JUIZ DAS GARANTIAS COMO MEDIDA DE EFETIVAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO À LUZ NA LEI Nº 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7303803


Nadiel Alves da Silva1
Carlos Eduardo Ferreira Costa2
Rosyvania Araújo Mendes3


Resumo: Inicialmente, deve-se considerar que a figura do juiz das garantias não é estranha ao ordenamento jurídico brasileiro, pois, de acordo com a Constituição Federal de 1988, o Judiciário é dotado da função de fiador de direitos básicos, especialmente na análise do crime. Com isso este trabalho tem como objetivo geral analisar a medida de efetivação do sistema acusatório após as alterações trazidas pelo juiz de garantias sob a ótica constitucional e os princípios fundamentais do processo penal. Como objetivos específicos traz a análise do processo penal constitucional brasileiro, descrever sobre a posição do julgador no processo penal e discutir sobreo tema. Quanto aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória, de natureza qualitativa, na qual será utilizado o método de abordagem dedutivo e as técnicas de pesquisa da revisão bibliográfica e análise documental da legislação pertinente ao tema. Embora a viabilidade das medidas seja questionada, mesmo que o arranjo não seja o ideal, ainda existem dificuldades na implementação, mas deve-se considerar que as dificuldades são insignificantes em relação aos benefícios. Um juiz imparcial conduz a um processo de garantia de um maior grau de igualdade entre as partes, o que leva a um aumento da credibilidade do próprio sistema judicial. A imagem do juiz fiador deve ser vista como um passo na busca por um processo penal mais justo. Portanto conclui-se que o juiz de garantias é um importante marco na constitucionalização do processo penal, efetivando o sistema acusatório, uma vez que garante a imparcialidade e, em consequência, rompe com paradigmas inquisitórios, como a possibilidade de determinação de provas de ofício, e reforça que ser juiz, em um Estado democrático de direito, é ser garante dos direitos do investigado/acusado, uma vez que qualquer limitação, necessariamente, deve ser por meio do devido processo legal.

Palavras-chave: Juiz de garantias; Inquérito policial; Sistema acusatório; Imparcialidade.

Abstract: Initially, it should be considered that the figure of the guaranteed judge is not strange to the Brazilian legal system, because, according to the Federal Constitution of 1988, the judiciary is endowed with the function of guarantor of basic rights, especially in the analysis of crime. With that this work has as a general objective to analyze the measure of effectiveness of the accusatorial system after the changes brought by the judge of guarantees under the constitutional view and the fundamental principles of the criminal process. As specific objectives it brings the analysis of the Brazilian constitutional criminal process, describe about the position of the judge in the criminal process and discuss about the theme. As for the methodological procedures, this is exploratory research, of qualitative nature, in which the deductive approach method will be used and the research techniques of bibliographic review and documental analysis of the legislation pertinent to the theme. Although the viability of the measures is questioned, even if the arrangement is not ideal, there are still difficulties in implementation, but it must be considered that the difficulties are insignificant in relation to the benefits. An impartial judge leads to a process of ensuring a greater degree of equality between the parties, which leads to an increase in the credibility of the judicial system itself. The image of the guarantor judge should be seen as a step in the quest for a fairer criminal process. Therefore, we conclude that the guarantee judge is an important milestone in the constitutionalizing of the criminal process, making the accusatorial system effective, since it guarantees impartiality and, consequently, breaks with inquisitorial paradigms, such as the possibility of determining evidence on one’s own initiative, and reinforces that to be a judge, in a democratic State of law, is to be the guarantor of the rights of the investigated/accused, since any limitation, necessarily, must be by means of due legal process.

Keywords: Judge of guarantees; Police investigation; Accusatorial system; Impartiality.

1. INTRODUÇÃO

O tema deste artigo à ser abordado é: Juiz das garantias como medida de efetivação do sistema acusatório à luz da lei n° 13.964/2019 (pacote anticrime), que foi elaborada com a finalidade de combater o crime organizado no Brasil, preferencialmente aos crimes de natureza grave, pois teve um crescimento significativo no país. Destacam-se os crimes geradores de repulsa social, como o tráfico de entorpecentes, homicídios e outros.

Busca descrever o conceito do tema, destacar as mudanças na legislação penal e processual penal, decorrentes da lei em estudo; Enfatizar a relevância do pacote anticrime à sociedade, pois sua função é a segurança pública e o bem-estar social; Possibilidade do estado trabalhar de forma mais célere e eficiente.

É de grande relevância o estudo e análise das alterações citadas pelo pacote anticrime, pois conhecendo este instituto pode-se refletir sobre o papel do juiz no processo penal, pois este deve atuar não tão-somente atuar como um órgão de Estado, para fazer valer o emprego do direito penal, mas também garantir a proteção e legalidade contra os arbítrios do Estado, frente ao sujeito que figura no polo passivo do processo, sendo este o mais frágil quando em relação ao aparato Estatal.

Assim sendo, o presente trabalho fornece maior profundidade para o estudo deste tópico relativamente novo. Acredita-se que isso irá inspirar as pessoas a debater as reformas processuais penais necessárias para o nosso país democrático e de Estado de direito.

Ademais, este artigo também busca fazer seguinte interrogação: as alterações trazidas pela lei do pacote anticrime surtem efeitos positivos para o Estado e para à sociedade? 

Com isso, este trabalho tem como objetivo geral analisar a medida de efetivação do sistema acusatório após as alterações trazidas pelo pacote anticrime com a criação do juiz das garantias, sob a ótica constitucional e os princípios fundamentais do processo penal.

Sobre processo penal constitucional e estado democrático de direito – capítulo 2.0;  instrumentalidade constitucional do processo penal – 2.1; sistema processual penal adotado no Brasil – 2.2;  sistema acusatório – 2.2.1;  sistema inquisitório – 2.2.2; sistema misto – 2.2.3;  posição do julgador no processo penal e princípios constitucionais correlatos – 3.0; princípio da jurisdicional idade – 3.1; imparcialidade – 3.1.1; juiz natural – 3.1.2; presunção de inocência – 3.1.3; contraditório e a ampla defesa – 3.1.4; motivação das decisões judiciais – 3.1.5; juiz das garantias com base na lei n°13.964/19 – 4.0; estrutura do inquérito policial brasileiro – 4.1; órgão encarregado da investigação preliminar em nosso ordenamento – 4.1.1; entre críticas e elogios – o juiz das garantias e os avanços para efetivação do sistema acusatório – 4.2; competências e atribuições do juiz de garantias – 4.2.2; críticas ao instituto do juiz das garantias – 4.3; considerações finais – 5.0; referências bibliográficas.

Quanto aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória, de natureza qualitativa, na qual será utilizado o método de abordagem dedutivo e as técnicas de pesquisa da revisão bibliográfica e análise documental da legislação pertinente ao tema. Sobre tal metodologia, percebe-se que há a exigência de cautela e seletividade das informações, pois o artigo deve ser elaborado de forma minuciosa e esclarecedora.

2 PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O processo é a base para o desenvolvimento substantivo da proteção judicial. Tendo o direito penal como norma final, o processo penal conta com uma plataforma que pode revelar a certeza da lei, utilizada para determinar o autor e a importância do crime, de forma a concretizar as garantias e direitos básicos previstos na Constituição.

2.1 Instrumentalidade Constitucional do Processo Penal

Para o entendimento do atual processo penal é necessário fazer uma digressão histórica sobre o período de sua constituição, devendo estar próximo dos requisitos estipulados na Constituição Federal de 1988, para inseri-lo no estado democrático de direito.

