INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO BRASIL – PREVISÃO LEGAL DE PENALIZAÇÃO DESSA CONDUTA CONFORME O CÓDIGO PENAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7994643


Pedro Galvão1
Marcondes da Silveira Figueiredo Junior2


RESUMO

O Brasil por ser, conforme disposto em sua Constituição Federal promulgada em 1988, um país laico, agrega em seu interior uma variedade religiosa considerável, sendo essa uma de suas maiores características. Contudo, em decorrência de inúmeros fatores que ocorrem desde a promulgação de sua constituição, tida para muitos como a constituição cidadã, se tem observado práticas e condutas que destoam consideravelmente da condição de laicidade, respeito, igualdade e liberdade que se encontram pregados na legis mater do país. Tendo como premissa o entendimento de que a liberdade religiosa é um direito de todos, e que a supressão desse crime e o ataque a condutas religiosas diversificadas sagra-se como uma prática criminosa com previsibilidade penal. O presente artigo tem como meta discutir através de uma revisão integrativa, sobre a intolerância religiosa no Brasil analisando a sua previsão legal de penalização dessa conduta, conforme o código penal. No decorrer de seu desenvolvimento são analisados, conforme doutrina, códigos, leis, livros e artigos, os impactos da intolerância religiosa na formação social atual, observando também os fatores que influem e decorrem dessa prática como por exemplo, a polarização política e a condição laica estatal que precisa ser preservada. Na sua conclusão, são apresentados os entendimentos a respeito do tema discutido, expondo os principais conceitos mostrados no decorrer da elaboração, ressaltando as suas contribuições para a presente formação acadêmica.

Palavras-Chave: Estado Laico. Intolerância Religiosa. Liberdade Religiosa. 

ABSTRACT

Brazil, as set out in its Federal Constitution enacted in 1988, is a secular country, it adds a considerable religious variety within it, which is one of its greatest characteristics. However, as a result of numerous factors that have occurred since the enactment of its constitution, considered by many to be the citizen’s constitution, practices and conduct have been observed that considerably differ from the condition of secularism, respect, equality and freedom that are preached in the legis mater. from the country. Taking as a premise the understanding that religious freedom is a right for all and that the suppression of this crime and the attack on diverse religious behaviors is consecrated as a criminal practice with foreseeable criminal predictability, this article aims to discuss through a integrative review, on religious intolerance in Brazil, analyzing its legal provision of penalizing this conduct according to the penal code. In the course of its development, according to doctrine, codes, laws, books and articles, the impacts of religious intolerance on current social formation are analyzed, also observing the factors that influence and result from this practice, such as political polarization and the secular condition. state that needs to be preserved. In its conclusion, the understandings regarding the discussed topic are presented, exposing the main concepts shown during the elaboration, highlighting their contributions to the present academic formation.

Keywords: Secular State. Religious intolerance. Religious freedom.

1 INTRODUÇÃO    

O presente artigo tem como tema delimitado, a intolerância religiosa no Brasil – previsão legal de penalização dessa conduta conforme o código penal. Trata-se de um artigo de revisão integrativa, questiona-se como a intolerância religiosa praticada contra religiões que divergem da conduta religiosa adotada por grandes grupos, pode impactar e cercear a liberdade de escolha religiosa. Na ótica defendida na Constituição Federal de 1988, busca-se responder tal problemática.

Para responder a esse questionamento o objetivo geral deste artigo se propõe a analisar qual a penalização, de acordo com o Código Penal, para os crimes de intolerância religiosa. Os objetivos específicos do presente trabalho se propõem a analisar de que forma a conduta religiosa é refletida nas ações políticas e na condição laica do estado. Seguidamente se busca compreender de que forma o cenário político que se desenha desde a redemocratização do país tem influenciado as condutas de intolerância religiosa que ocorrem em todo o território nacional, e por fim, se discute as penalizações e reflexos das ações de intolerância religiosa dentro do cenário nacional.

