REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411081858
Fernanda Stockmann1
Salete Lúcia Scandolara Asen2
Prof. Dr. Flávio Carreiro de Santana3
RESUMO
A interdisciplinaridade como recurso pedagógico visa integrar várias disciplinas, favorecendo um aprendizado mais significativo interligado e contextualizado. Esta perspectiva reconhece que os problemas do mundo real são complexos, exigindo diversas visões e saberes para serem compreendidos e solucionados. No âmbito educacional, a interdisciplinaridade busca equipar os estudantes para esses desafios, criando vínculos entre campos do conhecimento normalmente vistos como distintos, como matemática e literatura, ou ciências e artes. No caso específico deste artigo, dialoga-se acerca da temática apresentada, tendo como pressupostos: a contextualização histórica, a abordagem conceitual e epistemológica e as contribuições desta perspectiva para a qualificação educacional e o desenvolvimento pleno dos estudantes. A imersão neste campo de estudo, reverbera a necessidade de inovações no cenário educativo tendo em vista as exigências de uma sociedade que se transforma constantemente nas diversas áreas do conhecimento.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade, Educação, Aprendizagem
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo discute a interdisciplinaridade, como um movimento contemporâneo, presente nas dimensões da epistemologia e da pedagogia, que vem marcando o rompimento com uma visão cartesiana e mecanicista de mundo e de educação e, ao mesmo tempo, assumindo uma concepção mais integradora, dialética e democrática na construção do conhecimento e da prática pedagógica.
Nestes termos, a interdisciplinaridade no contexto educacional, emerge como possibilidade para minimizar e até superar a fragmentação entre as disciplinas, criando diálogo entre elas, conectando umas às outras para melhor percepção e compreensão da realidade. A perspectiva interdisciplinar no cotidiano da sala de aula colabora para o desenvolvimento de competências sócio emocionais essenciais, como pensamento crítico, argumentação, análise e associação de informações.
A interdisciplinaridade, neste contexto de análise, refere-se ao processo de combinação de diferentes disciplinas para abordar problemas de forma mais integral, enquanto a ponte de conhecimento envolve a integração de diferentes conhecimentos e perspectivas para uma compreensão mais profunda e abrangente. Essa prática pedagógica, tem conquistado cada vez mais espaço nas pesquisas científicas de graduação e pós-graduação, não só na área da educação, mas também em outros setores da vida social como a economia, a política e a tecnologia. Trata-se de uma grande mudança paradigmática que está em pleno curso.
Deste modo, a interdisciplinaridade pode ser definida como a colaboração e a integração de diferentes disciplinas ou áreas de conhecimento em um esforço conjunto para a resolução de problemas complexos, ou seja, profissionais de diferentes áreas de atuação trabalham juntos em projetos ou pesquisas a fim de obter resultados mais amplos e objetivos acerca de determinado tema. Ela é importante uma vez que permite uma abordagem mais abrangente, aberta e criativa para lidar com desafios complexos que normalmente assumem vários pontos de vista.
A literatura sobre esse tema mostra que existe pelo menos uma posição consensual quanto ao sentido e à finalidade da interdisciplinaridade ela busca responder à necessidade de superação da visão fragmentada nos processos de produção e socialização do conhecimento.
Nesse sentido, a interdisciplinaridade será articuladora do processo de ensino e de aprendizagem na medida em que se produzir como atitude (Fazenda, 1979), como modo de pensar (Morin, 2005), como pressuposto na organização curricular (Japiassu, 1976), como fundamento para as opções metodológicas do ensinar (Gadotti, 2004), ou ainda como elemento orientador na formação dos profissionais da educação.
Dadas a natureza e a especificidade deste artigo, tomar-se-á como principal ponto de reflexão o papel da interdisciplinaridade no processo de ensinar e de aprender na escolarização formal, buscando-se articular as abordagens pedagógica e epistemológica, com seus avanços, limitações, conflitos e consensos. Ademais, com o aprofundamento científico em diferentes áreas do conhecimento, como por exemplo, Enfatizando o aparecimento de novos campos do saber, como a física quântica e a biologia molecular, tornou-se necessário e urgente evidente a urgência de transcender a fragmentação das disciplinas convencionais. Além disso, o progresso científico e tecnológico enfatizou a relevância da interdisciplinaridade, tanto na educação quanto na pesquisa.