O atual Código de Processo Processo Penal (LEI Nº 3.689), em vigor desde 1941, foi marcado por imagens antidemocráticas e policiais, condizentes com os momentos históricos da época. 

O autor Silva Júnior (2019) explica que uma das consequências do golpe de 1937, iniciado pelo governo Getúlio Vargas, foi a dissolução da Câmara dos Deputados e do Senado, e a abolição da Constituição de 1934, que foi substituída pela Constituição de 1937, como base do sistema autoritário, que foi considerada uma das constituições mais atrasadas que entraram na legislação brasileira.

Neste contexto, com o encerramento da Assembleia Nacional, em 3 de outubro de 1941, a Lei de Processo Penal foi introduzida no ordenamento jurídico através do Decreto n.º 3.689 daquel mesmo ano. 

O fato é que o direito processual penal deve ser um instrumento de proteção aos acusados ​​de cometer crimes, e também um dos mecanismos de proteção à proteção individual, como forma de restrição de direitos. Inspirado na ideologia fascista do processo penal italiano em 1930, o CPP vigente foi concebido sem a apreciação da Assembleia Nacional, sem o debate parlamentar e sem o apoio democrático.

Na verdade, existe uma relação estreita entre a política, a constituição e o processo penal. As principais violações políticas são frequentemente acompanhadas por mudanças no tratamento dos indivíduos em processos criminais, pois revelam o conceito de indivíduo no país. Portanto, os países totalitários de alguma forma veem esse processo como uma máquina de punição. (LOPES JR, 2017).

Com a promulgação da nova Constituição, a lei processual penal também passou por alterações, como a Lei nº 6.416 de 24 de maio de 1977, isso trouxe mudanças para os estabelecimentos prisionais, bem como a Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, mais conhecida como LEP (Lei de Execução Criminal), 

Embora grandes mudanças tenham ocorrido para melhor adequar a legislação processual penal à Constituição de 1988, o projeto originário do CPP de 1941 ainda não foi integralmente incorporado aos preceitos constitucionais, sendo necessário não só reformar a tempo, mas também formular um novo Código de processo penal. 

Portanto, o processo penal não pode mais ser visto apenas como instrumento de punição nacional, devendo cumprir dupla função, por um lado, viabilizar a aplicação da punição, e, por outro, proteger os direitos e liberdades individuais e garantir que os indivíduos sejam protegidos de abusos por parte do estado  (LOPES JR; GLOECKNER, 2014)

No contexto constitucional que visa, em primeiro lugar, garantir a dignidade humana, o processo penal deve obedecer as disposições constitucionais. Esta é a obrigação de todo país democrático de direito. As demais normas inconstitucionais devem evoluir de acordo com as disposições constitucionais e os processos penais devem ser considerados conforme cumprido ferramentas garantidas pela constituição (LOPES JR, 2013, p.59).

A democratização do processo penal também deve levar em conta a importante influência da opinião pública na formulação da lei processual penal. A lei que regula o processo penal reflete a forma de relação entre o poder e a liberdade conferida pelos diversos sistemas políticos e, portanto, apresenta conteúdos correspondentes aos valores sentidos no momento da formulação. (FERRAIOLI; DALIA, 2001, p.07 segundo OLIVEIRA, 2016, P. 35).

Portanto, a democracia no âmbito do processo penal não significa necessariamente que deva refletir o desejo das pessoas de punição. Nesse caso, geralmente se acredita que quanto mais encarceramento em massa, mais seguro será. A segurança é ilusória, porque a repressão não basta, é preciso formular políticas públicas que possam prevenir ou pelo menos minimizar o crime.

O procedimento a ser seguido no processo penal é um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de sua constituição, portanto, como ensina Lopes Jr (2013, p. 60) uma constituição democrática como a nossa deve corresponder a uma democracia processual. A lei é considerada o instrumento mais eficaz para o sistema de proteção constitucional das pessoas. O processo penal orientado pelas normas constitucionais tem conduzido a um processo penal garantido.

Nesse sentido, um dos direitos fundamentais é a liberdade pessoal, que se origina do próprio texto constitucional (CR / 88 art. 5º, caput), e do direito à vida e à dignidade da pessoa. O conceito da necessidade de proteger a liberdade individual é a premissa básica da constituição de um país democrático regido pela lei e pelo processo penal legal.

Lopes Júnior (2017) concluiu que no processo de constitucionalização e democratização do processo penal, os indivíduos a quem pertencem os atos criminosos deixam de ser considerados objetos puros, mas passam a ocupar um cargo de parte, ou seja, passam a ser os titular de direitos e garantias, só seguindo o caminho do devido processo legal pode ser condenado e punido no final.

O autor continua a acreditar que os instrumentos do processo penal surgiram a partir do momento em que o Estado reclama a legalidade da pena (proibição de autoproteção) para si, é necessário utilizar a estrutura do processo penal instituída pelo Estado, em que um terceiro justo investigará a existência do crime e sancionará o autor. Portanto, “o processo penal é um meio necessário de punição” (LOPES JR, 2017, p. 66).

No entanto, o processo penal não tem por objeto único, ou seja, a aplicação de penas e a satisfação dos requisitos da denúncia, mas também tem a sua função constitucional de direito fundamental de valor e de instrumento mais eficaz de garantia da dignidade humana. Portanto, só é possível vislumbrar a existência de um processo penal democrático para se atingir a eficácia máxima da garantia mínima se for observado o instrumento constitucional do processo. (LOPES JR, 2020, p. 82).

O processo penal, de acordo com a constituição, é a promessa de todo país democrático de direito, pois o Estado exerce punição, no caso de violação dos legítimos interesses protegidos, e não absoluto, se assim for, não há necessidade de legítima defesa. A única forma de contra-ordenação é exercer a autolimitação do poder do Estado, pois os indivíduos passam a ter especial relevância.

2.2 Sistema Processual Penal Adotado No Brasil

Partindo da premissa de que determinada estrutura processual deve obedecer aos mandamentos constitucionais e que o processo penal é o único mecanismo eficaz para punir os infratores, é necessário analisar qual sistema processual penal o Brasil adota. Porque o sistema adotado por um determinado país envolve não apenas princípios e regras de comando, mas também a posição da acusação, defesa e julgamento no jogo.

Os sistemas processuais dividem-se em três espécies: acusatório, misto e inquisitivo. Segundo Lopes Jr (2017, p. 159), para a correta classificação dos sistemas, é necessário “determinar o princípio de notificação de cada sistema”, pois aos olhos dos estudiosos não há necessidade de se falar em sistemas puros, por se tratarem de estruturas históricas, ambas híbridas, o que possui grande correlação com a classificação com base no seu núcleo de reconhecimento.

Nesse sentido, esses são os ensinamentos de Coutinho sobre a diferença entre sistemas acusatório e inquisitivo:

[…] A distinção entre esses dois sistemas processuais é feita por meio de tal princípio unificado e é determinada pelos padrões de gerenciamento de evidências. Ora, se o propósito do processo é, entre outras coisas, a reconstrução de fatos passados, então o crime, especialmente a orientação de provas, a gestão de provas, na forma de sua implementação, estabeleceu um princípio unificado. (Coutinho, 1998, p. 3)

Por esse motivo, é muito importante analisar a situação dos juízes em processos criminais, que será discutida mais detalhadamente no próximo capítulo, pois a premissa de que os juízes podem ter a iniciativa de produzir provas, correm o risco de entrar na função de investigador e afastar-se de sua imparcialidade, usurpando as funções atribuídas à instituição que deve promover a ação penal.

