INSEGURANÇA JURÍDICA NO DIREITO SUCESSÓRIO DA FERTILIZAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8043920


Arthur Alves de Abreu Firmino Ferreira;
Wesley Melk Lima Nunes;
Orientadora: Francisca Juliana Castello Branco Evaristo de Paiva;


RESUMO

O artigo versará sobre a falta de regulamentação clara e adequada para a fertilização artificial post mortem que por sua vez gera uma insegurança jurídica no direito sucessório. Com o avanço das técnicas de reprodução assistida, é crucial que o Direito acompanhe essas mudanças para proteger os direitos das pessoas envolvidas e garantir segurança jurídica. A ausência de legislação específica leva a interpretações divergentes por parte de juristas e magistrados, resultando em incertezas sobre como lidar com questões relacionadas à sucessão e ao reconhecimento de paternidade nesses casos. Na inseminação artificial homóloga post mortem, em que o material genético é do falecido, a Resolução nº 2.294/2021 do Conselho Federal de Medicina permite a técnica com autorização prévia do falecido, seguindo a legislação vigente. No entanto, a legitimidade da técnica também envolve aspectos éticos e o melhor interesse da criança. Diferentes correntes defendem a legalidade da técnica com base nos princípios da igualdade e do planejamento familiar, garantindo os mesmos direitos aos descendentes concebidos dessa forma. Porém, há preocupações com possíveis impactos psicológicos para a criança e a mãe viúva. Quanto à legitimidade sucessória do filho concebido por inseminação artificial post mortem, há divergências de opinião. O Código Civil estabelece que são legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas na abertura da sucessão. No entanto, o princípio constitucional da igualdade entre os filhos proíbe qualquer forma de discriminação na filiação. A falta de clareza legal nesse assunto crucial gera insegurança jurídica, afetando as famílias envolvidas e demandando uma regulamentação específica para a fertilização artificial post mortem. É fundamental que o Direito acompanhe os avanços na tecnologia reprodutiva para proteger os direitos de todos os envolvidos e garantir segurança jurídica nesse contexto.

Palavras-chave: Fertilização Artificial Post Mortem; Incerteza Jurídica; Direito Sucessório; Igualdade; Regulamentação Específica;

ABSTRACT

The article will address the lack of clear and adequate regulation for post-mortem artificial fertilization, which in turn generates legal uncertainty in succession law. With the advancement of assisted reproduction techniques, it is crucial for the law to keep pace with these changes to protect the rights of those involved and ensure legal certainty. The absence of specific legislation leads to divergent interpretations by jurists and judges, resulting in uncertainties about how to deal with issues related to inheritance and the recognition of paternity in such cases. In the context of homologous post-mortem artificial insemination, where the genetic material belongs to the deceased, Resolution No. 2,294/2021 of the Federal Council of Medicine allows the technique with prior authorization from the deceased, in accordance with existing legislation. However, the legitimacy of the technique also involves ethical aspects and the best interests of the child. Different schools of thought argue for the legality of the technique based on the principles of equality and family planning, ensuring the same rights for offspring conceived in this manner. However, concerns have been raised regarding potential psychological impacts on both the child and the widowed mother. Regarding the succession rights of a child conceived through post-mortem artificial insemination, there are differing opinions. The Civil Code establishes that those born or already conceived at the time of succession are entitled to inherit. However, the constitutional principle of equality among children prohibits any form of discrimination in terms of filiation. The lack of legal clarity on this crucial matter creates legal insecurity, affecting the families involved and necessitating specific regulation for post-mortem artificial fertilization. It is essential for the law to keep pace with advances in reproductive technology to protect the rights of all parties involved and ensure legal certainty in this context.

Keywords: Post-Mortem Artificial Fertilization; Legal Uncertainty; Succession Law; Equality; Specific Regulation;

1 INTRODUÇÃO

É notório que o mundo se encontra em grande evolução, e como passar do tempo cada dia mais tanto o campo da ciência quanto da tecnologia se mostram em ascensão. Dentro dessa evolução o Direito deve acompanhar esse desenvolvimento em prol de mitigar ao máximo as mazelas e conflitos jurisprudenciais e doutrinários acerca de determinado assunto.

Por todo o mundo é cada vez mais natural as diferentes técnicas de reprodução, tudo em prol de resolver problemas que antes eram imagináveis, como a reprodução artificial heteróloga e homóloga, assim como a reprodução post mortem do cônjuge ou companheiro. Após serem realizados tais técnicas, o ser humano em si busca a igualdade de princípios da dignidade humana e da família, bem como de direitos e deveres, do mesmo modo que para qualquer outro meio convencional de reprodução, ou até mesmo um amparo quanto as questões de sucessão e de reconhecimento de paternidade.

No cerne da temática da insegurança jurídica no direito sucessório da fertilização artificial post mortem fica evidente que a legislação vigente ainda não se encontra preparada para discorrer, proteger, ou dar um norte sobre tal temática, uma vez que o código vigente é de 2002 e que poucos artigos relatam sobre o assunto, demonstrando que o direito nesse momento não acompanhou os avanços sociais.

A legitimidade da técnica de inseminação artificial homóloga post mortem e a sua consequente legitimidade sucessória são assuntos debatidos na doutrina jurídica brasileira devido à falta de legislação específica sobre o tema. No entanto, existem algumas orientações e entendimentos que podem ser considerados.

No que diz respeito à legitimidade técnica da inseminação artificial post mortem, a Resolução nº 2.294/2021 do Conselho Federal de Medicina estabelece que a reprodução assistida pós-morte é permitida desde que haja autorização específica do falecido para o uso do material biológico crio preservado, em conformidade com a legislação vigente. Portanto, não há impedimentos legais para a realização da técnica, desde que haja a autorização prévia do falecido.

No entanto, a discussão sobre a legitimidade da técnica vai além da questão legal e aborda também questões éticas e o princípio do melhor interesse da criança. Enquanto alguns doutrinadores defendem a legalidade da técnica, argumentando que a criança concebida deve ter os mesmos direitos dos outros descendentes e citando o princípio da legalidade e o princípio do planejamento familiar como fundamentos, outros questionam a técnica, alegando que ela pode gerar perturbações psicológicas tanto na criança quanto na mãe viúva.

No que diz respeito à legitimidade sucessória do filho concebido por inseminação artificial post mortem, também há divergências de opinião. O Código Civil estabelece que são legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. No entanto, o princípio constitucional da igualdade entre os filhos proíbe qualquer forma de discriminação em relação à filiação. Essa contradição tem gerado diferentes correntes de pensamento.

Uma corrente argumenta que o princípio da igualdade entre os filhos deve prevalecer, equiparando o filho concebido post mortem a qualquer outro filho em termos de efeitos jurídicos e ocupando a primeira classe dos herdeiros necessários. Argumenta-se que a norma constitucional que consagra a igualdade da filiação não traz exceções, presumindo-se a paternidade do filho biológico concebido após o falecimento de um dos genitores.

Por outro lado, há uma corrente que nega a legitimidade sucessória do filho concebido post mortem, argumentando com base na interpretação literal do artigo 1.798 do Código Civil, que estabelece que são legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Seguindo essa linha de raciocínio, a inseminação artificial post mortem ocorre após o falecimento do genitor, portanto, o filho concebido por essa técnica não estaria abrangido pela sucessão.

É importante destacar que essa questão ainda é objeto de debate e não existe uma posição definitiva sobre o assunto. A jurisprudência também apresenta divergências, com decisões favoráveis e desfavoráveis à legitimidade sucessória nesses casos.

A capacidade sucessória é regulada pelo Código Civil, especialmente pelo artigo 1.798, que estabelece os requisitos para herdar uma herança. De acordo com esse artigo, são legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Portanto, qualquer pessoa que esteja viva ou tenha sido concebida no momento da morte do falecido, que esteja na ordem de vocação hereditária ou testamentária e não seja considerada indigna, possui capacidade sucessória.

No entanto, é importante destacar que os nascituros, ou seja, aqueles que foram concebidos, mas ainda não nasceram, têm sua capacidade sucessória condicionada ao nascimento com vida. Caso os nascituros não venham a nascer com vida, eles não terão direito à sucessão.

Além disso, a capacidade sucessória também está sujeita à exclusão por indignidade, conforme previsto no artigo 1.814 do Código Civil. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários que tenham sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se trata, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente. Também são excluídos aqueles que tenham acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou cometido crime contra sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro, bem como os que, por violência ou meios fraudulentos, tenham inibido ou obstado o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Caso a indignidade do herdeiro seja comprovada, uma ação declaratória de exclusão por indignidade pode ser proposta por qualquer parte interessada, dentro do prazo decadencial de quatro anos a partir da abertura da sucessão. A sentença que declara a exclusão por indignidade tem efeitos retroativos desde a abertura da sucessão, e o herdeiro excluído perde todos os direitos sucessórios em relação àquela herança.

Em suma, a capacidade sucessória é atribuída às pessoas nascidas ou concebidas no momento da abertura da sucessão, desde que não sejam consideradas indignas. Os nascituros têm capacidade sucessória condicionada ao seu nascimento com vida. A exclusão por indignidade pode ocorrer nos casos de prática de homicídio doloso, acusação caluniosa em juízo ou obstrução fraudulenta da disposição dos bens do autor da herança. A exclusão por indignidade deve ser comprovada por meio de uma ação declaratória específica

Muitas lacunas são feitas quando se fala de um tema que a própria legislação ainda não possui dispositivos legais suficientes para acabar com todos os percalços que venham a existir. E fica ainda mais complicada quando os próprios doutrinadores que são estudiosos da área passam a divergir sobre a temática.

Entendimentos diferentes, mas que do modo de pensar e analisar de cada um apresentam pros e contras razoáveis, mas no fundo a omissão do legislador acaba por deixar os magistrados tomarem suas decisões por consciência própria, sem saber como lidar com os problemas quanto ao tema, justamente por não haver uma uniformização jurisprudencial. E além destes, a população é que mais vai sentir o impacto, pois a sociedade está em constante evolução e o direito deve acompanhar para poder resguardar a todos, sem qualquer distinção.

2 REPRODUÇÃO POR MEIO DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL

No mundo contemporâneo, é cada vez mais comum inovações principalmente no campo da tecnologia e da ciência. E um dos grandes problemas que sempre percorreram a humanidade eram as questões de reprodução humana sem a estrema necessidade do modo convencional.

Diante disso e dos avanços mencionados surgiram novas técnicas de reprodução por meio artificial que estão cada vez mais frequentes no nosso dia a dia.

2.1 Reprodução Por Inseminação Artificial Homóloga

A reprodução por meio de inseminação artificial homóloga, é muito comum nos casais heterossexuais, se valendo do material genético masculino (na qual é uma condição específica para caracterizar esse meio de reprodução) e feminino, ou seja, de ambos os cônjuges ou companheiros, resultando no reconhecimento de paternidade.

Diante desse aspecto conceitual e técnico científico, presume-se a citação de Fujita:

Já a filiação oriunda da reprodução assistida não tem como base a cópulanal, mas sim um conjunto de técnicas que têm como fim provocar a gestação mediante a substituição ou a facilitação de alguma etapa que se mostre deficiente no processo reprodutivo. Ela pode ser homóloga (materiais genéticos dos cônjuges ou companheiros e heterólogo material genético de terceiro).

Destaca-se ainda nesse viés que esse meio de reprodução acaba por gerar muitos conflitos perante todo o mundo jurídico em âmbito de sucessão ou direito de família no que tange os aspectos post mortem. Uma vez que jamais ficou expresso na legislação que para usar tal material genético ocorreria de haver a permissão do pai por escrito.

E principalmente se tratando das questões post mortem, na qual o homem pode ter falecido e deixado o material genético previamente guardado ou que venha a falecer antes de ocorrer todas as etapas da reprodução homóloga ainda assim, ocorre a grande lacuna legislativa da obrigação e da permissão por escrito para o uso desse material.

A falta de clareza nos entendimentos do código pelo legislador, e da omissão de especificação quanto a prévia autorização do marido, para uso do seu material genético pela esposa ou companheira, ou em qual estado ela poderia se utilizar do retromencionado, se em estado de viuvez ou estando já em outro relacionamento, acabam por proporcionar conflitos sobre tal temática.

Está resguardado no artigo 1597, III do Código Civil, a possibilidade de fertilização homóloga post mortem:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

Com isso, observou-se a necessidade de ocorrer uma rápida resolução sobre a temática, e a mesma foi proferida pelo Conselho da Justiça Federal, durante a I Jornada de direito Civil que disse:

Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.

Assim como pelo Conselho Federal de Medicina, sob o nº 2.294/2021, que destaca a extrema vontade e obrigação de consentimento de ambos os cônjuges ou companheiros para que o método possa ser utilizado.

Buscando desse modo que ocorra uma responsabilização de ambos os cônjuges, já que um filho gerado os deveres são gigantescos e garantir uma segurança jurídica perante o uso dessa técnica. Além de resguarda a futura criança de todos os direitos a ela provenientes sem distinção de nenhum outro filho perante a legislação vigente.

No cerne da inseminação artificial homóloga post mortem, ela se baseia no uso do material genético do companheiro ou marido, após a morte do mesmo, o que possibilita a esposa gerar um filho do falecido por meio do material conservado.

Por mais que tal técnica venha a possibilitar o preenchimento de uma lacuna gigantesca deixado pelo óbito, o lado jurídico dessa inovação ainda é arcaico e não acompanhou tamanho desenvolvimento cientifico, que atingem diretamente as relações de sucessões e de direito da família. A falta de uma jurisprudência uniforme ou de uma legislação específica que discorra do tema gera divergências até mesmo perante vários doutrinadores, onde para alguns é válida o uso da técnica e para outros é um meio de inibição aos filhos anteriores providos por meio convencional.

De certo há somente o que está previsto no artigo 1597, III, do Código Civil conforme retromencionado, apenas garantindo a presunção de paternidade e de reconhecimento dos filhos havidos mesmo que após a morte do cônjuge ou companheiro.

Ocorre que nesse cenário do direito de sucessão dos filhos concebidos por reprodução artificial post mortem, ainda é totalmente incerto e cheios de lacunas legislativas a serem preenchidas para um atendimento uniforme e amparo total dessas crianças, com todos seus direitos resguardados.

2.2 Reprodução Por Inseminação Artificial Heteróloga

A reprodução por inseminação artificial heteróloga é o meio de reprodução mais comentada e que gera grandes discussões não só no âmbito do direito em si como também em outras áreas. Muito por conta de ser uma técnica que se vale de material genético de um terceiro, o que se difere da homóloga que se utiliza do material genético do próprio cônjuge ou companheiro totalmente conhecido, autorizado e com total consentimento do mesmo.

Essa técnica infelizmente, no que tange em aspectos legislativos e jurídicos deixa muito a desejar. Pois permite com que um terceiro que até então se encontra totalmente distante do casal passa a ter uma relação direta e intrínseca com o mesmo casal, acabando por gerar uma insegurança moral e judicial dentro dessa relação.

Para Donizetti, a devida reflexão deve ser feita:

A possibilidade de se “fabricar um filho” por meio da inseminação artificial heteróloga, por exemplo, trouxe à baila uma questão bastante intrigante, que é o resultado desse fenômeno absolutamente inovador: o filho tem o direito ao conhecimento das suas origens genéticas? Até que ponto a imposição do anonimato dos doadores e receptores de gametas é salutar para a preservação da integridade psíquica do ser humano?

A insegurança jurídica e conflitos deixado pelas brechas legislativas são tantas que muitos casos acabam por gerar situações que o ordenamento nunca parou para tentar solucionar, como acontece com os casos mais comuns que são do filho gerado através desse método de reprodução ter a curiosidade de buscar o contato com o doador do material genético o chamado de “pai biológico”, mas este já não seria aquele que adotou o método junto com a companheira?

Pois bem, tem-se alguns entendimentos jurisprudenciais, e uma das saídas pensadas foi que aquele doador do material é totalmente resguardado por um sigilo antes mesmo do recolhimento do material genético, evitando assim o contato tanto com o casal quanto com o filho. No entanto são esses aspectos humanos e principalmente de curiosidade quanto a sua identidade que fazem com que esses filhos busquem respostas e a lei não está preparada para tais percalços.

Diante desse dilema, o ordenamento jurídico brasileiro traz que se presume filho aqueles concebidos na constância do casamento e garantindo que o pai seja aquele que participa da relação e não aquele que tenha doado o sêmen, tudo que está previsto no artigo 1597 do Código Civil.

Outrossim, ainda segundo o mesmo dispositivo legal, destaca-se que o pai para efeitos legais, para que o uso desse meio de reprodução provoque efeitos legais nele (marido ou companheiro) primeiramente ele deve ter consentido / autorizado o procedimento a acontecer.

Uma vez que o consentimento foi realizado, ele acaba por trazer para si a responsabilização de toda a paternidade perante o filho que ali vai ser gerado, e diante da autorização não pode futuramente a desconsideração do ato já proferido, ou seja, voltar atrás do próprio ato, o que implicaria em graves consequências perante o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por fim, ressalta-se que por mais que a técnica se refira a utilização de material genético masculino, hoje é cabível a utilização desse meio de reprodução também com uso de gametas femininos e não apenas o sêmen do homem. Dentro desse entendimento tem-se a fala de Paulo Lobo: “por similitude, se a mulher for fecundada com óvulo de outra, com sêmen do marido, ter-se-á a mesma atribuição de filiação: ela e seu marido serão os pais legais do filho que vier a nascer”. Assim como tal técnica também pode ser utilizada também para a composição de famílias homossexuais.

3 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM

A inseminação artificial post mortem é uma técnica de grande impacto e que gera grandes discussões e controvérsias, uma vez que não se tem de forma legitima algumas respostas quanto aos aspectos jurídicos dessa questão, como por exemplo por quanto tempo esse material pode ser conservado, a legitimidade desse filho provido por essa técnica e se ele possui direitos sucessórios.

3.1 Legitimidade Técnica

A legitimidade da técnica de inseminação artificial homóloga post mortem é um assunto debatido pela doutrina jurídica no Brasil devido à falta de legislação específica sobre o tema. O ordenamento jurídico brasileiro aborda timidamente as técnicas de reprodução assistida no Código Civil de 2002, que menciona a fecundação artificial homóloga, a concepção artificial homóloga e a inseminação artificial heteróloga.

No entanto, a Resolução nº 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina é frequentemente utilizada como referência para médicos que realizam a inseminação artificial. Essa resolução passou por alterações ao longo dos anos e atualmente é representada pela Resolução 2.294/2021; onde pode-se observar o capítulo V, inciso III, que contém os pressupostos a serem observados quando o casal optar pela inseminação artificial:

V – CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

3. No momento da criopreservação, os pacientes manifestam sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados e em caso de divórcio, dissolução de união estável ou falecimento de um deles ou de ambos, e se desejam doá-los.

De acordo com a Resolução, a criopreservação de gametas ou embriões deve ser acompanhada da manifestação escrita dos pacientes quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados em caso de divórcio, dissolução de união estável ou falecimento de um dos cônjuges ou de ambos. Além disso, a reprodução assistida post mortem é permitida desde que haja autorização específica do falecido para o uso do material biológico criopreservado, em conformidade com o capitulo VIII da Resolução já mencionada:

VIII – REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM
É permitida a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização específica do falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.

Com base nessas normas, não há impedimentos para a realização da inseminação artificial post mortem, desde que haja a autorização prévia do falecido para o uso do material biológico. Enquanto não há uma legislação específica, o assunto é discutido pela doutrina, havendo duas correntes de pensamento.

Uma corrente defende a legalidade da técnica, considerando a criança concebida como sujeito de direitos. Esses doutrinadores fundamentam suas interpretações e sistematizações doutrinárias em princípios constitucionais, como o princípio da legalidade e o princípio do planejamento familiar. Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho argumenta que a inseminação post mortem faz parte de um projeto de vida em comum anterior, que não pode ser interrompido por uma circunstância imprevista (ex: morte prematura), visto que a intenção de ter um filho continua a mesma. Portanto, não há motivos para a criança concebida nestas circunstâncias não ter os mesmos direitos dos outros descendentes.

Vale ressaltar a defesa realizada pela ministra do STF, Carmen Lúcia, a respeito da tese de permissibilidade da inseminação artificial post mortem, onde a mesma se utiliza do princípio da legalidade:

Está previsto no art. 5º, Inciso II, da nossa Carta Magna e determina o seguinte: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Tal princípio aplicado a praticamente a todos os ramos de direito e no que tange à reprodução humana assistida, não poderia ser diferente, pois, no Estado Democrático de Direito, na relação entre particulares, tudo o que não é proibido é permitido.

Por outro lado, há uma corrente doutrinária que questiona a técnica, alegando que ela não garante condições saudáveis para o desenvolvimento da criança e vai contra o princípio do melhor interesse da criança. Doutrinadores como Eduardo de Oliveira, consideram a inseminação póstuma desaconselhável eticamente, podendo gerar perturbações psicológicas tanto na criança quanto na mãe viúva, observa-se:

A resposta negativa a um pedido desta natureza se impõe. E isto, por diversas razões. Inicialmente, vale lembrar que tal pedido sai do plano ético reconhecido à inseminação homóloga; ou seja, se não há mais casal solicitando um filho, nada mais há que justifique a inseminação. Num segundo momento, tal solicitação provoca perturbações psicológicas em relação à criança e em relação à mãe. Nada impede que nos questionemos se está criança desejada pela mãe viúva não o é, antes de tudo, para preencher o vazio deixado pelo marido. Além disso, a viuvez e a sensação de solidão vividas pela mulher podem hipotecar pesadamente o desenvolvimento psico-afetivo da criança. Logo, a inseminação “post-mortem” constitui uma prática fortemente desaconselhável.

A discussão sobre a legitimidade da inseminação artificial homóloga post mortem também aborda questões éticas e a falta de uma base legal clara. Guilherme de Calmon argumenta que a inseminação póstuma contraria a validade constitucional, pois não permite o exercício do projeto parental por ato unilateral da mãe e não atende ao melhor interesse da criança:

[…] a falta de validade constitucional da reprodução post mortem, porque não seria possível o exercício do projeto parental apenas por ato unilateral da mãe, de modo que o melhor interesse da criança não estaria sendo atendido à luz da psicologia, haja vista que o fruto da inseminação jamais conheceria o seu genitor, não possuindo igualdade de tratamento com os filhos já nascidos quando do óbito.

É importante ressaltar que a Constituição Federal reconhece a família monoparental, permitindo a formação familiar por apenas um dos pais. Com base nesse instituto, argumenta-se que não há motivos para impedir que a esposa dê continuidade à inseminação.

3.2 Legitimidade Sucessória Desse Filho

A legitimidade sucessória do filho concebido por técnica de inseminação artificial post mortem é objeto de intensa discussão entre os doutrinadores, devido à existência de diferentes interpretações do Código Civil e dos princípios constitucionais. Enquanto o artigo 1.798 do Código Civil estabelece que: “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”, o princípio constitucional da igualdade entre os filhos proíbe qualquer forma de discriminação em relação à filiação. Esse conflito de normas tem gerado diversas correntes de pensamento sobre o tema.

A corrente favorável à legitimidade sucessória do filho concebido post mortem argumenta que o princípio da igualdade entre os filhos, consagrado no artigo 227, § 6º da Constituição Federal: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Nesse sentido, Paulo Lobo defende que:

Não se permite que a interpretação das normas relativas à filiação possa revelar qualquer resíduo de desigualdade de tratamento aos filhos, independentemente de sua origem, desaparecendo os efeitos jurídicos diferenciados nas relações pessoais e patrimoniais entre pais e filhos, entre irmãos e no que concerne aos laços de parentesco.

Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho ainda reforça essa posição, destacando que:

[…] as soluções apontadas quanto ao reconhecimento de efeitos mitigados ao nascido mediante inseminação póstuma no âmbito do direito de família, excluídas as relações sucessórias contrariam claramente o princípio constitucional da igualdade de filiação, consagrado no artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, uma vez que o legislador constitucional não previu qualquer exceção ao princípio da isonomia entre os filhos, independentemente da situação fático-jurídica em que se encontrem os pais, não cabendo ao intérprete, mesmo em hipóteses não previstas expressamente pelo legislador, estabelecer restrições.

Por fim, Maria Berenice Dias (2015) sustenta que o filho concebido e nascido após a morte do genitor deve ser equiparado a qualquer outro filho em termos de efeitos jurídicos, ocupando a primeira classe dos herdeiros necessários. Ela argumenta que a norma constitucional que consagra a igualdade da filiação não traz exceções, presumindo-se a paternidade do filho biológico concebido após o falecimento de um dos genitores.

Por outro lado, a corrente que nega a legitimidade sucessória do filho concebido post mortem argumenta com base na interpretação literal do artigo 1.798 do Código Civil. Eduardo de Oliveira Leite (2003) defende que a criança concebida por inseminação post mortem não tem direito sucessório, uma vez que não estava concebida no momento da abertura da sucessão.

Caio Mário (2004) também sustenta que a transmissão da herança ocorre em razão da morte, envolvendo apenas as pessoas concebidas e nascidas até o momento da abertura da sucessão. Seguindo essa linha de raciocínio, a inseminação artificial post mortem ocorre após o falecimento do genitor, portanto, o filho concebido por essa técnica não estaria abrangido pela sucessão.

Além disso, os doutrinadores contrários à legitimidade sucessória do filho concebido post mortem argumentam que permitir tal reconhecimento poderia abrir precedentes para situações que podem comprometer a segurança jurídica, como a utilização de material genético póstumo sem consentimento prévio do falecido ou disputas sobre a veracidade da paternidade.

No entanto, é importante ressaltar que essa questão ainda é objeto de debate e não existe uma posição definitiva sobre o assunto. A jurisprudência também apresenta divergências, com decisões favoráveis e desfavoráveis à legitimidade sucessória nesses casos.

4 SUCESSÕES PERANTE O CÓDIGO CIVIL E CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

As condições de sucessões são devidamente previstas no ordenamento jurídico brasileiro e compõem uma série de condições para que uma pessoa seja a legitima detentora de uma possível herança.

Além dessa legitimidade, outa análise que deve ser feita é quanto as questões de capacidade sucessória quanto ao filho provido de uma reprodução artificial post mortem do pai, ou seja, quais direitos ele possui quanto a herança, sabendo que o pai do mesmo já é falecido e que talvez essa herança já tenha sido destinada a outra pessoa.

4.1 Capacidade Sucessória

A capacidade sucessória é regulada pelo Código Civil vigente, especialmente pelo artigo 1.798, que estabelece os pressupostos necessários para herdar uma herança:

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

Isso significa que qualquer pessoa que esteja vivo ou tenha sido concebido na época da morte do sucedido, que esteja na ordem de vocação hereditária ou testamentária e não esteja classificado como sucessor indigno, está habilitado para a sucessão. Por isso, é importante observar os casos onde há nascituros, ou seja, aqueles que foram concebidos, mas ainda não nasceram; eles possuem a capacidade sucessória condicionada ao seu nascimento com vida visto que caso os nascituros não venham a nascer com vida, eles não terão direito à sucessão.

Sobre o tema, é importante observar os pensamentos de Gagliano e Pamplona Filho (2018, p. 127):

Se o sucessor, beneficiário da herança, já é falecido ao tempo da morte do autor da herança, por óbvio, nada herdará, bem como, nesta mesma linha, pessoas ainda não concebidas, em regra, também não herdarão.

Além disso, a capacidade sucessória também está condicionada à inexistência de motivos que configurem a indignidade do herdeiro, conforme previsto no artigo 1.814 do Código Civil:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Caso seja comprovada a indignidade do herdeiro, uma ação declaratória de exclusão por indignidade pode ser ajuizada por qualquer parte interessada, dentro do prazo decadencial de quatro anos a partir da abertura da sucessão. A sentença que declara a exclusão por indignidade tem efeitos retroativos desde a abertura da sucessão, e o herdeiro indigno é obrigado a devolver os frutos e rendimentos da herança. Como se pode observar a partir das considerações de Venosa, onde se tem os efeitos da sentença no presente caso:

[…] (1) efeito retroativo, desde a abertura da sucessão (ex tunc) os descendentes do indigno sucedem como se ele morto fosse (art. 1.816); (2) o indigno é obrigado a devolver os frutos e rendimentos da herança, já que é considerado possuidor de má-fé com relação aos herdeiros, desde a abertura da sucessão (art. 1.817, parágrafo único); (3) na forma do art. 1.817, os atos de administração e as alienações praticadas pelo indigno antes da sentença de exclusão são válidos (OLIVEIRA apud VENOSA, 2017, p. 61).

No entanto, o herdeiro indigno pode ser perdoado pelo testador, desde que haja manifestação expressa de perdão em testamento ou no momento da elaboração do testamento, conhecendo o ato que o torna indigno e designando-o como herdeiro. Nesse caso, não cabe impugnação por parte dos demais herdeiros.

O Código Civil também prevê a possibilidade de incluir na sucessão os filhos ainda não concebidos por meio de disposição testamentária, conforme o artigo 1.799:

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; II – as pessoas jurídicas; III – as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.

Esse dispositivo permite que o testador chame a suceder os filhos que ainda não foram concebidos, desde que as pessoas indicadas pelo testador estejam vivas na abertura da sucessão. O juiz pode nomear um curador para guardar o patrimônio até que ocorra a concepção do herdeiro esperado.

O artigo 1.800 do Código Civil estabelece que, no caso do inciso I do artigo anterior, se não ocorrer a concepção do herdeiro esperado até dois anos após a abertura da sucessão, os bens reservados a ele, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos; observa-se:

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz. […]§ 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.

Portanto, considerando as normas do Código Civil e o entendimento jurisprudencial, como expresso no Enunciado nº 267 do Conselho da Justiça Federal, é possível afirmar que a capacidade sucessória é um tema regulado de forma abrangente pelo Código Civil. O artigo 1.798 estabelece que:

A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança (BRASIL, 2016).

Ou seja, tanto as pessoas já nascidas quanto aquelas concebidas no momento da abertura da sucessão podem ser legitimadas como sucessoras. No entanto, a capacidade sucessória do nascituro está condicionada ao seu nascimento com vida.

O Enunciado nº 267, visa então assegurar a legitimidade por aquele que venha a ser concebido pelas técnicas de reprodução assistida, colocando em condição de igualdade aos demais que também possuam a habilitação para suceder, observada a vocação hereditária disposta no ordenamento jurídico.

Em síntese, a capacidade sucessória é um tema regulado pelo Código Civil, estabelecendo os requisitos para habilitação na sucessão, como estar vivo ou concebido no momento da abertura da sucessão. A exclusão por indignidade e a inclusão de filhos ainda não concebidos são aspectos importantes a serem considerados nesse contexto. O ordenamento jurídico busca garantir a justiça e a segurança nas questões sucessórias, respeitando os direitos dos envolvidos e as disposições de última vontade expressas em testamento.

4.2 Sucessão da Inseminação Artificial Post Mortem

A sucessão da inseminação artificial post mortem é um tema que envolve questões complexas no âmbito do Código Civil (CC) e do Código de Processo Civil (CPC). A abertura da sucessão ocorre a partir do momento em que o titular do direito morre, conforme estabelecido no artigo 1.784 do CC: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

De acordo com os artigos 6º e 7º do CC, a existência da pessoa natural termina com a morte e a partir desse fato se estabelecem os casos em que pode ser declarada a morte presumida, como nos casos em que é extremamente provável a morte de alguém em perigo de vida ou quando uma pessoa desaparecida em campanha ou feita prisioneira não é encontrada até dois anos após o término da guerra:

Art. 6º. A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

Art. 7º. Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I. se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

A abertura da sucessão ocorre a partir do momento da morte, inclusive nos casos de morte presumida.

Nesse contexto, o princípio da Saisine, que é uma ficção jurídica, determina que, diante da morte do titular, a propriedade e a posse da herança são transmitidas imediatamente aos herdeiros legítimos ou testamentários, independentemente da abertura de inventário. Esse princípio foi criado na França para evitar que o patrimônio do falecido fique sem titular.

A transmissão da herança, no caso da inseminação artificial post mortem, compreende todas as relações patrimoniais do falecido. No que diz respeito ao legatário, que recebe um bem específico, a propriedade é transmitida desde a abertura da sucessão, seja o bem infungível ou fungível. No entanto, a posse do legado só será efetivamente transferida aos herdeiros após a partilha, quando comprovada a solvência do espólio.

É importante ressaltar que a transmissão automática do patrimônio do falecido aos herdeiros, mesmo que estes desconheçam o óbito ou não exerçam a apreensão material dos bens, é um efeito decorrente da abertura da sucessão. Essa transmissão abrange não apenas a propriedade, mas também todos os direitos, pretensões, ações e exceções de que o falecido era titular e que são transmissíveis.

No contexto da inseminação artificial post mortem, em que o falecido deixa material genético utilizado para a concepção de um filho, surgem questões complexas relacionadas à sucessão. A legislação brasileira ainda não possui uma regulamentação específica sobre o assunto. No entanto, é possível argumentar que, se a inseminação ocorreu antes do falecimento e há um interesse legítimo da criança concebida em ser reconhecida como herdeira, deve-se buscar a proteção dos direitos da criança e sua inclusão na sucessão, considerando os princípios constitucionais que resguardam os direitos da filiação.

Conclui-se, portanto, que a sucessão da inseminação artificial post mortem é um tema complexo e desafiador no âmbito do Direito Civil. A abertura da sucessão ocorre a partir do momento da morte do titular do direito, conforme estabelecido no Código Civil. A transmissão da herança aos herdeiros legítimos ou testamentários é imediata, por força do princípio da saisine, que busca evitar a falta de titularidade dos bens do falecido.

No entanto, no caso específico da inseminação artificial post mortem, em que o falecido deixa material genético para concepção de um filho, surgem questões particulares e complexas. A legislação brasileira ainda não possui uma regulamentação específica sobre esse assunto, o que demanda uma análise cuidadosa e interpretação das normas existentes.

Diante desse contexto, é importante considerar a proteção dos direitos da criança concebida por inseminação artificial post mortem e o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição Federal. É necessário buscar soluções que garantam o reconhecimento dos direitos sucessórios dessa criança, levando em conta seu interesse legítimo em ser reconhecida como herdeira.

Assim, diante da lacuna normativa, é recomendável que os casos de inseminação artificial post mortem sejam tratados de forma individualizada pelo Poder Judiciário, levando em consideração os princípios constitucionais e os melhores interesses da criança envolvida. É fundamental que a legislação acompanhe as transformações sociais e científicas, a fim de proporcionar uma proteção adequada aos direitos sucessórios nesses casos específicos.

5 DIVERGENCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPURDENCIAS SOBRE O TEMA

De início é importante discorrer que o mundo está em constante evolução e aprimoramento, a cada dia que passa tanto a tecnologia quanto outras áreas de estrema necessidade para a vivencia humana ganham cada vez mais inovações e novidades, buscando a evolução da espécie e resolução de impasses que até anos atrás eram até imagináveis.

Porém é notório que o direito não tem acompanhado essas evoluções tão constantes, e a prova disso está refletida que para a temática aqui abordada, pois não há uma legislação específica ou geral que aborde sobre esse assunto, que demonstre afinco para garantir os direitos e deveres, e diante disso ocorre a busca por outras fontes de direito que demonstrem um norte para o imbróglio atual.

Analisando cada aspecto presente na legislação vigente, observa-se que o próprio Código Civil até mesmo por se tratar do ano de promulgação ser a muitos anos atrás, não está de acordo com as atualizações e evoluções presentes no mundo de hoje. Datado de 2002, a única referência sobre o tema que se vale até os dias atuais é o artigo 1597, que relata sobre a reprodução assistida conforme foi abrangido nos tópicos anteriores, ou seja, deixando muito a desejar.

O ponto chave é que por essa falta de uniformização jurisprudencial, vários doutrinadores e especialistas no lado do direito em meio esse conflito, acabam por divergirem muito um do outro e nenhum é o real detento da verdade absoluta, ambos apresentam diversos aspectos que de certo modo são aceitos e promovem grandes reflexões.

É importe salientar que o Direito é o principal responsável por atender as necessidades de toda a sociedade e que deve acompanhar os adventos da evolução tanto científica quanto tecnológica para ocorrer harmonia em todos os polos evolutivos.

Nessa mesma linha, Maria Berenice Dias, efetua importantes considerações:

A lei faz referência às técnicas de reprodução assistida exclusivamente quando estabelece presunções de filiação. De forma injustificável, não há qualquer previsão dos reflexos do uso desses procedimentos no âmbito do direito sucessório. O legislador, ao formular a regra contida no art. 1.798, não atentou para os avanços científicos na área da reprodução humana, ao se referir somente às pessoas já concebidas. Mais um cochilo que traz muitas incertezas.

Diante de tamanha omissão por parte do legislador, em abordar de forma clara e coesa aspectos como se o filho oriundo das técnicas de inseminação artificial post mortem possuem capacidade de sucessão, quais os meios da mão poder utilizar esse material genético deixado, até quanto tempo esse material pode ser utilizado, ou seja, diversos aspectos que os dispositivos legais deixam a desejar perante o imbróglio atual, resultando em uma insegurança jurídica e que acaba por ficar nas mãos dos magi

Nenhuma entrada de sumário foi encontrada.strados da qual não possuem base nenhuma para proferir decisões sobre a temática.

Desse modo, é evidente que hoje há estrema necessidade de promulgação de um dispositivo jurídico ou legislação que garantam e protejam os diretos e princípios não só da pessoa humana, mas também das famílias e da constituição em si, acompanhando a evolução das famílias e da sociedade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia buscou analisar a temática da insegurança jurídica no direito sucessório da fertilização artificial post mortem, considerando a ausência de legislação específica sobre o assunto. Foi possível observar que a evolução da ciência e da tecnologia tem trazido à tona novas técnicas de reprodução, o que demanda uma atualização do ordenamento jurídico para lidar com os desafios e conflitos decorrentes dessas práticas.

No entanto, constatou-se que a legislação vigente, representada pelo Código Civil de 2002, não aborda de forma clara e abrangente a questão da reprodução assistida post mortem. A ausência de dispositivos específicos acarreta insegurança jurídica, tanto para os indivíduos que se utilizam dessas técnicas, quanto para os operadores do direito que precisam tomar decisões a respeito desses casos.

Nesse sentido, verificou-se que a falta de regulamentação adequada tem levado a divergências de entendimento nos tribunais e entre os doutrinadores. A ausência de uma uniformização jurisprudencial dificulta a solução dos conflitos e impede a efetiva proteção dos direitos e interesses envolvidos.

No que diz respeito à legitimidade da técnica de inseminação artificial homóloga post mortem, foi constatado que a Resolução nº 2.294/2021 do Conselho Federal de Medicina estabelece a permissão desse procedimento, desde que haja autorização prévia do falecido para o uso do material biológico criopreservado. Embora essa resolução garanta a legitimidade técnica da técnica, questões éticas e o princípio do melhor interesse da criança ainda são debatidos.

Quanto à legitimidade sucessória do filho concebido por inseminação artificial post mortem, verificou-se que há correntes divergentes de pensamento. Uma corrente argumenta que o princípio constitucional da igualdade entre os filhos deve prevalecer, equiparando o filho concebido post mortem a qualquer outro filho em termos de efeitos jurídicos e ocupando a primeira classe dos herdeiros necessários. Já outra corrente nega a legitimidade sucessória com base na interpretação literal do Código Civil.

Cabe ressaltar que a jurisprudência também apresenta divergências, com decisões favoráveis e desfavoráveis à legitimidade sucessória nesses casos. Portanto, a questão ainda carece de uma posição definitiva por parte do legislador ou dos tribunais superiores.

Diante desse cenário de insegurança jurídica, faz-se necessário que o legislador promova uma atualização do ordenamento jurídico, a fim de regulamentar de forma clara e abrangente a fertilização artificial post mortem, estabelecendo diretrizes que garantam a proteção dos direitos dos envolvidos, sem deixar de considerar os princípios constitucionais e éticos.

Dessa forma, a elaboração de uma legislação específica permitirá a superação das lacunas existentes, proporcionando segurança jurídica, uniformização de entendimentos e a devida proteção aos direitos dos envolvidos nesse contexto. Somente com uma legislação clara e atualizada será possível assegurar os princípios fundamentais da dignidade humana, da igualdade, da família e da proteção dos direitos e interesses das crianças concebidas por meio dessas técnicas.

Portanto, considerando a evolução científica e tecnológica e a necessidade de proteção dos direitos das pessoas envolvidas na fertilização artificial post mortem, é imprescindível que o legislador atue de forma responsável e promova a atualização da legislação, visando proporcionar segurança jurídica, uniformização jurisprudencial e a proteção dos princípios constitucionais e éticos envolvidos.

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Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA