REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505280727
Thainara Andrade de Oliveira¹
Thescya Luana Gonçalves da Rocha²
Andréia Alves de Almeida³
RESUMO
A crescente popularização dos jogos de azar online no Brasil, operados majoritariamente por plataformas estrangeiras, trouxe à tona preocupações relacionadas à prática de crimes financeiros, em especial a lavagem de dinheiro. A ausência de uma regulamentação específica para essas plataformas dificulta a fiscalização e o controle das transações realizadas, gerando um ambiente propício para atividades ilícitas. A partir disso, a problemática levantada foi há eficácia na legislação brasileira no combate ao crime de lavagem de dinheiro nos jogos de azar on-line? Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar os desafios e as medidas de prevenção da lavagem de dinheiro em plataformas de jogos de azar online no Brasil. Para atingir esse fim, estabelecem-se os seguintes objetivos específicos: Identificar os mecanismos utilizados para a lavagem de dinheiro em plataformas de jogos de azar online; Avaliar a legislação brasileira vigente, com foco na Lei nº 9.613/1998, e sua aplicação no contexto digital; Propor recomendações para o aprimoramento das medidas de controle e prevenção, considerando os avanços tecnológicos e as melhores práticas internacionais. A metodologia adota uma abordagem qualitativa, descritiva e bibliográfica, fundamentando-se em doutrinas jurídicas, artigos científicos, legislações, jurisprudências e documentos oficiais para promover uma análise crítica sobre a adequação das normas brasileiras às novas dinâmicas digitais.
Palavras-chave: Lavagem de Dinheiro. Jogos de Azar Online. Blockchain. Prevenção de Crimes Financeiros.
ABSTRACT
The growing popularity of online gambling in Brazil, mostly operated by foreign platforms, has raised concerns related to financial crimes, especially money laundering. The lack of specific regulation for these platforms hinders oversight and control of transactions, creating a favorable environment for illicit activities. From this scenario, the central research question emerged: is Brazilian legislation effective in combating money laundering in online gambling? Thus, the main objective of this study is to analyze the challenges and preventive measures related to money laundering on online gambling platforms in Brazil. To achieve this, the following specific objectives are established: identify the mechanisms used for money laundering through online gambling platforms; assess the current Brazilian legislation, focusing on Law No. 9.613/1998 and its application in the digital context; and propose recommendations to improve control and prevention measures, considering technological advancements and international best practices.The methodology adopts a qualitative, descriptive, and bibliographic approach, based on legal doctrines, scientific articles, legislation, jurisprudence, and official documents, in order to promote a critical analysis of the adequacy of Brazilian norms to the new digital dynamics.
Keywords: Money Laundering. Online Gambling. Blockchain. Financial Crime Prevention.
INTRODUÇÃO
No Brasil, os jogos de azar ainda enfrentam um cenário jurídico controverso. A legislação brasileira, marcada por proibições e tentativas de regulamentação ao longo das últimas décadas, não conseguiu acompanhar o avanço das tecnologias digitais. A Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n.º 3.688/1941) proíbe a exploração de jogos de azar no território nacional, exceto em situações específicas, como a Loteria Federal e algumas modalidades de apostas esportivas, regulamentadas mais recentemente pela Lei n.º 13.756/2018. No entanto, essa proibição não se estende de maneira clara às plataformas de jogos de azar online operadas fora do país, que, por conta da ausência de uma regulamentação específica e da facilidade de acesso pela internet, funcionam livremente no Brasil.
Essa lacuna normativa gera preocupações relevantes, principalmente no que diz respeito à prevenção e repressão de crimes financeiros, como a lavagem de dinheiro. As plataformas digitais, muitas vezes sediadas em paraísos fiscais e com pouco ou nenhum controle estatal, oferecem um ambiente propício para práticas ilícitas, dificultando o rastreamento de transações e favorecendo o anonimato dos usuários. A movimentação de grandes quantias por meio desses sites, sem mecanismos eficazes de fiscalização, representa um desafio crescente para as autoridades brasileiras.
Diante disso, surge o seguinte problema: há eficácia na legislação brasileira no combate ao crime de lavagem de dinheiro nos jogos de azar on-line? Nesse contexto, duas hipóteses são levantadas. A primeira sustenta que a legislação brasileira atual é insuficiente para combater a lavagem de dinheiro em jogos de azar online, uma vez que as normas vigentes não foram adaptadas para lidar com as complexidades e a natureza global dessas plataformas, permitindo brechas significativas que facilitam práticas ilícitas.
A segunda hipótese considera que a ausência de regulamentação específica sobre os jogos de azar online contribui diretamente para a vulnerabilidade do sistema financeiro brasileiro frente a crimes de lavagem de dinheiro, dificultando a atuação dos órgãos de controle. Já a terceira hipótese propõe que a adoção de tecnologias avançadas, como o uso de blockchain, pode melhorar significativamente o rastreamento de transações em jogos de azar online, fornecendo um registro imutável e transparente das operações financeiras, ajudando a identificar e coibir atividades de lavagem de dinheiro.
Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar os desafios e as medidas de prevenção da lavagem de dinheiro em plataformas de jogos de azar online no Brasil.
Para atingir esse fim, estabelecem-se os seguintes objetivos específicos: Identificar os mecanismos utilizados para a lavagem de dinheiro em plataformas de jogos de azar online; Avaliar a legislação brasileira vigente, com foco na Lei nº 9.613/1998, e sua aplicação no contexto digital; Propor recomendações para o aprimoramento das medidas de controle e prevenção, considerando os avanços tecnológicos e as melhores práticas internacionais.
A estrutura do trabalho está organizada da seguinte forma: No primeiro capítulo será dedicado a um panorama histórico e jurídico dos jogos de azar no Brasil, com especial atenção ao contexto sociocultural que originou o jogo do bicho, passando pela evolução legislativa e as tentativas recentes de regulamentação das atividades de jogo, até a análise do Projeto de Lei nº 442/1991 e sua posterior transformação no PL nº 2.234/2022, que propõe a legalização de cassinos, bingos, jogo do bicho e jogos online.
No segundo capítulo abordará os aspectos técnicos e jurídicos da lavagem de dinheiro, com foco na Lei nº 9.613/1998, discutindo seus principais dispositivos, obrigações legais, sujeitos obrigados e a evolução normativa frente aos desafios impostos pelas novas tecnologias e plataformas digitais.
Por fim, último capítulo será tratado especificamente dos jogos de azar online como instrumentos potenciais de lavagem de dinheiro, analisando casos concretos, a atuação dos órgãos de controle e fiscalização, e debatendo medidas preventivas possíveis, com destaque para o uso de tecnologias emergentes, como a blockchain, no combate a essa prática ilícita.
A metodologia adotada é de caráter qualitativo, descritivo e bibliográfico, baseada na análise de obras doutrinárias, artigos científicos, legislações nacionais, jurisprudências, documentos institucionais e relatórios de organismos internacionais encontrados na internet.
2. UM PANORAMA HISTÓRICO E JURÍDICO DOS JOGOS DE AZAR NO BRASIL
A trajetória dos jogos de azar no Brasil é marcada por períodos alternados de permissividade e proibição, apresentando as transformações socioculturais e políticas do país. Desde os tempos coloniais, essas práticas estiveram presentes na sociedade brasileira, passando por diversas fases de regulamentação e repressão.
No período colonial, os jogos de azar foram introduzidos pelos colonizadores portugueses e rapidamente incorporados à cultura popular, principalmente nas festividades religiosas e nas feiras. Durante o século XVI, práticas como o jogo de dados, cartas e roletas rudimentares eram comuns, apesar da falta de regulamentação formal. Segundo Reis (2018), as primeiras manifestações lúdicas associadas ao jogo no Brasil colonial aconteciam em ambientes públicos, sob uma ambiguidade entre tolerância e reprovação moral, conforme a influência da Igreja Católica”. Com o tempo, as preocupações religiosas e os ideais morais passaram a moldar uma visão mais restritiva sobre o tema, pressionando o poder público a adotar medidas de controle.
A primeira metade do século XX testemunhou uma fase de legalização e florescimento dos jogos de azar, especialmente com a inauguração de cassinos que se tornaram centros de entretenimento e cultura. Entretanto, em 1946, sob o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, os jogos de azar foram proibidos em todo o território nacional, influenciados por argumentos de ordem moral e religiosa (Costa e Silva, 2017).
Apesar da proibição, algumas modalidades continuaram a existir de forma clandestina ou sob regulamentações específicas. As apostas em corridas de cavalos, por exemplo, foram regulamentadas pela Lei nº 7.291/1984, permitindo sua operação sob determinadas condições (Santos, 2019). Além disso, loterias federais e estaduais mantiveram-se ativas, servindo como exceções à regra geral de proibição.
Nas décadas seguintes, debates sobre a legalização e regulamentação dos jogos de azar ressurgiram periodicamente, impulsionados por argumentos econômicos e pela busca de novas fontes de receita para o Estado. A ausência de uma regulamentação abrangente levou ao crescimento de operações ilegais e à perda de potencial arrecadação tributária (Azevedo, 2022).
Recentemente, a expansão das apostas online e a crescente popularidade dessas plataformas trouxeram novos desafios para o ordenamento jurídico brasileiro. A falta de uma legislação específica para o ambiente digital permitiu que empresas estrangeiras operassem livremente, sem a devida fiscalização e contribuição fiscal.
Esse cenário reacendeu discussões sobre a necessidade de uma regulamentação que contemple as novas realidades tecnológicas e econômicas (Petroli, 2024).
Esse cenário levou à retomada do debate legislativo sobre a regulamentação dos jogos de azar, especialmente em momentos de crise fiscal, nos quais o Estado busca novas fontes de receita. Como observa Azevedo (2022) a legalização dos jogos de azar surge ciclicamente como proposta política atrelada à necessidade de arrecadação e à promessa de geração de empregos e desenvolvimento econômico”.