Como ensina Rangel (2019, p. 121) “O sistema de processo penal é um conjunto de princípios e normas constitucionais. De acordo com os momentos políticos de cada estado, estabelece que o direito penal deve ser aplicado em cada caso concreto.”

De um modo geral, com a busca por uma maior repressão ao crime, como forma de “combater o crime” o processo se aproximou do sistema inquisitivo, baseado em provas tarifadas, marcado pela concentração de funções nas mãos de Estado-juiz. Por outro lado, a adoção do conceito de democracia e a rejeição do conceito de indivíduo como objeto no processo penal aproximam-se do conceito de sistema acusátorio.

Em ordem cronológica, o sistema principal até meados do século XII era o sistema acusatorio que foi gradualmente substituído pelo sistema inquisitório, que prevaleceu até o final do século XVIII., em alguns países foi até parte do século 19, quando movimentos sociais e políticos indicavam mudança de direção (LOPES JR, 2020). 

2.2.1 Sistema acusatório

Lopes Jr explica que a origem desse sistema remonta ao direito grego, no qual o processo se desenvolvia com participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador. Conforme explica Sendra (1981, p. 190, segundo Lopes Jr, 2017, p. 159) no direito romano da Alta República surgem duas formas de processo penal, a cognitio e a accusatio

No entanto, o sistema de acusação tem se mostrado inadequado para lidar com a depressão e ansiedade da época, de modo que a insatisfação com o sistema atual tem feito com que juízes invadam cada vez mais a propriedade de acusadores privados, ermitido ex officio sem acusações formais e, em seguida, introduziu a tortura nos processos criminais romanos. (LOPES JR, 2017)

Existia uma insatisfação principalmente no que se refere ao fato de que a acusação era desempenhada por particulares; assim, o centro da reivindicação era, sobretudo, a vontade social de que o Estado passasse a ser o detentor do poder de punir. 

A concentração das funções nas mãos do Estado/Juiz foi a alternativa para retirar das mãos dos particulares a atividade acusatória que, em recorrentes momentos, foi associada à impunidade (RANGEL, 2019).

2.2.2 Sistema Inquisitório

O sistema processual inquisitivo (ou inquisitório) é frisado pela ausência de contraditório e ampla defesa, em que as funções acsusatorias, defensórias  e de julgamento estão concentradas nas mãos de somente uma= pessoa (ou órgão), conhecido como  juiz inquisidor. 

Colocar esse sistema em ordem cronológica ajuda a sua compreensão, pois pode-se verificar os ideais que existiam na época e como as influências religiosas alteraram a própria estrutura do programa, para que quem se desvie da norma se desvie de sua espiritualidade. Portanto, o modelo inquisitivo adotado pela igreja, passou a ser seguido gradativamente pelos processos penais.

Nesse sentido, a Igreja Católica tem uma relação estreita com o sistema inquisitorial porque a busca pela verdade real (ênfase está na questionável exploração da verdade absiluta) e a  iniciativa que se seguiu para encontrar provas fornece razões para práticas como tortura e outros métodos cruéis para obter confissões, e é considerada a rainha das provas. 

Quando a chamada “verdade absoluta” é obtida, qualquer defesa torna-se desnecessária, ainda que segundo a doutrina de Rangel (2019), o juiz já havia feito um juízo de valor previamente, o que torna inútil a prova e a defesa.

O sistema inquisitivo foi gradativamente substituído pelo chamado sistema misto, conceito esse que surgiu com a Revolução Francesa, durante a qual os indivíduos receberam atenção especial, principalmente no que diz respeito aos direitos individuais. Foi introduzido pelo Código Napoleônico e é dividido em duas fases, o primeiro julgamento e o segundo processo  (LOPES JR, 2020).

2.2.3 Sistema misto

Nucci (2016, p. 113) detalha que o sistema misto tem a persecução penal dividida em duas fases: a primeira tem a predominância do sistema inquisitivo, sendo secreto, escrito e sem contraditório; e na segunda, predomina o sistema acusatório, com características como a oralidade, a publicidade, o contraditório, a intervenção de juízes populares e a livre avaliação de provas.

A doutrina processualista penal marjoritária defende que o sistema processual penal adotado no Brasil, é o acusatório. Também se posiciona por esse sistema, o STF e o STJ. 

Portanto, não há como dizer que se adota um sistema acusatória pura, pois se utilizam os elementos informativos da etapa de investigação, sendo as informações obtidas sem contradição e com eficácia de defesa suficiente.

Lopes Jr (2017) critica a classificação do sistema brasileiro como um sistema misto. Apontou que esta classificação “não enfrenta o ponto-chave do problema: a identificação do núcleo fundador”, ele ainda apontou que ele é um reducionista, “na medida em que todos os sistemas são mistos e o modelo puro é apenas uma referência histórica. ” (2020, p. 61). 

Coutinho (1998) classifica o sistema processual brasileiro como inquisitório. Explica que o sistema é sempre de natureza pura. Porém, como principais e por serem estruturas históricas, adquirem as características secundárias de outros sistemas, pelo que todos os sistemas podem ser classificados como mistos, o que é necessário identificar a essência (inquisitório ou acusatório), pois o princípio da mistura prejudicaria todos os outros sistemas.

Como será discutido com mais profundidade nos capítulos seguintes, a classificação do sistema brasileiro sofreu grandes alterações com a Lei nº 13.964/19, que introduziu os artigos 3º-A a 3º-F no Código de Processo Penal.

Lopes Jr (2020) enxerga na redação um significativo avanço na medida em que define o modelo acusatório a ser empregado no direito processual penal se adequando às disposições constitucionais de 1988, que adotou o sistema acusatório.

Portanto, não há dúvida de que, de acordo com a redação do art. 3º-A do CPP o ordenamento jurídico brasileiro pretende adotar efetivamente o sistema acusatório (BRASIL, 2019), e é importante ressaltar que este é o regime mais adequado estipulado pela Constituição, pois somente no sistema acusátorio os indivíduos deixam de ser objeto do processo e passam a ser considerados como sujeitos de direitos. 

Portanto, tendo em vista a conclusão de que esperamos adotar o sistema de acusatório no sistema brasileiro, analisaremos os princípios norteadores do sistema atual e a condição dos juízes como guardiães das garantias previstas na constituição

3 POSIÇÃO DO JULGADOR NO PROCESSO PENAL E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS CORRELATOS

Para analisar a posição dos magistrados devemos partir do conceito de procedimento do Estado constitucional, ou seja, a função de instrumento constitucional. Conforme discutido no capítulo anterior, o sistema acusatório é o que melhor atende à premissa constitucional e ao próprio de estado democrático de direito. Nas palavras de Bettiol (1974, p.213), é “o sistema mais alinhado com as ideias políticas que se interessam pela efetiva proteção e reconhecimento dos valores humanos”.

3.1 Princípio Da Jurisdicional idade

Em primeiro lugar, é necessário explicar brevemente o conceito de princípio. Para Lima (2019, p. 44), o princípio pode ser considerado como “a diretriz nuclear do sistema.” Por sua vez, Nucci (2016) explica que os princípios podem ser implícitos e explícitos; os encontrados na constituição revelam os valores que levaram à criação das normas, servem de guia para a formulação da legislação ordinária e podem servir de diretriz e orientação direta aos cidadãos, como garantia de interpretação e integração dos textos constitucionais e da legislação normativa ao abrigo da constituição.

