REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202501192222
Daiane Nogueira de Sousa
Resumo
Novas tecnologias têm sido amplamente utilizadas para otimizar os mais diversos setores da sociedade, e a inteligência artificial (IA) destaca-se como uma dessas tecnologias emergentes. A IA busca, por meio da replicação de capacidades humanas, desempenhar atividades como raciocínio lógico, interpretação, comunicação e aprendizado de maneira autônoma e ágil, promovendo melhores desempenhos nas tarefas atribuídas. Segundo Campos e Figueiredo (2022), o crescimento recente da inteligência artificial deve-se ao “[…] desenvolvimento das estatísticas e métodos probabilísticos; à crescente quantidade de dados; ao poder computacional maior e mais barato; e à transformação de lugares em ambientes favoráveis à tecnologia […]” (CAMPOS; FIGUEIREDO, 2022, p. 198).
Palavra-chave: Inteligência Artificial na evolução da administração pública.
Summary
New technologies have been widely used to optimize the most diverse sectors of society, and artificial intelligence (AI) stands out as one of these emerging technologies. AI seeks, through the replication of human capabilities, to perform activities such as logical reasoning, interpretation, communication and learning in an autonomous and agile manner, promoting better performance in the assigned tasks. According to Campos and Figueiredo (2022), the recent growth of artificial intelligence is due to “[…] the development of statistics and probabilistic methods; the growing amount of data; greater and cheaper computational power; and the transformation of places in environments favorable to technology […]” (CAMPOS; FIGUEIREDO, 2022, p. 198).
Keyword: Artificial Intelligence in the evolution of public administration.
Introdução
O uso atual da IA na administração pública brasileira, com seus resultados positivos, tem contribuído significativamente para a consolidação do princípio da eficiência, que rege o Direito Administrativo brasileiro e busca a obtenção dos melhores resultados possíveis com a utilização de menos recursos, sejam eles orçamentários ou de infraestrutura.
Tomando o Poder Judiciário como principal referência, o presente artigo pretende aprofundar a avaliação sobre os benefícios e garantias na adoção da tecnologia para “ganhos de eficiência” na gestão e no julgamento de processos. A problemática da pesquisa é enunciada da seguinte forma: a adoção de ferramentas com aplicação de inteligência artificial na gestão e julgamento de processos gera eficiência?
Para responder a essa questão, é essencial primeiro compreender o conceito de “eficiência”. O princípio da eficiência foi inserido textualmente na Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional n° 19, de 1998. Apesar da menção expressa ao princípio somente a partir da Reforma Administrativa de 1998, a eficiência sempre foi considerada um atributo aplicável aos serviços públicos, intrínseco ao dever estatal de bem administrar a coisa pública.
De acordo com Costa (2020, p. 20), a inteligência artificial apresenta grandes oportunidades de mudança na avaliação da eficiência do Judiciário, trazendo ganhos significativos na “agilidade dos trabalhos jurídicos”. A pesquisa concentra-se em avaliar os impactos de eficiência sob os aspectos de tempo gasto, custo de investimento e número de agentes designados para a gestão e julgamento de processos judiciais e administrativos, considerando as limitações impostas pelo sistema administrativo brasileiro.
Os tribunais brasileiros têm buscado implantar sistemas para a automação de procedimentos e o uso de inteligência artificial, visando agilizar o processamento de informações e aumentar a eficiência nos julgamentos. Costa (2020, p. 20) destaca que essa transição tecnológica representa uma grande oportunidade para a modernização do Judiciário.
Com base em experiências em desenvolvimento no Brasil nos últimos três anos, esta pesquisa utiliza uma abordagem exploratória-descritiva, fundamentada em revisão bibliográfica, análise da legislação vigente e propostas legislativas em andamento, além de coleta de dados empíricos por meio de questionários aplicados a atores envolvidos em projetos experimentais em órgãos públicos.
O artigo está estruturado em quatro seções. A primeira apresenta as contribuições teóricas que fundamentam a pesquisa e o arcabouço normativo relacionado ao tema. A segunda detalha a metodologia utilizada. Na terceira, os resultados da pesquisa são apresentados e discutidos. Por fim, a quarta seção traz as conclusões do estudo.
2. Referência Teórica
No Brasil, estudos têm apontado melhorias na eficiência dos serviços públicos com o uso de ferramentas de inteligência artificial (IA), especialmente no ganho de agilidade das entregas. Ferrer (2018) ressalta que pesquisas realizadas desde 1996 demonstram uma redução significativa de custos para o cidadão e para o Estado com a implementação de tecnologia nos processos administrativos.
Nesse contexto, observa-se que a administração pública vem utilizando ferramentas tecnológicas, incluindo a IA, com o propósito de aprimorar e otimizar a gestão de processos. É fundamental, portanto, compreender o que são essas ferramentas e como elas funcionam.
2.1. O que é Administração Pública
Administração pública refere-se ao planejamento, organização, direção e controle dos serviços públicos, segundo as normas legais e éticas, visando ao bem comum. “Nada pode ser politicamente certo se for moralmente errado” (Bächtold & Decker, 2012).
Ao longo do tempo, a administração pública tem se esforçado para acompanhar práticas da iniciativa privada, buscando zelo com o orçamento público. Embora ainda distante das práticas corporativas, importantes mudanças estão em curso.
Desde os anos 1980, administrações públicas em todo o mundo implementaram reformas substanciais em políticas de gestão e na estruturação de organizações programáticas. Essas reformas introduziram novos discursos e práticas, muitas vezes inspirados no setor privado, utilizando-os como benchmarks para a administração pública em diferentes níveis de governo (Secchi, 2009).
A formação adequada de futuros gestores públicos é um ponto essencial. Ainda que alguns cargos públicos não exijam pleno domínio de disciplinas específicas, é evidente a necessidade de incluir inovação e inteligência artificial como elementos centrais para a melhoria e eficiência na administração pública.
No Brasil, a formação em administração pública se desenvolveu em instituições voltadas ao ensino administrativo, enfatizando a “ciência administrativa” como um núcleo comum (Farah & Ferreira, 2011). Esse enfoque contribuiu para consolidar a administração pública gerencial, ou nova gestão pública, caracterizada por valores de eficiência, eficácia e competitividade (Secchi, 2009).
Segundo Bresser-Pereira (1996), a modernização e o aumento da eficiência da administração pública dependem de reformas estruturais que fortaleçam o núcleo estratégico do Estado e descentralizem sua atuação por meio de agências autônomas e organizações sociais controladas por contratos de gestão.
No setor público, o objetivo principal não é o lucro, mas a prestação de serviços de qualidade que atendam às necessidades da sociedade. A inovação tecnológica, incluindo a IA, contribui para alcançar esses objetivos, promovendo mudanças organizacionais e melhorias na comunicação e processamento de dados (Klumb & Hoffmann, 2016).
2.2. Casos Concretos no Setor Público
Embora existam desafios para a implantação da inteligência artificial na administração pública brasileira, casos concretos demonstram sua viabilidade e impacto positivo.
I. Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU):
O sistema “ALICE” (Análise de Licitações e Editais) utiliza IA para identificar fraudes e irregularidades em licitações, cruzando dados de editais, atas de registros de preços e outras bases, como Diários Oficiais (Gomes, 2018; Ishikawa; Alencar, 2020; Panis et al., 2022).
II. Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF):
A assistente virtual “Dra. Luzia”, desenvolvida em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), agiliza a tramitação de processos de execução fiscal, gerando centenas de petições em poucos dias (Costa, 2020).
III. Superior Tribunal de Justiça (STJ):
A ferramenta “Sócrates” auxilia na elaboração de minutas de decisões e votos, além de retroalimentar bases de dados e formar precedentes. Tribunais estaduais em Minas Gerais e São Paulo também utilizam tecnologias semelhantes (Silva; Silva Filho, 2020).
IV. Tribunal Superior do Trabalho (TST):
O sistema “Bem-Te-Vi” gerencia processos judiciais, identificando temas e fases processuais. Premiado em 2020, o sistema integra funcionalidades como controle de prazos e pesquisa textual em acórdãos (TST, 2018).
Esses exemplos indicam que a adoção da inteligência artificial nos processos administrativos pode garantir maior celeridade e eficiência. Apesar dos avanços, ainda existem preocupações regulatórias e desafios institucionais.
2.3. O que é Inteligência Artificial (IA)
A inteligência artificial é um conjunto de soluções tecnológicas projetadas para imitar a inteligência humana, como aprendizado, adaptação, criatividade e resolução de problemas (Rich; Knight; Nair, 2009).
IA fraca refere-se à automação avançada de tarefas repetitivas, enquanto a IA forte envolve algoritmos que permitem às máquinas tomar decisões e realizar tarefas que exigem raciocínio. Redes neurais, que simulam o funcionamento do cérebro humano, são uma base fundamental para a IA possibilitando que sistemas reconheçam padrões e aprendam com grandes volumes de dados (Smith; Browne, 2019).
A inteligência artificial simbólica: Essa abordagem utiliza mecanismos que realizam transformações a partir de símbolos, letras, números ou palavras, simulando o raciocínio lógico que fundamenta as linguagens humanas. Trata-se de uma forma de replicar os processos lógicos por trás da comunicação entre pessoas.
A inteligência artificial conexionista: Inspirada no funcionamento dos neurônios humanos, essa abordagem busca imitar os mecanismos do cérebro. Um exemplo dessa tecnologia é o deep learning, ou aprendizado profundo, que permite às máquinas adquirir conhecimentos de forma autônoma, simulando redes neurais semelhantes às do cérebro humano.
A inteligência artificial (IA) A IA é um campo das ciências da computação dedicado a replicar habilidades humanas, como raciocínio lógico, interpretação, comunicação e aprendizado. Seu objetivo é desempenhar tarefas específicas com maior eficiência e precisão, utilizando dispositivos tecnológicos de forma autônoma, e promovendo melhorias significativas em diversos contextos.
3. Metodologia
Esta pesquisa adota uma abordagem exploratório-descritiva, combinando revisão bibliográfica, análise legislativa e coleta de dados empíricos. O objetivo principal é investigar o impacto da inteligência artificial (IA) na administração pública, especialmente em termos de eficiência e custos, com foco nos processos de gestão administrativas, Federal, Estadual e Municipal.
3.1 Dados e Inicialização da (IA) na gestão pública
Em maio, a IPM Sistemas lançou a Dara com tecnologia para antecipar o diagnóstico da diabetes entre 1 e 3 anos. Agora, em setembro, a IA foi apresentada com novidades no seu poder de prognósticos para abordar a condição de saúde que mais mata brasileiros: o infarto.
A ideia principal é aprimorar o atendimento e proteger a independência dos profissionais de saúde. Mesmo durante uma consulta médica regular, que pode até envolver um assunto distinto, o médico contaria com insights valiosos da Inteligência Artificial. Esses insights poderiam indicar ao paciente a necessidade de maior cuidado com certos aspectos de saúde. O objetivo seria prevenir um possível quadro de infarto ou AVC nos próximos 6 a 18 meses.
Atualmente, no Brasil, mais de 1 milhão de indivíduos aguardam na fila para realizar cirurgias eletivas através do SUS. Além disso, 2,5 milhões de crianças permanecem sem acesso a creches devido à falta de vagas. Diante deste cenário, a introdução da Inteligência Artificial para prever situações e otimizar o investimento público, focando na melhoria da qualidade de vida da população, é uma evolução e um investimento indispensáveis.
“O desenvolvimento da tecnologia é resultado de vários anos de esforço de uma equipe multidisciplinar. Esta equipe é composta por engenheiros, biomédicos, médicos e gestores públicos”, afirma Ana Mees, graduada em Engenharia Biomédica pela Duke University. Ela acrescenta que “o uso de machine learning e redes neurais profundas traz novas informações e previsões para o trabalho no setor público”.
Dara, além de sua atuação em saúde, também consegue apoiar a gestão na definição do local ideal para a construção de novas unidades de atendimento na saúde e educação, como creches ou unidades básicas. Ela é capaz de identificar as causas da evasão escolar e apontar quais alunos têm maior tendência a abandonar os estudos.
Além disso, a inteligência pode prever a quantidade de vagas necessárias dentro de um período em postos de saúde, creches e pré-escolas, bem como indicar quais mudanças na infraestrutura são necessárias para melhorar a mobilidade urbana.
A tecnologia utiliza machine learning para criar verdadeiros cérebros virtuais, aplicando redes neurais para instruir computadores a compreender os dados. Este processo é inspirado pela forma como o cérebro humano funciona, ou seja, por meio da criação de estruturas em camadas semelhantes às encontradas na nossa mente.
O compromisso da IPM com a inovação e tecnologia de ponta tornou isso possível. A empresa, inspirada por tendências globais de tecnologia, formou um time de especialistas para digitalizar o setor público.
A nova tecnologia IPM não só aponta cenários ideais como também inclui explicações sobre as razões para cada escolha. “A decisão final sempre será do gestor, mas ele não vai ter que escolher entre um caminho ou outro às cegas”, reforça a engenheira Ana.
3.2 Contexto Global da IA na Gestão Pública
Um relatório da OCDE (2024) identificou 71 casos de uso da IA em governos ao redor do mundo, com aplicações que incluem formulação de políticas públicas, melhoria da eficiência operacional e aprimoramento de serviços públicos. Cerca de 70% dos países pesquisados já utilizam IA para automatizar processos, analisar grandes volumes de dados e melhorar suas operações internas.
No Brasil, a principal discussão sobre IA concentra-se em sua regulamentação. Contudo, o maior potencial está no uso dessa tecnologia para aprimorar a eficiência da gestão pública, impactando diretamente áreas críticas, como saúde e educação.
Por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) é responsável pelo atendimento de 71,5% dos brasileiros, enquanto escolas públicas atendem 80% dos estudantes do ensino fundamental e médio. O uso de IA nessas áreas pode melhorar significativamente a qualidade dos serviços prestados à população, que depende amplamente do setor público.
Assim como a computação em nuvem trouxe os serviços públicos para o ambiente digital, a IA adiciona uma camada de inteligência capaz de simplificar rotinas administrativas e otimizar a tomada de decisões com base em grandes volumes de dados.
No campo da supervisão governamental, o uso de sistemas de IA tem se destacado como uma ferramenta poderosa para promover transparência nos atos administrativos e responsabilização dos agentes públicos. Essas tecnologias ajudam na detecção de fraudes e na gestão de riscos. Na Espanha, por exemplo, o controlador geral aplicou IA para identificar irregularidades em programas de subsídios, enquanto na Estônia, o Conselho Fiscal e Aduaneiro testou soluções baseadas em IA para identificar erros em solicitações de reembolso de IVA. No Brasil, a Controladoria Geral da União desenvolveu o sistema Alice – Analisador de Licitações, Contratos e Editais, que automatiza a coleta de dados sobre processos de compras públicas, avalia riscos e alerta os auditores sobre potenciais não conformidades.
Dessa forma, a experiência internacional tem demonstrado que a aplicação responsável da IA na Administração Pública pode revolucionar a prestação de serviços. A implementação dessas tecnologias visa aumentar a eficiência, a transparência e a economia de custos, sempre com foco no benefício ao cidadão. Contudo, com a ampliação do uso de sistemas de IA, surge o desafio de os governos adotarem práticas que assegurem a governança responsável, dedicando esforços para mitigar riscos e garantir que essas inovações atendam às demandas da sociedade de maneira ética, precisa e eficaz.
3.3 IA nas Prefeituras Brasileiras
A inteligência artificial já é uma realidade em muitas prefeituras brasileiras, demonstrando seu potencial na gestão pública municipal.
Rio do Sul (SC): IA para prever evasão escolar e melhorar infraestrutura educacional
A Prefeitura de Rio do Sul utiliza IA para prever a evasão escolar com uma taxa de acerto de 99%. A ferramenta analisa parâmetros da vida estudantil, estrutura das escolas e realidade educacional do município, identificando alunos propensos ao abandono escolar e os fatores que contribuem para a evasão. Além disso, a tecnologia ajuda a prever a demanda futura por vagas em creches e pré-escolas, otimizando a infraestrutura educacional e racionalizando recursos.
São José (SC): Assistente virtual no atendimento ao cidadão
A Prefeitura de São José utiliza uma assistente virtual com IA para facilitar o acesso aos serviços municipais, como emissão de guias de IPTU e abertura de processos digitais. A tecnologia compreende a comunicação humana, conectando os cidadãos diretamente ao serviço necessário, economizando até 97% dos recursos públicos destinados ao atendimento.
Exemplos de aplicações de IA na administração pública:
- Automação de Processos: Gestão de documentos e processos eletrônicos, economizando papel, espaço e tempo.
- Atendimento ao Cidadão: Chatbots e assistentes virtuais que funcionam 24 horas por dia, oferecendo suporte contínuo e acessível.
- Análise de Dados: Identificação de padrões em grandes volumes de dados, auxiliando na formulação de políticas públicas.
- Previsão e Planejamento: Antecipação de eventos futuros com base em dados históricos, permitindo respostas rápidas e eficazes.
- Gestão de Recursos Humanos: Triagem de candidatos, avaliação de desempenho e identificação de necessidades de treinamento, aumentando a eficiência das equipes.
Esses exemplos demonstram como a IA pode transformar a administração pública, promovendo melhorias significativas nos serviços prestados e na gestão de recursos.
4. Resultados e Discussões
Os resultados apresentados nesta seção representam a análise dos dados coletados por meio dos questionários aplicados, como detalhado na metodologia. O objetivo é conectar os achados empíricos com o referencial teórico, estabelecendo uma perspectiva crítica e problematizadora sobre o uso da inteligência artificial (IA) na administração pública.
Inicialmente, observa-se que a maioria dos respondentes – servidores e empregados públicos – possui significativa experiência na gestão pública. Entre os participantes, 19 têm entre 10 e 20 anos de serviço público, e 16 possuem entre 20 e 30 anos de experiência. Assim, 63,6% dos respondentes têm mais de 10 anos de atuação, o que reflete uma maturidade profissional importante para a compreensão dos desafios enfrentados na administração pública.
No que se refere à origem dos respondentes, a maior parte, 28 participantes (50,9%), atua no Poder Executivo federal, incluindo autarquias e agências reguladoras. Outros seis participantes (13,9%) estão vinculados a conselhos recursais e tribunais, enquanto 19 possuem vínculo com empresas estatais. Esse predomínio no âmbito federal não é surpreendente, considerando que a implementação de tecnologias nos níveis estadual e municipal enfrenta maiores desafios devido à autonomia federativa e à falta de uniformidade nas políticas públicas.
A desigualdade tecnológica entre os entes federativos é um ponto crítico. A Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) emerge como uma iniciativa importante para reduzir essas disparidades e promover a democratização do acesso à tecnologia em todas as esferas do governo.
4.1 Conhecimento sobre IA no Serviço Público
Os dados mostram que, apesar do avanço das discussões sobre IA no serviço público, muitos servidores ainda apresentam baixo nível de conhecimento sobre o tema. Entre os respondentes, 26 declararam conhecer pouco sobre IA, enquanto 19 afirmaram possuir conhecimento razoável. Apenas 12,7% relataram não ter conhecimento algum.
Esse cenário aponta para um problema significativo: o analfabetismo digital. A falta de familiaridade com tecnologias emergentes pode comprometer a capacidade de transformação digital na administração pública. Assim, é urgente investir em ações educativas e programas de capacitação, como previsto na Lei de Governo Digital (Lei n° 14.129/2021), que estabelece a eficiência como uma diretriz central para a administração pública.
4.2 Resistências e Barreiras Institucionais
Além da falta de capacitação, foram identificadas resistências institucionais à adoção de novas tecnologias. Muitos servidores demonstram receio em relação à substituição de força de trabalho humana por sistemas automatizados. Essa resistência, associada à falta de habilidades técnicas, dificulta a implantação de soluções tecnológicas e o avanço da transformação digital.
Nesse contexto, o conceito de accountability ganha relevância. Conforme Giovanni e Nogueira (2015, p. 45), accountability refere-se à “obrigação e capacidade de uma pessoa ou instituição de prestar contas a outra pessoa ou instituição”. No âmbito da administração pública, isso implica controles externos – tanto institucionais quanto sociais – que incentivam gestores a cumprir metas e funções de forma eficiente e transparente.
O controle social, como descrito por O’Donell (1998), também desempenha um papel importante no monitoramento das ações da administração pública, garantindo que a implementação de novas tecnologias esteja alinhada com os interesses da sociedade.
4.3 Potencial Transformador da IA
Apesar das limitações identificadas, os resultados sugerem que a IA tem potencial para transformar a administração pública. A tecnologia oferece ganhos significativos em eficiência, especialmente na automação de tarefas repetitivas e na análise de grandes volumes de dados.
Por exemplo, ferramentas como o “Bem-Te-Vi” no TST e a “Dra. Luzia” na PGDF demonstram como a IA pode acelerar processos judiciais e administrativos, reduzindo custos e melhorando a qualidade dos serviços prestados. Essas experiências reforçam a necessidade de expandir o uso da IA para outros setores e níveis de governo.
Conclusão Parcial
Os dados coletados confirmam que a adoção de IA na administração pública é promissora, mas enfrenta barreiras relacionadas à capacitação, resistência cultural e desigualdades tecnológicas entre os entes federativos. Para superar esses desafios, é fundamental investir em programas de treinamento e na promoção de uma cultura organizacional favorável à inovação.
Além disso, a disseminação de iniciativas como a EBIA pode ajudar a uniformizar o acesso à tecnologia, ampliando seus benefícios para toda a sociedade. Os resultados desta pesquisa servem como um diagnóstico inicial e um ponto de partida para futuras investigações sobre o impacto da IA no serviço público.
5. Conclusão
Este estudo analisou o uso da inteligência artificial (IA) na administração pública, buscando entender seus impactos em termos de eficiência, custos e desafios institucionais. Por meio de revisão bibliográfica, análise legislativa e levantamento empírico, foram identificados benefícios e limitações associados à adoção de tecnologias de IA no setor público.
Os resultados indicam que, embora a IA tenha demonstrado potencial significativo para otimizar processos e reduzir custos, a implementação enfrenta barreiras importantes. A amostra de 55 respondentes revelou uma falta generalizada de preparo entre servidores públicos, tanto em termos de habilidades técnicas quanto de aceitação cultural. Apesar disso, os dados sugerem que a IA pode ser um catalisador para a modernização do setor público, especialmente quando integrada de forma planejada e estratégica.
Entre os principais desafios identificados estão a falta de regulamentação robusta e a desigualdade tecnológica entre os entes federativos. A ausência de uma estrutura normativa abrangente dificulta a implementação uniforme da IA e aumenta o risco de disparidades entre diferentes níveis de governo. Nesse sentido, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) aparece como uma iniciativa crucial para alinhar políticas públicas e promover a inclusão tecnológica em todo o país.
Além disso, os resultados destacaram a necessidade de investimentos em capacitação profissional. A resistência à mudança, muitas vezes derivada do desconhecimento, compromete a aceitação e o uso eficaz da IA. Assim, programas de treinamento específicos para servidores públicos são essenciais para garantir uma transição bem-sucedida para modelos de gestão baseados em tecnologia.
Outro aspecto relevante é o papel da força de trabalho humana no contexto da transformação digital. Embora a IA automatize diversas atividades, a gestão pública ainda depende de profissionais qualificados para interpretar resultados, tomar decisões estratégicas e garantir que a tecnologia seja utilizada de forma ética e eficiente. O equilíbrio entre automação e trabalho humano será determinante para o sucesso da implementação de IA na administração pública.
Por fim, é importante ressaltar que esta pesquisa possui limitações relacionadas ao tamanho da amostra e à heterogeneidade dos contextos analisados. Os resultados apresentados refletem percepções pontuais dos participantes, não sendo generalizáveis a toda a administração pública. Ainda assim, as conclusões fornecem insights valiosos para estudos futuros, especialmente no que diz respeito à capacitação, regulamentação e adaptação cultural no setor público.
O avanço da IA na administração pública é uma oportunidade para melhorar a eficiência, a transparência e a qualidade dos serviços oferecidos à população. Contudo, sua adoção requer planejamento cuidadoso, alinhamento normativo e investimentos contínuos em inovação e capacitação. Apenas com uma abordagem integrada será possível superar os desafios e maximizar os benefícios dessa tecnologia no setor público brasileiro.
Considerações Finais
Embora a inteligência artificial represente um dos principais avanços tecnológicos do século XXI, sua aplicação no setor público ainda está em fase inicial. A adoção de IA nos órgãos públicos brasileiros exige um esforço coletivo para superar barreiras institucionais e culturais, promovendo uma administração pública mais moderna, ágil e eficiente.
Este trabalho contribui para o debate sobre o papel da IA na gestão pública, mas também abre caminho para futuras investigações. Estudos mais amplos, com amostras representativas e maior diversidade de contextos, podem aprofundar a compreensão sobre os impactos da IA no serviço público, oferecendo subsídios para políticas públicas mais eficazes e inclusivas.
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