Atualmente, a discussão sobre a legalização dos jogos de azar no Brasil envolve múltiplos interesses, incluindo questões de moralidade pública, políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e combate à criminalidade organizada (Martins e Marques, 2024).
Em síntese, a história dos jogos de azar no Brasil revela um ciclo dinâmico de permissões e proibições, tensionado por valores morais, interesses econômicos e desafios regulatórios. O contexto contemporâneo exige uma abordagem equilibrada que, sem ignorar os riscos associados, reconheça o potencial econômico e cultural das atividades de jogo, propondo uma regulamentação que promova a segurança jurídica, a integridade das operações e o interesse público.
2.1 Do surgimento do jogo do bicho
No final do período imperial brasileiro, mais precisamente em janeiro de 1888, foi fundado por João Batista Viana Drummond, conhecido como Barão de Drummond, o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, localizado no tradicional bairro de Vila Isabel4, na Zona Norte da cidade. Com o advento da República e o consequente encerramento dos repasses financeiros que o Império destinava à manutenção do zoológico, o espaço passou a enfrentar sérias dificuldades econômicas (Labronici e Da Silva, 2017).
Diante dessa situação, o Barão de Drummond recorreu ao Parlamento, solicitando auxílio financeiro. Sua proposta consistia em utilizar parte dos recursos provenientes das loterias então existentes, de forma a não onerar diretamente o contribuinte.
Conforme citado por Silva (2013), Drummond justificou seu pedido mencionando que os hipódromos da cidade já movimentavam grandes quantias por meio de apostas, das quais uma porcentagem era revertida às entidades organizadoras. Sugeriu, portanto, que uma fração desse montante fosse direcionada a instituições de utilidade pública, como o Jardim Zoológico. Curiosamente, embora sugerisse o uso das receitas do jogo, ele também reforçava, em seu requerimento, que os jogos de aposta deveriam ser reprimidos.
Após ter seu pedido negado, o Barão decidiu adotar uma estratégia alternativa, inspirando-se em práticas comerciais comuns na época, que utilizavam sorteios de prêmios para atrair o público em tempos de crise econômica. Assim, com o apoio de seu amigo mexicano Manuel Ismael Zevada, teve a ideia de criar um jogo baseado nos animais de seu zoológico. A proposta envolvia a seleção de 25 animais, cada um associado a quatro dezenas que variam entre os números 00 e 99 (Labronici e Da Silva, 2017).
Conforme noticiado pelo Jornal do Brasil em 4 de julho de 1892, esse jogo consistia em um sorteio diário, no qual o nome de um animal era escolhido aleatoriamente e colocado em uma caixa de madeira às 7h da manhã. A caixa era aberta às 17h, revelando o animal sorteado. Os visitantes que tivessem adquirido entradas com o animal correspondente recebiam um prêmio em dinheiro. O primeiro sorteio teve como resultado o avestruz, o que gerou uma premiação coletiva de 460$000. Essa iniciativa, além de popularizar o zoológico, marcou o surgimento de um dos jogos mais emblemáticos da história brasileira: o jogo do bicho (Gomes, 2019).
Um dos grandes atrativos do Jardim Zoológico fundado pelo Barão de Drummond era justamente o bilhete de entrada, que, além de permitir o acesso ao local, associava o visitante a um dos 25 animais do zoológico, conforme os dois últimos dígitos do ingresso (Guedes, 2016). Esse bilhete servia como participação no sorteio diário, cujo prêmio era financiado com parte da receita gerada pelas entradas vendidas.
Diariamente, o nome de um dos animais, previamente escolhido pelo próprio Barão, era inserido em uma caixa lacrada posicionada no alto de um mastro de cinco metros de altura. Ao final do dia, a caixa era aberta publicamente, revelando o animal sorteado. Esse ritual incentivava a permanência do público durante todo o dia no zoológico, consumindo outros serviços ali oferecidos, como cafés, restaurantes e até hospedagem (Silva, 2013).
A inovação atraiu grande atenção da população. Em pouco tempo, o número de visitantes aumentou significativamente, impulsionado, porém, mais pelo sorteio do que pelo interesse na fauna do zoológico. Assim, o entretenimento inicialmente criado para viabilizar financeiramente a manutenção do espaço acabou ganhando proporções inesperadas, gerando inclusive as primeiras críticas por parte da imprensa. Como registrado em matéria do jornal O Tempo (1892), já em julho daquele ano houve pronunciamentos contrários à prática, alegando que se tratava de uma forma disfarçada de jogo de azar, uma vez que o ganho dependia exclusivamente do acaso:
“[…] Esta diversão, prejudicial aos interesses dos encantos, que com a esperança enganadora de um incerto lucro se deixam ingenuamente seduzir, é precisamente um verdadeiro jogo de azar […]” (O Tempo, 1892, apud Silva, 2013).
Apesar das críticas e ameaças legais baseadas nos artigos 369 e 370 do Código Penal da época, o jogo criado pelo Barão ganhou rapidamente enorme popularidade. Ironicamente, aquele que defendia a repressão ao jogo se tornou o responsável pela criação de uma prática que viria a se enraizar profundamente na cultura popular brasileira: o jogo do bicho. Como observa Bueno (2013), o termo loteria talvez seja mais apropriado do que jogo, considerando sua estrutura e formato de sorteio diário.