Desta forma, os princípios, como verdadeiros portadores de criação, aplicação e interpretação, visam alcançar a unidade e harmonia de todo o ordenamento jurídico, sendo a sua importância inegável, estando subordinados ao texto de base, a constituição federal, que se exprime como supremo em um país democrático.

A posição dos juízes é tão importante que existem vários princípios que tratam especificamente de seu desempenho, para que tenha os requisitos mínimos para o exercício da jurisdição, comunicando-se e ensejando ramificações do princípio da jurisdicionalidade, veremos nos tópicos a seguir.

O princípio da jurisdicionalidade está previsto no artigo 5º, inciso LXI, da Carta Maior, que aduz que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

3.1.1 Imparcialidade

Na ocasião em que for substituindo a justiça privada, é indispensável que o terceiro, julgador da causa não tenha vinculo ou interesse naquela causa ou  as partes, como maneira de garantir a imparcialidade e, assim, a existência de um processo legítimo. 

Dessa maneira, a imparcialidade é o resultado lógico do princípio da jurisdição, É atributo inerente indispensável, fruto do devido processo legal, e uma das garantias proporcionadas pelo sistema acusatório previsto na Constituição (art. 129, I da CF) conforme exemplifica Lima (2019), bem como expressamente descrito no artigo 3-A  do CPP , adequado pela Lei 13.964/19:

 Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. 

No nível internacional, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral da ONU, garante o direito a um tribunal justo (art. 14.1); E a “Convenção dos Direitos Humanos”, que garante o direito a um juiz ou tribunal imparcial, no art. 8.1, ambos foram internalizados pelo Decreto nº 592 de 6 de julho de 1992 e pelo Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992, respectivamente, obtêm status constitucional porque se baseiam nas normas internacionais de proteção dos direitos humanos por força do art. 5º, § 2º da CF/88.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Na verdade, a condição de justiça é o requisito mínimo para o exercício da jurisdição. De acordo com Badalo (2018), “a justiça é uma condição de qualquer juiz. Alguns juízes são contraditórios na terminologia.”

O autor também alerta que justiça não deve ser vista como sinônimo de neutralidade, pois a neutralidade não existe porque os juízes são pessoas normais, sendo impossível o divórcio de suas interações sociais, o que dificulta a busca por um juiz neutro. 

Portanto, é impossível pedir ao juiz como pessoa que o prive de todas as suas próprias crenças pessoais para garantir que essas crenças não afetem seu julgamento (OLIVEIRA, 2016). No entanto, a existência de condições objetivas pode prejudicar a imparcialidade, e essas condições devem ser evitadas.

Lima (2019) ressalta que a imparcialidade deve ser analisada a partir dos motivos pelos quais os juízes são impedidos de julgar  (art. 252 do CPP), fazendo que essas ocorrencias causem ao processo motivos de suspeição, ligadas aos fatos subjetivos alenados no artigo 254 do CPP. 

A possinildade de suspeição define a situação em que o magistrado fica impossibilitado de exercer as suas funções num determinado procedimento devido a ligações subjectivas (relações) com determinadas partes, facto que compromete o seu dever de justiça.

Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II – se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

III – se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV – se tiver aconselhado qualquer das partes;

V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;

Vl – se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo

A gestão das provas nas mãos do juiz é um dos núcleos fundantes do sistema inquisitório e, por consequência, neste sistema não é possível falar em imparcialidade do julgador. 

Para Lopes Jr (2020), não é possível falar apenas da separação das funções para caracterização do sistema acusatório, devendo ser analisado sob o prisma da imparcialidade e do contraditório. Assim, um juiz que tenha iniciativa probatória configura-se como um juiz-ator (e não espectador), saindo da sua posição de imparcialidade, comprometendo toda a atividade jurisdicional. 

Desse modo, na visão do autor, a justiça só é possível se “além da separação inicial das funções de acusação e julgamento, o afastamento dos juízes das atividades de investigação / orientação”. (LOPES JR, 2020, p. 90).

Nessa perspectiva, Lima (2020) explica que é questionável até que ponto as decisões proferidas pelo mesmo juiz que atuou na fase de investigação sejam imparciais, uma vez que o mesmo teve contato com os elementos informativos, produzindo provas de ofício e decretando medidas cautelares em desfavor do investigado/acusado; ainda que não se possa afirmar categoricamente, é no mínimo passível de gerar dúvida razoável. 

Conclui-se que o juiz, tendencialmente, irá se apegar aos fatos pré valorados, de modo que, ao longo da instrução, irá buscar meios de ratificar suas conclusões, com base nos elementos colhidos na fase de inquérito e, assim, a fase de instrução irá consistir na busca seletiva de informações, o que justifica muitas vezes a postura desinteressada, do juiz em relação às perguntas formuladas pela defesa. O autor ressalta que a situação se agrava quando o juiz de ofício, determina a produção de provas que sequer foi postulada pelo acusador de forma que constitui grave ameaça à imparcialidade (LOPES JR, 2020). 

Em suma, a imparcialidade deve ser compreendida tanto sob o aspecto objetivo como subjetivo, não sendo a imparcialidade confundida com neutralidade, uma vez que não é possível dissociar o juiz de suas interações sociais bem como de suas próprias convicções. O que se pretende é a eliminação de disposição de atos procedimentais que, de alguma forma, possam violar a imparcialidade, como forma de manter o alheamento do juiz em relação ao objeto do processo (sendo essa característica, imprescindível dentro de um sistema acusatório) e, com isso, garantir a própria “aparência de justiça” perante a sociedade e a própria credibilidade do sistema judiciário. 

Nesse sentido, como forma de proteger a imparcialidade em muitos ordenamentos, como o brasileiro, houve diversas tentativas de consagração da separação do juiz que atua na fase de investigação daquele que atua na fase processual, e, assim, por meio dos arts. 3º-A e seguintes do CPP, ficou de fato consignada a adoção do juiz das garantias, sendo este “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário[…]” (BRASIL, 2019) como se verá especificamente no próximo capítulo.

3.1.2 Juiz natural

O princípio do juiz natural guarda íntima correlação com o princípio da imparcialidade (CAPEZ, 2018), tendo em vista seu próprio conteúdo, qual seja “o direito que cada cidadão tem de saber, de antemão, a autoridade que irá processá-lo e qual juiz ou tribunal que irá julgá-lo, caso pratique uma conduta definida como crime no ordenamento jurídico-penal” (LOPES JR, 2020, p. 413). 

Referido princípio encontra-se em dois dispositivos constitucionais, em decorrência do seu duplo aspecto (CAPEZ, 2018). O art. 5º, XXXVII da CF/88 ao dispor que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (BRASIL, 1988), veda a criação de tribunais pós-fato, direcionado para determinado caso ou pessoa. Por sua vez, o segundo aspecto, complementar a ideia de juiz natural, está previsto no art. 5º, LIII da CF, estabelecendo que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (BRASIL, 1988). 

Para Rangel (2019, p. 549), o referido princípio consiste em um “verdadeiro pressuposto processual de validade do processo”; para Coutinho (1998, p. 174) é a “expressão do princípio da isonomia e também um pressuposto de imparcialidade”, Lopes Jr (2020, p. 86) entende que o referido princípio “não é mero atributo do juiz, senão um verdadeiro pressuposto para a sua própria existência”. 

Ao delimitar a competência, a intenção do legislador foi justamente a de evitar usurpações e vedar que juízes incompetentes julguem a causa, como forma de garantir a imparcialidade e a própria credibilidade da Justiça. Nucci (2016) aponta que no estabelecimento de regras aptas a constituírem um sistema claro e prévio à indicação do juiz competente para o julgamento da causa, haverá maior aceitação pelas partes, e reforçando a legitimação do Poder Judiciário. 

Dessa forma, diante da importância do referido princípio, e das regras de competência, ambos são igualmente aplicáveis ao juiz das garantias, uma vez que se pretende ter um verdadeiro juiz natural na fase de investigações, conforme será analisado no capítulo subsequente.

3.1.3 Presunção de inocência

Com a eclosão da Revolução Francesa e a melhoria dos valores pessoais, bem como a concretização dos direitos e garantias fundamentais, o modo de interrogatório foi gradualmente abandonado naquela época para dar espaço ao sistema de acusatório e ao princípio da presunção de inocência nasceu (RANGEL, 2019, p. 87).

Uma das diferenças entre as disposições constitucionais e outros instrumentos normativos internacionais mencionados é que a terminologia utilizada em nosso ordenamento jurídico difere da comumente utilizada em termos deste princípio, em que a “presunção de inocência”, por sua vez, está em nosso sistema legal.  (LIMA, 2020).

Nesse sentido, para alguns doutrinadores, ambos os conceitos não podem ser considerados sinônimos. Rangel (2019, 88) aponta sua crítica em relação à matéria, no sentido de que “não adotamos a terminologia presunção de inocência, pois, se o réu não pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, também não pode ser presumidamente inocente”.

Assim, para o autor, o referido princípio, adotado na Constituição, não significa que foi presumida a inocência, mas que declara que ninguém será culpado até o trânsito em julgado. Do seu ponto de vista, presunção e certeza são conceitos distintos e que não podem ser confundidos, de forma que o acusado pode ser presumidamente culpado e pode ser presumidamente inocente, sem que isso viole a Constituição Federal, uma vez que, ao ser interposto determinado recurso, a decisão prolatada pelo magistrado ficará sujeita à condição, evento incerto e futuro, qual seja, a reforma ou não pelo Tribunal. 

Contrariando as críticas apontadas pelo autor, entendemos que a visão que mais condiz com os dispositivos constitucionais e com a regra da democracia é a do autor Lopes Jr (2020), que entende que o conceito adotado na constituição é reducionista. É apenas uma “presunção de isenção de responsabilidade”, pelo que a adopção de tal conceito será uma forma de compreender a constituição de uma forma diferente das referidas normas internacionais de proteção pessoal.

Uma de suas consequências mais importantes e óbvias é que o ser humano passa da condição de objeto do processo (no caso, investigação) para a condição de sujeito com direitos e obrigações compatíveis com essa atividade. (CHOUKR, 2001, p. 36).

Nesse sentido, entende-se que a presunção de inocência é “dar ao juiz a verdadeira responsabilidade de cuidar do réu e tratá-lo como pessoa inocente”. (LOPES JR, 2020, p. 139), 

Quanto à adoção da presunção de inocência como regra probatória, significa que o ónus da prova recai inteiramente sobre o Ministério Público, cabendo ao Ministério Público a responsabilidade de provar os fatos declarados na denúncia. Para Lima (2019), nesse sentido, a presunção de inocência confunde-se com in dubio pro reo, como regra de avaliação da prova, ou seja, com base nas provas apresentadas, o réu é suspeito de culpa, cabendo ao magistrado absolver ele, porque “a presunção de inocência é mais do que melhor condenar o inocente” (LIMA, 2019, p. 46).

A presunção de inocência, enquanto regra de tratamento, remete à ideia de que a liberdade é a regra no ordenamento brasileiro, sendo a prisão cautelar uma excepcionalidade, o que não significa que não pode haver prisões cautelares que almejam garantir a efetividade do processo, mas de forma que não “é preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente” (LIMA, 2019, p. 47).

3.1.4 Contraditório e a Ampla defesa

A percepção do processo como um procedimento em contraditório, estruturado por Fazzalari, é um importante elemento na democratização do processo penal, na medida em que a decisão “não é mais considerada ato exclusivo do órgão julgador e sim ato no qual as partes contribuem para elaboração” (BAHURY, 2018, p. 75). Assim, para que o provimento final seja considerado legitimo, necessariamente implica na “efetiva e igualitária participação das partes no processo”. (LOPES JR, 2020, p. 242). 

Todavia, o contraditório, conforme explica Lopes Jr (2020), na visão de Fazzalari, deve ser compreendido em sua dupla acepção: a primeira diz respeito ao direito à informação (conhecimento); no segundo momento, é relacionada à efetiva e igualitária participação das partes como forma de garantir a paridade de armas e oportunidade. O simples fato de ter uma defesa não significa que foi exercido o contraditório, é preciso que a defesa seja apta, de forma a influenciar no convencimento do julgador.

Como explica Lima (2019), como reflexo da concepção da isonomia, com base não apenas na igualdade formal, mas também na igualdade substancial, o contraditório passou a ser uma realidade, de forma que deve ser assegurado às partes a real e igualitária participação ao longo de todo o processo. Por esse motivo, tão importante é que seja dado ao acusado a possibilidade de defesa técnica, ao longo de toda persecução penal, para que, em posição de igualdade, possa se defender das acusações formuladas. 

Por esse motivo, torna-se tão válida a análise do contraditório como uma condição da atuação jurisdicional, no sentido de que é das partes o direito de exercer o contraditório, e incumbe ao juiz ser o garantidor do exercício desse direito, na medida em que se permita influenciar pelas contraprovas produzidas. 

O contraditório e a ampla defesa foram adotados no art. 5º, LV da CF/88, estabelecendo que “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (BRASIL, 1988). Referido direito também foi adotado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em seu art. 8.1, sendo aprovado pelo Congresso, através do Decreto Legislativo nº 27 de 26/5/1992. 

A ampla defesa inclui defesa técnica e legítima defesa. Em primeiro lugar, é exercido por profissionais do direito com capacidade de defesa, sendo “necessário, inegável, suficiente e eficaz. Além da exigência da defesa técnica, esta deve ser plena e efetiva, “de que adianta a presença física de defensor que não arrola testemunhas, que não faz perguntas, que não oferece memoriais, ou que os apresenta sucintamente, sem análise da prova, em articulado que poderia ser utilizado em relação a qualquer processo criminal?” noutras palavras não basta a existência de um defensor, de forma que qualquer defesa é  sinônimo de nenhuma defesa, ou uma defesa meramente formal, é necessário que seja exercida de forma adequada e em pé de igualdade com o exercício da acusação.

Já a autodefesa é exercida pelo próprio acusado, sendo essa disponível, não podendo o acusado ser compelido a exercê-la. Lima (2019) explica que a autodefesa se manifesta pelo direito à audiência, direito de presença e capacidade autônoma do acusado. 

O direito à audiência consiste no direito que o acusado tem de apresentar pessoalmente ao julgador a sua versão dos fatos, exercido através do interrogatório, sendo este considerado um meio de defesa (LIMA, 2019, p.62), por sua vez, o direito de presença consiste na possibilidade conferida ao acusado de estar presente nos atos processuais realizados durante a audiência e, dessa forma acompanhar a produção de provas. (BAHURY, 2018). 

Dessa forma, tendo em vista a necessidade de ser assegurado o contraditório, na fase processual, passaremos à análise da motivação das decisões judiciais como síntese da dialeticidade exercida entre as partes, consistindo em um importante mecanismo de controle pelas partes, uma vez, que a partir da sentença, é possível aferir se houve violação a princípios processuais penais.

