INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS.

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.12560165


João Negrini Neto


Licitação; audiências públicas; consultas públicas; contratações públicas; democratização; participação; inteligência artificial; execução contratual

Introdução.

Recentemente temos vivido um processo de democratização das contratações públicas. Essa tendência se tornou uma realidade especialmente por força de algumas mudanças legislativas que têm tornado o processo de contratação pública muito mais participativo. 

Se há algum tempo discutia-se a validade de procedimentos de participação dos particulares nas fases internas da licitação, a lei federal nº 14.133/21 institucionalizou as ferramentas do diálogo competitivo (procedimento de discussão com as empresas para a definição do melhor objeto a ser contratado) e do procedimento de manifestação de interesse (proposta de contratação enviada pelo particular à administração pública). 

No âmbito do Estado de São Paulo, por exemplo, as grandes últimas licitações de concessões e parcerias público privadas tem se utilizado, ademais, das consultas e audiências públicas inclusive com a participação dos agentes responsáveis pela modelagem das contratações. 

A democratização das contratações públicas.

A participação das empresas interessadas na disputa licitatória desde o momento anteriores à divulgação da licitação é fundamental para que esses projetos sejam atrativos ao mercado e viabilizem a disputa pelos interessados.

Evidentemente, essa participação das empresas desde o momento de concepção dos projetos é um exemplo de democratização e transparência da administração pública. 

Trata-se, em verdade, de uma prática já incentivada nas contratações públicas de outros países, como se extrai do Artigo 40 da Diretiva 24/14 da União Europeia que trata da Consulta preliminar ao mercado estabelecendo que “Antes da abertura de um procedimento de contratação, as autoridades adjudicantes podem realizar consultas ao mercado, a fim de preparar esse procedimento e de informar os operadores económicos dos seus planos de contratação e respectivos requisitos.

No exemplo europeu, as autoridades adjudicantes podem até mesmo solicitar ou aceitar pareceres de peritos ou autoridades independentes ou de participantes no mercado para o melhor planejamento e condução do procedimento de contratação.

Essa prática pode parecer óbvia, mas, na verdade, num passado não tão distante, a ausência de mecanismos de democratização desses processos de contratações governamentais fez com que o nosso país se afundasse em uma das maiores crises legais e econômicas que recentemente passamos. 

Hoje, contudo, um processo de contratação pode e deve se valer de mecanismos democráticos e transparentes de participação dos interessados desde a simples ideia de se entabular o contrato até a própria entrega definitiva do serviço ou do produto pronto e acabado. Tal prática é fundamental para garantir a integridade das relações contratuais.

É bem verdade que essa democratização pode e deve ser regulamentada por meio de normas administrativas ou por meio de leis que garantam a isonomia dos interessados na participação de todas essas fases da contratação e também que venham a tornar públicas as relações havidas pelos representantes do poder público e da iniciativa privada. Ademais, não se trata apenas da democratização da participação, mas também de um verdadeiro mecanismo de defesa e transparência para os agentes públicos envolvidos nesse processo.

Mas, se a legislação não obriga objetivamente que os governos se utilizem dos mecanismos de democratização e de transparência no processo licitatório nas suas contratações mais complexas, é preciso que se crie uma cultura de boa administração para que os futuros contratos induzam as partes a adotarem esse comportamento. 

Temos uma cultura de que todos os problemas da administração pública devem ser corrigidos por meio de alterações legislativas. Mas, há um evidente equívoco de interpretação ao pensar que por aplicação do princípio da legalidade essas práticas só poderão ser institucionalizadas após imposição legal. 

Ora, as normas que conformam o direito e o regime jurídico de direito administrativo, sobretudo decorrentes dos princípios da transparência, da eficiência administrativa, da atualidade dos contratos de concessão e da boa administração, não só sugerem como impõem ao administrador o dever de incorporar as melhores práticas tecnológicas à sua disposição para garantir maior eficiência na execução do contrato e maior transparência nas relações público-privadas.

Utilização da inteligência artificial nas contratações públicas.

Destaca-se também a importância do estabelecimento de mecanismos de publicização das trâmites de execução contratual. Muitas tratativas são estabelecidas entre as partes na dinâmica da execução contratual, vinculando direitos e obrigações, mas sem a devida formalização. 

Sabe-se que a melhor técnica demandaria que todas essas tratativas fossem efetivamente documentadas e acabassem por originar a assinatura de um termo aditivo ou de um protocolo de intenções, no mínimo um diário de execução contratual. Contudo, esses comprometimentos são raramente documentados e comunicados. 

Para isso, a inteligência artificial e a nova tecnologia devem ser utilizadas como forma de garantir o registro do passo a passo da execução do contrato propiciando inclusive maior controle dos atos administrativos.

Impõe-se, nesse aspecto, a utilização da tecnologia e da inteligência artificial a fim de documentar essa relação de execução contratual e assim garantir uma maior transparência e vinculação às partes. 

Embora tenhamos no Brasil enfrentado um momento de boa evolução no que se refere às discussões prévias às licitações e contratações, infelizmente, com relação à execução dos contratos, ainda estamos em uma situação bastante embrionária. 

Há uma infinidade de ferramentas de inteligência artificial que podem e devem ser utilizadas para a gestão de contratos e projetos governamentais. Elas podem promover a assistência na elaboração de atas de reunião, no acompanhamento da gestão do contrato, a divisão de responsabilidades, o estabelecimento de um cronograma de obrigações, etc. O CoPilot, por exemplo, é capaz de registrar em detalhe toda a discussão de uma reunião, organizar o seu conteúdo de forma lógica, atribuir responsabilidades, prazos e acompanhar a sua execução. A Microsoft já anunciou no mês passado que integrará a inteligência artificial ao Teams. 

Somente abrindo-se as portas da administração pública e formalizando-se todos os atos e comprometimentos das partes ao longo da execução de um contrato é que se garantirá transparência e publicidade da atividade administrativa. 

Conclusões.

A democratização das licitações e das contratações públicas, principalmente no que se refere à participação das empresas interessadas na disputa licitatória é hoje uma realidade no Brasil e uma prática que pode e deve ser utilizada, independentemente de regulamentação legislativa.

Essa prática, todavia, deve também ser utilizada no decorrer da execução dos contratos públicos. A administração pública pode e deve se utilizar de mecanismos de inteligência artificial para tornar a execução do contrato mais eficiente e transparente. Já há inúmeras ferramentas de inteligência artificial que podem ser utilizadas como mecanismos de auxílio. 

Independentemente de previsão legal, as normas que regem o direito administrativo, sobretudo os princípios da atualidade, da eficiência, da boa administração, da transparência e da publicidade permitem que a administração pública se utilize dessas ferramentas, inclusive com previsão contratual, para o atendimento do interesse público. É uma prática que pode e deve ser incentivada e que pouco se tem falado a respeito ultimamente.

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