INTOXICAÇÃO POR BUFOTOXINAS EM CÃES: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8088269


Lorhaynne Amandha de Aguiar Rabello Soares1
Mariane Diniz Lelis2
Míriam Cristina Alves de Oliveira Campos3
Fabrício Alves de Oliveira Campos4


Resumo:

A intoxicação por bufotoxinas em cães é uma condição de emergência clínica e potencialmente fatal. Esta pesquisa tem como objetivo relatar e discutir sobre um caso de intoxicação por bufotoxinas. Um cão Shih Tzu de cerca de 8 anos, saudável anteriormente, foi levado à uma clínica veterinária em Sete Lagoas após apresentar sintomas graves de intoxicação. O cão teve convulsões, sialorreia, midríase e tremores musculares. Os tutores administraram carvão ativado antes de levá-lo à clínica. No exame físico, foi observada hiperemia de mucosas, arreflexia, bradicardia e bradipneia. O cão recebeu tratamento de emergência, incluindo lavagem oral, administração de medicamentos para controlar os sintomas e diuréticos para combater a intoxicação. Após estabilização, o cão apresentou vômitos e diarreia, mas recebeu alta após uma semana de internação, continuando com dieta pastosa e medicações em casa.

Palavras-chave: Intoxicação, bufotoxinas, cães, veterinária.

Abstract

Bufotoxin poisoning in dogs is a clinical emergency condition that can be potentially fatal. This research aims to report and discuss a case of bufotoxin poisoning. An 8-year-old Shih Tzu dog, previously healthy, was taken to São Francisco Clinic in Sete Lagoas after exhibiting severe symptoms of poisoning. The dog experienced seizures, salivation, mydriasis, and muscle tremors. The owners administered activated charcoal before taking him to the clinic. On physical examination, mucosal hyperemia, absence of reflexes, bradycardia, and bradypnea were observed. The dog received emergency treatment, including oral lavage, administration of medications to control the symptoms, and diuretics to counteract the poisoning. After stabilization, the dog experienced vomiting and diarrhea but was discharged after a week of hospitalization, continuing with a soft diet and medications at home.

Keywords: Intoxication, bufotoxins, dogs, veterinary.

Introdução

A intoxicação por bufotoxinas em cães é uma condição clínica que ocorre após o contato ou ingestão das secreções tóxicas de sapos e sapos-bufos (TRAPP et al., 2010). É mais comum em regiões geográficas onde esses sapos são encontrados em grande quantidade e em épocas do ano associadas a um aumento na atividade desses anfíbios, como a primavera e o verão (BERNY et al., 2010).

Os sapos pertencem à família Bufonidae, popularmente conhecidos como sapos-cururus ou sapinhos. São conhecidos por produzirem e liberarem substâncias químicas venenosas através de suas glândulas paratóides, localizadas atrás dos olhos (MEDEIROS et al., 2009). As bufotoxinas presentes nas secreções desses sapos são compostas por diferentes substâncias tóxicas, incluindo bufotenina e bufadienolídeos (BERNY et al., 2010), que têm a capacidade de afetar o sistema nervoso, cardiovascular e gastrointestinal dos cães, podendo levar a sintomas graves e até ao óbito. É importante destacar que nem todos os sapos são venenosos, e nem todas as espécies de sapos-bufos produzem bufotoxinas em quantidades perigosas (VERDADE et al., 2010). 

Objetivo

O objetivo deste artigo é relatar um caso de intoxicação por bufotoxina em cão e apresentar uma revisão bibliográfica sobre o tema. 

Relato de Caso

Um cão da raça shih tzu, macho, de aproximadamente 8 anos, pesando 6 quilos e com um histórico de saúde saudável chegou em uma Clínica Veterinária em Sete Lagoas. Os tutores relataram que o animal, previamente hígido, foi até a parte externa da casa para fazer suas necessidades, retornando com sialorreia. Relatam que poucos minutos depois, o animal apresentou crises convulsivas, mantendo a sialorreia, mas agora com midríase, taquipneia, taquicardia e tremores musculares. Os tutores afirmaram terem administrado carvão ativado antes de irem até a clínica. Foi constatado que o animal tinha o hábito de perseguir répteis e pequenos animais, entre eles sapos que frequentemente estavam no quintal, afirmando terem visto alguns sapos próximos antes de soltar o cachorro para fazer suas necessidades. 

Diagnóstico

Durante o exame físico, observou-se hiperemia de mucosas, arreflexia, bradipneia e bradicardia progressivos, caracterizando estado grave de intoxicação, sendo indicada estabilização imediata. Com a anamnese, os sintomas apresentados e os exames realizados (alguns resultados descritos na Figura 1), a médica veterinária chegou a hipótese de intoxicação por bufotoxina.

Figura 1: Alterações dignas de nota na revisão laboratorial do paciente à internação. Fonte: Arquivo pessoal, 2023.