3.1.5 Motivação das decisões judiciais

Expressamente prevista no art. 93, IX da CF/88, a motivação das decisões judiciais permite avaliar o raciocínio desenvolvido pelo juiz na valorização das provas. Para Lopes Jr (2020), é um importante mecanismo de controle da eficácia do contraditório, da presunção de inocência e do devido processo penal; com efeito, só se considera legítimo o exercício da atividade julgadora se observada as regras do devido processo legal. 

Para Bahury (2018), o objetivo ao se instituir que as decisões devam ser motivadas consiste no fato de que possibilita o controle/ fiscalização da atuação dos órgãos jurisdicionais e, assim, verificar sua conformidade com os critérios estabelecidos em lei, bem como verificar o “caminho lógico/racional percorrido pelo julgador para proferir a decisão, possibilitando a interposição de recursos” (2018, p. 73) e efetivar o princípio da publicidade insculpido no art. 5º, LX, CF, assegurando que a sociedade tenha conhecimento dos fundamentos da decisão judicial. Nesse sentido, são também os comentários de Lopes Jr: 

[…] a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial. Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica (e jurisprudencial) ou discutir obviedades. O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade. A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder, pois a pena somente pode ser imposta a quem – racionalmente – pode ser considerado autor do fato criminoso imputado. (LOPES JR, 2020, p. 157)

Para Gomes filho (2018), a motivação das decisões judiciais se insere como garantia dos direitos fundamentais, de um lado serve para acompanhar o raciocínio desenvolvido para chegar a determinada sentença, de outro permite constatar se as regras processuais penais foram validamente empregadas. 

Ainda, o autor pontua a importante função desta exigência ao julgador como forma de assegurar a independência e a imparcialidade, na medida em que desestimula a adoção pelo julgador de razões parciais além de garantir o exercício independente da função, “[…] impedindo escolhas subjetivas ou que possam constituir o resultado de eventuais pressões externas” (FILHO, Gomes, p.18).

Com efeito, não há como desconsiderar que fatores subjetivos possam influenciar no julgamento, de forma que a exigência de que as decisões sejam fundamentadas garante que possa ser exercido um controle externo, através da sociedade, e interno, daqueles que participam da relação processual, na medida em que a fundamentação, como forma de exteriorização do raciocínio do juiz, permite a aferição, pelas partes, da verificação de validade da decisão que deve ser consubstanciada no devido processo penal nos princípios constitucionais correlatos.

4 JUIZ DAS GARANTIAS COM BASE NA LEI 13.964/19

De acordo com a Lei nº 13.964 de dezembro de 2019 (Brasil, 2019) inserida no 3-B da Lei de Processo Penal (CPP), garante que o juiz é “responsável por controlar a legalidade das investigações criminais e salvaguardar os direitos dos indivíduos ”como cidadãos.

4.1 Estrutura Do Inquérito Policial Brasileiro

O exercício da pretensão punitiva em relação àqueles que praticam uma infração penal se expressa por meio da persecução penal, iniciando-se a partir do momento em que o Estado tenha conhecimento do fato delituoso, por meio da notitia criminis (BAHURY, 2018). 

No nosso ordenamento, a persecução penal é dividida em duas fases: a primeira consiste na investigação preliminar, sendo essa uma fase pré-processual, uma vez que só é possível falar em processo após o recebimento da denúncia pelo julgador competente. 

Dessa forma, justificam-se as medidas cautelares para obtenção de elementos a sustentar a acusação. No mesmo sentido, a investigação preliminar também cumpre seu papel quando o resultado das investigações é pelo arquivamento do próprio inquérito policial, pois, neste caso, reduz os custos de uma investigação que terá como fim uma absolvição e impede os efeitos negativos do processo ao investigado, evitando assim a estigmatização social. 

A compreensão da investigação como um filtro processual para evitar acusações infundadas decorre da ideia de que, se não há elementos mínimos para a propositura da ação, a fase posterior, o processo, naturalmente terá grande risco de ser infundado e desnecessário. E o problema de um processo desnecessário repercute tanto no Estado, pelos elevados custos, e diretamente no investigado que tem que suportar as consequências negativas de um processo. 

Para instauração do inquérito, basta a possibilidade de que exista um fato punível, a autoria do crime será buscada ao longo da investigação; noutras palavras, o inquérito nasce pela possibilidade de existência do crime, mas para o oferecimento da denúncia é necessário que se tenha “probabilidade de que o acusado seja autor (coautor ou partícipe) de um fato aparentemente punível” (LOPES JR, 2020, p.224), sendo esta sua delimitação de cognição, uma vez que não busca exaurir na investigação todas as provas do crime, e sim, seus elementos informativos, para que se possa dar início à ação penal, nesta sim haverá plena cognição.

4.1.1 Órgão encarregado da investigação preliminar em nosso ordenamento

Embora o Brasil geralmente use uma forma mais específica para designar as investigações policiais dirigidas pela Polícia Judiciária, o sistema de investigação preliminar pode ser entendido como um termo latino que inclui outros procedimentos anteriores.

Por exemplo, a legislação brasileira prevê a possibilidade de “sindicância”,  como um procedimento administrativo destinado a investigar violações disciplinares de funcionários públicos. Outro exemplo do modelo brasileiro é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que atribui poderes judiciais típicos a um grupo de membros da Câmara dos Deputados e / ou do Senado Federal, em conjunto ou individualmente. 

Todos esses conceitos amplos de investigação são a priori e, portanto, instáveis, além de serem oficiais, ou seja, realizados por órgãos estaduais, também visam investigações e identificam autores suspeitos. No entanto, neste estudo, nos ateremos ao modelo de investigação criminal.

A opção do nosso legislador foi pelo inquérito policial, sendo possível identificar, pela exposição de motivos do CPP, que o legislador fundamentou sua escolha em razão da “realidade brasileira, que não é apenas de centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior” (BRASIL, p. 608). 

Dessa forma, conforme preconiza o art. 4º do CPP, o inquérito é realizado pela polícia judiciária, em que atribui à polícia a titularidade no exercício da investigação, que decidirá quais serão os rumos da fase preliminar, a forma e como os atos serão praticados 

No que se refere aos inquéritos policiais, de acordo com o artigo 4.º da Lei de Processo Penal, a polícia judiciária é exercida pelos órgãos de segurança pública das suas jurisdições para efeitos de investigação de infrações penais e é processada por responsabilidade penal nos termos da lei. Nesse sentido, caberá à Polícia Civil auxiliar o ministério público, as partes criminosas e os órgãos judiciais na coleta de provas da existência do crime e da identidade do autor por meio de inquéritos policiais.

As principais características do inquérito policial são:

Procedimento inquisitivo: Isso significa que o objeto da investigação, ou seja, o possível infrator, é o objeto da investigação. Não há contradição e não há defesa adequada. Apenas comportamento investigativo.

Realizado pela Polícia Judiciária: a investigação policial estará a cargo da Polícia, sendo que, na fase preliminar, a Polícia buscará indícios da existência de atos criminosos.

Sigiloso (art. 20, CPP): O sigilo tende garantir o esclarecimento de fatos e interesses sociais durante a resolução do caso em análise.

Escrito (art. 9º, CPP): Isso significa que todas as partes de um único processo serão reduzidas a termos. Ou seja, tudo o que aconteceu durante a investigação será registrado e anexado ao processo.

