INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE NO USO DE MEDICAMETOS ISENTOS DE PRESCRIÇÃO: REVISÃO SISTEMÁTICA

INFLUENCE OF ADVERTISING ON THE USE OF OVER-THE-COUNTER MEDICINES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10107926


Fabiola De Lima Alves¹
José De Oliveira Gonçalves Filho²
Maysa De Abreu Oliveira³
Mário Do Nascimento Melo4
Msc. Amanda Bezerra Carvalho5


RESUMO

INTRODUÇÃO: Existem medicamentos disponíveis nas drogarias que não exigem a apresentação de receituário médico ou de outros profissionais da área da saúde, em português chamados de MIP, sigla para medicamentos isentos de prescrição. Devido ao grande número de consumidores, a indústria farmacêutica, percebeu a oportunidade de aumentar seus lucros por meio de comerciais dos fármacos isentos de prescrição, com o objetivo de induzir o consumo por meio de informações favoráveis sobre os medicamentos. OBJETIVO: Realizar uma revisão sistemática para relatar os riscos associados às campanhas publicitárias de medicamentos isentos de prescrição (MIPs). METODOLOGIA: Foi realizada uma revisão sistemática da literatura científica de acordo com as recomendações do formulário “Preferred Reporting Items for Systematic reviews and MetaAnalyses”. Buscando trabalhos publicados de 2013 a 2023. Sobre influência da publicidade e salientando suas possíveis consequências. RESULTADOS: Obteve-se 69 estudos das bases de dados BVS, PUBMED e SCIELO, apenas 15 foram selecionados para a realização da revisão sistemática. A participação do profissional farmacêutico, no acompanhamento dos pacientes, é de suma importância para proporcionar qualidade do tratamento farmacológico e reduzir as taxas de não adesão e problemas relacionados a medicamentos. CONCLUSÃO: As consequências negativas resultantes da publicidade combinada com a prática comum de comprar medicamentos sem consulta médica, têm levado a um preocupante aumento no uso indiscriminado de medicamentos. A indústria farmacêutica desempenha um papel central na promoção desses produtos por meio de suas estratégias publicitárias, muitas vezes negligenciando os riscos associados a eles.

PALAVRAS-CHAVES: propaganda, intoxicação, automedicação, orientação farmacêutica.

ABSTRACT

INTRODUCTION: In drugstores, there are medications available that do not require the presentation of a doctor’s prescription or other healthcare professionals, known in Portuguese as MIP (Medicamentos Isentos de Prescrição), an acronym for non-prescription medications. Due to the large number of consumers, the pharmaceutical industry realized the opportunity to increase its profits through advertisements for non-prescription drugs, with the goal of stimulating consumption through favorable information about these medications. OBJECTIVE: To carry out a systematic review to report the risks associated with advertising campaigns for over-the-counter medicines (MIPs). METHODOLOGY: A systematic review of the scientific literature was carried out in accordance with the recommendations of the “Preferred Reporting Items for Systematic reviews and MetaAnalyses” form. Searching for works published from 2013 to 2023. About the influence of advertising and highlighting its possible consequences. RESULTS: 69 studies were obtained from the BVS, PUBMED and SCIELO databases, only 21 were selected to carry out the systematic review. The participation of pharmaceutical professionals in monitoring patients is extremely important to provide quality pharmacological treatment and reduce rates of non-adherence and medication-related problems. CONCLUSION: The negative consequences resulting from advertising combined with the common practice of purchasing medicines without consulting a doctor have led to a worrying increase in the indiscriminate use of medicines. The pharmaceutical industry plays a central role in promoting these products through its advertising strategies, often neglecting the risks associated vwith them.

KEYWORDS: advertising, intoxication, self-medication, pharmaceutical industry.

INTRODUÇÃO

Existem medicamentos disponíveis nas drogarias que não exigem a apresentação de receituário médico, odontológico ou de outro profissional da área da saúde. Conhecidos internacionalmente pela sigla em inglês OTC, abreviação para o termo em inglês “Overt the Counter” (“Fora do Balcão”) e em português MIP, sigla para medicamentos isentos de prescrição (Rodrigues, 2017).

Os MIPs são importantes aliados para tratar males e sintomas menores que são facilmente reconhecidos pelo consumidor, como por exemplos dores de cabeça, tosse, dores musculares, inflamações, assaduras e congestão nasal, também para prevenção de problemas, como é o caso das vitaminas. São medicamentos de fácil acesso a população e podem ser indicados/prescritos pelo farmacêutico nas drogarias, diminuindo a sobrecarga e gastos do sistema público de saúde. Neste sentido, o farmacêutico é o profissional que irá garantir o uso racional dos medicamentos, possibilitando a automedicação segura e a autonomia do paciente na tomada de decisão na compra do MIP (Mota et al., 2020).

No Brasil, os critérios para enquadramento dos medicamentos como isentos de prescrição estão descritos na RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) nº 98, de 2016. A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) atualiza periodicamente a lista, com as inclusões e alterações nos medicamentos listados. Em 2021, a ANVISA publicou a Instrução normativa 86/21 com a nova lista, que trouxe pela primeira vez todos os MIPs comercializados no Brasil, permitindo maior clareza e facilidade na consulta para toda a população (ANVISA, 2016).

Devido ao grande número de consumidores, a indústria farmacêutica, percebeu a oportunidade de aumentar seus lucros por meio de comerciais de fármacos isentos de prescrição, com o objetivo de induzir o consumo por meio de informações favoráveis sobre os medicamentos. Historicamente, desde o Brasil imperial, já se tem registro de anúncios relacionados a produtos terapêuticos. Na época, o jornal do commercio, fundado em 1827 e considerado um dos mais importantes periódicos da história do país, passou a publicar anúncios de medicamentos em larga escala. Desde então, outros veículos de comunicação, como o rádio, televisão e internet passaram a realizar a divulgação de produtos relacionados à saúde (Araújo, 2012).

Para coibir o uso indevido da publicidade de medicamentos foi elaborada uma resolução (RDC 96/2008) que determina as indústrias farmacêuticas detentoras dos registros de medicamentos promovam a divulgação de informações comprovadas cientificamente e apresentar os riscos e advertências associadas ao uso dos medicamentos, determinando que informações sobre os riscos e advertências devem estar visíveis durante todo o tempo de navegação (Poaini, 2020).

O presente trabalho propôs-se a elucidar os riscos inerentes às campanhas publicitárias voltadas para os medicamentos isentos de prescrição, por meio de uma análise sistemática. Adicionalmente, almeja realizar uma avaliação do impacto dessas campanhas no comportamento do consumidor, investigando de que maneira as estratégias de marketing podem causar influência sobre a decisão de compra e o subsequente uso de MIPs. Para além dessa análise, tenta-se apresentar, as possíveis consequências derivadas do uso imprudente desses medicamentos, salientando os riscos tanto para a saúde pública quanto para a saúde individual dos consumidores. Por último, esse trabalho sugere uma discussão a respeito do papel crucial desempenhado pelos farmacêuticos na promoção responsável da automedicação, enfatizando a importância da orientação do profissional farmacêutico para garantir que a utilização de MIPs seja realizada de forma segura, eficaz e consonante com os princípios éticos da prática farmacêutica.

METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura científica de acordo com as recomendações do formulário “Preferred Reporting Items for Systematic reviews and MetaAnalyses”.

A busca dos artigos foi realizada nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System on-line (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e que permitiu buscas simultâneas nas principais fontes nacionais e internacionais. Para as buscas foram usados os seguintes descritores em ciências da saúde (DeCS): Propaganda; Regulação; Uso racional; Automedicação; Intoxicação medicamentosa; Orientação Farmacêutica. A combinação de DeCS foi realizada nos idiomas português, inglês e espanhol utilizando os seguintes termos de busca: “Influência e publicidade”, “publicidade e medicamentos”, “automedicação e propaganda”, “Marketing de medicamentos”, “Venda de MIPs”. “Influence and publicity”, “Advertising and drugs”, “Self-medication and advertising”, “Drug marketing”, “Sale of MIPS”, “Influencia y publicidad”, “Publicidad y drogas”, “Automedicación y publicidad”, “Mercadeo de drogas”, “Venda de MIP”.

Durante a fase de pesquisa, os artigos foram escolhidos por meio da análise de seus títulos, resumos e datas de publicação, ao longo do intervalo de tempo compreendido entre março à agosto de 2023. Após a busca nas bases de dados, foi realizada a triagem conforme os critérios de inclusão e exclusão. Todos os artigos escolhidos serão de livre acesso.

Foram incluídos artigos científicos publicados no idioma inglês, português e espanhol; estudos dos tipos observacionais descritivos, prospectivos ou retrospectivos, ensaios clínicos e séries de casos; estudos com participantes de qualquer faixa etária e sexo e trabalhos publicados no período 2013 a 2023.

Foram excluídos da análise os estudos que não haviam sido disponibilizados na sua totalidade, que apresentavam restrições metodológicas significativas, artigos duplicados, revisões sistemáticas, bibliográficas, meta-análises, artigos de opinião, que haviam sido publicados antes no ano de 2013 e que estavam manifestamente desalinhados com o escopo da temática escolhida.

A análise de dados foi realizada por meio de diversos estudos sobre as consequências da publicidade no uso de medicamentos isentos de prescrição. Foi dividido de maneira a permitir uma discussão dos resultados apresentados, alinhando-se de forma positiva com os objetivos estabelecidos:

  • Impacto das campanhas publicitárias na automedicação;
  • Consequências do uso irracional dos medicamentos sem prescrição.
  • O papel do farmacêutico na promoção do uso racional de medicamentos.

Nesse contexto, procedeu-se à leitura dos conteúdos inerente a esse trabalho, o que viabiliza a realização de uma análise comparativa dos dados por eles apresentados, possibilitando, por conseguinte, uma análise e uma discussão dos resultados e conclusões provenientes dessas pesquisas. Os resultados finais serão apresentados em forma de tabelas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No total, 15 artigos foram selecionados para inclusão nesta revisão sistemática, a partir uma base inicial de 69 trabalhos obtidos nas plataformas da BVS, PUBMED e SCIELO. Os critérios definidos pela PRISMA foram empregados para a elaboração do fluxograma representado na Figura 1, no qual se observa a sequência e a ordenação dos critérios de inclusão e exclusão que foram aplicados para a obtenção do número final de artigos incorporados à análise.

Figura 1. Fluxograma da revisão sistemática no modelo PRISMA

Fontes: Elaborado pelos autores

Observou-se que os 15 artigos escolhidos apresentam o formato de “full paper” ou seja, são trabalhos publicados integralmente e estão predominantemente redigidos em inglês, espanhol e português. A maioria desses estudos é caracterizada como estudo transversal e de observação, embora também se possa identificar a presença de estudos retrospectivos entre eles. Essas pesquisas foram categorizadas de acordo com os objetivos específicos delineados neste estudo, que estão relacionados aos impactos das campanhas publicitárias, possíveis consequências do uso indevido dos MIPs e o crucial papel do farmacêutico.

Tabela 1. Resumo dos principais artigos avaliados para esta revisão sistemática.

CitaçãoTítuloTipo de EstudoObjetivosResultados Obtidos
Acselrad; Tavares, 2022A medicalização do sofrimento psíquico na cultura do hiperconsumoEstudo transversal
Investigar os fatores da cultura do hiperconsumo que funcionam como dispositivos que favorecem o processo de medicalização generalizada.Constatou que o discurso medicalizante difundido pela comunicação, fenômeno que cresce unido ao consumo de medicamentos, pode ser visto como uma estratégia de vendas, uma comunicação persuasiva a serviço da indústria.
Arrais, Fernandes, 2016Prevalência da automedicação no Brasil e fatores associadosEstudo TransversalAnalisar a prevalência e os fatores associados à utilização de medicamentos por automedicação no Brasil.A automedicação é prática corrente no Brasil e envolve, principalmente, o uso de medicamentos isentos de prescrição, devendo os usuários ficarem atentos aos seus possíveis riscos.
Santos; Nogueira; Oliveira., 2018Automedicação entre participantes de uma universidade aberta à terceira idade e fatores associados.Estudo transversalEstimar a prevalência de automedicação, das classes terapêuticas utilizadas sem prescrição médica, dos sintomas tratados com a mesmas e fatores associados entre participantes da universidade aberta à terceira idade.No Brasil, a automedicação é estimulada pela concepção equivocada de que medicamento é umas simples mercadorias, isento de risco. Isso se dá pela exposição a propaganda abusiva de medicamentos e também muitas das vezes, não solicitar orientação do profissional farmacêutico.
Souza; Oliveira; Kligerman, 2014Avanços e desafios em normatização de amostras grátis de medicamentos no BrasilEstudo de observaçãoContextualizar as resoluções sobre amostras grátis de medicamentosO medicamento é um componente fundamental na promoção da saúde. Alguns tópicos importantes ainda precisam ser revistos, para garantir que a distribuição e o uso desses medicamentos sejam mais seguros.
Batista; Carvalho, 2013Avaliação da propaganda de medicamentos veiculada em emissoras de rádio.Estudo observacionalAvaliar propagandas de medicamentos veiculadas em emissoras de rádio em natal (RN).As propagandas foram captadas, gravadas e transcritas para se efetuar uma análise legal e uma de conteúdo baseada nos preceitos de Laurence Bardin.
Silva et al., 2021Análise da publicidade medicamentos isentos de prescrição em TV abertaEstudo transversal descritivoObjetivo do estudo foi analisar as irregularidades da publicidade de medicamentos isentos de prescrição veiculada em mídia televisiva aberta.Como observados por outros autores, os resultados evidenciam a deficiência no cumprimento da regulamentação e a fragilidade da fiscalização acerca da publicidade.
Secoli et al., 2018.




Tendência da prática de automedicação entre idosos brasileiros entre 2006 e 2010: Estudo SABEEstudo qualitativo
Examinar as tendências da prática de automedicação dos idosos do Estudo SABE entre 2006 a 2010.



Em 2006, houve diferenças significativas em relação aos idosos que não utilizaram automedicação nas variáveis sexo, idade, escolaridade, plano de saúde, polifarmácia e doença pulmonar. Em 2010, observou-se diferença significativa no tocante ao grupo que usou somente medicamentos prescritos nas variáveis idade, polifarmácia, realização de consulta médica no último ano
Penaforte; Castro, 2021A situação da atenção farmacêutica: revolução ou penumbra paradigmática?Pesquisa qualitativaAo pretender descrever e interpretar a arquitetura e a aplicações conceituais das práticas profissionais, buscou-se examinar as relações sociais, profissionais e institucionais que dirigem os serviços farmacêuticos.

Tem como propósito de compreender a situação farmacêutica e um sistema municipal de saúde, tomou-se como ponto de partida o estudo do grau de adesão e incorporação do paradigma profissional que orienta essa prática.
Melo; Castro, 2017.A contribuição do farmacêutico para a promoção do acesso e uso racional de medicamentos essenciais no SUSEstudo observacionalElaboração e adoção de método para orientação padronizada para pa­cientes com polifarmácia ou com dificuldades em seguir o esquema posológico prescrito.A atuação do farmacêutico apresentou resul­tados estatisticamente significativos na redução da falta de medicamentos, melhora da qualidade da prescrição, as recomendações de mudanças na farmaco­terapia passaram a ter maior nível de aceitação.
Panda; Alotaibi, 2023COVID-19 self-medication treatment: Media’s adverse effect based on people’s level of educationPesquisa baseada em questionárioFoi realizada uma pesquisa entre profissionais não-saúde para descobrir o efeito adverso da mídia na automedicação para o tratamento da COVID-19A pesquisa mostra que uma porcentagem assumiu obter informações em diferentes meios de comunicação. A maioria não visita fontes confiáveis como o site da OMS.
Junior et al., 2018Influência da publicidade na automedicação na população de um município brasileiro de médio porte.Pesquisa transversal e quantitativastimar a prevalência da automedicação e avaliar, a influência da propaganda nesse hábito.Uma parcela de 41% dos entrevistados afirmou ter tido acesso a alguma propaganda de remédio. Os meios de comunicação formam internet e televisão. Esses meios são acessados pela maioria, diariamente.
Bonada; Díaz; Jané, 2016The role of the Pharmacist in the design, development and implementation of Medication Prescription Support SystemsEstudos retrospectivoProcurar melhorar o atendimento do paciente e promover mais segurança do mesmo.O sistema deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar de profissionais, onde o farmacêutico terá um papel importante devido ao seu conhecimento técnico sobre medicamentos.
Destro et al., 2021Desafios para o cuidado farmacêutico na atenção primária à saúde.Estudo descritivoObserva o perfil dos farmacêuticos, caracterizar os serviços farmacêuticos e desvelar os fatores determinantes para a provisão do acompanhamento farmacoterapêutico fundamentados no modelo de prática do cuidado farmacêutico na atenção primária à saúde.O cuidado farmacêutico ainda é um desafio a ser enfrentado, principalmente devido à demanda de atividades gerenciais e à deficiência na formação para o cuidado, necessitando reorganizar os processos de trabalho e as diretrizes institucionais para ampliação do acesso aos serviços farmacêuticos centrados no paciente.
Barros; Silva; Leite, 2020.Serviços farmacêutico clínicos na atenção primária à saúde do Brasil.Revisão integrativaAnalisar os tipos e os benefícios dos serviços farmacêuticos clínicos desenvolvidos da atenção primária à saúde do BrasilO segmento farmacoterapêutico é o serviço mais estudado, enquanto a dispensação e a orientação são atividades realizadas com maior frequência pelos farmacêuticos clínicos na promoção da saúde e do uso racional de medicamentos pela comunidade adstrita.
Gimenes et al., 2019.
A influência da propaganda de medicamentos na automedicaçãoPesquisa qualitativa

Verificar através de outros periódicos se a propaganda de medicamentos por meios de comunicação pode influenciar na prática da automedicaçãoA propaganda tem como finalidade evidenciar um produto e consequentemente aumentar suas vendas, e muitas vezes e deixado de lado informações sobre a segurança do medicamento evidenciando apenas seus benefícios.

Fonte: Elaborado pelos autores

IMPACTOS DAS CAMPANHAS NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR

A automedicação e a venda indiscriminada de medicamentos são consequências de diversos fatores, sobretudo devido às dificuldades de acesso ao sistema de saúde e aos gastos com planos de saúde e consultas médicas. Embora no Brasil exista regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a venda e publicidade de medicamentos que não exigem prescrição médica, não há regulamentação nem orientação para as pessoas que fazem uso desses medicamentos (Arrais, Fernandes, 2016).

Segundo Junior et al., (2018), 41% das pessoas que participaram da sua pesquisa afirmaram ter assistido alguma propaganda recentemente. Os canais de entretenimentos predominantes foram a internet (72,1%) e televisão (56,7%). Esses meios são de fácil acesso na grande maioria da população. Os medicamentos mais conhecidos foram analgésicos, antitérmicos, fármacos para desconfortos gástricos, antibióticos e antigripais. Slogans de grandes marcas foram citadas por uma quantidade relevantes dos entrevistados.

Tabela 2 – testes com slogan de propagandas.

Fonte: Junior et al., (2018).

Conforme análise de Acselrad e Tavares, (2022) a promessa de aliviar os sofrimentos existenciais apresenta semelhança com as características da sociedade de hiperconsumo, na qual o sofrimento parece ser considerado inaceitável. Como resultado da busca pelo bem-estar e negação do sofrimento, as pessoas frequentemente recorrem ao uso de medicamentos, entre outros produtos. A automedicação, portanto, é uma consequência tanto do interesse da indústria farmacêutica quanto da demanda dos consumidores por bem-estar, felicidade e aliviar a dor.

O interesse comercial das farmácias e drogarias proporciona um acesso fácil aos medicamentos. A falta de informação do doente sobre possíveis efeitos adversos é também um fator que contribui para a automedicação (Panda; Alotaibi, 2023).

Há um amplo espectro de público pertencente às classes C e D que acompanha regulamente programas de rádio, presentes em aproximadamente 90% das residências brasileiras. Esse público, frequentemente caracterizado por níveis educacionais mais baixos, tende a não realizar uma análise criteriosa das informações veiculadas, tornando-se, assim, suscetíveis a abordagem publicitarias enganosas (Gimenes et al., 2019).

De acordo com Souza e colaboradores, (2014) nas primeiras décadas do século XX, a automedicação é bastante estimulada pela propaganda de medicamentos. A indústria farmacêutica passou a utilizar diversos recursos promocionais direcionais aos profissionais médicos, visando a construção de uma opinião favorável em relação aos seus produtos.

Assim são aplicadas estratégias para reter a atenção do público, explorando o discurso apelativo dos males como vilão e o medicamento como salvador. Com foco maior na classe de analgésicos, pois os sintomas mais referidos para justificar a automedicação são as dores musculares e articulares. A mensagem publicitária utiliza slogan como valioso instrumento de persuasão, os quais muitas vezes dizem muitos mais que um simples nome da marca. Em parte, isso se dá pela exposição a propaganda abusiva desses medicamentos e pelo fato de o usuário não solicitar orientação do profissional farmacêutico (Batista; Carvalho, 2013).

Consequências do uso irracional do uso de medicamentos sem prescrição

A atividade publicitária desempenha uma função importante na construção de conceitos e valores sociais, em especial o estímulo do hiperconsumo e a criação de ideia de tornar comum o uso de medicamentos. Sua principal meta é atrair o consumidor por meio dos benefícios que ele trará para a sua saúde, ao mesmo tempo fazer parecer que comprar aquele medicamento o tornará saudável. Isso faz com que as pessoas ao se depararem com um medicamento na prateleira coloque na sua cesta de compras sem precisar, apenas por uma precaução caso em algum momento necessite de fazer uso daquele medicamento (Silva et al., 2021).

Segundo Santos e colaboradores (2018) a automedicação é uma prática amplamente comum entre os idosos, e as classes terapêuticas com maior assédio são analgésicos, relaxantes musculares, AINES e anti-histamínico de primeira geração. Foi identificado que um dos principais motivos para se automedicar, foi que os idosos confiavam plenamente na segurança do uso desses medicamentos, isso acontece em parte, porque as pessoas estão expostas à propaganda abusiva de medicamentos e tem o livre acesso a eles sem a orientação de um profissional, podendo posteriormente apresentar efeitos adversos.

Os novos fármacos no mercado podem ter uma probabilidade de causar reação adversas ainda maior, muitas vezes as pessoas nem sabem se apresentam reação a um determinado fármaco e acabam desenvolvendo reações indesejadas que podem variar de leves, com náuseas ou sonolência, a graves, reações alérgicas, problemas cardiovasculares ou danos à órgãos. Esses novos medicamentos agora passarão a ser monitorados em um público mais amplo do que nas fases anteriores e é comum que surjam relatos de efeitos não vistos antes (Souza e colaboradores, 2014), o objetivo das campanhas publicitárias é criar uma impressão permanente na mente das pessoas, de modo a tornar um medicamento a primeira escolha ao se dirigir a um estabelecimento de vendas (Acselrad; Tavares, 2022).

A prática abusiva do uso indiscriminado de medicamentos conduz a uma interação medicamentosa indesejável, ou seja, o uso de vários medicamentos administrados ao mesmo tempo resulta em efeitos diferentes do esperado quando os medicamentos são administrados com um espaço de tempo. As interações medicamentosas podem gerar mais custos para o usuário, além de, causar maior morbidade ao indivíduo ou aumentar a o tempo de hospitalização. Durante a COVID-19, terapias diferentes foram empregadas como tratamentos contra a doença, e o aumento do uso de vitaminas, azitromicina, ivermectina, cloroquina, paracetamol e outros, fortaleceram essa prática que vem aumentando por conta da divulgação maciça nos diferentes meios de comunicação sem uma busca em meios confiáveis dos benefícios que os medicamentos trazem para a saúde (Panda; Alotaibi, 2023).

De acordo com Junior e colaboradores, (2018) os medicamentos foram os causadores de cerca de 29,5% de intoxicação no Brasil e a 16,9% de intoxicação que resultaram em óbito no ano de 2011. Isso pode ocorrer devido a engano na dosagem, administração inadequada antes do tempo previsto, mistura de medicamentos com nomes ou embalagens parecidas, e outras situações. Embora uma grande parte dos medicamentos consumidos sejam de venda livre, não se pode desconsiderar os riscos de intoxicação e efeitos adversos que podem provocar nos usuários, em relação aos analgésicos e AINES, assim como outros, pode ocorrer distúrbios gastrointestinais, reações alérgicas e efeitos renais (Arrais; Fernandes, 2016).

Segundo a pesquisa realizada por Santos e colaboradores, (2018) um dos motivos de se automedicar é através da indicação de parentes ou amigos que já fizeram ou fazem uso do medicamento, embora bem intencionados, não possuem formação médica e o conhecimento profissional necessário para recomendar medicamentos. Essa conduta pode acarretar em diversos problemas, dentre eles a escolha ineficaz de medicamentos, uso de medicamentos com o mesmo princípio ativo, subdosagem ou superdosagem de fármacos.

Figura 2 – Motivos para se automedicar

Fonte: Santos et al., 2018

O papel do farmacêutico na promoção do uso racional de medicamentos

O uso racional de medicamentos envolve a prescrição apropriada, a dispensação correta, a adequada administração e o acompanhamento do tratamento medicamentoso, por isso o farmacêutico é de extrema importância para garantir a qualidade e segurança no cuidado ao paciente. (Arrais; Fernades, 2016).

Uma das funções do farmacêutico é orientar os pacientes sobre o uso adequado dos medicamentos, explicando a posologia, os possíveis efeitos colaterais e as interações medicamentosas. Ele deve garantir que o paciente compreenda como tomar o medicamento corretamente, evitando erros na administração que podem comprometer a eficácia terapêutica. Além disso, o farmacêutico pode fornecer informações importantes sobre a segurança do medicamento, como precauções a serem tomadas durante o tratamento. (Destro et al., 2021).

O papel do farmacêutico vai muito além de simplesmente promover o uso racional de medicamentos. Suas responsabilidades abrangem a identificação e resolução de potenciais problemas de saúde, seja atuando em seu consultório dentro de uma farmácia ou em um ambiente hospitalar, o farmacêutico desempenha um papel fundamental ao aconselhar, orientar e promover intervenções voltadas para a melhoria do estilo de vida dos pacientes. Com base na confiança mútua estabelecida, o farmacêutico pode desempenhar o papel de conselheiro, o que contribui significativamente para o engajamento do paciente na adesão ao tratamento (Barros; Silva; Leite, 2020).

Segundo um estudo realizado por Secoli e colaboradores (2018), a intervenção da atenção farmacêutica desempenha um papel fundamental na redução de uma prática muito comum entre a população idosa, que é a polifarmácia. Com o aumento da expectativa de vida, tem havido um crescimento significativo nos casos de doenças crônicas, levando muitos a buscar uma solução imediata por meio de medicamentos disponíveis sem necessidade de prescrição médica. Para conter o consumo excessivo, torna-se essencial manter uma vigilância constante, avaliações regulares e fornecer educação sobre os riscos e benefícios associados ao uso de medicamentos, o que pode ser eficazmente prolongado por profissionais farmacêuticos correspondentes.

As crianças exigem atenção especial no que se refere ao uso de medicamentos. É crucial que os pais recebam orientações precisas dos farmacêuticos no balcão da farmácia sobre como administrá-los, a fim de evitar problemas resultantes de superdosagem, que é uma das principais causas de intoxicação. Além disso, os pacientes que sofrem de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, especificamente um grupo que merece destaque, já que a administração adequada dos medicamentos, no horário e na dosagem correta, é essencial para evitar agravamentos na condição clínica. Nesse contexto, os farmacêuticos desempenham um papel crucial na garantia do alcance de resultados positivos (Melo; Castro, 2017).

O farmacêutico desempenha um papel fundamental na gestão de medicamentos, e sua atuação vai além das fronteiras do simples controle desses produtos, contribuem de maneira significativa para a saúde e bem-estar da comunidade local. Em muitos casos, as pessoas usam medicamentos de forma consciente, muitas vezes por conta própria sem plena consciência dos riscos associados à automedicação (Penaforte; Castro, 2021).

CONCLUSÃO

As consequências negativas resultantes da publicidade combinada com a prática comum de comprar medicamentos sem consulta médica, têm levado a um preocupante aumento no uso indiscriminado de medicamentos. A indústria farmacêutica desempenha um papel central na promoção desses produtos por meio de suas estratégias publicitárias, muitas vezes negligenciando os riscos associados a eles. No entanto, a solução para reduzir esse problema não consiste em eliminar completamente a automedicação, o que seria impraticável. Em vez disso, deve investir em campanhas de conscientização que orientem e alertem o público sobre os perigos dos medicamentos, incentivando-os a buscar orientação farmacêutica.

Essas campanhas veiculadas nos meios de comunicação são essenciais para informar as pessoas sobre a importância de consultar um profissional de saúde antes de iniciar qualquer tratamento medicamentoso. Além disso, é crucial que as autoridades da saúde e da indústria farmacêutica trabalhem juntas para regularizar a publicidade dos medicamentos e garantir que as informações divulgadas sejam precisas e equilibradas.

Dessa forma, embora não seja possível eliminar completamente a automedicação, podemos reduzir seus impactos negativos por meio da educação e da promoção de uma cultura responsável no uso dos medicamentos. Assim garantiremos que as pessoas façam escolhas mais conscientes priorizando sua saúde e bem-estar no longo prazo.

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¹Acadêmico de Farmácia. Centro universitário FAMETRO
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2Acadêmico de Farmácia. Centro universitário FAMETRO
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3Acadêmico de Farmácia. Centro universitário FAMETRO
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4Acadêmico de Farmácia. Centro universitário FAMETRO
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5Professor Doutor/Mestre/Especialista
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