A rápida disseminação do jogo foi tamanha que, em pouco tempo, extrapolou os limites do Rio de Janeiro, alcançando outras regiões do Brasil. Criaram-se até mesmo publicações especializadas e manuais de interpretação de sonhos, com o objetivo de oferecer palpites baseados em significados simbólicos, consolidando o jogo como parte da cultura popular.
A figura do bicheiro, do gerente de banca e dos próprios animais sorteados tornou-se comum no cotidiano brasileiro, com números e bichos sendo amplamente conhecidos pela população. Com o intuito de angariar apoio da opinião pública, muitos banqueiros do jogo do bicho passaram a patrocinar eventos culturais, como escolas de samba, e esportivos, como clubes de futebol, sendo creditados como importantes financiadores do desenvolvimento do carnaval carioca e até do futebol no estado (Ferreira, 2015).
Apesar da repressão do Estado, o jogo do bicho não apenas sobreviveu, como se fortaleceu, tornando-se uma atividade que gerava empregos e renda alternativa para uma parcela considerável da população, sobretudo entre os desempregados e trabalhadores informais. Seu impacto social e cultural é inegável, sendo, até hoje, considerado por muitos o único jogo de azar genuinamente brasileiro.
2.2 A evolução legislativa e as tentativas recentes de regulamentação dos jogos de azar no Brasil
A evolução legislativa dos jogos de azar no Brasil apresenta um processo dinâmico e, por vezes, contraditório, marcado por avanços pontuais e retrocessos impulsionados por pressões políticas, econômicas e sociais (Barbosa, 2021).
Ao longo dos anos, diversas propostas de regulamentação foram apresentadas no Congresso Nacional, com o objetivo de adaptar a legislação às novas realidades tecnológicas e à crescente demanda da população por ambientes legais de entretenimento (Barbosa, 2021).
De acordo com Moreira e Oliveira (2023) uma das propostas mais significativas dos últimos anos foi o Projeto de Lei nº 442/1991, que permaneceu por décadas em tramitação e consolidou-se como símbolo do debate sobre a legalização dos jogos de azar no país. Esse projeto foi atualizado e transformado no Projeto de Lei nº 2.234/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados em 2022 e enviado ao Senado, propondo a legalização de cassinos, bingos, jogo do bicho e jogos online.
Os defensores da regulamentação argumentam que a legalização geraria receita fiscal, empregos diretos e indiretos, além de permitir maior controle e combate à lavagem de dinheiro. Para Lima (2022), a ausência de regulação contribui para a manutenção de um mercado clandestino bilionário, que escapa completamente da fiscalização estatal e do sistema tributário brasileiro.
Por outro lado, opositores da legalização alegam que a ampliação dos jogos de azar pode intensificar problemas sociais como o endividamento, a ludopatia e o crime organizado. Segundo Castro (2020), é imprescindível que qualquer proposta de legalização venha acompanhada de medidas de prevenção e tratamento para jogadores compulsivos, bem como mecanismos eficazes de controle financeiro e transparência.
Além do debate legislativo, decisões judiciais e manifestações de órgãos reguladores também vêm influenciando o cenário jurídico dos jogos no país. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido acionado para avaliar dispositivos legais e questionamentos constitucionais relacionados ao tema, o que demonstra a relevância crescente da matéria no âmbito jurídico (Fernandes, 2023).
Nesse cenário de transformações e tensões, torna-se fundamental que o ordenamento jurídico brasileiro avance rumo a uma legislação moderna, que concilie a liberdade econômica com os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção do consumidor, buscando soluções sustentáveis para os desafios que os jogos de azar representam no século XXI.
2.3 O projeto de lei nº 442/1991 e sua transformação no PL nº 2.234/2022: avanços na legalização dos jogos de azar no Brasil
O Projeto de Lei nº 442/1991 foi inicialmente apresentado com o objetivo de estabelecer um marco legal para a exploração dos jogos de azar no Brasil, cuja proibição remonta ao Decreto-Lei nº 9.215/1946, que, durante o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, determinou o fechamento de cassinos e casas de jogos em todo o território nacional, conforme já evidenciado. Desde então, o tema se tornou recorrente no debate legislativo, sendo objeto de propostas diversas, quase sempre envoltas em controvérsias políticas, religiosas e morais (Silva, 2020).
Durante décadas, o PL 442/1991 permaneceu em tramitação na Câmara dos Deputados, recebendo diversos apensamentos e atualizações ao longo do tempo. Sua principal proposta visava regulamentar a exploração de atividades como cassinos, bingos, jogo do bicho e jogos online, prevendo regras de fiscalização, arrecadação tributária e mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro (Gomes, 2022). A tramitação arrastada demonstrou a complexidade do tema e a resistência de setores da sociedade civil e do próprio parlamento, que associam os jogos de azar à criminalidade e à desestruturação social (Pereira, 2021).
Em 2022, a proposta ganhou nova força com a consolidação de um substitutivo ao projeto original, que passou a tramitar como o Projeto de Lei nº 2.234/2022, o qual foi aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal para análise. O texto aprovado apresenta regras específicas para a concessão e operação dos jogos legalizados, determinando, por exemplo, que os cassinos deverão funcionar dentro de resorts integrados, com infraestrutura de hospedagem, eventos e entretenimento, buscando atrair o turismo e fomentar a economia local (Mendes, 2023).
Além disso, o PL 2.234/2022 define a criação de uma autoridade reguladora e mecanismos de controle financeiro para prevenir práticas ilícitas, como a evasão fiscal e a lavagem de capitais. Outro aspecto relevante é a previsão de repasse de parte da arrecadação para áreas como saúde, segurança pública e turismo, o que, segundo defensores do projeto, contribuiria para a geração de empregos e aumento da arrecadação tributária (Costa, 2022).
Apesar dos avanços, críticos apontam lacunas importantes, como a necessidade de um debate mais aprofundado sobre os impactos sociais dos jogos, incluindo o risco de ludopatia (vício em jogos) e o endividamento familiar. Segundo Albuquerque (2023), a aprovação apressada de um tema tão delicado sem ampla participação da sociedade pode comprometer a efetividade da regulamentação e abrir margem para novos desafios jurídicos e sociais.
3. ASPECTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS DA LAVAGEM DE DINHEIRO, COM ÊNFASE NA LEI Nº 9.613/1998
A lavagem de dinheiro é uma discussão nova no campo jurídico, que envolve técnicas de ocultação e dissimulação da origem ilícita de recursos financeiros, com o objetivo de integrá-los no sistema econômico formal. Conforme ensina Greco (2019), trata-se de um crime autônomo que não depende da condenação pelo delito antecedente, e cuja repressão exige ferramentas jurídicas robustas e atualizadas.
No Brasil, o marco legal central no combate à lavagem de dinheiro é a Lei nº 9.613/1998, que sofreu significativas alterações com a entrada em vigor da Lei nº 12.683/2012. A redação original restringia os crimes antecedentes, mas a reforma de 2012 ampliou seu alcance, tornando-o aplicável a qualquer infração penal. Segundo Prado (2020), essa mudança representou um avanço substancial na legislação brasileira, alinhando-a aos padrões internacionais recomendados pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI).
A estrutura típica do crime de lavagem de dinheiro é dividida em três fases principais: colocação, estratificação e integração. Durante a fase de colocação, os valores ilícitos são inseridos no sistema financeiro; na estratificação, ocorrem diversas movimentações para dificultar o rastreamento da origem; e, finalmente, na fase de integração, os recursos são reapresentados à economia como aparentemente legais (Silva, 2021).
É importante ressaltar que, segundo Costa (2022), os jogos de azar online operados por plataformas estrangeiras têm sido utilizados como mecanismos de facilitação da lavagem de dinheiro, especialmente em virtude da dificuldade de rastreamento das transações digitais e da ausência de fiscalização em tempo real.
A Lei nº 9.613/1998, conhecida como a Lei de Lavagem de Dinheiro, representa um marco fundamental no ordenamento jurídico brasileiro no combate a crimes financeiros e econômicos. E
Um dos aspectos centrais da Lei é a obrigatoriedade de comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) por parte de determinadas entidades como instituições financeiras, empresas de turismo, imobiliárias, joalherias, seguradoras e até mesmo organizações que atuam com ativos virtuais. Essas comunicações devem ser feitas sempre que forem identificadas movimentações atípicas, ou seja, transações que fujam do padrão habitual do cliente ou que levantem suspeitas quanto à sua licitude.
Conforme o art. 11 da referida lei:
As pessoas mencionadas no art. 9º deverão atender, no prazo fixado, às requisições formuladas pelo COAF no exercício de suas atribuições, e comunicar, conforme o disposto no art. 10, ao órgão qualquer operação que, nos termos de instruções emanadas da autoridade competente, possa configurar indício de crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.” (Brasil, 1998).
Além da obrigatoriedade de comunicação, a lei estabelece sanções rigorosas para quem pratica o crime de lavagem de dinheiro, com pena de reclusão de três a dez anos, além de multa. Essas sanções, por sua severidade, demonstram o compromisso do legislador em tratar o crime de lavagem de dinheiro como um delito grave, principalmente pelo seu papel de sustentação e dissimulação de outros crimes, como corrupção, tráfico de drogas, terrorismo, e, mais recentemente, os crimes relacionados a jogos de azar online.
Segundo Silva (2021), a eficácia dessa legislação depende não apenas da existência das normas punitivas, mas da capacidade das instituições em identificar operações suspeitas e, principalmente, da integração entre os sistemas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro. Essa integração se torna ainda mais necessária diante do cenário digital e da natureza global das plataformas online, onde os mecanismos tradicionais de controle se mostram insuficientes.
Entretanto, conforme aponta Lima (2023), a eficácia da legislação brasileira ainda encontra entraves na capacidade operacional dos órgãos de fiscalização, bem como na cooperação internacional, essencial para combater crimes financeiros transnacionais.
Com base nesses elementos, verifica-se que o combate à lavagem de dinheiro, especialmente em setores como os jogos online, demanda constante atualização normativa, cooperação multilateral e investimento em inteligência financeira, de modo a garantir a efetividade das medidas previstas na legislação vigente.
Desse modo, a eficácia da legislação brasileira no combate à lavagem de dinheiro em jogos de azar online tem sido objeto de debate acadêmico e jurídico. Embora existam normas específicas, como a Lei nº 9.613/1998, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro, sua aplicação efetiva enfrenta desafios significativos no contexto das apostas digitais.
Segundo Souza (2024), a natureza transnacional dos jogos de azar online dificulta a fiscalização e o controle por parte das autoridades brasileiras. A autora destaca que a cooperação internacional é essencial para enfrentar as práticas ilícitas associadas a essas atividades, uma vez que muitas plataformas operam fora do território nacional, escapando da jurisdição brasileira.
Além disso, Alencar e Ribeiro (2025) argumentam que a ausência de uma regulamentação abrangente para os jogos de azar no Brasil contribui para a expansão do mercado clandestino, facilitando a lavagem de dinheiro.
Em suma, embora a legislação brasileira disponha de instrumentos para combater a lavagem de dinheiro, sua eficácia no contexto dos jogos de azar online é limitada pela falta de regulamentação específica, pela natureza transnacional dessas atividades e pela necessidade de cooperação internacional (De Brito Júnior, 2014).
4.1 Análise Crítica da Eficácia da Legislação Brasileira Frente à Lavagem de Dinheiro nos Jogos de Azar Online
A crescente popularização dos jogos de azar online no Brasil tem desafiado a capacidade do ordenamento jurídico nacional em prevenir e reprimir condutas ilícitas, especialmente aquelas relacionadas à lavagem de dinheiro. Com a ausência de uma legislação específica para o setor, as plataformas de apostas virtuais vêm operando em uma zona cinzenta da legalidade, o que favorece a atuação de organizações criminosas e dificulta o monitoramento estatal sobre as movimentações financeiras ocorridas nessas plataformas.
Segundo Goulart (2023), a legislação brasileira, notadamente a Lei nº 9.613/1998, ainda que tenha passado por reformas importantes, não acompanha satisfatoriamente a complexidade das transações realizadas em plataformas de jogos online. O autor sustenta que o anonimato proporcionado pelas carteiras digitais e criptomoedas utilizadas nesses ambientes compromete a rastreabilidade dos valores transacionados, facilitando sua utilização como mecanismo para dissimulação de ativos ilícitos. Vejamos uma jurisprudência:
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Gabinete do Des. Demócrito Ramos Reinaldo Filho (4ª CCRIM) – F:() QUARTA CÂMARA CRIMINAL HABEAS CORPUS Nº. 0056575-09.2024 .8.17.9000 AÇÃO ORIGINÁRIA: 0022884-49.2024 .8.17.2001 IMPETRANTES: Ademar Rigueira Neto e outros PACIENTE: Ruy Conolly Peixoto AUTORIDADE COATORA: Juízo de Direito da 12ª Vara Criminal da Capital/PE RELATOR: Des. Demócrito Reinaldo Filho PROCURADOR DE JUSTIÇA: Rinaldo Jorge da Silva EMENTA HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. LAVAGEM DE DINHEIRO. PRÁTICA ILEGAL DA EXPLORAÇÃO DO JOGO DE BICHO E JOGOS DE AZAR. OPERAÇÃO INTEGRATION . REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ACOLHIMENTO EM PARTE. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO PARCIAL DO INQUÉRITO POLICIAL APRESENTADO PELO ÓRGÃO MINISTERIAL. CONTINUIDADE DAS INVESTIGAÇÕES EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE POSSÍVEL MESCLA DE VALORES PROVENIENTES DO JOGO DO BICHO . EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS QUE RECOMENDAM O ABRANDAMENTO DAS MEDIDAS IMPOSTAS. ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE. (…), nos termos do voto do Relator Desembargador Demócrito Reinaldo Filho . Recife/PE, data da assinatura eletrônica. Demócrito Reinaldo Filho Desembargador Relator mbrc (TJ-PE – HABEAS CORPUS CRIMINAL: 00565750920248179000, Relator.: DEMOCRITO RAMOS REINALDO FILHO, Data de Julgamento: 06/05/2025, Gabinete do Des. Demócrito Ramos Reinaldo Filho (4ª CCRIM) (Brasil, 2025).
Desse modo, a relevância dessa decisão está no fato de que mesmo diante do pedido de arquivamento parcial do inquérito pelo Ministério Público, o Judiciário optou por manter as investigações em virtude dos indícios de ocultação de valores ilícitos. Esse ponto evidencia a fragilidade da legislação atual, uma vez que o próprio Judiciário, ao aplicar o direito, precisa interpretar e compensar lacunas normativas com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Outro aspecto importante da decisão é o reconhecimento da necessidade de abrandamento das medidas cautelares, o que, por um lado, demonstra a sensibilidade do Judiciário ao contexto pessoal do investigado, mas por outro, expõe a dificuldade de manter medidas efetivas contra a lavagem de dinheiro em casos relacionados a jogos de azar, em virtude de entraves legais e processuais.