Dispensável (art. 12, CPP): A investigação policial é complementar e não obrigatória, pois sempre que servirá de base para a formulação de recomendações será acompanhada de condenação ou denúncia. Se não for usado como base, porque já existem evidências ou por qualquer outro motivo, você pode desistir.

Assim, para além de assegurar fiscalizações externas, a missão do Ministério Público permite também coibir os abusos e garantir os direitos garantidos pela Constituição, pelo que, para além da sua função de denunciante, assume uma postura mais ativa para assegurar justiça e a eficácia das investigações policiais. 

Portanto, depois de definir as funções do órgão de investigação preliminar, suas vantagens e desvantagens, e a importante função do Ministério de Relações Públicas como órgão de controle externo para a equidade das atividades policiais, analisaremos agora o papel dos juízes na investigação. 

4.2 Entre Críticas E Elogios – O Juiz Das Garantias E Os Avanços Para Efetivação Do Sistema Acusatório

Este tópico busca analisar as razões da existência de juízes de garantia e as críticas a respeito, com base nas alterações trazidas pela Lei nº 13.964 / 19, análise dos dispositivos legais pertinentes.

4.2.1  Posição do julgador no inquérito policial – O juiz de garantias com base nas alterações trazidas pela Lei nº 13.964/19

Conforme tratado nos capítulos precedentes, a função do julgador na persecução penal, deve ser sempre associada à leitura do processo penal, sob a ótica constitucional, cujo traço principal é a primazia das garantias individuais. Dessa forma, a postura do julgador deve ser aquela em que, além da função de julgar, exerce a função de garantidor dos direitos do investigado, que não pode mais ficar alheio frente à ocorrência de violações ou ameaças à direitos fundamentais.

Além disso, a atuação do julgador no inquérito policial deve ser em consonância com o sistema acusatório, isto é, não basta a mera separação das funções, é necessário que a gestão da prova esteja inteiramente nas mãos das partes, de forma a evitar usurpações de funções e uma postura ativa do julgador e, com isso, comprometer a imparcialidade. 

Por esse motivo, a Lei nº 13.964/19 avançou, estabelecendo expressamente que o processo penal terá estrutura acusatória, vedando a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão da acusação. Noutras palavras, “esse juiz da instrução (e não de instrução) será quem, mediante prévia invocação do MP, decidirá sobre todas as medidas e atos que impliquem a restrição dos direitos fundamentais do sujeito passivo […]” (LOPES JR; GLOECKNER, 2014). 

Todavia, de nada adianta um juiz que tenha atuado na fase de inquérito ser o mesmo a atuar na instrução penal. Isto porque, por ser um procedimento pré-processual, a fase é marcada por um traço inquisitório, de forma que a imparcialidade do julgador restará comprometida. 

O juiz, ao atuar na fase de inquérito, terá contato com os elementos informativos, provas em sentido genérico, que não foram obtidas sobre o crivo da ampla defesa e do contraditório, e, quando somente se tem uma versão dos fatos, tendo em vista o reduzido espaço de defesa na fase de investigação, corre-se o risco de que a decisão final seja apenas uma mera repetição do que foi obtido na inquérito e que deu fundamento para propositura da ação penal. 

Os dispositivos inseridos no CPP pela Lei nº 13.964/19, visando preservar a originalidade da cognição a ser obtida na fase de instrução, bem como os direitos do investigado durante a fase de inquérito, criou o instituto do juiz das garantias que, em linhas gerais, significa que o juiz que irá atuar na fase de inquérito será impedido de presidir a instrução. 

Além do estabelecimento da causa de impedimento, ao juiz das garantias foi reforçada sua função constitucional, em seu art. 3º-B, que assim dispõe: “ O juiz de garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário […].” 

Se o juiz atuar nas duas fases da persecuçã penal, a garantia da justiça objetiva pode ficar comprometida, ideia que vem do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que estabeleceu o entendimento de que “o juiz com poder de investigação é incompatível com o funções do Ministério Público, ou seja, se o juiz exercer o seu poder de investigação na fase pré-processual, não pode tornar-se juiz na fase processual. ”(LOPES JR, 2020, p. 188).

Do ponto de vista psicológico, por mais calmo que seja o magistrado, sua participação nas atividades acima significa um certo grau de comprometimento com os fatos descobertos, afastando o juiz do ponto de equilíbrio, como garantia para ambas as partes, e transformando-o no princípio de um juiz justo .

Quando o juiz é o representante plenipotenciário do processo – ou quase – e pode buscar e fornecer as provas que deseja a qualquer momento (durante a fase de investigação e do processo), ele não está apenas inclinado a acusá-lo, mas também em alguns aspectos o faz acreditar que ele ignora promotores. (COUTINHO, 2009, p.111).

Portanto, a garantia da originalidade cognitiva exige que o juiz da instrução cumpra o sistema de confronto e ampla defesa com base nas provas coletadas, ou seja, as provas apresentadas pelas partes no processo. 

Como humanista, não se pode ignorar as opiniões preconcebidas do juiz, porque “os próprios juízes têm uma série de aspectos subjetivos que não podem ser ignorados, mesmo que sejam projetados para afetar seriamente a vida das pessoas” (OLIVEIRA, 2016, p. 130).

Portanto, pesquisas sobre a aplicação da teoria da dissonância cognitiva no contencioso criminal mostram que “se a perda da parcialidade do juiz não puder ser determinada, surgirá pelo menos uma suspeita fundamentada, ou seja, a garantia da imparcialidade pode ser prejudicada pelo reconhecimento do Juiz em Processo Penal (LIMA, 2020, p. 125).

Por esse motivo, a ideia de separação do juiz que atua na fase de investigação daquele que irá instruir, é um dos grandes avanços que podem ser implementados pelo juiz das garantias, uma vez que, ao garantir a imparcialidade, seja sob o aspecto, e impedir a gestão da prova, seja por impedir o envolvimento objetivo com o caso, asseguram o sistema acusatório, que não mais reside na mera concepção de separação das funções.

4.2.2 Competências e Atribuições do juiz de Garantias.

A jurisdição do juiz das garantias pode resumir-se a duas responsabilidades fundamentais: controlar a legalidade das investigações criminais e salvaguardar os direitos individuais. Os seus privilégios foram reservados à autorização prévia do poder judicial, ou seja, determinar matérias protegidas pela cláusula de reserva jurisdicional  (LIMA, 2020).

Lopes Jr entende que, até o momento, a atuação dos juízes garantidores tem sido positiva, pois “garante mais a originalidade cognitiva e a lisura do juiz, assim como o poder do juiz de decidir sobre a absolvição sumária está nas mãos do juiz que geralmente compreende o comportamento de investigação”. (2020, p. 194).

O juiz de garantia é o responsável:

VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação  especial  pertinente; […];

IX – Determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação; 

XI – decidir sobre os requerimentos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado; XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; XIII – determinar a instauração de incidente de insanidade mental;[…] XVI – deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia; 

XVII – decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;

O juiz de garantia vai cuidar a decisão durante o inquérito policial, ou seja, antes do início do procedimento, a polícia e o Ministério Público podem solicitar medidas mais intrusivas durante o inquérito policial, durante uma investigação policial, a polícia e o Ministério Público podem exigir medidas mais invasivas, como ordens de detenção preventiva, interceptações de telefone, mensagens de texto, e-mails, arquivos armazenados na nuvem, dados bancários, impostos, como fornecimento de renda, operações financeiras , declarações fiscais e de cobrança, emissão de ordens de busca e apreensão e outras questões relacionadas à obtenção de provas, todas as quais requerem autorização da autoridade judiciária para serem concluídas.