Tratamento

Foi realizada lavagem da cavidade oral com água abundante para retirar os resíduos de secreções tóxicas, que poderiam ser ainda absorvidas, administração de atropina para o controle da sialorréia e diminuição de secreções pulmonares, administração de propranolol para o controle de arritmias e pentobarbital sódico como anticonvulsivante e para facilitação da intubação orotraqueal e lavagem da cavidade. Anti-histamínicos e corticóides foram administrados por reduzirem os efeitos lesivos da bufotoxina na mucosa e em demais órgãos. Por fim, optou-se pela administração de furosemida como adjuvante na eliminação das toxinas através da urina. 

O cão se manteve instável até a manhã do dia seguinte, sob soroterapia, evoluindo nos dias seguintes com vômito e diarreia. Devido a bradicardia no primeiro dia, o propranolol foi substituído por verapamil. Após estabilização do quadro, o tratamento por anticorpo digoxina-específico (Fab) foi administrado. 

Os vômitos persistiram até o terceiro dia de internação e no sétimo dia o cão recebeu alta, ainda com presença de diarreia e só podendo comer comida pastosa. Para o tratamento em casa foi receitado Gaviz V® (Omeprazol 10mg), meio comprimido pela manhã, 1ml de Lactulose BID por oito dias, Déxium Comprimidos®, 1 comprimido (0,5mg) BID por sete dias, meio comprimido BID por dois dias e ¼ de comprimido em dias alternados por duas semanas. Suplemento Inovet Hemo Care® BID por trinta dia, DoxyGard® 25 mg ½ comprimido BID e dipirona em gotas TID por cinco dias.

Evolução do Caso

O animal apresentou um emagrecimento considerável durante o tratamento, passando de seis quilos para pouco menos de cinco quilos. Ficou apático nas primeiras semanas, recusando comida nos primeiros dias. Ele se alimentava de comidas pastosas a base de frango, legumes e Nutralife® (muitas vezes forçado) de duas a três vezes ao dia, a diarréia persistiu por três semanas durante o tratamento. 

Após um mês de tratamento, o animal retornou a clínica e fez nova revisão laboratorial, com melhora dos parâmetros antes alterados, mantendo o H.C.M e CHCM acima dos valores de referência. Foi receitado Suplemento Vitamínico Hphar 120® SID por trinta dias, Gaviz V® um comprimido pela manhã em jejum, Imunizan pet®, 5ml SID por vinte e oito dias, Dorflex® 50mg, meio comprimido BID por quinze dias após a alimentação.

Discussão

Em casos de intoxicação, é fundamental identificar a substância tóxica envolvida por meio de exames laboratoriais e toxicológicos (VERDADE et al., 2010), permitindo um tratamento mais direcionado e específico, visando neutralizar a substância e minimizar os efeitos no organismo do animal (MAGRO,2017).

A bufotenina é uma substância psicoativa que pertence à classe das triptaminas. Ela é encontrada naturalmente em certas plantas, fungos e secreções de animais, incluindo alguns sapos da família Bufonidae. Essa substância é conhecida por seu potencial psicodélico e pode causar efeitos alucinógenos quando ingerida ou inalada (BERNY et al., 2010), ao interagir com os receptores de serotonina no cérebro, afetando a atividade neuronal, podendo causar alucinações, alterações na percepção sensorial, mudanças de humor, estimulação do sistema nervoso central e até mesmo efeitos sedativos (BARBOSA et al., 2009). No entanto, é importante destacar que os efeitos da bufotenina podem variar de acordo com a dose, a forma de administração e a sensibilidade individual (MEDEIROS et al., 2009). A substância é uma das bufotoxinas presentes nas secreções de sapos. Quando se sentem ameaçados, liberam essas secreções tóxicas como um mecanismo de defesa (VERDADE et al., 2010). 

Os bufadienolídeos são um grupo de compostos químicos encontrados em algumas plantas, como Digitalis purpurea (dedaleira) e em algumas espécies de sapos da família Bufonidae. Esses compostos são considerados cardiotônicos, o que significa que eles afetam a função cardíaca (BLANCO; MELO, 2014; PIRES; DE SOUSA; BARROS, 2022). Os bufadienolídeos presentes nas secreções de sapos-bufos são considerados parte das bufotoxinas (JARED; ANTONIAZZI, 2009). Os bufadienolídeos têm uma ação inotrópica negativa, o que significa que eles afetam a contração e a condução do músculo cardíaco (JARED; ANTONIAZZI, 2009). Eles podem inibir a atividade da Na+/K+-ATPase, uma enzima que desempenha um papel fundamental no transporte de íons nas células cardíacas. Isso leva a uma alteração na condução elétrica do coração, afetando o ritmo cardíaco e a contratilidade (MAGRO,2017).

Em relação aos cães, a exposição a bufadienolídeos presentes nas secreções de sapos-bufos pode resultar em intoxicação (BLANCO; MELO, 2014). Os bufadienolídeos podem causar distúrbios do ritmo cardíaco, como taquicardia ou bradicardia. Além disso, também podem ocorrer alterações na pressão arterial, aumento da excitabilidade cardíaca e até mesmo insuficiência cardíaca. A intoxicação por bufadienolídeos em cães requer atenção veterinária imediata. O tratamento geralmente envolve medidas de suporte, como terapia intravenosa para manter a hidratação e corrigir desequilíbrios eletrolíticos, além do uso de medicamentos para controlar o ritmo cardíaco, caso necessário (BLANCO; MELO, 2014). É importante notar que nem todos os sapos produzem bufadienolídeos em quantidades significativas, e a concentração e toxicidade dessas substâncias podem variar entre as espécies. Além disso, a exposição a bufadienolídeos também pode ocorrer por meio da ingestão acidental de plantas contendo esses compostos (JARED; ANTONIAZZI, 2009).

O tratamento da intoxicação por bufotoxinas em cães é baseado na gravidade dos sinais clínicos e tem como objetivo estabilizar o paciente, remover a toxina do organismo e fornecer suporte adequado (MAGRO,2017). O uso de lavagem oral, medicamentos e diuréticos no tratamento demonstra uma abordagem para controlar os sintomas e eliminar as substâncias tóxicas do organismo (MEDEIROS et al., 2009). Os vômitos e diarreia após a estabilização são respostas comuns do corpo para eliminar as toxinas remanescentes (GADELHA,2012). A continuação do tratamento em casa, com dieta pastosa e medicações, busca promover a recuperação gradual do animal. A supervisão veterinária contínua e o acompanhamento adequado são essenciais para monitorar a evolução do caso e realizar ajustes no tratamento, se necessário (GADELHA,2012). 

Considerações finais

Embora os detalhes específicos da intoxicação não tenham sido mencionados, é importante destacar a importância do atendimento veterinário imediato em casos de intoxicação grave. A administração prévia de carvão ativado pelos tutores foi uma medida adequada, mas a deterioração do estado do cão, assim como a necessidade de internação por muitos dias ressaltou a gravidade da situação.

No caso em questão, o propranolol foi substituído por verapamil, por ser eficaz como antiarrítmico, ter posologia mais confortável e não causar este efeito colateral. O anticorpo digoxina-específico (Fab) foi administrado por formar um composto farmacologicamente inerte que é eliminado de forma rápida pelos rins, após a ligação do anticorpo à digoxina intravascular livre. Além disso, os anticorpos Fab se difundem do interior dos vasos até se ligarem a digoxina livre no espaço extravascular, gerando um gradiente de concentração que facilita o egresso da digoxina intracelular para os espaços extracelular e intravascular, onde será neutralizada pelo Fab na corrente sanguínea. O resultado será uma minimização dos efeitos tóxicos da digoxina na bomba Na-K-ATPase no miocárdio, diminuindo a cardiotoxicidade. 

Por fim, é importante reforçar que a medida mais eficaz contra o envenenamento com estas toxinas está na prevenção, que inclui providências que evitem o encontro de animais e plantas que sejam tóxicos com os cães dentro do ambiente doméstico, assim como o treinamento adequado dos mesmos e posturas específicas durante passeios em áreas conhecidas e desconhecidas.

Bibliografia

BARBOSA, C. M.et al.. Toad poisoning in three dogs: case reports. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases, v.15, n.4, p.789-798, 2009.

BERNY, P. et al. Animal poisoning in Europe. Part 2: Companion animals The Veterinary Journal, v.183, n.3, p.255-259, 2010.

BLANCO, B. S.; MELO, M. M. Acidentes por Sapos. Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia – Animais Peçonhentos, v. 75, n. 1676–6024, p. 42–50, dez. 2014.

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JARED, C.; ANTONIAZZI, M. M. Anfíbios: biologia e venenos. Em: CARDOSO, J. L. C. et al. (Eds.). Animais Peçonhentos no Brasil – biologia, clínica e terapêutica dos acidentes. 2. ed. São Paulo: Sarvier, p. 317 -330, 2009.

MAGRO, Carolina da Rosa Pacheco Geada. Protocolos de atuação em intoxicações de cães e gatos por zootoxinas da fauna venenosa portuguesa. 2017. Tese de Doutorado. Universidade de Lisboa (Portugal).

MEDEIROS, R. J. et al. Toad Intoxication in the Dog by Rhinella marina: The Clinical Syndrome and Current Treatment Recommendations. Journal of the American Animal Hospital Association, v. 52, n. 4, p. 205–211, jun. 2016.

PIRES, D. A.; DE SOUSA, K. P.; BARROS, A. D. L. INTOXICAÇÃO DE CÃES POR VENENOS DE ANUROS: PREVALÊNCIA, DANOS AOS ANIMAIS E PROTOCOLOS CLÍNICOS (Dog poisoning by anuran poisons: prevalence, animal damage and clinical protocols). Ciência Animal, v. 32, n. 4, p. 60–74, out. 2022.

TRAPP, S. M.et al. Causas de óbito e razões para eutanásia em uma população hospitalar de cães e gatos. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science. v. 47, n. 5, p. 395-402, 2010.

VERDADE, V. K.; DIXO, M.; CURCIO, F. F. Os riscos de extinção de sapos, rãs e pererecas em decorrência das alterações ambientais. Estudos avançados, v. 24, n.68, p. 161-172, 2010.


1Centro Universitário UNA
2Centro Universitário UNA
3Centro Universitário UNA
4Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS