REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411211604
Roberta Ferreira Pinto
Orientadora: Fernanda Borges Barbosa
RESUMO
A insuficiência cardíaca congestiva (ICC) é uma síndrome gerada por injúrias cardíacas e extra-cardíacas que levam à diminuição do débito cardíaco, e, portanto, ativa mecanismos compensatórios, tais quais o sistema nervoso autônomo e SRAA (sistema renina angiotensina aldosterona). A clínica conhecida como insuficiência cardíaca congestiva é uma das principais causas de mortalidade em pacientes com doenças cardíacas. Conforme a doença progride, os mecanismos inicialmente compensatórios levam a efeitos negativos, como remodelamento cardíaco, progressão da doença primária e desenvolvimento de sinais clínicos como congestão e edema. A classificação clínica da ICC é realizada de acordo com os sinais clínicos do paciente, em combinação com as alterações observadas no ecodopplercardiograma, radiografia torácica, eletrocardiograma, ausculta cardíaca etc. O objetivo desse estudo é destacar a importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado da ICC em animais de estimação, além de relatar um caso de ICC em um cão de 12 anos. A pesquisa bibliográfica realizada contribui para preencher uma lacuna no conhecimento científico brasileiro sobre o assunto e destaca a complexidade dessa condição médica. O tratamento de cada paciente deve ser feito de maneira individualizada. Os fármacos mais comumente utilizados têm ação vasodilatadora, antiarrítmica e diurética. Apesar da doença não ter cura, o tratamento visa melhorar a qualidade de vida do paciente. Isso envolve dentre outras opções: restrições dietéticas, redução do esforço físico, monitoramento constante, tratamento medicamentoso e exame para acompanhamento.
Palavras-chave: Cardiopatia. Cão. Sistema renina angiotensina aldosterona.
ABSTRACT
Congestive heart failure (CHF) is a syndrome caused by cardiac and extracardiac injuries that lead to decreased cardiac output and, therefore, activate compensatory mechanisms, such as the autonomic nervous system and RAAS (renin-angiotensin aldosterone system). The clinical presentation known as congestive heart failure is one of the main causes of mortality in patients with heart disease. As the disease progresses, the initially compensatory mechanisms lead to negative effects, such as cardiac remodeling, progression of the primary disease and development of clinical signs such as congestion and edema. The clinical classification of CHF is performed according to the patient’s clinical signs, in combination with the changes observed in Doppler echocardiography, chest radiography, electrocardiogram, cardiac auscultation, etc. The aim of this study is to highlight the importance of early diagnosis and appropriate treatment of CHF in pets, in addition to reporting a case of CHF in a 12-year-old dog. The bibliographic research carried out contributes to filling a gap in Brazilian scientific knowledge on the subject and highlights the complexity of this medical condition. Each patient’s treatment must be tailored to their individual needs. The most commonly used drugs have vasodilatory, antiarrhythmic and diuretic effects. Although there is no cure for the disease, treatment aims to improve the patient’s quality of life. This involves, among other options: dietary restrictions, reduced physical exertion, constant monitoring, drug treatment and follow-up examinations.
Keywords: Heart disease. Dog. Renin angiotensin aldosterone system.
1. INTRODUÇÃO
As doenças cardiovasculares (DCV) são caracterizadas como um grupo de condições que acometem o coração e os vasos sanguíneos. São consideradas como um problema global de saúde, sendo responsáveis por mais de 17 milhões de óbitos anualmente (PINHEIRO; JARDIM, 2021). No campo da Medicina Veterinária, o diagnóstico de doenças cardiovasculares em animais domésticos é um desafio clínico. Isso se deve a alta frequência de doenças subclínicas e a tendência para os primeiros sinais clínicos de insuficiência cardíaca apresentarem início súbito e grave. No Brasil trabalhos publicados sobre doenças cardiovasculares em cães e gatos são escassos (ARGENTA, 2021).
A insuficiência cardíaca é um quadro clínico apresentado no qual o coração não consegue manter um ritmo adequado para suprir as necessidades metabólicas dos tecidos do corpo. O papel primordial do sistema cardíaco é garantir que a pressão arterial e o fluxo sanguíneo permaneçam dentro dos limites normais. Quando as funções do sistema cardíaco diminuem, isso pode resultar em diversas doenças, incluindo aquelas relacionadas às válvulas cardíacas e ao músculo cardíaco. Essas condições podem desencadear mecanismos de compensação, eventualmente levando ao desenvolvimento da insuficiência cardíaca congestiva (ICC) (BAZAN; MONTEIRO; BISSOLI, 2009).
Identificar os fatores de risco bem como os sinais clínicos apresentados é primordial para estabelecer a hipótese diagnóstica durante exame clínico. Por meio da queixa inicial e de ferramentas para exames secundários como o eletrocardiografia (ECG), radiografia e ecocardiografia, é possível chegar ao diagnóstico diferencial, estabelecendo assim parâmetros para prognóstico e tratamento adequados.
Nos cães, as artérias coronárias principais possuem colateralidade maior, ou seja, mesmo que uma artéria coronária seja obstruída, é provável que outra conseguirá levar sangue oxigenado suficiente para o local afetado. Por conseguinte, embora os eventos isquêmicos em cães sejam incomuns, há possibilidade de estarem sendo subnotificados (CAVALCANTI et al.,2012).
O presente trabalho tem como objetivo descrever o quadro de ICC, elucidando a fisiopatologia, diagnóstico e o tratamento, além de relatar o caso clínico de um cão de 12 anos com ICC e a conduta empregada para diagnóstico e tratamento.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1. Sistema cardiovascular
O coração é um órgão muscular que se contrai ritmicamente, impulsionando o sangue de modo contínuo para o sistema vascular sanguíneo. Nos mamíferos e aves, é constituído por quatro câmaras – átrios direito e esquerdo e ventrículos direito e esquerdo – e por quatro válvulas: duas atrioventriculares (mitral e tricúspide) e duas semilunares (aórtica e pulmonar). Semelhante à constituição dos vasos, o coração é formado por três túnicas: a interna (endocárdio), a média (miocárdio) e a externa (pericárdio) (OCARINO et al., 2016).
O sistema vascular sanguíneo é dividido em sistema arterial, microcirculação (capilares) e sistema venoso. Esses vasos formam dois circuitos distintos: um dedicado à circulação sistêmica, responsável pelo transporte de sangue oxigenado para todos os órgãos do organismo, e outro à circulação pulmonar, responsável pelo transporte de sangue venoso até os pulmões para ser reoxigenado (OCARINO et al., 2016).
Em condições normais, os vasos do sistema arterial transportam o sangue que é bombeado pelo coração, enquanto os vasos do sistema venoso transportam o sangue de volta para o coração (DUKES-MCEWAN, 1998).
O sistema arterial é caracterizado por elevada pressão interna, devido às propriedades metálicas das grandes artérias e à capacidade de regulação das arteríolas, que contém tecido muscular liso. Em contraste, o sistema venoso é caracterizado por ter uma baixa pressão interna, devido à grande flexibilidade das paredes das veias. Portanto, o sistema venoso serve como um reservatório principal para a maior parte do sangue no sistema circulatório. A conexão entre esses dois sistemas ocorre por meio dos capilares, os menores vasos do sistema circulatório (PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
O coração recebe o sangue desoxigenado (venoso) dos tecidos e direciona ao tronco arterial pulmonar, que o conduz aos pulmões para a oxigenação. Por sua vez, a face esquerda do coração recebe o sangue oxigenado dos pulmões por meio das veias pulmonares e impulsiona para a artéria aorta, que o distribui ao corpo todo. portanto, o coração juntamente com os vasos sanguíneos periféricos forma dois circuitos: a grande circulação ou circulação sistêmica e a circulação pulmonar. As disfunções nesse sistema podem gerar patologias, que irão resultar ou não no comprometimento da função cardíaca (MASSARI, 2019).
2.2. Insuficiência cardíaca congestiva
O sistema cardíaco pode desenvolver cardiopatia devido ao mau funcionamento ou anomalia anatômica. Os efeitos sobre a função circulatória estão relacionados à adaptação do sistema circulatório. O comprometimento da função está relacionado a falta de adaptação do sistema (PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
Uma alteração significativa no funcionamento do sistema rítmico e condutor do coração pode resultar em irregularidades na contração das câmaras cardíacas, resultando na diminuição da eficiência do bombeamento de sangue e no comprometimento da capacidade do corpo em atender às suas necessidades metabólicas, desencadeando em patologias graves, podendo inclusive, levar ao óbito (MASSARI, 2019).
A ICC é caracterizada pela ejeção de um volume inadequado de sangue impossibilitando a manutenção da perfusão tecidual adequada, que pode ser resultante da restrição ao enchimento ventricular, do comprometimento da contratilidade miocárdica, de arritmias cardíacas ou da sobrecarga de volume ou de pressão (PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
De acordo com Massari (2019), a insuficiência é um estado fisiopatológico que ocorre quando o coração não consegue manter um ritmo adequado para o metabolismo tecidual. Isso ocorre pois a função do sistema cardíaco é sempre manter a pressão arterial e o fluxo sanguíneo normais. Reduções de função cardíaca podem desencadear doenças de origem valvar ou miocárdica, ativando mecanismos compensatórios que podem resultar em insuficiência cardíaca ou, em sua forma mais avançada, à ICC.
A ICC é uma das principais causas de óbito em pacientes com injúrias de origem cardíacas. Essa condição ocorre devido a falha do coração em desenvolver seu papel como uma “bomba” do sistema circulatório, desencadeando processos complexos de ativação neuro-hormonal. Entende-se que elucidar corretamente esses mecanismos é crucial para entender a progressão dessa síndrome e as opções terapêuticas disponíveis atualmente (NETO; LARSSON, 2015).
2.3. Fisiopatologia da Insuficiência cardíaca congestiva
A ICC pode ser derivada de diversas causas, entretanto, seu surgimento independe da cardiopatia de base. Considerando a fisiopatologia, a insuficiência cardíaca pode derivar de disfunção sistólica e diastólica, podendo ser decorrente de insuficiência miocárdica (PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
A diástole e a sístole compõem os dois momentos de um ciclo cardíaco (Fig. 1). A sístole é a contração muscular, na qual o coração ejeta o sangue, nesse momento as valvas atrioventriculares (tricúspide e mitral) estão fechadas enquanto as valvas semilunares (pulmonar e aórtica) estão abertas. A diástole é o relaxamento muscular, na qual o coração se distende ao receber o sangue, as valvas atrioventriculares (tricúspide e mitral) estão abertas enquanto valvas semilunares (pulmonar e aórtica) estão fechadas (MASSARI, 2019).
Figura 1 – Diástole e sístole cardíaca. As setas azuis indicam sangue venoso e as setas vermelhas indicam sangue arterial Fonte: Massari (2019).
A insuficiência miocárdica sistólica pode derivar de uma diminuição na contractilidade ou de uma sobrecarga de pressão ou volume. Sendo assim, há redução da capacidade contrátil do músculo cardíaco, sem qualquer tipo de estiramento inicial, resultando na incapacidade de manutenção da pressão sistólica ventricular para o adequado esvaziamento ventricular na fase de ejeção, resultando em menor volume ejetado (DUKES-MCEWAN, 1998; PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
Durante a diástole, do ventrículo realiza o enchimento adequado, quando isso não ocorre, há disfunção diastólica. Os principais componentes responsáveis pela função diastólica adequada são o relaxamento e a distensibilidade ventricular (NISHIMURA; TAJIK, 1997).
Segundo Nishimura e Tajik (1997), as anormalidades da função diastólica desempenham um papel importante na produção dos sinais e sintomas da insuficiência cardíaca. Contudo, a função diastólica cardíaca é uma sequência complexa de múltiplos eventos inter-relacionados, o que torna difícil compreender, diagnosticar e tratar as diversas anomalias do enchimento diastólico que ocorrem em pacientes com doença cardíaca. A progressão da insuficiência cardíaca está associada a ativação de diversos mecanismos neuro-hormonais, que buscam compensar o declínio do débito cardíaco e da pressão arterial sistêmica causada pelo funcionamento cardíaco inadequado. Dentre esses mecanismos, pode-se destacar a influência do sistema nervoso autônomo e a ativação do sistema renina-angiotensina aldosterona (Fig. 2) (PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
Figura 2 – Resumo do mecanismo renina-angiotensina
Fonte: Adaptado de NELSON e COUTO, 2014.
A ativação do componente simpático do sistema nervoso autônomo é fundamental para ajustar o aumento da frequência cardíaca, com a finalidade de manutenção do débito cardíaco e da pressão arterial sistêmica, uma vez que o comprometimento da bomba cardíaca, seja qual for a causa, resulta em redução do volume ejetado pelo ventrículo em cada batimento cardíaco (MORAES et al, 2020).
À medida que a doença cardíaca progride, a extensão no volume de ejeção se agrava gradualmente. Nesse contexto, a ativação do sistema simpático torna-se cada vez mais intensa, prejudicando o equilíbrio cardiovascular. O aumento excessivo da frequência cardíaca resulta em menor tempo de enchimento diastólico, o que contribui para a redução do volume ejetado. Nesse cenário, portanto, surge um mecanismo patológico de feedback positivo (Fig. 03), no qual o estímulo produzido pela redução do volume ejetado resultará em mais estímulos que contribuem para essa redução (PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
Figura 3 – Mecanismos neuro-hormonais compensatórios e seus principais efeitos na insuficiência cardíaca
Fonte: Nelson e Couto, 2014.
A diminuição do volume de sangue bombeado pelo coração, devido à sua incapacidade, resulta na redução da circulação sanguínea nos órgãos específicos, como os rins, cérebro e até mesmo o próprio coração. Nos rins, essa diminuição desencadeia a ativação de um sistema de regulação complexo conhecido como sistema renina-angiotensina-aldosterona. Portanto, a ativação do sistema reninaangiotensina-aldosterona desempenha um papel crítico no desenvolvimento da ICC. Nesse processo, o aumento da volemia e da pós-carga, bem como o remodelamento cardíaco e vascular, são os fatores chave para o colapso circulatório decorrente dessa síndrome (NELSON; COUTO,2014).
A ICC pode se manifestar do lado esquerdo ou direito do coração. Na ICC esquerda ocorre um aumento das pressões de enchimento e do volume do lado esquerdo do coração, resultando em aumento da pressão na circulação pulmonar, caracterizada por ser um sistema de baixa pressão. Esse aumento de pressão pode levar a congestão, evidenciada por sinais clínicos como edema pulmonar. Na ICC direita, a pressão hidrostática aumentada provoca o extravasamento de líquido da circulação venosa para os espaços pleural e peritoneal, bem como para o interstício dos tecidos periféricos. Dessa forma, quando a quantidade de líquido extravasado excede a capacidade de drenagem dos vasos linfáticos, tem-se o aparecimento de sinais como efusão pleural, ascite e edema periférico. Portanto, é necessário examinar as manifestações clínicas para estabelecer parâmetros concretos para o diagnóstico preciso, orientando assim o tratamento clínico (MORAES et al, 2020).
2.4. Diagnóstico
A insuficiência cardíaca é uma síndrome crônica e progressiva e, por isso, o desenvolvimento de sinais clínicos é inevitável. Considerando o caráter crônico da ICC, é de suma importância clínica estabelecer um diagnóstico rápido (MORAES et al, 2020).
O processo de diagnóstico se inicia no exame clínico no qual deve ser realizada uma anamnese detalhada com questões acerca da idade, raça, porte, peso, e exame físico observando a atitude, comportamento, postura, respiração e temperatura do animal. Além disso, deve ser verificada assimetria ou edema, além da observação de olhos, ouvidos, narina e boca (FEITOSA, 2020).
A veia jugular totalmente distendida pode indicar ICC. Também deve se realizar ausculta pulmonar e cardíaca separadamente, observando ritmo e frequência. O ritmo cardíaco de galope presente na S3 e/ou S4, com som de baixa frequência e difícil ausculta pode indicar sinal de insuficiência cardíaca (FEITOSA, 2020).
Os principais sintomas de ICC incluem baixo débito cardíaco (fluxo que o coração consegue bombear em litros por minuto), acúmulo de líquidos, alterações musculares, cansaço, intolerância ao exercício, desmaios, cianose (coloração roxa das mucosas indicando a baixa saturação de oxigênio), arritmias, pressão elevada e tosse (Quadro 1). E em casos mais graves, o animal pode apresentar ansiedade e se recusar a deitar de lado, mantendo-se apenas com a barriga para o chão. Além disso, há aumento de volume abdominal devido ao acúmulo de líquidos e angústia respiratória (FEITOSA, 2020).
É por meio do exame clínico inicial que se estabelece a hipótese diagnóstico de insuficiência cardíaca e se identifica a necessidade de solicitação de exames complementares, que venham a confirmar a suspeita clínica, determinar a gravidade e estabelecer um plano de tratamento (FEITOSA, 2020).
Quadro 1 – Classificação da insuficiência cardíaca de acordo com o Internacional Small Animal Cardiac Health Council
Fonte: Adaptado de Moraes et al., 2020.
Dentre os exames complementares empregados no diagnóstico da ICC, destacam-se o eletrocardiograma, o exame radiográfico de tórax, o ecocardiograma, a determinação da pressão arterial sistêmica, o Holter e, recentemente, a determinação sérica dos biomarcadores cardíacos (PEREIRA; YAMATO; LARSSON,2015).
2.4.1. Eletrocardiograma
O eletrocardiograma é amplamente utilizado para examinar o ritmo cardíaco e identificar quaisquer irregularidades na condução elétrica. Portanto, desempenha um papel significativo na avaliação da função do sistema nervoso autônomo (PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
O eletrocardiograma é um meio de registro gráfico das atividades elétricas do conjunto de suas células cardíacas ou parte delas. Tem por princípio o registro da diferença de carga elétrica entre partes do coração que ocorre durante o caminhar da despolarização e da repolarização. Por ser um método diagnóstico não invasivo, não traumático e de baixo custo, tornou-se um dos exames complementares mais utilizados nos estudos dos problemas cardiovasculares. Mesmo com o advento das mais modernas técnicas de diagnóstico por imagem, o eletrocardiograma continua insuperável nos estudos das arritmias cardíacas (NETO, 2015).
A eletrocardiografia pode ter várias indicações, incluindo a presença de arritmias, histórico de síncope ou fraqueza, doença cardíaca avançada e monitoração de tratamento antiarrítmico. As arritmias, podem incluir bradicardia, taquicardia ou apenas irregularidade do ritmo que não são fisiológicas. Além disso, a eletrocardiografia auxilia no diagnóstico de arritmias causadas por anormalidades eletrolíticas (TILLEY; SMITH, 2016; WRUCK, 2019).
Arritmias cardíacas são comuns e podem desempenhar um papel tanto na causa quanto na consequência das insuficiências congestivas cardíacas. Isso pode ocorrer em casos de miocardiopatias arritmogênicas, estimulação miocárdica excessivamente devido à ação das catecolaminas ou lesões musculares cardíacas resultantes do processo de remodelamento. Essas arritmias podem incluir taquiarritmias supraventriculares e ventriculares. Nos pacientes com ICC, pode-se identificar taquicardia sinusal, indicando predomínio do componente simpático, nesses casos, pode haver ritmo sinusal normal, mas geralmente com frequência cardíaca próxima ao limite superior fisiológico (TILLEY; SMITH,2016).
2.4.2. Radiografia
O uso da radiografia torácica é altamente benéfico para identificar e avaliar insuficiências cardíacas congestivas, bem como determinar o estágio da doença cardíaca. Para obter radiografias de alta qualidade, são empregadas duas projeções, a primeira é a projeção laterolateral (LL). A segunda deve ser escolhida entre projeção ventrodorsal (VD) ou dorsoventral (DV). É crucial que o posicionamento seja preciso para evitar ambiguidades na avaliação. Na projeção VD ou DV, o esterno, os corpos vertebrais e os processos espinhosos devem estar alinhados e sobrepostos. Já na projeção LL, as costelas deverão estar homologadas na parte dorsal. É preferível realizar uma radiografia durante a inspiração, pois na expiração o coração pode aparentar ser maior, o diafragma pode se sobrepor à região caudal do coração e a circulação pode parecer mais densa (WARE, 2014).
Esse método permite investigar a presença de congestão nos vasos pulmonares, acúmulo de líquido nos pulmões (edema pulmonar) e acúmulo de líquido na cavidade pleural. Além disso, é uma ferramenta importante para diferenciar doenças cardíacas de problemas respiratórios, ao detectar possíveis aumentos nas doenças cardíacas (PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
2.4.3. Ecocardiograma
A ecocardiografia ou ultrassonografia cardíaca é um método não invasivo de mapear imagens do coração e estruturas adjacentes, a técnica consiste em um método sensível para detectar acúmulo de líquido pericárdico e pleural (WARE, 2014). O ecocardiograma é a principal ferramenta no diagnóstico da doença cardíaca. Os achados ecocardiográficos devem ser interpretados juntamente com os dados do exame físico e demais exames complementares para definição da existência de ICC (PEREIRA; YAMATO; LARSSON, 2015).
Para a realização do exame, a maioria dos profissionais prefere que o animal permaneça em decúbito lateral (os lados direito e esquerdo são avaliados). Porém, outras opções possíveis posições para avaliação são em estação, sentado ou em decúbito esternal. O decúbito esternal é útil em animais dispneicos, já que o decúbito lateral dificulta a respiração (WRUCK, 2019).
Em suma, a ecocardiografia é o exame mais importante para avaliar a função cardíaca, pois com ele, é possível avaliar a morfologia do coração, movimento, fluxo sanguíneo, função ventricular em sístole e diástole, função valvar e questões hemodinâmicas utilizado juntamente com os demais exames e sintomas apresentados traçar o plano de tratamento (MASSARI, 2019).
2.5. Tratamento
Embora a ICC não tenha cura, o tratamento busca prolongar e promover a qualidade de vida. Segundo Nelson e Couto (2014) na maioria dos casos o tratamento foca na melhorar o débito cardíaco, reduzir a sobrecarga cardíaca, controlar o edema e infusões, e normalizar as arritmias concomitantes.
2.5.2. Dieta e rotina diária
Embora muito difíceis de respeitar, novas regras de vida devem ser seguidas para limitar o trabalho cardíaco, incluindo a redução e, eventualmente, a eliminação dos esforços. A ingestão de sódio deve ser restrita a fim de diminuir a retenção de água e os riscos de edema. As restrições de sódio e prática de exercícios desempenham um papel importante na redução da carga sobre o coração (MORAILLON, 2013).
O tratamento deve ser continuamente adaptado, considerando a possível progressão da doença. Por isso é essencial realizar avaliações regulares. Além disso, é crucial monitorar a frequência cardíaca e respiratória do paciente durante o sono ou em momentos de tranquilidade. O tutor do animal deve compreender claramente a natureza da doença para poder realizar o acompanhamento adequado em casa. É importante informar que o aumento na frequência respiratória ou cardíaca em segurança pode indicar uma piora do quadro clínico (NELSON; COUTO, 2014).
2.5.3. Tratamento medicamentoso
Devido à ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, causada pela ICC, um complexo sistema neuro-hormonal compensatório é acionado para preservar a pressão sanguínea dentro dos limites normais. Portanto, o tratamento do paciente requer uma abordagem terapêutica multifatorial (MASSARI, 2019).
O tratamento com diuréticos é uma opção indicada para edema pulmonar cardiogênico em diversos casos, uma vez que os princípios básicos de tratamento visam modificar, então, os resultados da ativação neuro-hormonal marcadas pela retenção de sódio e água ou o próprio processo de ativação (inibição da enzima conversora de angiotensina. Portanto, uma abordagem terapêutica visa controlar o acúmulo de líquidos, aprimorar a capacidade de bombeamento do coração, reduzir o esforço cardíaco, preservar a função muscular cardíaca e tratar quaisquer arritmias que possam estar presentes (MASSARI, 2019; NELSON; COUTO, 2014).
O tratamento medicamentoso deve ser ministrado de acordo com os objetivos do grupo fisiopatológico do quadro de insuficiência, que incluem: insuficiência miocárdica, sobrecarga de volume de fluxo, sobrecarga de pressão e restrição ao enchimento ventricular (NELSON; COUTO, 2014).
De forma geral esses grupos dividem-se de acordo com os objetivos de melhorar o débito cardíaco, controlar os edemas e derrames, melhorar a contratilidade ventricular e diminuir o trabalho cardíaco. Para tanto, os medicamentos indicados para esse grupo de acordo com seus objetivos são: antiarrítmicos, inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), diuréticos e vasodilatadores (NELSON; COUTO, 2014).
Nesse sentido, a espironolactona possui um efeito diurético baixo. Sua ação antialdosterona potencializa o efeito dos IECA. Além disso, atribui-se a ela as propriedades anti fibrosantes. Em casos de efusão ou de edema pulmonar de importância significativa o medicamento furosemida é indicado. Para arritmias o antiarrítmico indicado é dioxina. Quando há perda de contratilidade o pimobendan é administrado. Esse é o tratamento de primeira escolha quando há cardiomiopatias dilatadas, sendo indicado quando há insuficiência cardíaca avançada (MORAILLON, 2013).
Adverte-se que, conforme a cardiopatia progride, é necessário adequar o tratamento às necessidades individuais do animal com o ajuste das dosagens, a adição ou a substituição de drogas, modificações do estilo de vida do paciente, modificações da dieta, reavaliação periódica do paciente (rever medicações e dosagens a cada visita) e intensa educação do paciente e do proprietário (MASSARI, 2019).
A dieta é uma parte importante do tratamento que busca trazer melhora na qualidade de vida, de forma que o sucesso do tratamento está associado a nova dieta. Nesse sentido a suplementação com nutracêuticos como coenzima Q10, vitamina E, ácido graxo ômega-3, taurina e L-carnitina são importantes nos protocolos de tratamento (MASSARI, 2019).
Em casos de ICC grave ou fulminante o paciente fica extremamente estressado, nesses casos as medidas de promoção de qualidade de vida devem incluir repouso, evitar ao máximo o estresse e a manipulação do animal. A administração de medicamento oral deve ser evitada quando possível. A administração de oxigênio suplementar é indicada. A colocação de sonda endotraqueal ou traqueostomia e ventilação mecânica com pressão expiratória positiva, pressão positiva contínua de via aérea ou ventilação por jato de alta frequência pode ser benéfica em casos extremamente graves (NELSON; COUTO, 2014).
Para aumentar a sobrevida de cães com ICC, é crucial realizar o diagnóstico de forma precoce, evitando o agravamento dos sintomas. Dessa forma, há melhoria das perspectivas de vida a partir do momento do diagnóstico, considerando o prognóstico geralmente desfavorável associado a pacientes afetados por essa condição clínica (MASSARI,2019; NELSON; COUTO, 2014).
3. RELATO DE CASO
Em janeiro de 2023 um cão, SRD, fêmea, de 12 anos e pesando 12,8 kg deu entrada no hospital veterinário apresentando convulsões. O animal estava sendo tratado com fenobarbital 100mg, administrado uma vez ao dia (SID) há um mês, conforme recomendado por colega Médico Veterinário que acompanhou o animal anteriormente. Um exame de raio-X realizado previamente em outro local revelou aumento cardíaco. O animal também apresentava tosse continua. Segundo a tutora, a alimentação do animal incluía carne temperada, devido à seletividade alimentar. O animal apresentava normodipsia, normouria, normoquezia e normofagia, a tutora negou episódios de êmese. As vacinas, vermífugos e o controle de ectoparasitas estavam desatualizados.
No exame físico, o paciente apresentava mucosas normocoradas, hidratação adequada, abdominalgia em região mesogástrica e dor à palpação na região toracolombar da coluna. Pressão arterial não invasiva (PANI) de 137/95 mmHg, oximetria de 81%, temperatura de 38,9°C. A ausculta foi prejudica devido a taquipneia. A vulva estava hiperêmica com resquício de sangue (cio).
Foram solicitados exames complementares: hemograma, função renal (creatinina e ureia) e hepática (ALT e FA), triglicérides, colesterol, glicemia e creatinina quinase além de urinálise. A concentração de glicose no sangue foi de 71mg/dl. Nos exames hematológicos foram observados: aumento da ALT (Alanina aminotransferase) 295UI/l, FA (fosfatase alcalina) 662 UI/L, GGT (gama glutanil transferase) 20,6 UI/L,colesterol 381 mg/dL, creatinina 2,0mg/dL e uréia 89,1mg/dl.Além do hemograma com diminuição da hemoglobina 13,3g, aumento da proteína total 10,6g, plaquetas diminuídas 176.000mil/mm³. Em leucograma observado linfocitose (7.130/mm³). Na presente amostra o plasma estava hemolisado. Na urinálise coletada via micção espontânea: densidade no limite inferior 1015, PH ácido (5,0), presença de sangue oculto, proteínas +++, hemoglobina + além de em sedimentoscopia ser observado hemácias e leucócitos ++++.
Foi realizada a aplicação de penicilina (0,2ml/kg), cloridrato de petidina (3mg/kg) e vitamina K (1ml/kg). Foram prescritos: prednisona (5mg, 1 cápsula duas vezes ao dia (BID) por 5 dias), enrofloxacina (100mg, ½ cápsula SID por sete dias), dipirona (500mg, ½ cápsula BID por cinco dias) e simeticona (12 gotas BID dois dias).
Após quatro dias, o animal retornou à clínica para consulta de acompanhamento agendada. A tutora relatou melhora, informando ausência de episódios de convulsões neste período. No exame físico foi observado mucosas normocoradas, hidratação adequada, ausência de dor à palpação abdominal, oximetria de 94%, PANI de 178/164 mmHg e temperatura de 39°C. Foi solicitado ecocardiograma como exame complementar.
Nos exames hematológicos foram observados: aumento da ALT (Alanina aminotransferase) 295UI/l, FA (fosfatase alcalina) 662 UI/L, GGT (gama glutanil transferase) 20,6 UI/L,colesterol 381 mg/dL, creatinina 2,0mg/dL e uréia 89,1mg/dl.Além do hemograma com diminuição da hemoglobina 13,3g, aumento da proteína total 10,6g, plaquetas diminuídas 176.000mil/mm³. Em leucograma observado linfocitose (7.130/mm³). Na presente amostra o plasma estava hemolisado. Na urinálise coletada via micção espontânea: densidade no limite inferior 1015, PH ácido (5,0), presença de sangue oculto, proteínas +++, hemoglobina + além de em sedimentoscopia ser observado hemácias e leucócitos ++++.
No exame radiológico do tórax (Figura 4) em VD e LL (decúbito dorsal), foi observado opacificação difusa de padrão intersticial pelos campos pulmonares, exceto em região perihilar onde foi observada discreta opacificação de padrão alveolar. Esses aspectos radiográficos poderiam estar relacionados a edema incipiente. A silhueta cardíaca apresentava aspecto globoso, a realização de ecodopplercardiograma foi sugerida para elucidação diagnóstica. O lúmen e o trajeto traqueal estavam preservados. O mediastino e espaço pleural estavam dentro da normalidade radiográfica. A cúpula e pilares diafragmáticos estava preservados. A silhueta hepática ultrapassava o gradil costal.
Figura 4 – Exame radiológico do tórax: vista ventro-dorsal direita (VD) e látero-lateral (LL), respectivamente.
Fonte: a autora.
No ecodopplercardiograma colorido, exame sugerido para elucidação diagnóstica, foi observado frequência cardíaca de 140 bpm com ritmo regular. A avaliação em modo bidimensional revelou tamanho normal da aorta, porém o átrio esquerdo estava aumentado, com relação átrio esquerdo/aorta de 2,18, sendo o valor normal até 1,6. O septo e parede do ventrículo esquerdo apresentavam movimento e espessura normais, no entanto, a cavidade do ventrículo esquerdo apresentou diâmetro diastólico aumentado, mantendo o diâmetro sistólico normal. A fração de encurtamento e ejeção, bem como a contração segmentar estavam dentro dos parâmetros normais.
Em relação ao ventrículo direito foi observado tamanho normal, com contração paradoxal durante o ecodopplercardiograma. O átrio direito estava aumentado, com pericárdio normal. Na avaliação da valvas átrio-ventriculares foi observado espessamento e insuficiência da valva mitral e tricúspide, já as valvas semilunares esquerda (aórtica) e direita (pulmonar) estavam normais.
O estudo hemodinâmico por Doppler revelou que fluxo aórtico e pulmonar apresentavam velocidades máximas (Vmax) e gradientes normais. A pressão arterial pulmonar estimada mínima estava aumentada, sendo 70 mmHg, quando o normal é até 30 mmHg. O índice de distensibilidade da artéria pulmonar foi de 22%, portanto, abaixo do valor normal de 30%. Na avaliação função diastólica foi observado Vmáx da onda E de 1,54 m/s, sendo considerados normal entre 0,53 e 1,06, e onda A de 0,53 m/s, sendo considerado normal entre 0,38 e 0,52. A relação E/A foi de 2,92, sendo superior ao normal que é entre 1,00 e 1,90, indicando disfunção diastólica com padrão restritivo. O tempo de relaxamento isovolumétrico (Triv) foi de 26 ms, enquanto o normal é entre 41 e 73ms. A relação E/Triv foi de 5,90, sendo normal até 2,5.
O parecer ecodopplercardiográfico concluiu que há insuficiência importante da valva mitral com remodelamento de átrio e ventrículo esquerdo, e insuficiência importante valva tricúspide sem remodelamento cardíaco. Foi identificada hipertensão arterial pulmonar de grau moderado, com alta probabilidade, e espessamento valvar compatível com doença mixomatosa valvar.
Após a leitura dos exames, foi solicitado que animal retornasse semanalmente para aferição de pressão arterial. O tratamento anterior (prednisona 5mg, 1cápsula duas vezes ao dia [BID] por 5 dias, enrofloxacina [100mg, ½ cápsula SID por sete dias], dipirona [500mg, ½ cápsula BID por cinco días] e simeticona [12 gotas BID dois dias]) foi ajustado para incluir enalapril 5mg (½ cápsula BID) e pimobendan 5mg (½ cápsula BID). Também foi recomendada a troca para ração específica para paciente cardiopatas e foi recomendado avaliação com cardiologista.
Na consulta com o cardiologista, a tutora relatou que o animal apresentou quadro convulsivo após um período sem crises, também foi relatado que o paciente fica mais ofegante em dias quentes. A tutora relatou que o animal faz o uso de fenobarbital, ração de tratamento cardíaco, além de alimentação com carne bovina e de frango. Foi relatado normodipsia, normoquesia, normouria e normofagia. No exame físico foi observado PANI de 151/109 mmHg, ausculta cardiopulmonar com presença de sopro cardíaco e discreta crepitação pulmonar em lado direito, frequência respiratória taquipneica e frequência cardíaca 111bpm. O animal estava ativo e responsivo. A avaliação de exames anteriores mostrou alteração renal, sendo solicitado avaliação de biomarcador da função renal, dimetilarginina simétrica (SDMA). Foi prescrita furosemida 40mg, 1 cápsula BID por 7 dias.
Após 10 dias o animal retornou ao cardiologista. A tutora relatou melhora, sem tosse ou alteração em padrão respiratório. Foi prescrita a manipulação de Pimobendan 3,5 mg, enalapril 4mg, espirolactona 20mg, uma cápsula manipulada BID até novas recomendações.
Após dois meses, a tutora trouxe o animal para avaliação e relatou que ele apresentou espirros, tosse e crise de excitação, embora com menor frequência. Relatou que apresentava esporadicamente quadro convulsivo durante momentos de excitação. Por conta própria, a tutora começou a fazer uso de ½ cápsula de fenobarbital por medo de sobrecarregar os órgãos do animal. No entanto, houve recidiva de convulsões com excitação. A tutora iniciou tratamento por conta, além do tratamento prescrito, com administração de um comprimido SID para controle das crises convulsivas.
A tutora informou que a ração de tratamento cardíaco foi substituída por ração comum, associada a alimentação caseira composta por carne bovina e de frango. Também informou que o animal não bebe muita água e passa a maior parte do dia dormindo. Também relata normoquesia, normorexia, normuria.
Na avaliação física foi observado oximetria de 93%, mucosa jugal normocorada, PANI mínima de 115/85 mmHg, PANI média de 125/98 mmHg e PANI máxima de 161/140 mmHg. Foi observada frequência respiratória de 190 mrpm, frequência cardíaca de 154 bpm e temperatura de 38,6ºC. Foi prescrita nova receita para medicação manipulada mantendo-se as doses instituídas anteriormente.
A paciente retornou somente em maio de 2024. Refere tosse ocasional, em menor frequência. Relatou quadros de síncope. Sem demais alterações. Em raio x de tórax com aspecto radiográfico relacionados a edema incipiente.
O estudo hemodinâmico por Doppler revelou que fluxo aórtico e pulmonar apresentavam velocidades máximas (Vmax) e gradientes normais. A pressão arterial pulmonar estimada mínima estava aumentada, sendo 90 mmHg, quando o normal é até 30 mmHg. Na avaliação função diastólica foi observado Vmáx da onda E de 1,51 m/s, sendo considerados normal entre 0,53 e 1,06, e onda A de 0,97 m/s, sendo considerado normal entre 0,38 e 0,52. A relação E/A foi de 1,56, sendo considerada o normal que é entre 1,00 e 1,90. Os resultados observados caracterizam melhora em relação ao exame anterior. O tempo de relaxamento isovolumétrico (Triv) foi de 36 ms, enquanto o normal é entre 41 e 73ms. A relação E/Triv foi de 4,19, sendo normal até 2,5. Embora os resultados estejam fora do padrão de referência, caracterizam melhora em relação ao exame anterior.
O parecer ecodopplercardiográfico concluiu que há insuficiência importante da valva mitral com remodelamento de átrio e ventrículo esquerdo, e insuficiência importante valva tricúspide sem remodelamento cardíaco. Foi identificada hipertensão arterial pulmonar pós capilar com alta probabilidade, e espessamento e prolapso valvar compatível com doença mixomatosa valvar.
Os exames hematológicos foram repetidos. Foi observado alteração em ureia (106,00mg/dl), ALT (110mg/Dl) e FA (259,00mg/Dl). Hemograma e dosagem de fenobarbital dentro dos valores de referência para a espécie.
Em exame físico frequência cardíaca de 140bpm, eupneica, sem algia abdominal, hidratação adequada, mucosa jugal normocorada, TPC 2” e PANI de 134/091 mmHg.
Devido o edema observado em exame radiológico (Figura 4) paciente foi encaminhado com furosemida 2mg/kg por VO BID por 10 dias. Se estável após esses dias o objetivo é que paciente retorne a espirololactona.
Paciente segue em acompanhamento.
4. DISCUSSÃO
A compreensão da epidemiologia da insuficiência cardíaca em cães e gatos no Brasil é fundamental para entender a extensão do problema e desenvolver estratégias eficazes de prevenção e tratamento (CASTRO et al, 2019). No entanto, é importante observar que dados epidemiológicos precisos são difíceis de obter devido à falta de registros sistemáticos e ao fato de que muitos casos de insuficiência cardíaca em animais podem passar despercebidos ou subnotificados.
De forma geral a insuficiência cardíaca é uma das doenças cardíacas mais comuns em cães e gatos. De acordo com estudos anteriores, os machos são mais acometidos por doenças valvulares que as fêmeas (CORDEIRO; MARTIN, 2002).
Em um estudo conduzido por Borges e colaboradores (2016), analisando prontuários de 2007 a 2012, foi observado que os machos (50,4%) são mais frequentemente afetados do que as fêmeas (49,6%). A faixa etária mais afetada compreende animais entre 4 e 15 anos (67,7%), seguidos por aqueles com idade superior a 1 a 4 anos (27,5%) e menores de 1 ano (4,8%). Quanto às raças, os animais sem raça definida (SRD) (32,9%) foram os mais acometidos, seguidos por Poodle (28,8%), Pinscher (18%), Cocker Spaniel (5,5%) e pequinês (3,2%). No relato vimos que a paciente é fêmea, diferente do que foi observado em estudo, entretanto a faixa etária está dentro do relatado, inclusive a raça SRD como a mais atingida.
Outro estudo que corrobora as informações obtidas por Borges e colaboradores (2016) foi realizado por Castro e colaboradores (2019), no qual seus resultados indicam que a maior parte dos animais acometidos pertenciam a raças de pequeno e médio porte (95,5%), sendo a raça Poodle mais acometida. Foi observado maior número absoluto de machos afetados (56,7%) que o fêmeas (43,3%), porém não foi observada diferença estatística entre sexos.
A idade avançada se mostrou um fator de risco importante para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca em animais de estimação, sendo que 67,7% enquadravam-se na fase de senilidade, com idade máxima de 15 anos.
Muitos casos de insuficiência cardíaca em cães podem não ser diagnosticados ou relatados, uma vez que, os tutores podem não perceber os sinais iniciais da doença, o que leva a subnotificação como observado no caso relatado onde a queixa inicial não era ligada diretamente a alteração cardíaca. Outro achado relevante de Borges e colaboradores (2016) é que, embora 31,1% dos cães atendidos não tenham apresentado queixas sugestivas de cardiopatia, sendo que esta condição foi identificada após avaliação clínica e análise radiográfica. Além disso, todos os animais analisados apresentaram histórico e sinais clínicos compatíveis com ICC. Diante dos dados é possível destacar que o diagnóstico preciso da insuficiência cardíaca requer exames complementares, como exames de sangue, radiografias de tórax, ecocardiograma e eletrocardiograma.
O tratamento tem por objetivo atenuar e controlar os sintomas além de dar maior qualidade de vida. A principais medicações utilizadas são as drogas inotrópicas positivas, inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), diuréticos e vasodilatadores. Restrição de exercício e dieta são agentes complementares (FERREIRA, et al 2012). Segundo Ware (2014) o tratamento não tem potencial curativo na maioria dos casos e seu objetivo gira em melhorar o débito cardíaco, minimizar edemas e efusões etc.
No caso relatado a insuficiência cardíaca era crônica e, portanto, atratamento consiste na utilização de medicamentos como diuréticos, inotrópicos positivo, inibidores de ECA, Logo, o tratamento empregado no caso relatado (enalapril, espiroloctona e pimobendam) está em acordo com as diretrizes (guideline) para diagnóstico e tratamento de insuficiência valvar de mitral (KENNE et al 2019).
Já no que se refere a prevenção da insuficiência cardíaca manter um estilo de vida saudável para os animais de estimação, incluindo alimentação adequada, exercício físico, controle de peso e visitas regulares ao veterinário para exames de rotina é um fator diferencial. Já que além da idade outros fatores, como obesidade e falta de exercício, também podem aumentar o risco.
Para obter dados maiores dados epidemiológicos precisos sobre a prevalência da insuficiência cardíaca em cães e gatos no Brasil, seria necessário realizar estudos abrangentes em várias regiões do país. Isso envolveria coletar informações de prontuários médicos de clínicas veterinárias, hospitais universitários e registros de óbitos de animais de estimação.
É importante que órgãos de pesquisa, universidades e instituições veterinárias trabalhem juntos para criar um banco de dados epidemiológico abrangente que possa ajudar no desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes para a insuficiência cardíaca em animais de estimação no Brasil.
5. CONCLUSÃO
A ICC é uma condição médica séria e complexa que afeta tanto seres humanos quanto aos animais de estimação, como cães e gatos. Este estudo teve como objetivo explorar esta condição, seus aspectos fisiológicos, diagnóstico e tratamento, preenchendo uma lacuna na literatura científica brasileira.
As doenças cardiovasculares, incluindo a ICC, representam um problema significativo de saúde global, causando um grande número de mortes a cada ano. No entanto, o diagnóstico de doenças cardíacas em animais de estimação, como cães e gatos, é um desafio devido à alta frequência de casos subclínicos e à falta de material científico disponível no Brasil sobre o assunto.
A insuficiência cardíaca é uma condição em que o coração não consegue bombear sangue adequadamente para atender às necessidades metabólicas do corpo. Pode resultar de várias causas, incluindo problemas nas válvulas cardíacas e no músculo cardíaco. Esta condição desencadeia mecanismos de compensação que, se não forem tratados, podem evoluir para ICC.
A fisiopatologia da ICC é complexa e envolve a ativação de sistemas neuro-hormonais, como o sistema nervoso simpático e o sistema renina-angiotensina aldosterona. Esses sistemas são ativados para tentar compensar a redução na função cardíaca, mas acabam piorando o problema ao longo do tempo.
O diagnóstico da ICC começa com um exame clínico detalhado, que inclui anamnese, ausculta cardíaca e pulmonar e avaliação de sintomas como cansaço, tosse e inchaço. Exames complementares, como eletrocardiograma, radiografia de tórax e ecocardiograma, são usados para confirmar o diagnóstico e avaliar a gravidade da condição.
O diagnóstico precoce e tratamento adequado resultam em melhor prognóstico da doença. O tratamento da ICC envolve uma abordagem multifacetada. Isso inclui modificações na dieta e no estilo de vida do animal, como restrição de sódio e redução do esforço físico. O tratamento medicamentoso desempenha um papel crucial e pode incluir diuréticos, inibidores da IECA, antiarrítmicos e outros medicamentos específicos, dependendo das necessidades individuais do paciente.
É importante lembrar que a ICC não tem cura, mas o tratamento adequado pode melhorar significativamente a qualidade de vida do animal e prolongar sua sobrevida. O acompanhamento veterinário regular é fundamental para ajustar o tratamento conforme necessário e garantir o bem-estar do paciente.
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