A opção por contemplar essa temática se ancora no entendimento de que a defesa da liberdade de manifestação religiosa de todos, sem importar a sua escolha, defende de modo concomitante a pluralidade e a defesa da liberdade de expressão de todos. Compreende-se com isso que a necessidade de defender que todas as manifestações religiosas sejam defendidas dentro do território nacional, é uma forma de fazer com que a identidade laica do estado seja também preservada, ao passo que conjuntamente se vale de condutas e modelos assertivos e bem detalhados que afirmam a singularidade de cada pessoa que aqui vive. Desse modo, o artigo que ora se inicia procura analisar e refletir, conforme as fontes buscadas, a importância de se vigiar do ponto de vista legal, e fazer com que essa prática não se perpetue. Com riscos de se perder a autonomia estatal em favor de uma postura religiosa, ao passo que se fortalece, extingue direitos alcançados e faz sucumbir a liberdade de pensamento, expressão e escolha de cada um.

2 A HISTÓRIA RELIGIOSA DO BRASIL E SUA ATUAL CONDIÇÃO LAICA    

Desde o seu processo de colonização, o Brasil sofre influências religiosas que são marcadas em sua cultura ainda nos dias de hoje. A começar pelas missões de evangelização jesuíta, com as missões de catequização dos povos originais indígenas e as ações inquisitórias ocorridas ainda no período da escravidão e do Brasil República, se observa que a formação do país, até a promulgação da Constituição Federal ocorrida no ano de 1988, sofreu fortes influências religiosas, com destaque para os valores e princípios da igreja católica.

Achoche (2021) ao discutir a questão da religiosidade dentro do cenário nacional, faz refletir o entendimento de que a postura religiosa do país, que ainda é considerado um dos países mais católicos do mundo e que agora tem uma subida considerável do movimento protestante, tem influência direta na conquista dos direitos humanos alcançados até então. E que essa ideologia orienta com grande vantagem a conduta social e política de boa parte dos cidadãos que aqui moram.

Nesse entendimento, Barroso (2019) explica que a conduta laica que é presente no país, por vezes é esquecida e a sua maior prova é a menção religiosa presente nas notas da moeda nacional que possuem forte fundamento religioso¹. Nesse contexto, o mesmo autor segue pontuando que a condição laica do estado, desde a promulgação da CF/88 vem sofrendo ataques constantes e contraditórios, uma vez que a própria conduta estatal por vezes diverge dessa condição de forma clara, a exemplo disso, o crucifixo presente nas casas de atuação estatal como palácios do governo, congresso, plenário e afins.

Nesse mote, é preciso que se saliente que mesmo estando em uma condição laica, o estado adota para si, ainda que de forma indireta, posturas que remetem a valores religiosos e essa adoção de valores diz respeito especificamente aos ensinamentos presentes na doutrina cristã.

Bastos e Martins (2021) ao tratarem dessa condição explicam que a validação de ações de natureza laica deve estar presentes na conduta estatal como forma de respeitar a pluralidade de seu povo, procurando com isso se desvincular da condição de imposição religiosa presente desde o seu processo de colonização.

Por esse motivo, é salutar que se identifique o fato de que, por meio de uma condição de imposição de preceitos de religiosidade, o estado tende a perder a sua condição laica. E passa, assim a permitir, de modo indireto, que a rejeição às formas diferentes de adoração para entidades tidas como divinas sejam coibidas, e em muitos casos, coibidas de forma violenta.

Bittar (2021) ao tratar sobre esse entendimento, faz refletir o fato de que, junto a todos esses fatores é preciso também que se considere de forma conjunta a preservação dos direitos de personalidade que são assegurados a todos. Nesse sentido, o que se considera é o fato de que, a possibilidade de haver opiniões diferentes tanto no quesito religioso quanto em qualquer outro segmento, não deve ser um fator que justifique a agressividade, a violência e o desrespeito do direito de cada um.

É nesse contexto que se deve respeitar a condição laica do estado brasileiro, compreendendo que a pluralidade de opiniões políticas e cultos religiosos são em síntese a marca da condição democrática do país. Por esse motivo, deve-se ser ter em mente que não aderir ou não entender um pensamento religioso divergente não deve, de forma alguma, significar o direito pleno ao ataque deliberado contra a escolha do outro.

E mesmo considerando que os ataques ocorrem em maior decorrência por parte dos adeptos do cristianismo, conforme se tem exposto em Bobbio (2012), essa maioria de ataques decorre justamente do fato do cristianismo possuir uma maioria esmagadora de seguidores no território nacional.

Nessa senda, Cezarino Junior (2019) pontua que a condição de ação detalhada dentro do modelo estatal referente a condição laica do país é reflexo claro da colonização do país que ocorreu sob forte influência religiosa. O autor explica ainda que, dado o poder de alcance da própria igreja católica em todo o mundo e, por conseguinte do modelo pensamento apresentado e propagado por Martinho Lutero, foi quase impossível para os países que são parte das américas e que foram colonizados por países europeus, se desvincular da conduta religiosa propagada.

Com isso, Guimarães e Varga (2016) citam ainda que, o status laico do Brasil, se consolidou a partir do entendimento generalizado de seus constituintes, quanto ao fato de que, se o foco maior da nova constituição era a isonomia, então a adoção de uma postura religiosa bem demarcada conseguiria acabar com o entendimento que se tinha acerca da igualdade.

Esse fato decorre do entendimento de que, assim como na parte inicial da colonização do país, ações posteriores como a escravidão, fizeram com que automaticamente ocorresse no país a implantação de manifestações religiosas de origem africana. Do mesmo modo, fatores históricos como as duas grandes guerras conseguiram fazer com que aumentasse exponencialmente a população de judeus e mulçumanos na comunidade nacional e com isso, a presença de sua conduta religiosa também se faz presente de forma notável no país.

Nesse entendimento, Hobsbawn (2019) pontua que, no decorrer de todo o século XX, os conflitos de ordem religiosa foram o ponto central de uma ação que procurava reafirmar uma postura religiosa como certa, verdadeira, adequada. Desse modo, a prática de intolerância contra as manifestações religiosas que divergem daquilo que uma força ou entidade defende representa também a divergência de uma postura política e social defendida por cada um. Nesse aspecto, a intolerância religiosa pode ser compreendida como a intolerância a fatores sociais, políticos e humanistas que o outro defende e que vão contra aquilo que o intolerante acredita.

2.1 POLARIZAÇÃO POLÍTICA E RELIGIOSIDADE   

Inicia-se este tópico fundamentados na postura aristotélica que trata sobre a política, enfatizando que a conduta política de um estado deve responder a necessidade de seu povo. E caso presente em um estado democrático de direito, o governante deve por via de regra governar a todos de forma universal respeitando a liberdade de suas escolhas ao passo que respeita seus direitos adquiridos sem importar se politicamente há divergência entre os interesses políticos do governante e do governado.

Para tanto, Aristóteles (2007) pontua em seu entendimento que a condição política de uma sociedade deve estar desvinculada de sua prática religiosa, sob pena de ambas entrarem em conflito, já que na prática religiosa inexiste a abertura democrática ao reconhecimento quanto a igualdade de todos.

Contribuindo com este entendimento, Deleuze (1985) aponta que a consolidação política de um estado carece estar alinhada com os propósitos de avanço social da comunidade, ao passo que a religião não pode se misturar com a política, sob pena de inviabilizar ações que visam a liberdade de expressão e a igualdade de direitos que deve ser dada a todos.

Nesse mesmo entendimento, Foucault (1979) explica que a conjuntura social e política quando alinhada com a abordagem religiosa, tende a se propagar como uma forma de ação que busca unificar pensamentos e cercear a manifestação de ideias que poderiam expressar formas diferentes de pensamento e, por conseguinte, promover certo avanço na conjuntura social.

La Boétie (2006) contribui com esse entendimento especificando que, quando alinhada à política, a religião tem como único foco a doutrinação massiva e a implantação de uma conduta que tende a tratar o povo como uma massa que pode ser modelada para seguir um ideal que se não for adequadamente combatido, pode se perpetuar por séculos.

Platão (2007) deixa claro em seu livro A República, que a dualidade de ideias é característica de uma ação que tenta polarizar um contexto político. Nesse interim, a conduta religiosa presente tenta se valer de entendimentos dualistas que limitam a forma de pensar da comunidade fazendo com que um lado oposto a outro seja visto como mal.

Schopenhauer (2005) explica então que o maior recurso de uma ação de polarização política está na posse de um discurso religioso que trata seus representantes como enviados ou representantes divinos e destinados a cumprir uma missão na terra.

 Esse cenário, por mais arcaico que pareça, se perpetua nos dias atuais e o discurso religioso alinhado à política ganha força na sociedade moderna e faz com que o julgamento social a outras formas de manifestação religiosa que se destoem da conduta política vigente, sejam demonizadas e combatidas com o fervor religioso que dizimou milhões de pessoas ao longo dos anos.

Nessa mesma linha de pensamento, Levitsky e Ziblatt (2018) explicam que dentro de um modelo de estado democrático tal qual se tem no Brasil, é imprescindível que se defenda a sua condição laica e que se expurgue do discurso político a abordagem religiosa, em favor da preservação da liberdade de escolha de todos.

Coelho (2019) ao tratar sobre este questionamento, explica que a conduta religiosa, tendo uma forte influência dentro da polarização política que se tem na atualidade, apenas reforça o entendimento de que é preciso que se defenda com veemência a liberdade de cada um e a condição laica do estado. Dentro desse contexto, é importante também que se reflita sobre a abordagem religiosa, quando presente no cenário político, cujo foco central é fortalecer a sua ideologia, e assim produzir maior poder de ação que o próprio estado em si.

Andrade (2019) aponta então que, para que se tenha uma ideia mais acertada sobre o impacto de uma conduta religiosa fortalecida e atuante dentro da política atual, basta se analisar o ataque maciço sofrido por minorias negras que são praticantes de religiões de matrizes africanas como a umbanda e o candomblé por exemplo, junto ao ataque religioso constante a demais minorias como homossexuais, ateus e mães solteiras.

A necessidade de se refletir sobre as implicações dessa prática, está justamente no estudo do impacto que essa prática possui dentro da formação social como um todo. Sendo o Brasil um estado laico, a escolha de cada um deve ser integralmente respeitada, e a postura religiosa presente no país, mesmo que seja da maioria, não pode de forma alguma funcionar como um tribunal social que delimita e aponta o que é certo e errado. É então necessário que se compreenda que a escolha religiosa de cada pessoa não deve ser um fator delineador de uma conduta política e vice-versa.

Complementar a esse entendimento, Carmo (2016) segue apontando que a premissa social religiosa deve estar ajustada unicamente a sua função religiosa, pois, quando se estende a segmentos políticos, tende a acentuar o apontamento de quem não concorda com a postura defendida, como se esses fossem criminosos, outrossim, a religião mantendo a adequada distância do poder estatal faz prevalecer o entendimento de que a liberdade de todos precisa ser integralmente contemplada.

Seguindo esse pensamento, se tem claro que a polarização política que ocorre na atualidade, tem como forte impulsionador, a conduta religiosa, e esta por ganhar força, tenta se perpetuar a partir da conversão de mais adeptos aos seus ideais e valores propostos. O erro nessa abordagem está justamente na padronização de ações e na perda de liberdades alcançadas ao longo dos anos, isso porque um dos pontos mais característicos de uma religiosidade ativa, é a delimitação de ações e a demarcação de formas de agir e de pensar.

E nesse sentido, perpassa pelo entendimento de que a condição política de cada um deve estar desvinculada do seu olhar religioso ao passo que a postura religiosa deve ser desvinculada da influência política.

2.2 INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E SUA PREVISIBILIDADE NO DIREITO PENAL

A intolerância religiosa dentro do espaço nacional brasileiro encontra sua previsibilidade legal, categorização de natureza criminosa e penalização prevista conforme se tem exposto no artigo 208 do CP que reza:

Art. 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

Dentro do que se tem exposto no bojo do supracitado artigo, pode se observar que a previsibilidade legal de atos que se categorizam como sendo de intolerância religiosa possuem suas devidas determinações. Deixando clara, dessa forma, a passividade de punição para quem comete alguma ação de discriminação em decorrência da escolha religiosa de outrem.

De acordo com o entendimento de Mello (2019), as práticas relativas à intolerância religiosa são de fácil identificação justamente por causa da sua especificidade. Dessa maneira, observar-se que dentro desse modelo de ação, aquele que se sente ofendido com a escolha de outro, tende a ser precisamente agressivo, escarnecer de símbolos de fé adotado e zombar dos rituais religiosos que são praticados em determinada crença.

Ossola (2018) ao pontuar tal condição é especifico e taxativo em dizer que a intolerância religiosa deve ser combatida com rigor legal. Tendo como princípio aplicador de penalização a natureza subjetiva dessa conduta, que a torna incapaz de ser delimitada em um modelo que se aproxime de uma verdade que todos aceitem.

Nesse contexto, observa-se que diante da impossibilidade de dizer que determinada prática é correta ou não, aceita-se todas. E nesse sentido, Reale (2015) pontua que crimes como os de intolerância religiosa precisam ser punidos em decorrência da certeza que se tem de que estes crimes quando ocorrem, surgem com base em modelos de pensar subjetivistas que não conseguem apresentar qualquer tipo de ação que confirme a contravenção ou crime realizado por alguém que somente tem uma escolha religiosa diferenciada.

E nesse ponto é importante que se ressalte que a proposta de um estado laico é justamente romper com estereótipos e modelos doutrinadores que têm como premissa única a padronização de condutas humanas, cerceando a sua plena liberdade de se expressar e fazer uso pleno de sua liberdade.

Silman (2016) ao falar em liberdade de escolha religiosa, cita como exemplo o caso das testemunhas de Jeová que têm como princípio religioso a recusa a transfusões de sangue, doações de órgãos e outra variedade de ações que limitam a intervenção médica em tratamentos de grande complexidade. Mesmo assim, com base na escolha do paciente e de sua família, escolha essa calcada na doutrinação religiosa, a postura da família do paciente e do próprio paciente são aceitas.

Desse modo, pondera-se o entendimento de que a prática da intolerância religiosa se conecta profundamente com demais contextos, nunca ocorrendo de forma isolada, ou seja, a rejeição e o ódio contra a escolha de outra pessoa e sua vertente religiosa representa também a rejeição ao próprio estilo de vida que essa pessoa escolheu para si.

Sendo assim, ao ser intolerante com a prática e a escolha religiosa de uma pessoa é também uma forma de se manifestar contrariamente ao modo como essa pessoa vive, e é justamente aí que se torna ainda mais incompreensível a intolerância pregada.

Bastos e Santos (2021) ao tratarem sobre este tipo de comportamento que retrata de forma ampla a intolerância, pontuam que o absurdo dessa conduta está na clara incapacidade que uma pessoa tem de compreender a escolha livre e constitucional de outro. Uma vez que o estado dá a todos a liberdade de escolher para si a doutrina que melhor fundamenta a sua fé, é inviável o entendimento de que uma pessoa queira criminalizar as ações de outra com igual direito.

Blancarte (2018) ao discutir sobre a intolerância religiosa, aponta que a necessidade de um estado laico como um Brasil decorre da sua pluralidade que é um de suas maiores marcas desde a sua colonização. Não reconhecer que todos que aqui vivem têm direito a expressar sua fé conforme seu desejo, é tentar de forma hostil, não validar a liberdade de expressão que é um dos direitos e características máxima da constituição nacional.

Assim, se observa que o exposto no CP a respeito da intolerância religiosa, nada mais é do que uma defesa clara do estado ao modelo de conversão e doutrinação política que tem como mote central a validação de uma ideologia que possui também rituais, normativas e demais formas de ação que fortalecem a conduta religiosa pregada.

Aquino (2001), ao tratar sobre essa temática, pontua que a insatisfatória separação entre estado e igreja conseguiu retirar do domínio religioso, boa parte de ações de cunho político.

Por esse motivo, é que se percebe nos dias atuais, a pujança nesse tipo de discussão que tenta a todo custo desqualificar a ação estatal em favor da conduta religiosa, e não das condutas, mas no caso do Brasil de uma específica, a doutrinação cristã. Toda essa conduta tem como foco bem delimitado nos dias atuais, a convergência política e a perpetuação de um modelo que vai contra todos os direitos de igualdade e respeito adquiridos ao longo de décadas.

Nesse interim, o combate à intolerância religiosa tem como mote conjunto ao respeito e preservação de liberdade de escolha de todos, a obrigação de fazer com que a identidade laica estatal e por consequência a liberdade religiosa de todas seja preservada.

3 CONCLUSÃO     

Ao se alcançar a finalização do presente artigo. É possível apontar que entre os principais entendimentos adquiridos com a sua elaboração, está a compreensão de que a escolha religiosa de um indivíduo representa também a sua escolha a um pensamento que se ajusta a sua ideia política e a forma como o mundo pode ser visto e construído.

Pensar então a ação criminosa de reprimir a escolha religiosa de uma pessoa, requer a compreensão acertada de que a escolha religiosa de cada um reflete também a sua postura em relação a muitos outros fatores que estão presentes nessa escolha. Assim, a criminalização de um culto ou manifestação religiosa reflete conjuntamente a repulsa que o intolerante tem a todos os outros fatores que são demarcados nessa escolha.

Nesse sentido, a previsibilidade penal dessa ação pode ser considerada como uma manifestação do estado ao combate dessa conduta que se baseia em ideias subjetivas, baratas e infundadas para validar um tipo de ação que tenta se travestir de virtuosa ao mesmo tempo que reprime a liberdade de quem discorda com uma forma de manifestação religiosa.

Com isso, tendo como ponto de análise o cenário da polarização política presente na atualidade. Em conjunto com a força de um discurso religioso cada vez mais presente nos embates políticos; alinhado com a defesa de uma conduta conservadora. Esclarece-se que a defesa de uma conduta religiosa nunca ocorre unicamente voltada para a validação da crença, dos valores e entendimentos que determinada religião defende.

A defesa de uma religião, nesse contexto, se vale de uma conduta com finalidades múltiplas que alcança, entre tantas outras esferas, a política. Que por sua vez influi diretamente na construção social, que se deslegitimada. E pode implicar no retrocesso de conquistas humanistas que podem de forma avassaladora prejudicar o modelo de estado laico que se tem vigente.

Defender a liberdade religiosa presente no cenário nacional e por consequência a sua condição laica, implica na defesa sistêmica da sociedade como um todo. Fazendo com que dessa forma as condutas de religiosidade, mudança ou não de crença, bem com a inexistência de uma postura religiosa, seja um direito assegurado de todos. Para que dessa forma, a liberdade de fato se configure e para que todas as religiões possam coexistir sem o temor da repreensão que se alicerça unicamente na incapacidade que boa parte das pessoas possuem de não aceitar aquilo que lhes é diferente.

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1Estudante de direito da Faculdade Católica Dom Orione.
2Professor orientador pós-graduado em Direito Tributário e mestre pela Universidade Federal do Tocantins
¹Refere-se aqui à expressão: “Deus seja Louvado” presentes nas notas e real..