voto do relator por unanimidade no sentido de conceder a ordem. Dessa forma, o processo foi devolvido ao juízo originário para a fixação de uma medida socioeducativa proporcional e menos gravosa aos pacientes.

Conclusão

Ao longo do presente trabalho, observou-se decisões do Supremo Tribunal Federal com relação à aplicação de medidas socioeducativas a menores infratores. Conforme foi apresentado, é possível perceber que a corte constitucional possui grande preocupação não apenas em garantir a liberdade e a dignidade da criança e do adolescente, mas, principalmente, em prover a ressocialização do menor infrator.

É possível perceber que a aplicação de medida de internação deve ser adotada apenas quando estiverem presentes os requisitos previstos em lei, como forma de atender ao princípio da excepcionalidade prevista no artigo 227 da Constituição. Isso porque deve estar claramente contido nos autos do processo as condições que levarão à excepcional medida socioeducativa de privação de liberdade, pois, do contrário, o juízo deverá buscar alternativas para a ressocialização do adolescente, que não tragam um impacto tão brusco em sua liberdade e dignidade.

Ademais, vislumbra-se que a medida de internação deve ser tratada com tal excepcionalidade que apenas os atos que concretamente estejam imbuídos de grave ameaça é que devem ser considerados para tanto. Tem-se novamente que a ressocialização é o principal objetivo das decisões do STF, uma vez que a ressocialização implica na proporcionalidade das consequências e da tutela/proteção que é dever do Estado. Dessa forma, está latente na jurisprudência da Corte que, ao adotar tais posicionamentos, ela cumpre com o seu dever instituído na Constituição Federal, em seu artigo 227.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Também resta flagrante a preocupação do Pretório Excelso em garantir que a interpretação da legislação atenda aos princípios constitucionais que protegem a família e, notadamente, as crianças e os adolescentes. Exemplo disso é o reconhecimento do instituto da prescrição nos casos de atos infracionais cometidos por menores de idade, uma vez que reconhece a necessidade de garantir segurança jurídica, no sentido de limitar a atuação do Estado em eventuais abusos na tutela da criança e do adolescente.

Até o presente momento, o Supremo Tribunal Federal ainda não analisou, em sede de controle difuso de constitucionalidade, eventual tentativa de alteração da maioridade penal, como também, eventual caso de regra geral na aplicação de medidas socioeducativas, assim, a Jurisprudência adotada neste trabalho observou apenas decisões em casos de controle concentrado.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição Federal. Brasília, 1988.

(Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 23/04/2023)

________. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, 1990.

(Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm, acesso em 23/04/2023)

________. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro, 1940. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm, acesso em 23/04/2023)

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.


¹Policial Rodoviário Federal¹
Bacharel em Relações Internacionais (Universidade de Brasília – UnB)
Bacharel em Direito (Universidade de Brasília – UnB)
Mestre em História, Relações Internacionais e Cooperação (Universidade do Porto)
Pesquisador da Universidade Corporativa da Polícia Rodoviária Federal