O juiz de garantias permanecerá inertes e somente tomarão decisões quando provocados, proibindo assim o ativismo judicial e a atuação de magistrados. O julgamento pode ser feito sem a solicitação das partes, e o juiz deve aguardar o pedido da autoridade policial ou do tribunal e do Ministério Público para decidir sobre a emissão de medidas preventivas.

Ressalte-se que antes das mudanças na Lei nº 13.964 / 19, o mesmo juiz que julgava tais ações era o mesmo juiz que juiz que após o inquérito se transformar em processo iria julgar os denunciados alvo da investigação no Ministério Público, podendo ter sido “contaminado” antes da denúncia.

4.3 Críticas Ao Instituto Do Juiz Das Garantias 

Consoante a ideia de Bettiol (2016, p. 279), o modelo acusatório atual defende que as partes tenham iguais oportunidades no processo, tendo o magistrado como um terceiro, desobrigado com a investigação, assim como inerte com relação às provas juntadas no feito. Tal procedimento, via de regra, é oral, respeita o princípio da publicidade e, especialmente, o do contraditório. À vista disso, associando o juiz instrutor com as outras características importantes do sistema, pode-se dizer que o modelo contraria o sistema acusatório, diante do que leciona Lopes Jr. e Gloeckner (2015, p. 148).

Obviamente, ainda existem vestígios de figuras inquisidora sobre as funções de investigadores e magistrados. Agindo de acordo com a autoridade, presidindo todo o processo, outras partes não interferem, não se provoca a coleta de provas, tudo, as características do sistema de interrogatório (GLOECKNER; LOPES JR., 2015, p. 148).

De acordo com a análise dos autores Lopes Jr. e Gloeckner (2020, p. 148), o atual processo penal brasileiro não pode ter juiz garantido, pois a mesma pessoa acredita que o comportamento docente é relevante não tem credibilidade e avalia a legalidade do o comportamento ou eficácia, essas funções são incompatíveis, e uma garantia dos direitos básicos dos contribuintes. Além disso, pode prejudicar esta garantia e a credibilidade do Judiciário e de sua gestão. 

Ressalte-se que a investigação conduzida pelo magistrado não foi suficiente pelos motivos apresentados, pois não havia autoridade competente para controlar possíveis violações nesta investigação. Esse tipo de função de controle deve ser garantida pelo juiz, porém a divisão do trabalho nessa função acarreta enormes custos econômicos, pois requer dois árbitros para cooperar com a polícia na mesma ação investigativa. (GLOECKNER; LOPES JR., 2015, p.148). 

Diante disso, é inegável que uma mesma pessoa pode ser um investigador eficiente e conservador dos direitos básicos do contribuinte. Isso ocorre porque sua intervenção pode se tornar um sujeito ativo na investigação, ao invés de ser tratada como uma terceira parte justa no processo, o que de fato deveria ser. 

Além disso, segundo Gloeckner e Lopes Jr. (2015, p 149), o juiz de garantia está habituado à judicialização, o que acabará por afetar a celeridade do processo, pois não só fica satisfeito com a probabilidade, mas também quer todos os custos incorridos na busca de certezas, causando atrasos desnecessários, o que não deveria acontecer nas instruções preliminares do processo penal. 

Além disso, outro fator negativo pode ser visto como a possibilidade de confiar as investigações à polícia, por se tratarem de ações administrativas que devem ser aprovadas após serem incluídas no procedimento. O correto é que deveriam ser realizados de ofício ou a pedido do magistrado, somente aqueles atos permitidos em lei. Isso acabaria por prolongar a investigação, mediante a realização de atos, os quais seriam completamente dispensáveis, para buscar um juízo de probabilidade, o que não ajudaria nem um pouco na economia processual, até porque esses atos, para serem considerados válidos, devem acontecer no próprio processo (GLOECKNER; LOPES JR., 2015, p. 149). 

Considerando que a investigação preliminar deve ser função do titular do processo penal, há outra desvantagem de que os fatos imputados pelo magistrado instruam o promotor a contradizer os fatos. Essa contradição é bastante grave, também pelo fato que se o juiz intruir, não julga, outrossim, acima de tudo, fica enquadrado dentro de um estatuto orgânico, bem como de um Poder do Estado que não lhe compete, haja vista que, não sendo a instrução preliminar um processo em si, a investigação do crime não é judicial e, sim uma atividade administrativa. 

Outro inconveniente da aplicação da instituição do juiz garante no ordenamento jurídico brasileiro é que as instruções judiciais preliminares reduzem o valor probatório do ato investigativo, pois, quando executado pelo magistrado, o ato investigativo costuma ser levado a sério no julgamento sem a necessidade de sentença anterior. Como resultado, surgiu uma presunção de legitimidade ou regularidade (GLOECKNER; LOPES JR., 2015, p. 150).

Ao todo, Gloeckner e Lopes Jr. (2015, p. 150-151) geralmente apontam as lacunas de Juiz das Garantias e sua aplicação no Brasil, pois o modelo é superado e relacionado a magistrados inquisitor, cabendo aos mesma pessoa para decidir se deve proceder levantamento e avaliação da legalidade dos atos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O referido artigo teve como finalidade a pesquisa em relação à conceituação e relevância trazidas pelas modificações do pacote anticrime, desta forma, concluindo-se que, certamente tais alterações surtem efeitos positivos para o Estado e para à sociedade, tendo em vista que o combate ao crime organizado torna-se mais eficaz. Porém, vale ressaltar que embora as informações trazidas pelas pesquisas de direito comparado sejam muito valiosas e evidenciem a experiência de outros países que utilizam o sistema de Juiz das Garantias, ainda é preciso cautela ao vincular esse tipo de informação ao Brasil, por ser constitucional estrutura, particularidade da cultura, legislação, doutrina e jurisprudência de cada país.

           Dessa forma, conclui-se que o juiz de garantias é um importante marco na constitucionalização do processo penal, efetivando o sistema acusatório, uma vez que garante a imparcialidade e, em consequência, rompe com paradigmas inquisitórios, como a possibilidade de determinação de provas de ofício, e reforça que ser juiz, em um Estado democrático de direito, é ser garante dos direitos do investigado/acusado, uma vez que qualquer limitação, necessariamente, deve ser por meio do devido processo legal.

A limitação de pesquisa deste artigo tem a ver com o local aplicado e ao tempo, pois o seu acontecimento ocorreu durante às aulas, acarretando prejuízo à pesquisa. Além disso, também temos falta de pesquisas sobre o mesmo objetivo e a população-alvo deste estudo são os mesmos. A natureza exploratória do estudo foi severamente limitada em termos de revisão de literatura e comparação com os resultados de outros estudos realizados.

REFERÊNCIAS

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ARAS. Vladimir. Os prós e contras do juiz de garantias: Sem as correções de prazo, forma e rumo, instituto será um juiz de fantasia produtor de nulidades de verdade. Jota Opinião & análise. Disponível em <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/os-pros-e-contras-do- juiz-de-garantias-14022020>. Acesso em: 23 jun. 2022.

AROCA, Juan Montero; RAMOS, M. Ortells; COLOMER, J. L. Gómez; REDONDO, A. Montón. Derecho jurisdiccional III, proceso penal. Barcelona: Bosch, 1996 apud LOPES JR. Aury Lopes. Fundamentos do Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

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1Acadêmico do 10º período do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP

2Orientador, Doutor em Direito. Professor do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP

3Co-orientadora, Mestre. Professora do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP