INTERPRETAR E GUARDAR A CONSTITUIÇÃO: A REMODELAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PROMOVIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Interpret and guard the Constitution: the remodeling of attributions promoted by the Federal Supreme Court

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7369968


Laura Rizzo1


Resumo: A “judicialização da vida” tem se tornado um fenômeno gradativamente mais comum no cotidiano. A ingerência do Supremo Tribunal Federal nos mais variados temas ultrapassa limites funcionais de competência e princípios constitucionais expressos, sob o argumento de realização de fins constitucionais. Nesse contexto, em que se observam decisões claramente “legisladoras” e de desconsideração total de alguns princípios em prol de outros, faz-se mister reavaliar as razões que promovem tal atuação expansiva do órgão de cúpula do Judiciário, e para tanto, não é possível ater-se apenas a explicações exógenas à Corte: deve-se analisar o próprio papel do qual os ministros se consideram titulares no Estado Constitucional Democrático. Além disso, é imperioso analisar detidamente o que significa ser intérprete e guardião do texto constitucional, a fim de inferir se a atuação da Corte vem respeitando os limites que essas atribuições lhe conferem ou se o STF tem promovido uma remodelação, por conta própria, de ambos esses conceitos. Para os fins propostos, a presente pesquisa será elaborada com base no método dedutivo e terá cunho eminentemente bibliográfico, somado ao aporte documental da jurisprudência.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; judicialização; intérprete; guardião.

Abstract: The “judicialization of life” has become a phenomenon gradually more common in everyday life. The interference of the Federal Supreme Court in the most varied subjects goes beyond functional limits of competence and expressed constitutional principles, under the argument of carrying out constitutional purposes. In this context, in which clearly “legislative” decisions and total disregard of some principles in favor of others are observed, it is necessary to reassess the reasons that promote such expansive action by the highest body of the Judiciary, and for that, it is not possible to stick only to explanations exogenous to the Court: it is necessary to analyze the very role that ministers consider themselves to have in the Democratic Constitutional State. In addition, it is imperative to analyze in detail what it means to be an interpreter and guardian of the constitutional text, in order to infer whether the Court’s performance has been respecting the limits that these attributions confer on it or if the Court has promoted a remodeling, on its own, of both these concepts. For the proposed purposes, the present research will be elaborated based on the deductive method and will have an eminently bibliographic nature, added to the documental contribution of the jurisprudence.

Keywords: Federal Supreme Court; judicialization; interpreter; guardian.

Introdução

O Estado Constitucional Democrático, ou Estado Democrático de Direito, tem como premissas a noção de supremacia constitucional e a de governo da maioria. A concretização de direitos individuais e sociais, nesse diapasão, constitui pré-requisito para a realização da dignidade da pessoa humana. Esta, enquanto valor fundamental da República Federativa do Brasil e vetor axiológico das ações dos poderes constituídos, deve guiar a interpretação normativa, a produção legislativa e a atuação estatal de forma geral.

Especificamente no que tange a recente interpretação constitucional promovida pelo Supremo Tribunal Federal, verifica-se uma atuação extremamente expansiva, de ingerência nos mais diversos temas e competências dos demais poderes constituídos. O que se observa, em verdade, é o que se denomina de “judicialização da vida” pela Corte sob o fundamento de “guarda” da Constituição.

De fato, ao STF compete à tarefa de interpretar e guardar a Constituição, mas diante de um cenário em que são tênues os limites que a Corte pode ou não ultrapassar, sob o fundamento de realização constitucional, o que se tem é um quadro de verdadeira insegurança jurídica: não há mais previsibilidade e não se sabe o que esperar do exercício da jurisdição constitucional.

A função do órgão de cúpula do judiciário brasileiro se assemelha a de outras cortes constitucionais, mas diferencia-se em escala e natureza (VIEIRA, 2008, p. 445). Verifica-se, atualmente, uma crise de identidade institucional do STF.

Assim, a presente pesquisa pretende analisar o papel do Supremo Tribunal Federal no Estado Constitucional Democrático: enquanto órgão responsável pela guarda constitucional, compete-lhe, em última instância, assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, isso é inegável. Mas o que significa ser concomitantemente o intérprete e o guardião da Constituição? Diante de tal quadro extremamente expansivo de atuação, tanto material como funcional, impõe-se analisar de forma prática qual seria o real conceito de ambas essas funções para concluir, ao final, se a atuação do STF está de acordo com elas ou se ultrapassa limites constitucionais.

Utilizando-se de material bibliográfico e documental, com a análise de decisões específicas e emblemáticas da Corte, e com o aporte principalmente do método dedutivo, a presente pesquisa será estruturada objetivando-se compreender os conceitos de interpretar e guardar e as razões por trás da atuação expansiva do STF, ambos no contexto do Estado Constitucional Democrático.

1. Estado Constitucional Democrático

O final do século XVIII e século XIX observaram a consolidação do que se convencionou denominar Estado de Direito. Em um conceito simples, esse remete à existência de uma ordem jurídica legal a que se submetam tanto os particulares como os governantes. A elaboração das Constituições da época representou a constitucionalização dos direitos de primeira geração, exteriorizados nos ideais de liberdades individuais e Estado mínimo.

O Estado Constitucional Democrático, ou Estado Democrático de Direito, viria posteriormente, já no século XX, quando se agregam às noções de limitação constitucional do poder discussões teóricas e filosóficas acerca da legitimidade desse. Titularidade do poder, modo de exercício e representatividade passam também a serem aspectos centrais.

Como o próprio nome estatui, trata-se da junção de dois conceitos centrais: o aspecto constitucional, que representa a existência de uma Constituição aplicável indistintamente a todos, e o aspecto democrático, que em seu sentido formal, representa a ideia de governo da maioria e respeito às liberdades individuais. Mas a democracia, quando considerada no contexto do Estado Constitucional, vai além. Deve ser considerado também seu sentido material, no qual as minorias e os grupos de menor expressão política também são igualmente considerados, e, para que isso se realize, é necessária a promoção de direitos fundamentais não apenas em sua vertente individual, mas também a promoção de patamares mínimos de existência para a consagração da dignidade para todos, indistintamente (BARROSO, 2013, p. 63).

O Estado Constitucional Democrático representa um ponto de partida, e nunca de chegada (CANOTILHO, p. 12), pois os valores intrínsecos ao seu conceito representam ideais a serem atingidos para a construção da segurança jurídica. Nesse diapasão, vê-se a imprescindibilidade do respeito constitucional para a preservação do instituto, e incumbe a tarefa primordial de garantir tal respeito, em nosso sistema jurídico, ao Supremo Tribunal Federal.

2. A judicialização e o Supremo Tribunal Federal

Segundo o desenho constitucional, ao STF compete precipuamente a guarda da Constituição2, papel que desempenha através do julgamento originário das ações do controle concentrado de constitucionalidade e do julgamento recursal de ações ordinárias. O que se tem observado, entretanto, é a maximização da atuação do Supremo e a naturalização de sua participação ativa no cotidiano da sociedade.

A cada decisão polêmica, a cada julgamento transmitido e acompanhado atentamente pela TV Justiça e por sites de internet, os cidadãos acostumam-se com o fato de o órgão de cúpula decidir questões sociais, políticas, econômicas e culturais sem se quer pestanejar acerca de limites de competência3, no que se denomina de “judicialização da vida”. Ressalta-se que esse não é um fenômeno exclusivamente brasileiro4, mas para os fins da presente pesquisa, a discussão se limitará a analisar o fenômeno em âmbito nacional.

A judicialização significa que o Judiciário, em especial o STF, passou a decidir acerca de questões sociais e políticas em detrimento das alçadas do Legislativo e do Executivo (BARROSO, 2012, p. 24). Não se quer dizer, com isso, que a política tenha se deslocado de ambos esses poderes para ser feita judicialmente: sua atuação ainda é apenas pontual nesse quesito, tendo em vista que o local principal dessa é o dos poderes eleitos. O que se quer dizer com judicialização, aqui, é que as decisões judiciais sobre questões políticas aumentaram consideravelmente nas últimas décadas (LUNARDI, 2019, p. 4).

Constitucionalistas, quando discorrem acerca do fenômeno sob análise, costumam atribuir as causas do fortalecimento dos tribunais a fatores exógenos aos próprios tribunais e a sua composição5. As principais causas seriam: ineficiência do Executivo e do Legislativo em corresponder às expectativas sociais, traduzidos nas disfunções do sistema político (RAMOS, 2007, p. 349); a reestruturação do controle de constitucionalidade, que ampliou o número de legitimados para propor as ações do controle concentrado e manteve o controle difuso, em que os juízes são legitimados a se manifestarem sobre questões constitucionais em todos os processos subjetivos; a “constitucionalização abrangente” (BARROSO, 2012, p. 24), que inseriu em seu texto questões antes deixadas à nível infraconstitucional e possibilitou a judicialização-constitucional com relação a elas; a transformação do STF em arena política, em que grupos políticos minoritários veem na atuação do tribunal mais chances para reverter decisões políticas majoritárias contrárias a seus interesses (VIANNA et al, 2007, p. 57); e, por fim, o próprio processo democrático, que, se por um lado conscientizou a população acerca da possibilidade de reivindicação de seus direitos, também contribuiu para a disseminação de uma visão simplista acerca da possibilidade de resolução judicial de todas os problemas sociais (RAMOS, 2007,  p. 350).

Ressalta-se que o STF já teve épocas de expansão e retração e sempre exerceu função política. Como pontua Paixão (2206, p. 236), há fases distintas que podem ser identificadas na atuação da Corte: 

A análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal permitiu identificar sete fases na sua atuação. Uma fase inicial, abrangendo os primeiros anos do Tribunal, desde sua instalação, que foi marcada pela procura de seu espaço no arranjo institucional brasileiro. Em seguida, uma fase de ampliação de seu papel institucional, que se estendeu aproximadamente de 1897 a 1926, durante a qual o Supremo interpretou ampliativamente o instituto do habeas corpus para suprir a falta de norma processual, em período marcado por grande ativismo. A partir da Emenda Constitucional 1926 à Constituição de 1891, o Tribunal passou a viver uma fase de contenção de sua função política, que se estendeu por todo o período do primeiro governo Vargas, até 1945. Durante esta fase, sobretudo entre 1930 e 1931, a Corte viveu o período em que mais sofreu ataques à sua independência. A quarta fase do Supremo Tribunal Federal, quanto ao exercício de função política, se estendeu do final do Estado Novo até o início do regime militar de 1964, e foi marcada pela sintonia entre as decisões da Corte e dos demais órgãos de soberania. A partir de 1964, pelo contrário, teve início uma nova fase de enfrentamento, sendo marcada pela resistência do Supremo Tribunal Federal contra algumas decisões do regime militar. Esta fase terminou com a edição do AI-5, em dezembro de 1968, porque daí por diante a Corte sofreu uma intervenção, com o afastamento de alguns ministros e, em seguida, o esvaziamento de sua competência. Por fim, o Supremo Tribunal Federal vem experimentando a sétima fase no exercício de sua função política, a partir da restauração (e ampliação) de sua competência, que ocorreu desde a promulgação da Constituição de 1988.

Contudo, mesmo as fases em que se identifica uma atuação mais contundente não se assemelham ao atual panorama. Como exemplo de claras decisões expansivas do STF, cita-se: (1) a ADO 26 e o MI 4733, em que a homofobia e a transfobia foram enquadradas como tipos penais definidos na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre específica sobre a matéria; e (2) as ADOs 3215, 3280 e 3285, em que o Ministro Dias Toffoli determinou que a União se abstenha de executar garantias e bloquear valores dos Estados inadimplentes (Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Amapá, respectivamente) até que se manifestem sobre as considerações da União e seu comprometimento com o programa de ajuste de contas do regime de recuperação fiscal vigente, previsto na Lei Complementar 159/2017. Percebe-se a expansividade funcional no primeiro exemplo e a expansividade material no segundo. 

A função política no sentido que aqui se discute está intimamente ligada à definição do interesse público e os meios para sua concretização pelos órgãos constitucionalmente instituídos, nos limites de sua competência, a partir da interpretação constitucional (PAIXÃO, 2007, p. 51).

Verifica-se, então, o que Oscar Vilhena Vieira (2008, p. 444) denominou de “Supremocracia”, referindo-se tanto à autoridade que o STF tem sobre os demais órgãos do Judiciário, bem como à expansão de seu poder no arranjo político-institucional brasileiro em detrimento dos demais poderes.

O que mais chama a atenção não é o fato de o STF estar exercendo função política, pois a busca pelo interesse público e os meios para sua concretização é tarefa que compete a todos os poderes para que haja a realização do valor axiológico, expresso na Constituição, de dignidade da pessoa humana. Mas sim o fato de tal exercício não respeitar limites constitucionais, sejam funcionais ou materiais.

Se a tarefa interpretativa é comum às Cortes Constitucionais, e o Supremo já passou por fases de expansão e retração de sua atuação, por que se verifica, atualmente, uma ampliação performática que ultrapassa seus limites de competência (funcional e material)? Estaria havendo uma redefinição do conceito de “guardião da Constituição” realizada pelo próprio STF?

3. Corte Constitucional típica X STF

O Supremo Tribunal Federal não é uma Corte Constitucional típica, conforme o modelo desenvolvido por Kelsen. Este, segundo Favoreu (2004, p. 27) possui características que lhe são próprias: existem em sistemas parlamentaristas (ou semi-parlamentaristas) de governo; possuem regime organizacional próprio, independente dos demais poderes; seus membros são indicados por atores políticos; afirmam o direito com autoridade, sendo suas decisões de eficácia vinculante e erga omnes; tem posição externa à estrutura judicial; detém o monopólio da jurisdição constitucional; e exercem o controle concentrado da constitucionalidade das leis.

As Cortes Constitucionais têm como atribuição assegurar a supremacia formal da Constituição, ideia essa diretamente vinculada à existência de Constituições rígidas. Garantir o respeito constitucional, em um Estado Democrático de Direito, significa fazer valer a vontade do poder constituinte, prévio e superior aos poderes constituídos, e os princípios e direitos estatuídos na Carta. No caso brasileiro, significaria concretizar a dignidade da pessoa humana em sua forma ótima, pois todos os direitos ali previstos são complementares e essenciais para tanto.

O Supremo Tribunal Federal não é, entretanto, uma Corte Constitucional em sentido tradicional. É órgão de cúpula do Judiciário, e não órgão autônomo. Apenas suas decisões no controle concreto de constitucionalidade possuem eficácia vinculante e erga omnes6, e essas representam minoria quando em comparação ao total de ações autuadas no STF7 e, apesar de desempenhar o controle concentrado de constitucionalidade, não possui o monopólio da jurisdição constitucional. Sem adentrar no mérito acerca da conveniência de tal atribuição, já que foge aos objetivos da presente pesquisa, o fato é que o constituinte de 1988 conferiu a todos os juízes a competência para analisar a constitucionalidade das leis e atos normativos.

Apesar de não se enquadrar como Corte Constitucional típica, compete ao STF, enquanto órgão de cúpula do Judiciário, a interpretação e a guarda da Constituição. Com isso, indaga-se: sua tarefa no atual Estado Constitucional Democrático ainda assim seria a concretização da dignidade da pessoa humana, conforme descrito acima? A resposta há de ser afirmativa, mas apenas tal aferição não sana a dúvida acerca da redefinição dos limites do que significaria ser o “guardião da Constituição”.

4. A recente atuação do STF e de seus ministros

A Constituição de 1988 não representou apenas um marco de transição para a democracia, mas teve como atribuição liderar o processo de mudança social (VIEIRA,2008, p. 444). Se ao Supremo cabe interpretar a Constituição, competir-lhe-ia, também, liderar esse processo e conferir aplicabilidade às promessas positivas expressas no texto constitucional?

De fato, os papeis interpretativo e executivo das promessas constitucionais são decorrência lógica dos ditames constitucionais, mas o papel de agente transformador da realidade social exorbita os limites de competência do STF. Apesar de as variáveis exógenas serem fundamentais para explicar esse processo de expansão de atuação e influência da Corte, não são suficientes, pois conforme exposto na nota explicativa n. 6, o número de ações autuadas do controle concentrado não sofreu alterações significativas nos anos posteriores à promulgação da Constituição de 19888, mas o conteúdo decisório passou a ser muito mais político, e a atuação dos ministros fora da Corte, muito mais enfática.

Os ministros não se limitam mais a proferir decisões jurídicas nos autos dos processos9, mas se manifestam em programas televisivos, de rádio, em jornais, nas ruas e, com isso, não são apenas os juristas que conhecem e emitem juízos sobre os ministros, mas toda a sociedade conhece suas preferências institucionais e a maneira como votam (BASILE; SELIGMAN, 2016, p. 156).

Não se defende, no presente trabalho, que isso seja necessariamente algo negativo. O maior acesso à informação, em especial jurídica e sobre os direitos dos quais são titulares os indivíduos, contribui diretamente para a formação de seu capital cultural, o que é essencial ao processo de construção e evolução social. O que se critica, em realidade, é a forma como a imprensa e a opinião pública passaram a influir nas decisões dos ministros e, diante de grandes repercussões midiáticas sobre suas decisões, esses passam a se consideram cada vez mais como precursores e responsáveis pelo processo de mudança social, inovando e expandindo (e muito) o papel de guardião da Constituição, sem respeitar limites de competência e princípios constitucionalmente previstos10.

Defende-se, inclusive, que o STF seria responsável por uma espécie de agendamento do que seria socialmente discutido, juntamente com a imprensa: quando o STF define quais temas serão julgados, a sociedade e a imprensa são pautados e também discutem as matérias, ao passo que a imprensa pauta a sociedade e influencia nas decisões do Supremo ao fomentar o debate social acerca das declarações dos ministros (BASILE; SELIGMAN, 2016, p. 162).

Espera-se que o STF decida os mais variados temas, desde questões tributárias à penais, e a própria imprensa já trabalha suas manchetes sobre a especulação dos resultados finais dos votos. Mas o que ocorre, com tamanha divulgação midiática, é o fomento a tensões sociais. Quando ocorre, por exemplo, alguma divergência entre ministros, essa é noticiada e exaltada nas mais diversas manchetes e vídeos, o que gera inegavelmente uma tensão social, tensão essa que se reflete nos próprios pronunciamentos.

É inegável que uma instituição ininterruptamente sob vigilância altere seu comportamento, mas é o próprio Supremo que se mostra cada vez mais permeável a essas influências e opiniões sociais justamente por atuar como um dos atores centrais no processo de mudança social. 

5. O conceito de “guardião da Constituição”

A Constituição, enquanto obra do poder constituinte e expressão de uma decisão política fundamental (SCHMITT, 2007, p. 24), deve ser concretizada. As normas constitucionais não constituem simples texto vazio, mas nascem para que produzam consequências jurídicas no mundo concreto, ou seja, possuem pretensão normativa, ou, em outras palavras, “pretensão de eficácia” (HESSE, 1991, p. 14). Assim, quando da interpretação, é preciso cautela para que não se tornem mera “lírica constitucional”, nas palavras de Robert Alexy (1999, p. 73), ou seja, que não se tornem texto vazio sem consequências concretas.

Mas a concretização constitucional não é objetivo a ser atingido “a qualquer custo”: depende da articulação político-constitucional. Explica-se: se a Constituição prevê direitos e garantias individuais e sociais e fins públicos, expressos em normas programáticas, a serem alcançados pelos poderes constituídos, paralelamente, também prevê limites de competência e princípios a serem respeitados no próprio processo de concretização.

Se esses princípios e limites são ultrapassados quando da interpretação e realização constitucional, o que se tem, em verdade, não é concretização, mas atos inconstitucionais, ainda que o objetivo final seja assegurar alguma outra previsão constitucional.

O papel de guardião da Constituição implica necessariamente o resguardo das disposições constitucionais, ou seja, assegurar que leis e atos normativos dos poderes constituídos não violem aquelas e que a elas seja dada máxima efetividade. Esta última não significa necessariamente decisões concessoras em qualquer caso, pois a concretização de direitos constitucionais, especialmente os direitos sociais, envolve planejamento público, dotação orçamentária e realização de políticas públicas. A própria Constituição impõe uma interpretação unitária, de forma que, na realização dos fins constitucionais, deve-se ater aos princípios colidentes para que seu núcleo essencial não seja violado.

Nesse contexto, faz-se mister compreender de forma mais precisa o que significa ser o intérprete e o guardião da Constituição, a fim de se avaliar se a atuação recente do STF está de acordo com os conceitos em questão ou se, de fato, vem ultrapassando limites interpretativos.

Interpretar é o processo de atribuição de sentido aos enunciados normativos, ou seja, é extrair do texto uma norma que regule concretamente a situação fática. A interpretação constitucional, contudo, é processo único, que envolve necessariamente a hierarquização axiológica (FREITAS, 2000, p. 61). Os métodos tradicionais de interpretação (hierárquico, cronológico, especialidade) não são suficientes para se inferir o real sentido das normas constitucionais e, por isso, os princípios instrumentais de interpretação são imprescindíveis. Interpretar a Constituição, portanto, perpassa pela aplicação dos princípios da unidade11, da concordância prática12, da máxima efetividade13 e da força normativa14

Tendo em vista os objetivos consagrados na Carta de 1988, não é razoável esperar do intérprete constitucional uma postura meramente passiva: a ele cabe dar vida à Constituição.  Conforme o processo de constitucionalização do direito15, todos os juízes e tribunais, quando da realização de sua função típica, devem interpretar a legislação ordinária de acordo com os princípios constitucionais. Mas não apenas isso: considerando a adoção do controle de constitucionalidade difuso pela Constituição de 1988, todos os juízes e tribunais possuem, efetivamente, competência para julgar a constitucionalidade de leis em litígios concretos postos a seu crivo16. Como o objeto da presente pesquisa cinge-se à análise da atuação do STF, as considerações feitas acerca do papel interpretativo dirigem-se à atuação da Corte em questão, apesar de os princípios interpretativos serem extensíveis aos intérpretes de forma geral.

O STF, quando realiza a tarefa de concretizar os enunciados normativos constitucionais, deve respeitar os limites formais e materiais constitucionalmente previstos. É nesse diapasão que a noção de “guardião” deve somar-se à de intérprete. O STF ocupa ambos os papeis, mas o fato de possuir como incumbência o de guarda, deve necessariamente limitar a atribuição interpretativa.

Ser “guardião” implica em agir de acordo com a proporcionalidade. Por essa, entende-se o dever de “sacrificar o mínimo para preservar o máximo” (FREITAS, 2000, p. 64). A Constituição, com pretensão de estabilidade e durabilidade, pretende ver-se atualizada (HESSE, 1991, p. 30), mas desde que, para tanto, sejam respeitados os limites e a ideia de direito previstos em seu corpo.

Ao guardião compete não apenas dar vida, como deve fazer o intérprete, mas resguardar a vida da Constituição. A promoção da estabilidade Constitucional, nesse diapasão, é essencial para a preservação de sua vitalidade. Se não há esse resguardo, a cada nova manifestação do guardião, o que se tem é a imprevisão total: não se sabe o que esperar.

Se a tarefa de interpretação constitucional não é exclusiva do órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, a de guardião o é. Assim, a interpretação feita pelo STF não deve ser fundada em motivos externos ao texto constitucional e à realidade que pretende regular. Se sua atuação é guiada por influências midiáticas ou por pressões sociais, tem-se verdadeira interpretação inconstitucional.

Assim, o princípio da unidade da Constituição deve ser aplicado em todas as manifestações da Corte. A realização de um princípio não justifica o desrespeito e a desconsideração total de outro. Inclusive, no caso de colisão, por mais que um princípio ceda em face do outro, este não será declarado inválido, mas apenas aplicado em menor grau17. A aplicação em maior grau de um não pode significar a aniquilação do outro, sob pena de interpretação inconstitucional.

Ou seja, sob o argumento de realização de norma constitucional, não deve outra ser desrespeitada, seja ela de fixação de limite de competência ou norma principiológica18.

Percebe-se, então, que ao incorporar o papel de agentes transformadores da realidade social, os ministros alteram também a atuação do STF como órgão. O Supremo deixaria de agir apenas como legislador negativo (KELSEN, 2003, p. 151), protegendo a Constituição, para atuar também como legislador positivo, criando “normas”19, e enquanto realizador único e central da reestruturação social proposta pela Constituição de 1988.

O que se nota com a recente atuação do STF, portanto, é a realização de uma mutação constitucional com relação ao conceito de “guardião da Constituição”: de um conceito clássico anteriormente compreendido como de preservação da vida e unidade constitucional, para precursor de todos os fins públicos previstos na Carta, sem a devida articulação e atuação conjunta com os demais poderes constituídos.

Conclusão

O papel do STF é essencial, no contexto do Estado Constitucional Democrático, para assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, instituto tão caro à maturidade constitucional. Apesar de não se caracterizar como corte constitucional típica, cabe ao STF, no ordenamento jurídico brasileiro, a última palavra acerca da jurisdição constitucional, competindo-lhe, precipuamente, a tarefa de interpretar e guardar a Constituição.

O que se observa da recente atuação do STF, entretanto, é um desrespeito a limites principiológicos e de competência fixados na própria Constituição. Extremamente permeável à opinião pública e à mídia, o órgão de cúpula do Judiciário considera-se como responsável pela promoção da transformação social que pretendeu a Carta de 1988, ignorando os limites de exercício da função política, compreendida essa como a busca e realização do interesse público, que incumbe a todos os poderes constituídos dentro de sua esfera competência.

Para entender o que está por trás da atuação expansiva, devemos nos ater não apenas às variáveis exógenas, mas compreender que o que está ocorrendo é uma reestruturação do significado de “guardião da Constituição”, ou, mais especificamente, uma mutação do conceito.

Interpretação implica em atribuição de sentido a um enunciado normativo, ou seja, a extração de norma que regule a realidade concreta. Mas a interpretação constitucional deve necessariamente orientar-se por princípios instrumentais, quais sejam, os princípios da unidade, da concordância prática, da máxima efetividade e da força normativa, sendo que especialmente o primeiro impõe que a Constituição seja interpretada como um todo unitário. Quando da realização de uma norma, outra não pode ser completamente ignorada.

E não são apenas esses princípios que devem guiar a atuação do STF. A tarefa de intérprete deve ser especialmente limitada pela de guarda constitucional. Essa implica dar e resguardar a vida da Constituição, promovendo sua estabilidade e a própria segurança jurídica constitucional.

O STF está sujeito à Constituição como qualquer outro membro da comunidade jurídica, de forma que suas manifestações estão submetidas aos ditames constitucionais, ou seja, devem respeitar o que está previsto na Constituição. Sua recente atuação, mesmo que sob o fundamento de dar efetividade às normas, não justifica a usurpação de competência dos demais poderes constituídos, em especial a tarefa de legislar, e tampouco a desconsideração de outros princípios essenciais à preservação do Estado Constitucional Democrático, como o é o da estrita legalidade em matéria penal.

O que se conclui, portanto, é que o próprio STF está promovendo uma redefinição do que seria sua função de guardião da Constituição, prevista no art. 102, caput, da CF/88, proferindo decisões que exorbitam sua esfera própria de atuação. A segurança jurídica resta, com isso, prejudicada, e a intenção do legislador constituinte originário, maculada.

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VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo Social, v. 19, n. 2, p. 39-85, nov. 2007.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista De Direito GV, São Paulo, n. 4 (2), p. 441-464, jul/dez 2008.


2Nos termos do art. 102, da CF/88: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: […]”. In: BRASIL (1988).

3Em alguns julgamentos, há votos de ministros que consideram os limites de competência, mas esses votos são minoritários e dificilmente têm o condão de suscitar discussões mais profundas acerca da competência. Como exemplo, citam-se os votos dos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio na ADO 26 e MI 4733, em que disseram que o enquadramento da homofobia na lei de racismo criaria um novo tipo de crime, o que cabe exclusivamente ao Congresso.

4Torbjörn Vallinder, em artigo de 1994, já defendia que a judicialização da política era um fenômeno que estava acontecendo, em geral, no mundo inteiro. Também Alec Stone Sweet (2000) afirma que, na Europa, as políticas estariam sujeitas à judicialização e que tal processo seria irreversível.

5Como exemplo: Barroso (2012), Vieira (2008), Vianna et all (2007).

6Não se pretende, no presente trabalho, adentrar na questão da “abstrativização do controle concentrado de constitucionalidade”, mas, apenas para fins explicativos, menciona-se que tal abstrativização é um exemplo de expansão da atuação do órgão de cúpula, visto que diversas decisões tomadas em processos difusos passam a ter efeitos gerais, mas a vinculação a essas decisões não é algo legal/constitucionalmente previsto. Trata-se, em realidade, de vinculação em razão da posição de superioridade hierárquica do STF com relação aos demais órgãos do judiciário. Além da adoção, por alguns juízes e tribunais, do posicionamento de que não haveria necessidade de manifestação do Senado Federal para suspensão de lei declarada inconstitucional pelo STF, posição essa inicialmente defendida pelo Ministro Gilmar Mendes na Reclamação n° 4.335/AC.

7Em consulta feita ao site do STF, constatou-se que no ano de 2022, de 01/01/2022 a 22/11/2022, foram recebidos 64.635 processos no STF, sendo que, desses, apenas 328 eram ações do controle concentrado. Foram 45.413 processos de competência recursal e 19.222 de competência originária (6.334). Ou seja, do total de processos autuados em 2022, até a data de apuração, apenas 0,50% eram do controle concentrado. Apesar de número de ações do controle concentrado autuadas poder parecer grande, ele não sofreu grandes alterações desde o ano seguinte ao de promulgação da Constituição de 1988 (como exemplo, foram 255 ações em 1990, 263 em 2000 e 176 em 2010). O que aumentou consideravelmente foi o número de ações na competência recursal e demais ações de competência originária, que não as do controle concentrado. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=acervoinicio>. Acesso em: 22 nov. 2022.

8Com exceção dos anos de 2020 e 2021, em que houve um número maior em razão especialmente da pandemia ocasionada pela COVID-19. Em 2020 foram recebidas 503 ações do controle concentrado no STF e, em 2021, 572. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=acervoinicio>. Acesso em: 22 nov. 2022

9Como exemplo recente, o Ministro Marco Aurélio, ao comentar sobre algumas falas específicas do atual presidente Jair Bolsonaro, sugeriu o uso de mordaça para evitar suas declarações polêmicas: “No mais, apenas criando um aparelho de mordaça.”, disse o Ministro, quando questionado sobre o que poderia ser feito para evitar declarações polêmicas do Presidente. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/marco-aurelio-stf-sugere-mordaca-em-bolsonaro-veja-outras-criticas-a-fala-do-presidente.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha>. Acesso em: 31 jul 2019.

10Como exemplo, cita-se os já mencionados ADO 26 e MI 4733, em que ocorreu uma clara violação do princípio da estrita legalidade em matéria penal, previsto no art. 5°, inciso XXXIX, da CF/88: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;” (grifos não constantes no original). In: BRASIL (1988).

11As normas constitucionais não devem ser interpretadas de maneira isolada. Todas as normas contidas no texto constitucional possuem a mesma hierarquia, independentemente da matéria que ela regule. Extrai-se, assim, que não há norma constitucional inconstitucional.

12As disposições constitucionais devem ser interpretadas de maneira que se harmonizem, e não de forma que uma entre em conflito com outra

13Interpretação deve conferir máxima efetividade às normas constitucionais. Uma interpretação que restrinja os efeitos da norma constitucional, quando essa poderia produzir mais, regular mais, viola o princípio em questão

14Todas as normas constitucionais têm eficácia normativa, ou seja, aptidão para produção de efeitos concretos.

15Conforme definição de Barroso (2006, p. 44), a constitucionalização do direito representa a irradiação dos princípios constitucionais a todo o ordenamento jurídico.

16Sobre a impertinência de tal atribuição, tendo em vista o despreparo do juiz singular para lidar com questões constitucionais, vide DUARTE NETO, J. (2009).

17Com relação ao conflito entre princípios, vide: ALEXY, 2008, p. 90 e ss.

18Como exemplo emblemático, cita-se mais uma vez a ADO 26 e o MI 4733: viola limite de competência funcional a pretensão do judiciário de atuar como legislador positivo, definindo como crime ação não prevista em lei, bem como viola frontalmente o princípio da estrita legalidade penal, mesmo que sob o fundamento de realização do princípio da isonomia.

19“Normas”, nesse contexto, não trata de lei em sentido estrito e formal, mas enquanto norma de observância “obrigatória” aos outros membros do judiciário, que passam a aplicar decisões não dotadas de efeitos gerais e vinculantes (pois não teriam sido tomadas no bojo de processos do controle concentrado de constitucionalidade) como se leis fossem.


1Mestre em Direito Constitucional pela Unesp – Universidade Estadual Paulista, de Franca/SP.
Pós-graduada em Direito Privado pela Faculdade Legale