Contudo, compreendemos que conflitos epistemológicos emergem das múltiplas maneiras de entender e gerar conhecimento. Cada área de estudo possui seus métodos, conceitos e paradigmas específicos, o que pode resultar em tensões ao tentar integrar diferentes perspectivas. Esses conflitos representam um desafio à criação de um conhecimento coeso, pois demandam não apenas a conexão entre conteúdos, mas também a harmonização de diferentes visões de mundo e abordagens para validar o saber. Neste sentido, a educação interdisciplinar tem como objetivo evitar a fragmentação do conhecimento ao unir saberes provenientes de várias disciplinas, oferecendo aos alunos uma visão mais rica e crítica da realidade. Com essa metodologia, os estudantes conseguem estabelecer ligações entre diferentes conteúdos, aprimorando habilidades como pensamento crítico, resolução de problemas e criatividade.
Diante do exposto, entende-se que o desempenho da interdisciplinaridade é fundamental para o crescimento do pensamento crítico e criativo, pois favorece a colaboração entre variadas áreas do saber, incentivando a reflexão e a inovação. Ao combinar conteúdos distintos, os estudantes são estimulados a examinar questões sob diversas perspectivas, desafiando respostas prontas e procurando soluções que ultrapassem os limites de uma única disciplina.
Nesta direção, este artigo está organizado em cinco seções, seguidas de considerações finais. Contextualização Histórica e Interdisciplinaridade na Atualidade: Nesta seção, discutimos a evolução histórica da interdisciplinaridade e sua relevância nos contextos educacionais contemporâneos. Conflitos Epistemológicos: Aqui, apresentamos uma análise dos conflitos epistemológicos que surgem na prática pedagógica, explorando os desafios e as perspectivas que eles oferecem. Educação e Interdisciplinaridade: Esta seção examina como a interdisciplinaridade se manifesta no campo educacional e quais benefícios ela traz para o aprendizado. Desenvolvimento do Pensamento Crítico e Criativo: Abordamos a importância do pensamento crítico e criativo na formação de estudantes, destacando como a interdisciplinaridade pode fomentar essas habilidades. Integração e Contextualização dos Conhecimentos: Discutimos a importância de integrar e contextualizar conhecimentos de diferentes áreas para uma aprendizagem mais significativa. Ao final, apresentamos as considerações finais, que sintetizam as principais discussões desenvolvidas ao longo do artigo.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ACERCA DA INTERDISCIPLINARIDADE
A discussão sobre a interdisciplinaridade começou a ganhar destaque no início do século XX, especialmente em função das transformações sociais e científicas da época, que exigiam uma nova abordagem educacional. No entanto, essa ideia já vinha sendo debatida desde o final do século XIX, com pensadores que buscavam superar a fragmentação do conhecimento nas ciências e nas artes. Esse movimento foi uma tentativa de contrabalançar a crescente especialização científica e de evitar a fragmentação do conhecimento em áreas diversas de estudo e pesquisa. Além disso, a crise do positivismo, que promovia a especialização extrema, também impulsionou a busca por uma perspectiva mais holística.
Após a Segunda Guerra Mundial, a necessidade de abordar questões como a corrida espacial e a inovação militar levou a um aumento da interdisciplinaridade na ciência, na tecnologia e em outros campos. Organizações internacionais como a UNESCO começaram a promover debates sobre a importância da integração de diferentes disciplinas, especialmente as ciências sociais e naturais.
Segundo Fazenda (2008), a interdisciplinaridade surgiu na França e na Itália em meados da década de 1960, período fortemente marcado por movimentos estudantis que reivindicavam, entre outras coisas, um ensino em sintonia com as questões políticas, econômicas e sociais da época. Não podemos imaginar mais que uma única disciplina pudesse resolver os grandes problemas da sociedade naquele momento.
Durante as décadas de 1920 e 1930, a crescente inquietação com a disseminação do conhecimento levou ao desenvolvimento de abordagens educacionais mais integradas, como a Educação Progressiva proposta por John Dewey. Suas teorias exerceram um impacto significativo no movimento de atualização da Educação no Brasil. Dewey defendia que os alunos deviam aprender de uma forma prática e colaborativa, integrando saberes de diversas áreas do conhecimento.
Nas décadas de 1960 e 1970, movimentos culturais e acadêmicos como os Estudos Culturais e o Pós-Modernismo começaram a desafiar os paradigmas tradicionais de conhecimento e a incentivar abordagens interdisciplinares. Disciplinas como a ecologia, cibernética, estudos ambientais surgiram e diferentes ciências foram naturalmente integradas.
Nos anos 80 e 90, a interdisciplinaridade tornou-se parte essencial em diversas áreas do saber. A globalização, a revolução digital e os progressos na ciência trouxeram consigo desafios inéditos, demandando abordagens diversificadas. Novos campos surgiram, como a bioética, os estudos de gêneros e a biotecnologia, que ganharam destaque nesse cenário de transformações, pois abrangem questões éticas, científicas e sociais, demandando a colaboração de profissionais de diversas áreas. Essa abordagem foi oficialmente incorporada nas universidades por meio de programas de estudos interdisciplinares que incentivam a integração de áreas tradicionais como economia, biologia, história e psicologia.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, menciona a interdisciplinaridade como uma abordagem pedagógica que visa unir distintas áreas do saber no ambiente educacional. Essa lei enfatiza a importância da interdisciplinaridade, pois ela possibilita uma compreensão mais abrangente e crítica dos conteúdos, incentivando a conexão entre as várias disciplinas e tornando o aprendizado mais relevante e contextualizado.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), criados nos anos 1990, trouxeram à tona o conceito de interdisciplinaridade como uma estratégia para mesclar conhecimentos de diversas áreas, almejando uma educação mais abrangente e significativa, sendo elemento essencial na estruturação do currículo. Nos PCNs, a interdisciplinaridade tem objetivos, como conectar saberes, resolver problemas reais e fomentar a cooperação entre as disciplinas. A interdisciplinaridade é vista mais como uma estratégia pedagógica, destacando a articulação entre conteúdos e a relevância social do que é ensinado.
A BNCC, adotada em 2017, também destaca a importância da interdisciplinaridade, mas a trata de forma mais estruturada, em relação ao desenvolvimento de competências gerais. Ela sugere que a interdisciplinaridade é essencial para preparar os alunos para os desafios do século XXI. Enfatiza a interdisciplinaridade dentro de um arcabouço de competências e habilidades, promovendo a aplicação prática e o desenvolvimento integral dos alunos, com foco em projetos e contextos mais amplos.
O texto propõe que, ao unir distintas áreas do saber, os estudantes conseguem aprimorar sua percepção e análise crítica da realidade. Uma das seções dos PCNs que trata desse assunto menciona:
“A interdisciplinaridade não significa a simples justaposição de disciplinas ou conteúdos, mas sim a interação entre elas, de modo que uma enriqueça e complemente a outra, possibilitando a construção de um saber mais integrado e contextualizado.”(PCNs,1997)
Quanto às possibilidades de se desenvolver um ensino integrado, Ivani Fazenda (1996) ao analisar, na legislação do ensino brasileiro, o parecer 4.833/75-CFE, observa que o desenvolvimento de tal modalidade de ensino envolveria a integração dos conteúdos e o desenvolvimento de habilidades das matérias trabalhadas. Ela considera a interdisciplinaridade como um meio de transcender os limites das áreas de estudo, favorecendo o desenvolvimento de um saber mais ágil e adaptável. Contudo, enfatiza que essa fusão não significa a perda das características de cada disciplina, mas sim uma interação produtiva, em que cada área preserva suas particularidades ao se comunicar com as demais.
O que se pode afirmar no campo conceitual é que a interdisciplinaridade será sempre uma reação alternativa à abordagem disciplinar normalizadora (seja no ensino ou na pesquisa) dos diversos objetos de estudo. Independente da definição que cada autor assuma, a interdisciplinaridade está sempre situada no campo onde se pensa a possibilidade de superar a fragmentação das ciências e dos conhecimentos produzidos por elas e onde simultaneamente se exprime a resistência sobre um saber parcelado.