Em estudo conduzido por Gomes (2024), observou-se que a ausência de normas claras quanto à obrigatoriedade de compliance e due diligence nas operadoras de jogos virtuais é um dos principais entraves à efetividade da política antilavagem. O autor defende a imposição de deveres legais semelhantes aos exigidos das instituições financeiras, como a identificação obrigatória dos usuários, o monitoramento contínuo de transações e a comunicação de operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Além disso, a ausência de regulamentação sobre os jogos de azar online cria um vácuo normativo que impede a responsabilização objetiva das plataformas e dificulta a articulação entre os órgãos de controle interno e externo. Como analisa Silva (2025), enquanto não houver um marco regulatório específico, a legislação atual continuará sendo interpretada de forma fragmentada, o que compromete a uniformidade e a previsibilidade das decisões judiciais.
Costa Júnior (2013), enfatiza que a falta de legislação específica para os jogos de azar virtuais estabelece um paradigma entre a eficácia e o alcance da legislação brasileira. Ele argumenta que, embora o jogo de azar seja tipificado como contravenção penal, não há uma legislação específica regulando os sítios que realizam tais operações ilegais diariamente no país, o que dificulta a responsabilização criminal das pessoas jurídicas envolvidas.
Bottini (2022) também aborda essa questão, ressaltando que, embora cassinos possam ser utilizados para conferir aparência lícita a dinheiro sujo, há uma carência de mecanismos eficazes para prevenir a lavagem de dinheiro nesse setor. Ele destaca que, apesar de existirem recomendações internacionais para que autoridades públicas tenham atenção para com as facilidades que cassinos podem oferecer a atos de ocultação de dinheiro sujo, a implementação dessas medidas no Brasil ainda é incipiente.
Uma decisão emblemática sobre o tema foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro de 2023, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 51. Na ocasião, o STF decidiu, por unanimidade, que autoridades brasileiras podem requisitar dados diretamente a provedores de internet estrangeiros com sede ou representação no Brasil, sem a necessidade de seguir o procedimento do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT) celebrado entre Brasil e Estados Unidos (STF, 2023).Essa possibilidade está prevista no artigo 11 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que estabelece a aplicação da legislação brasileira às empresas que operam no país, independentemente do local de armazenamento dos dados (Brasil, 2014).
Apesar dessa decisão, na prática, as autoridades enfrentam obstáculos significativos para obter informações de empresas estrangeiras. O Ministério Público Federal (MPF) destaca que muitas dessas empresas alegam não estarem sujeitas à jurisdição brasileira, dificultando o cumprimento de ordens judiciais. Além disso, o processo de cooperação internacional por meio do MLAT é frequentemente moroso e ineficaz, com baixa taxa de atendimento aos pedidos brasileiro (MPF, 2018).
Assim, em relação às tecnologias, autores como Andrade e Reis (2023) apontam que a adoção de tecnologias emergentes como blockchain pode representar uma oportunidade para mitigar os riscos de lavagem de dinheiro.
Mediante isso, é possível compreender que a utilização de tecnologias avançadas no rastreamento de transações suspeitas tem se mostrado fundamental no combate à lavagem de dinheiro no Brasil. Embora a jurisprudência ainda esteja em desenvolvimento nesse aspecto, há decisões judiciais e normativas que reconhecem a importância dessas ferramentas tecnológicas.
Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a 4ª Vara Criminal de Campinas (SP) fosse competente para analisar um inquérito policial envolvendo o uso de criptomoedas para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas. O ministro Felix Fischer destacou a complexidade das transações financeiras digitais e a necessidade de uma análise especializada para rastrear os ativos envolvidos (STF, 2020).
Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou um provimento que visa aperfeiçoar as comunicações de operações suspeitas de lavagem de dinheiro, incentivando o uso de tecnologias para identificar e rastrear transações financeiras ilícitas (CNJ, 2024).
O Tribunal de Contas da União (TCU) também reconheceu a importância da tecnologia no rastreamento de transações financeiras, destacando que a base de dados do Poder Judiciário não é tão rica quanto a do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o que evidencia a necessidade de integração e uso de sistemas tecnológicos avançados para efetivar o combate à lavagem de dinheiro (Brasil, 2025).
Essas iniciativas demonstram um movimento crescente no judiciário brasileiro em reconhecer e incorporar tecnologias no processo de identificação e rastreamento de transações suspeitas, ainda que a jurisprudência consolidada sobre o uso específico dessas ferramentas esteja em formação.
Contudo, essa possibilidade ainda carece de viabilidade jurídica e prática, pois depende de uma normatização que estabeleça parâmetros obrigatórios de transparência e interoperabilidade tecnológica entre as plataformas e os órgãos fiscalizadores.
O ordenamento jurídico carece de um marco regulatório específico que contemple a natureza dinâmica, digital e transnacional dessas plataformas, bem como de uma integração mais eficiente com tecnologias de rastreamento e órgãos internacionais de cooperação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve como objetivo principal analisar a eficácia da legislação brasileira no combate ao crime de lavagem de dinheiro no contexto dos jogos de azar online. Para tanto, estruturou-se o trabalho em três capítulos que abordaram, respectivamente, os aspectos históricos, jurídicos e técnicos da temática.
No primeiro capítulo, foi apresentada uma introdução ao problema central, destacando o crescimento das plataformas de apostas online e sua relação com práticas ilícitas, especialmente a lavagem de capitais. Evidenciou-se como a popularização desses jogos e a ausência de controle regulatório específico no Brasil criam um ambiente propício para a movimentação de recursos de origem ilícita.
Já no segundo capítulo, foi desenvolvido um panorama histórico e jurídico dos jogos de azar no Brasil, abordando desde o surgimento do jogo do bicho até as tentativas legislativas de regulamentação das apostas, como o Projeto de Lei nº 442/1991 e sua evolução para o PL nº 2.234/2022. Constatou-se que o país tem oscilado entre posturas repressivas e permissivas, influenciado por fatores culturais, econômicos e políticos. Essa inconstância normativa contribuiu para a fragilidade do controle sobre o setor.
Já no último capítulo concentrou-se na análise da Lei nº 9.613/1998, que disciplina os crimes de lavagem de dinheiro no Brasil. Foram abordadas as obrigações impostas aos setores obrigados, os mecanismos de controle financeiro por meio do COAF e a importância da comunicação de operações suspeitas. Apesar de sua robustez normativa, a legislação apresenta limitações significativas quanto ao monitoramento de transações realizadas em plataformas digitais, sobretudo aquelas sediadas no exterior.
A partir das análises realizadas ao longo do artigo, é possível responder à problemática central: há eficácia na legislação brasileira no combate ao crime de lavagem de dinheiro nos jogos de azar online?
A resposta é parcialmente negativa. Embora a Lei nº 9.613/1998 ofereça um arcabouço jurídico estruturado e reconhecido internacionalmente, sua aplicação no universo dos jogos de azar online esbarra em lacunas importantes, como a ausência de regulamentação específica para o setor, a dificuldade de fiscalização de plataformas estrangeiras e a complexidade no rastreamento de transações digitais, especialmente aquelas realizadas com o uso de criptomoedas.
Dessa forma, a hipótese inicialmente levantada de que a legislação brasileira é eficaz, porém limitada frente aos desafios impostos pelas novas tecnologias e à expansão dos jogos online foi confirmada. O estudo demonstrou que, apesar da existência de normas detalhadas sobre prevenção e repressão à lavagem de dinheiro, há uma ineficácia prática no enfrentamento do problema dentro do contexto digital, principalmente pela ausência de integração entre os órgãos de fiscalização, lacunas na cooperação internacional e defasagem normativa diante do avanço tecnológico.
Portanto, conclui-se que a legislação brasileira, em sua forma atual, não é plenamente eficaz no combate à lavagem de dinheiro em plataformas de jogos de azar online. O estudo reafirma a urgência de uma regulamentação moderna e específica, que contemple as particularidades do ambiente digital e promova uma articulação mais eficaz entre os órgãos de controle financeiro, o Ministério Público, a Polícia Federal e os provedores de serviços digitais, inclusive os estrangeiros.
Somente com um marco legal claro e integrado será possível garantir a proteção dos consumidores, a integridade do sistema financeiro nacional e a efetiva repressão aos crimes de lavagem de dinheiro em um cenário cada vez mais digitalizado e transnacional.
4Vila Isabel foi o primeiro bairro do Rio de Janeiro a ser cuidadosamente planejado, sendo idealizado e financiado pelo Barão de Drummond, um conhecido defensor da abolição da escravidão. Inspirado na arquitetura e urbanização de Paris, o bairro contava com bondes e uma estrutura moderna para a época. As ruas receberam nomes que homenageavam personalidades e datas marcantes do movimento abolicionista, como o Boulevard 28 de Setembro, que remete à promulgação da Lei do Ventre Livre. O nome “Vila Isabel” foi escolhido em honra à princesa Isabel, filha do imperador Dom Pedro II, que mais tarde sancionaria a Lei Áurea, pondo fim à escravidão no Brasil. RIO CURIOSO. Vila Isabel. Disponível em: http://rio-curioso.blogspot.com.br/2007/08/vila-isabel.html. Acesso em: 03 abr 2025.
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¹Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia;
²Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia;
³Professora orientadora. Doutora em Ciência Jurídica (DINTER entre FCR e UNIVALI). Mestre em Direito pela UNIVEM/SP. Especialista em Direito Penal (UNITOLEDO/SP). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela UNIR. Especialista em Direito Militar pela Verbo Jurídico/RJ. E-mail: almeidatemis.adv@gmail.com.