Para Japiassu (1976), a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto. A interdisciplinaridade visa à recuperação da unidade humana pela passagem de uma subjetividade para uma intersubjetividade e, assim sendo, recupera a ideia primeira de cultura (formação do homem total), o papel da escola (formação do homem inserido em sua realidade) e o papel do homem (agente das mudanças do mundo). Portanto, mais do que identificar um conceito para interdisciplinaridade, o que os autores buscam é encontrar seu sentido epistemológico, seu papel e suas implicações sobre o processo do conhecer.
Partindo do pressuposto apresentado por Japiassu (1976), de que a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa, exige-se que as disciplinas, em seu processo constante e desejável de interpenetração, se fecundam cada vez mais reciprocamente. Para tanto, é imprescindível a complementaridade dos métodos, dos conceitos, das estruturas e dos axiomas sobre os quais se fundam as diversas práticas pedagógicas das disciplinas científicas.
Japiassu (1976) destaca ainda:
[…] do ponto de vista integrador, a interdisciplinaridade requer equilíbrio entre amplitude, profundidade e síntese. A amplitude assegura uma larga base de conhecimento e informação. A profundidade assegura o requisito disciplinar e/ou conhecimento e informação interdisciplinar para a tarefa a ser executada. A síntese assegura o processo integrador.
As abordagens teóricas apresentadas pelos vários autores vão deixando claro que o pensamento e as práticas interdisciplinares, tanto nas ciências em geral quanto na educação, não põem em xeque a dimensão disciplinar do conhecimento em suas etapas de investigação, produção e socialização. O que se propõe é uma profunda revisão de pensamento, que deve caminhar no sentido da intensificação do diálogo, das trocas, da integração conceitual e metodológica nos diferentes campos do saber.
Nas palavras de Japiassu:
Podemos dizer que nos reconhecemos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que ele conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicos, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de fazê-los integrarem e convergirem, depois de terem sido comparados e julgados. Donde podermos dizer que o papel específico da atividade interdisciplinar consiste, primordialmente, em lançar uma ponte para ligar as fronteiras que haviam sido estabelecidas anteriormente entre as disciplinas com o objetivo preciso de assegurar a cada uma seu caráter propriamente positivo, segundo modos particulares e com resultados específicos. (1976)
2.1 DISCUSSÕES ATUAIS
Atualmente, a interdisciplinaridade é vista como metodologia fundamental para lidar com os complexos desafios do mundo atual, incluindo as mudanças climáticas, sustentabilidade, saúde pública e inteligência artificial. As instituições de ensino e pesquisa estão promovendo cada vez mais a cooperação entre profissionais de diversas áreas do conhecimento.
A aplicação da interdisciplinaridade no mercado de trabalho é frequentemente destacada como uma habilidade essencial para enfrentar os complexos desafios da atualidade. A capacidade de integrar conhecimentos de diferentes áreas permite resolver problemas de formas mais inovadoras e eficazes, especialmente no contexto da globalização e da tecnologia, onde é valorizada a habilidade de transitar entre diferentes áreas de conhecimento. Há uma forte demanda por profissionais híbridos que possuam expertise em múltiplas disciplinas. Ademais, as metodologias interdisciplinares estão sendo cada vez mais integradas na educação, com programas de estudo mais flexíveis que conectam diversas áreas do saber.
“A interdisciplinaridade no mercado de trabalho promove a colaboração entre profissionais de diferentes áreas, permitindo uma abordagem mais holística para resolver problemas complexos e desenvolver soluções inovadoras, essenciais no cenário contemporâneo. Empresas que incentivam a troca de saberes e a interação entre departamentos tendem a obter melhores resultados.” (Morin, 2000)
Embora a interdisciplinaridade tenha avançado, tenha ganhado espaço no território educacional, ainda persistem obstáculos institucionais que, alguns entraves institucionais, ainda dificultam a ampliação da sua implementação. No ensino superior, por exemplo, uma vez que as estruturas universitárias costumam ser divididas em departamentos rígidos e isolados. Adicionalmente, um dos desafios é que a avaliação nem sempre se alinha aos mesmos padrões utilizados nas disciplinas tradicionais, e os profissionais, frequentemente, não são preparados para adotar uma abordagem interdisciplinar.
Com o objetivo de harmonizar o sistema educacional em todo o país, foram criados os Parâmetros Nacionais. Ao se estabelecerem como uma referência nacional para a educação, os PCNs começaram a ser adotados pelas instituições de ensino, e acreditamos ser pertinente utilizá-los como base para diálogos sobre interdisciplinaridade, já que esse documento sugere uma abordagem interdisciplinar em todos os níveis de ensino.
Na pesquisa acadêmica, há uma ênfase cada vez maior em projetos interdisciplinares que abrangem diferentes áreas do conhecimento. Isto é particularmente evidente em áreas como o desenvolvimento sustentável, a saúde pública e a inovação tecnológica, que exigem soluções que transcendem as fronteiras de uma única disciplina.
No ensino superior, especialmente em áreas como ciências sociais, ciências ambientais e tecnologia, empregam currículos interdisciplinares. Esses cursos integram disciplinas de diferentes áreas para formar profissionais que possam atuar em diversas áreas.
“A interdisciplinaridade, tanto na educação básica quanto no ensino superior, deve ser compreendida como uma prática que busca integrar diferentes campos do saber, promovendo uma visão mais ampla e contextualizada da realidade. Na educação básica, ela permite uma formação mais crítica e reflexiva; no ensino superior, facilita a resolução de problemas complexos e o desenvolvimento de competências mais abrangentes.”(Fazenda, 1995).
3. DISPUTAS EPISTEMOLÓGICAS: EVOLUÇÃO DO RACIOCÍNIO CRÍTICO E CRIATIVO
Cada disciplina possui o seu próprio paradigma, metodologia e linguagem, o que pode levar a dificuldades de comunicação e colaboração entre diferentes disciplinas. Os conflitos epistemológicos entre disciplinas podem surgir quando a abordagem de uma disciplina é difícil de compreender ou aceitar de outra. Os métodos de investigação, análise e interpretação de dados variam consideravelmente entre as disciplinas. Os métodos considerados rigorosos em uma disciplina podem ser considerados inadequados ou imprecisos em outra. O uso de termos específicos de uma disciplina pode ser confuso quando aplicado num contexto interdisciplinar. A falta de uma linguagem comum pode levar a mal-entendidos e dificultar o trabalho de conjunto.
O conceito de disciplina pode ser interpretado como uma área específica de conhecimento ou estudo, organizada de acordo com métodos, teorias e práticas que formam o seu conteúdo e sua abordagem. No âmbito educacional, a disciplina se refere aos campos distintos do saber que compõem o currículo escolar ou acadêmico, tais como matemática, história, física, biologia, entre outros. Segundo Japiassu (1976), disciplina é “um campo específico de saber, que se constitui a partir de um objeto de estudo próprio, um conjunto de métodos específicos e uma organização interna de conhecimentos, com suas próprias normas e regras.”
“Devemos falar hoje de conhecimento processo e não mais de conhecimento estado. Se nosso conhecimento se apresenta em devir, só nos conhecemos realmente quando passamos de um conhecimento menor a um conhecimento maior. A tarefa da epistemologia consiste em conhecer este devir em analisar todas as etapas de sua estruturação, chegando sempre a um conhecimento provisório, jamais acabado ou definitivo”.(JAPIASSU, 1979).
A disciplina, nesse sentido, tem como objetivo proporcionar aos alunos uma formação sistemática em um campo específico, aprimorando competências e conhecimentos profundos sobre um tema ou área do saber específico.
A interdisciplinaridade requer uma mudança de mentalidade, tanto a nível individual como organizacional. Existe frequentemente uma resistência cultural e psicológica à especialização e à adoção de abordagens que desafiam as formas tradicionais de produção e disseminação de conhecimento.
Muitas vezes há resistência a novas ideias e abordagens que desafiam as normas dentro de uma disciplina. A interdisciplinaridade é por vezes vista como uma ameaça à legitimidade e ao prestígio das disciplinas estabelecidas, com preocupações sobre a perda da identidade disciplinar, e receios de que a interdisciplinaridade comprometa a profundidade em detrimento da amplitude.
A colaboração interdisciplinar requer uma comunicação clara e efetiva entre profissionais de diferentes disciplinas. Porém, a falta de familiaridade com os conceitos, as convenções e terminologias de outras disciplinas pode dificultar essa interação. Cada especialidade possui seu idioma e traduzir conceitos entre esses idiomas nem sempre é fácil. Isto pode levar a mal-entendidos e simplificações excessivas, o que pode comprometer a profundidade do trabalho. Em muitos casos, os campos especializados carecem de ligações institucionais e conceituais que facilitem o diálogo. A falta de mediadores e de ferramentas integradoras dificulta a compreensão mútua.
Frente ao exposto e diante da necessidade de colaboração e consenso entre diferentes disciplinas, destaca-se a importância de se promover, no cotidiano escolar, contínuos movimentos para a formação docente. Refletir e discutir os diferentes aspectos que constituem a prática educativa contribui significativamente para a qualificação dos processos educativos.
A qualificação dos espaços pedagógicos refletem o aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem na direção da formação multidimensional do sujeito. Nestes termos, a interdisciplinaridade, a partir dos princípios e pressupostos que a conduzem, favorecem a otimização de diferentes competências e habilidades educacionais essenciais ao desenvolvimento pleno do estudante.
Dado o contexto atual que vivenciamos, compreende-se que algumas habilidades se colocam como fundamentais ao estudante, entre elas destaca-se o pensamento crítico e criativo. Neste viés, a interdisciplinaridade apresenta-se como prerrogativa para viabilizar reflexões e discussões bastante relevantes nesta perspectiva. A ideia de que a interdisciplinaridade estimula o pensamento crítico e criativo pode ser relacionada a vários pensadores e educadores que analisam a importância da interdisciplinaridade na educação e no crescimento do conhecimento. Edgar Morin, filósofo e sociólogo francês, é um dos autores mais frequentemente mencionados nesse cenário, renomado por seus estudos sobre o pensamento complexo e pela defesa de metodologias interdisciplinares no processo de ensino.
Edgar Morin defende que a interdisciplinaridade é fundamental para enfrentar a complexidade do conhecimento e da realidade, promovendo a habilidade de pensar de forma crítica e criativa sobre os desafios atuais. Em sua obra “A Cabeça Bem Feita”, ele analisa como a fragmentação do conhecimento compromete a compreensão abrangente e ressalta a importância da conexão entre diferentes disciplinas para o desenvolvimento de um pensamento mais coeso e inovador.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) enfatizam a interdisciplinaridade como uma abordagem essencial para fomentar o desenvolvimento de habilidades cognitivas mais diversas, incluindo o pensamento crítico e criativo. Através da interdisciplinaridade de diversas áreas do saber, os PCNs sugerem que os alunos conseguem alcançar uma compreensão mais rica e significativa da realidade, o que, por sua vez, incentiva tanto a reflexão crítica quanto a criatividade. Uma citação relevante nesse contexto afirma:
“A interdisciplinaridade permite aos alunos uma visão mais abrangente e integrada do conhecimento, promovendo o desenvolvimento do pensamento crítico e criativo ao possibilitar a resolução de problemas e a elaboração de novas propostas a partir da articulação de saberes.” (PCNs 1997)
Um projeto de sustentabilidade permite que os alunos integrem conhecimentos de biologia (ecossistemas), geografia (recursos naturais), economia (custos e benefícios) e ética (responsabilidade ambiental) para chegar a uma perspectiva mais ampla e a uma solução mais completa.
Os problemas encontrados no mundo real raramente se limitam a um único domínio do conhecimento. Desafios como as alterações climáticas, as desigualdades sociais e o desenvolvimento tecnológico exigem uma abordagem interdisciplinar, pois permite aos alunos pensar globalmente, operar em diferentes contextos e desenvolver competências muito valorizadas no mercado de trabalho.
A interdisciplinaridade tende a motivar engajar os alunos, proporcionando uma abordagem mais relevante e prática do conhecimento. Os projetos interdisciplinares estão frequentemente ligados a situações da vida real ou com questões de interesse pessoal, tornando a aprendizagem mais relevante e aplicável e incentivando a participação ativa dos alunos.
É também essencial para o desenvolvimento de competências transversais, incluindo competências como a comunicação, a colaboração, o pensamento crítico, a resolução de problemas, a utilização de ferramentas digitais, a habilidades e atitudes relacionadas à leitura e à escrita, assim como sua prática produtiva. Ao trabalhar em diferentes disciplinas, os alunos têm a oportunidade de desenvolver estas competências, que são essenciais para o sucesso no século XXI.
4. INTEGRAR SABERES A PARTIR DA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
Na sala de aula, ou em qualquer outro ambiente de aprendizagem, são inúmeras as relações que intervêm no processo de construção e organização do conhecimento. As múltiplas relações entre professores, alunos e objetos de estudo constroem o contexto de trabalho dentro do qual as relações de sentido são construídas. Nesse complexo trabalho, o enfoque interdisciplinar aproxima o sujeito de sua realidade mais ampla, auxilia os aprendizes na compreensão das complexas redes conceituais, possibilita maior significado e sentido aos conteúdos da aprendizagem, permitindo uma formação mais consistente e responsável.
É uma abordagem educacional que integra conhecimentos de diferentes disciplinas para proporcionar uma visão mais abrangente e contextualizada da aprendizagem. Nos contextos educacionais contemporâneos, esta prática é considerada uma forma eficaz de preparar os alunos para os desafios do mundo moderno, que exigem soluções complexas que não se limitam a uma única disciplina.
Na área educacional, essa abordagem tem sido frequentemente utilizada como uma forma de auxiliar os alunos na transição para a realidade, na qual as soluções costumam ultrapassar os limites de uma única disciplina.
A ciência interdisciplinar tornou-se essencial para a investigação de fenômenos complexos que não podem ser compreendidos ou resolvidos apenas por um único domínio de investigação. As grandes questões contemporâneas, como as alterações climáticas, as pandemias globais e a inteligência artificial, exigem a cooperação de cientistas de diferentes disciplinas. Para Piaget (1972), a interdisciplinaridade é uma forma de pensar e de alcançar a transdisciplinaridade, que ultrapassa a integração e a reciprocidade entre as ciências e se transpõe para um espaço onde desapareceriam as fronteiras entre as ciências.
A formação acadêmica tradicional baseia-se em disciplinas isoladas com currículos estritamente definidos. Este fato conduz a uma especialização muito precoce e limita o desenvolvimento de perspectivas interdisciplinares. Os desafios neste domínio são que muitas vezes os alunos são incentivados a especializar-se numa área de conhecimento desde cedo, o que impede o desenvolvimento de competências interdisciplinares. As propostas interdisciplinares manifestam-se timidamente em nossos sistemas de ensino, no entanto movimentos pró popularização vem acontecendo com mais força em algumas regiões do país. Alguns fatores inferem diretamente nesta condição, entre estes destaca-se a estrutura curricular que orienta a disposição das disciplinas por etapa e nível de ensino.
O sistema educacional brasileiro configura-se no campo do currículo, tanto na educação básica como no ensino superior, pelo compartilhamento do conhecimento em disciplinas isoladas, tornando difícil para os alunos compreenderem como esse conhecimento se aplica na vida real. A interdisciplinaridade ajuda a contextualizar a aprendizagem, mostrando como os conhecimentos de diferentes disciplinas estão inter-relacionados e como podem ser aplicados no dia a dia.
Interdisciplinaridade e contextualização formam o eixo organizador da doutrina curricular expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). Elas abrigam uma visão do conhecimento e das formas de tratá-los para ensinar e para aprender que permite dar significado integrador a duas outras dimensões do currículo de forma a evitar transformá-las em novas dualidades ou reforçar as já existentes.
Contrapondo o exposto, entende-se como necessário refletir este modelo educacional, de forma a ampliar a interação entre as disciplinas. Este princípio se coloca como a marca fundamental das relações interdisciplinares:
“O que queremos dizer é que o pensar interdisciplinar parte da premissa de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma exaustiva. Tenta, pois o diálogo com outras fontes do saber, deixando-se irrigar por elas. Assim, por exemplo, confere validade ao conhecimento do senso comum, pois é através do cotidiano que damos sentido às nossas vidas. Ampliado pelo diálogo com o conhecimento científico, o senso comum tende a uma dimensão, ainda que utópica, capaz de enriquecer nossa relação com o outro e com o mundo”. (FAZENDA, 1991).
A abordagem interdisciplinar, tendo em vista a citação supracitada, oferece vantagens não só para os estudantes, mas também promove a cooperação entre educadores de diversas disciplinas. Isso possibilita a troca de saberes e métodos de ensino, aprimora o ambiente educacional e estimula o desenvolvimento de projetos mais elaborados e enriquecedores.
Um professor de matemática pode trabalhar com um professor de ciências para criar um projeto sobre o uso de estatística para analisar dados ambientais, ampliando assim a compreensão dos alunos sobre a aplicação prática da matemática.
A educação moderna deve preparar os alunos para as rápidas inovações tecnológicas e para os desafios sociais da automação, da inteligência artificial e da globalização. A interdisciplinaridade é uma forma poderosa de abordar estas questões de forma abrangente, permitindo aos alunos compreender as implicações sociais, econômicas e éticas destas transformações. Um curso que combina ciências da computação, ética e sociologia permite aos estudantes explorar o impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho e na vida privada dos cidadãos. Contudo, compreende-se que a prática pedagógica interdisciplinar, contribui para a inovação na educação, ao encorajar os alunos a pensar para além das fronteiras disciplinares tradicionais, podem ser incentivados a desenvolver novas ideias, produtos e soluções que não são possíveis num único campo do conhecimento.
A metodologia de trabalho interdisciplinar pressupõe uma atitude e um método, que inclui a integração de conteúdos, a transição de uma percepção fragmentária para uma concepção unitária de conhecimento, superar a dicotomia entre ensino e pesquisa, considerar estudo e a pesquisa, separando as diferentes ciências.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões que emergem, das discussões apresentadas permite-nos afirmar que a interdisciplinaridade, tanto em sua dimensão epistemológica quanto pedagógica, está sustentada por um conjunto de princípios teóricos formulados, sobretudo por autores que analisam criticamente o modelo positivista das ciências e buscam resgatar o caráter de totalidade do conhecimento. Abordagens teóricas construídas pela óptica da dialética, da fenomenologia, da hermenêutica e do paradigma sistêmico são formulações que sustentam esse movimento produzindo mudanças profundas no mundo das ciências em geral e da educação em particular.
O que se pode afirmar no campo conceitual é que a interdisciplinaridade será sempre uma reação alternativa à abordagem disciplinar normalizadora (seja no ensino ou na pesquisa) dos diversos objetos de estudo. Independente da definição que cada autor assuma, a interdisciplinaridade está sempre situada no campo onde se pensa a possibilidade de superar a fragmentação das ciências e dos conhecimentos produzidos por elas e onde simultaneamente se exprime a resistência sobre um saber parcelado.
A interdisciplinaridade representa uma abordagem inovadora para enriquecer o processo de ensino e aprendizagem, tornando-o mais relevante, significativo e motivador. Através da integração de diferentes áreas do conhecimento é possível formar estudantes mais críticos, criativos e preparados para os desafios do mundo contemporâneo, sendo necessário um conjunto de exercício de educadores, gestores e formuladores de políticas educacionais para promover e sustentar a interdisciplinaridade como uma prática educativa transformadora.
Portanto, a interdisciplinaridade é um movimento importante de articulação entre o ensinar e o aprender. Compreendida como formulação teórica e assumida enquanto atitude, tem a potencialidade de auxiliar os educadores e as escolas na ressignificação do trabalho pedagógico em termos de currículo, de métodos, de conteúdos, de avaliação e nas formas de organização dos ambientes para a aprendizagem.
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1Fernanda Stockmann, Graduada em Pedagogia e Geografia, Especialização em Pedagogia, Geografia e Gestão Escolar
2Salete Lúcia Scandolara Asen, Graduada em Ciências, Habilitação em Biologia e Matemática, Especialização em Educação Matemática.
3Professor Dr.Flávio Carreiro de Santana, Doutorado na área de História e Arqueologia pela Universidade de Coimbra-Portugal