INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA JURÍDICA NOS CONCEITOS DE PROPRIEDADE E DIREITO REAL: UMA ANÁLISE DA RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO À PROPRIEDADE NA CONTEMPORANEIDADE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202408212102


Marcos Arnon Dias Da Silva,
Rogério Da Rocha Dos Santos,
Orientadora: Profa. Fernanda Dias da Silveira,
Co-orientadora: Profa. Msc. Sara Brigida Farias Ferreira


RESUMO

O presente artigo explora a evolução do conceito de direito à propriedade no Brasil, destacando a transformação de uma visão absoluta para uma perspectiva que inclui limitações modernas, sobretudo pela introdução do critério da função social na Constituição Federal de 1988, a qual passou a exigir que o uso da propriedade atenda ao interesse público e social. Dessa forma, este trabalho aborda a influência de diferentes correntes filosóficas sobre a propriedade, analisando como estas moldaram a compreensão do direito à propriedade ao logo do tempo, destacando a complexidade e a evolução dos conceitos de posse e controle de bens. A pesquisa focará na jurisprudência e na legislação brasileira para entender como o direito à propriedade está sendo relativizado na contemporaneidade, objetivando evidenciar como a propriedade, embora garantido pela Constituição, está sujeita a limitações e obrigações que visam equilibrar os interesses individuais com o bem-estar coletivo.

PALAVRAS-CHAVES: Direito à propriedade, Função Social, Constituição Federal de 1988, Jurisprudência brasileira, Relativização

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, o Código Civil de Beviláqua de 1916 conferiu à propriedade um caráter absoluto, sem limitações, permitindo ao proprietário pleno controle sobre a coisa. Atualmente, o direito à propriedade não é absoluto, devendo atender à função social, com o Estado normatizando a desapropriação por necessidade pública, utilidade pública e interesse social.

Os direitos básicos do proprietário sob a coisa incluem a faculdade de usar, gozar, dispor e reivindicar. Contudo, há divergências sobre a origem desse direito, com o jusnaturalismo considerando-o natural e inerente à natureza humana, e o juspositivismo vendo-o como uma construção baseada em normas e costumes.

À medida que passou a viver em sociedade, o homem desenvolveu relações que, por vezes, geravam conflitos, especialmente nas questões envolvendo a posse e propriedade. Neste sentido, o Estado criou normas jurídicas para resolver tais conflitos. No Brasil, a relação conflituosa sobre a propriedade é antiga, datando do Período Colonial, quando o poder do imperador era exercido através de concessões de “sesmarias” para cultivo e exploração.

Contemporaneamente, a Amazônia brasileira é reconhecida como uma região de intensas disputas políticas, econômicas, ambientais e sociais, especialmente sobre o direito àpropriedade e sua função social. Nesse contexto, o Estado do Pará tem se destacado pelo rápido avanço na demarcação de unidades de conservação, mas também pelos conflitos violentos decorrentes do processo de ocupação e exploração da terra.

Tais conflitos refletem disputas de interesses, sobreposição de territórios, concentração fundiária e precariedade no ordenamento territorial, e a violência nesse processo é intensificada em razão da presença inadequada do poder público.

Esta pesquisa bibliográfica analisará a filosofia jurídica sobre o direito à propriedade e a legislação brasileira que estabelece os limites normativos para o uso e destinação dos bens. Ademais, também se propõe a examinar a jurisprudência correlata e as consequências jurídicas da relativização do direito à propriedade.

2. PERGUNTA DE PESQUISA

Como a filosofia jurídica influenciou a concepção do direito à propriedade privada e de que maneira esse direito está sendo relativizado na contemporaneidade?

3. OBJETIVOS
3.1 GERAL

Demonstrar por meio de reflexões e questionamentos jurídicos como o direito à propriedade privada foi influenciado pela filosofia jurídica, analisando como esse direito está sendo relativizado na atualidade.

3.2 ESPECÍFICOS

Identificar as principais linhas de pensamentos sobre o direito à propriedade privada;
Compreender sobre a propriedade privada e seus atributos no ordenamento jurídico brasileiro atual;
Analisar a literatura e jurisprudência brasileira correlata sobre a atual relativização do direito à propriedade.

4. REFERENCIAL TEÓRICO

O direito à propriedade é fundamental para o desenvolvimento da sociedade, desde os primeiros grupos sociais até os Estados modernos. Sua regulamentação pelos Estados afeta significativamente a comunidade, pois a garantia da propriedade individual está ligada ao bem-estar coletivo, evoluindo do jusnaturalismo para complexas questões jurídicas.

No entanto, o jusnaturalismo originou diversos pensamentos filosóficos sobre a natureza e a origem da propriedade, considerando a relação entre o homem e a natureza, onde o direito natural-universal, imutável e inviolável desempenhava um papel crucial.

Sobre o tema, Rousseau retrata o grande salto do homem rumo ao fim do seu estado natural, pois na busca por satisfazer suas necessidades, este homem que vivia em coletivo precisará da colaboração de outro homem, caracterizando assim o trabalho. Para o filósofo, a sociedade civil foi fundada quando alguém cercou um terreno e declarou “isto é meu”, convencendo outros a aceitarem isso. Ele argumenta que muitos crimes e horrores poderiam ter sido evitados se alguém tivesse desafiado essa ideia, lembrando que os frutos são de todos e a terra não pertence a ninguém (Rousseau, 2020).

Para tanto, Immanuel Kant, ao explorar a epistemologia, argumentou que a posse dos objetos externos deriva da propriedade que o indivíduo tem sobre seu próprio corpo. O corpo, através do trabalho, transforma objetos da natureza, e a posse física desses objetos reflete a vontade de possuí-los, com a concordância coletiva. Assim, a posse só é legítima no estado jurídico, por meio da legislação pública e da justiça distributiva.

Por outro lado, em relação à posse jurídica, Kant assegura a teoria do consentimento por meio do contrato originário, uma vez que a posse está nitidamente relacionada entre pessoas e não entre pessoas e coisas. Assim, a propriedade estabelecida no estado de natureza também é válida no estado civil, conforme abaixo:

 (…), a saber, se eu estou em posse de uma coisa (portanto, se estou fisicamente ligado a ela), aquele que a afeta contra minha vontade (por exemplo, se ele tira de minhas mãos uma maçã), ele afeta e reduz o Meu interior (minha liberdade); consequentemente, ele está em contradição direta em sua máxima com o axioma do direito (KANT, 2001, p 68).

No que concerne ao pensamento de John Locke, Souza (2018) explica que, segundo o filósofo, a noção de propriedade se relaciona com a lei natural, oferecendo uma base sólida para a abordagem política dos direitos anteriores à ordem civil. Para Locke, a propriedade se origina no direito do homem de usar as criaturas inferiores para sua subsistência e conforto, permitindo até mesmo sua destruição se necessário. O governo, por sua vez, tem a finalidade de preservar os direitos e a propriedade de cada indivíduo, protegendo-os da violência e injúria dos outros (Locke, 2005).

Para Locke, a propriedade é um direito que antecede a ordem civil, mantendo como pensamento o direito dado e garantido por Deus através da Razão, domínio natural e domínio privado. O objetivo é garantir a todos os homens sua subsistência (trabalho) e conservação (propriedade), transmitindo-os aos seus descendentes, conforme as determinações de Deus e suas leis. Isso difere do entendimento dos defensores do absolutismo, onde a propriedade era vista como um domínio.(Locke, 2005)

O filosofo inglês Thomas Hobbes, por outro lado, propõe uma sociedade com um Estado forte e expansionista, onde a soberania assegura a paz interna e a defesa comum. Ele argumenta que a propriedade de cada indivíduo depende da proteção do soberano, e que sem essa proteção, qualquer um teria igual direito à propriedade. Nesse caso, se o direito do soberano fosse excluído, ele não poderia defender os súditos, e o Estado deixaria de existir. Portanto, a propriedade dos súditos não exclui o direito do soberano (Hobbes, 2009).

Para Fontana (2017, p. 11) “o poder dele é ilimitado, mas entrar para o Estado não é somente temer perder os seus direitos, a sua propriedade e a sua liberdade, é também ter a esperança de ter uma vida melhor, mais confiável e mais segura”. O autor também destaca que para Hobbes a propriedade privada tem valor exorbitante, marcado pela presença do contrato, pois é a partir dele que se obtém verdadeiramente a posse da propriedade. Neste sentido, cabe ao Estado a proteção da propriedade privada.

Para Friedrich Hegel, filósofo liberalista do século XVIII, o direito à propriedade é a primeira materialização da ideia de liberdade, servindo de base para as estruturas jurídicas e sociais. Hegel afirma que a propriedade, vista do ponto de vista da liberdade, é um fim essencial em si mesma (Hegel, 2005).

Para Hoffmann (2020, p. 9) o direito de adquirir propriedade privada na teoria hegeliana está ligado de forma intrínseca à liberdade que o homem possui de trabalhar. Dessa forma, por meio do trabalho, assegura-se o progresso da personalidade do indivíduo”. No entanto, Hegel argumenta que além da posse, o direito à propriedade e o uso do bem como a alienação, está vinculada ao reconhecimento através da troca espontânea, ou seja, a vontade legitimada através do poder de usar e trocar com os outros elementos da sociedade através de contratos, no âmbito do Contratualismo, sob a égide do Estado.

Em relação à propriedade da terra, Marx argumenta que a acumulação primitiva se baseava na subsistência e produção camponesa. Porém, as grandes propriedades, impulsionadas pelas indústrias, se apropriaram dos pequenos terrenos por meio dos “enclosures”. Isso forçou os trabalhadores a migrar e se tornar parte da força de trabalho industrial, submetidos a jornadas excessivas e assalariados. Assim, o indivíduo perdeu o controle sobre sua produção, resultando na alienação do trabalhador e na extração de mais-valia, conforme vemos:

[…] o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. (MARX, 2004, p.80)

As relações de produção, incluindo o direito de propriedade, manifestam-se de várias formas ao longo do desenvolvimento social. Donario e Santos explicam que, em certo estágio, surge um conflito entre as forças produtivas e as relações de produção, superado por novas relações de produção, frequentemente através de revoluções sociais (Donario, Santos, 2016).

Para Weber (2016, p. 15) “o direito de propriedade como direito fundamental de todo cidadão. Seja vinculado ao trabalho, seja uma forma de concretização da ideia de liberdade, seja como conquista da história, ou seja, enumerado no rol dos direitos que compõem os princípios de justiça, ele é, efetivamente, um elemento constitucional essencial. Estados democráticos de direito não podem ignorá-lo”.

Neste sentido, o direito à propriedade no Brasil possui previsão legal na Constituição de 1988 em seu artigo 5º, onde estão elencados os direitos fundamentais da sociedade brasileira, tais como o direito à vida, igualdade, liberdade, propriedade e à segurança, para garantir que todos possam viver da melhor forma possível. O inciso XXII, consagra o direito de propriedade.

XXII – é garantido o direito de propriedade;

No entanto, o Código Civil Brasileiro não oferece uma definição de propriedade, mas apenas enuncia os poderes do proprietário, previsão do art. 1228 do CC/2002: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Por outro lado, o sistema jurídico brasileiro adotou a percepção de que a propriedade não deve ser absoluta, uma vez que toda propriedade deve ter uma finalidade a ser cumprida. Neste sentido, o proprietário de um imóvel tem a obrigação de dar-lhe uma destinação adequada.

No mesmo contexto, o Código Civil de 2002 trouxe uma visão diferente sobre o direito de propriedade, considerando a evolução da sociedade. Para Alexandrino, Paulo, (2022), sob a égide de nossa Constituição, a propriedade não é mais vista como um direito absoluto, pois o Brasil é reconhecido como um estado Democrático Social de Direito. Portanto, a propriedade deve atender a uma função social, como indicado no inciso XXIII do art. 5º e no inciso III do art. 170 da Carta Magna.

Jelinek (2006) aborda que o tema da função social da propriedade está intimamente ligado com a contemporânea inexistência da dicotomia rígida entre o direito público e o direito privado, a hermenêutica e a interpretação conforme a Constituição, e a concretização dos princípios fundamentais, em especial da dignidade da pessoa humana e da justiça social, isto é, verdadeiramente o interesse social.

Araújo (2016) afirma que conceito de função social da propriedade nasce como mecanismo para impor um limite não só no conteúdo, mas também na extensão da propriedade. Importante ressaltar que essa questão do limite já se arrasta por longos anos. Aristóteles, em seus diálogos com Sócrates e Platão já se preocupou com o número de propriedades que um homem deve ter. A seguinte passagem da obra do mencionado filósofo grego é ilustrativa: “Platão permite que a propriedade inteira de um homem tenha cinco vezes o tamanho original.

Araújo (2016) discorre quea propriedade moderna originalmente dava ao proprietário total controle sobre seu bem, incluindo a possibilidade de destruir e degradar o meio ambiente. No entanto, esse direito absoluto não existe mais. As leis em todos os países, incluindo o Brasil, foram alteradas.

O mesmo autor afirma que a Constituição Federal de 1988 condiciona o direito de propriedade ao cumprimento da função social, tanto para imóveis urbanos quanto rurais. Para imóveis urbanos, a propriedade deve cumprir as exigências do plano diretor da cidade (art. 182, § 2º). Para imóveis rurais, a função social é atendida quando se cumpre: 1) aproveitamento racional e adequado; 2) uso adequado dos recursos naturais e preservação do meio ambiente; 3) cumprimento das leis trabalhistas; 4) exploração que beneficie proprietários e trabalhadores (art. 186).

A Constituição garante o direito de propriedade, mas também impõe limites, como a preservação ambiental e os direitos humanos. O direito de propriedade e sua função social são inseparáveis. Araújo (2016) finaliza que é necessário uma convergência entre a característica individual da propriedade e a função social.

Faz necessário compreender que toda intervenção no direito à propriedade é um tipo de relativização desse direito, uma vez que seu exercício sempre será limitado e condicionado à sua função social.

Igualmente, Barbosa e Silva fazem considerações quanto à relativização do direito à propriedade, senão vejamos:

De forma crítica, Santoro (2011) reitera que não há propriedade privada no Brasil, de forma que o governo não vê a propriedade do indivíduo como privada, ou seja, tem-se posse, mas não a propriedade, até mesmo em virtude do sistema tributário brasileiro, o qual estabelece que o proprietário do imóvel pague seus impostos, tendo o risco de perdê-la para o Estado e com isso ressalta que o direito privado de propriedade é uma enfiteuse, ou seja, direito real de quase propriedade. (BARBOSA, SILVA, 2019).

É necessário fazer menção que a função social da propriedade é de suma importância e não deve, servir como justificativa para a intervenção estatal autoritária, não devendo ser motivada por interesses pessoais de agentes públicos. Logo, é correto afirmar que a intervenção estatal deve ser regulada por lei e estar em conformidade com os princípios constitucionais em sua execução, caso contrário, o ato de intervenção pode ser considerado nulo. (Barbosa, Silva, 2019)

Para tanto, Paiva (2014) defende que tal intervenção estatal na propriedade deve ser mínima, buscando apenas coibir o uso excessivo da propriedade e satisfazer as necessidades essenciais da população. A mesma autora, pontua que o direito de propriedade assume uma complexidade jurídica, atribuindo uma série de obrigações, restrições incentivos e penalidades que moldam o exercício de tal direito, visando o incentivo ao cumprimento da função social.

Giovanini de Moura (2014), assevera que não há consenso na doutrina vigente que o direito à propriedade faça parte do padrão mínimo de proteção, pois é um direito disponível e por vezes não é considerado como um direito essencial para a subsistência humana, como por exemplo, o direito a um meio ambiente equilibrado.

O mesmo autor, entretanto, pontua que o Brasil tem adotado uma postura intervencionista no que diz respeito à relativização do direito à propriedade sob o enfoque da proteção ambiental. Nesse contexto, pondera que há inúmeras decisões judiciais em todo o país que atendem a pedidos formulados em ações civis públicas para a demolição de construções localizadas em áreas de proteção ambiental (Giovanini de Moura, 2014).

Nota-se, portanto, que a função social da propriedade é essencial para oferecer benefícios à sociedade, uma vez que à direito de propriedade não é criado pela lei, mas tem conteúdo e implicações sociais. Desse modo, o jurista e o legislador devem considerar essas inovações para estabelecer leis justas para a sociedade, tornando o Direito um conhecimento dinâmico. (Barbosa, Silva, 2019).

Neste sentido, faz-se necessário destacar que a jurisprudência desempenha um papel crucial na proteção do direito à propriedade privada, ao mesmo tempo em que equilibra esses direitos com o interesse público, a fim de garantir que a intervenção na propriedade privada seja realizada de maneira justa e em conformidade com os princípios legais estabelecidos.

A título exemplificativo, já existe jurisprudência versando sobre a possibilidade de exclusão do condômino pelo uso irregular da propriedade, por ocasião de constante perturbação ao sossego dos condôminos, senão vejamos:

“1. O Código Civil estabelece limites ao exercício do direito de propriedade e de vizinhança, dentre eles a aplicação de multas e sua majoração escalonada, até o décuplo do valor da taxa ordinária de condomínio, caso não cesse a importunação, consoante se infere dos arts. 1.228, caput e § 1º, 1.277, 1.336, inciso IV e § 2º e 1.337, caput e parágrafo único. (…) 3. Diante do descumprimento da regra de convívio, o condomínio pode requerer ou aplicar as penalidades cabíveis, que podem ser majoradas em ordem escalonada, caso a renitência persista. 3. O Enunciado nº 508, da V Jornada de Direito Civil, dispõe que: “verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal”.

Acórdão 1258928, 07034077720198070020, Relator: ARNOLDO CAMANHO, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 27/5/2020, publicado no DJE: 6/7/2020. (DISTRITO FEDERAL)

Outro exemplo relevante foi a decisão datada de 01/09/2023, na qual o plenário do STF, ao julgar improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3865-DF, definiu que imóvel rural produtivo pode ser desapropriado para fins de reforma agrária, caso não cumpra sua função social, senão vejamos:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA REFORMA AGRÁRIA. LEI 8.629/1993. ARTIGO 185 DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. COGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO. PRECEDENTES FIRMADOS EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO. CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRODUTIVA COMO REQUISITO SIMULTÂNEO PARA A SUA INEXPROPRIABILIDADE. PLURISSIGNIFICAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL QUE AUTORIZA A OPÇÃO DO LEGISLADOR PELA EXIGÊNCIA DA FUNCIONALIZAÇÃO SOCIAL. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1. O anterior exame de constitucionalidade da norma inscrita no art. 6º da Lei 8.629/1993, em sede de controle difuso, não obsta sua apreciação em ação direta. 2. Os arts. 6º e 9º da Lei 8.629/93 mostram-se constitucionalmente válidos, porquanto o art. 185 da Constituição da Republica exige, para a aplicação da cláusula de insucetibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária, a função social e o caráter produtivo da propriedade como requisitos simultâneos. 3. O parágrafo único do art. 185 da Constituição da Republica, ao definir que a lei fixará normas para o cumprimento da função social, alberga cláusula semanticamente plural e, portanto, compatível com a manifestação concretizadora do legislador no sentido de conjugar funcionalização social e propriedade produtiva. 4. Ação direta julgada improcedente. (STF – ADI: 3865 DF, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 04/09/2023, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG XXXXX-09-2023 PUBLIC XXXXX-09-2023).(BRASIL)

A função social da propriedade, como se observa, é um dos principais parâmetros a serem observados nas formas de intervenção e flexibilização do direito à propriedade. Neste sentido, até mesmo o Estado se submete a tal imperativo constitucional. Tal situação ocorre, por exemplo, quando ocupantes de certos bens estatais disponíveis (dominicais), que não têm uma destinação pública definida, protegem sua posse ao atribuir uma função social a essa área pública, vejamos a seguinte jurisprudência do STJ abaixo:

Ementa: RECURSO ESPECIAL. POSSE. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BEM PÚBLICO DOMINICAL. LITÍGIO ENTRE PARTICULARES. INTERDITO POSSESSÓRIO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL. OCORRÊNCIA. (..) 5. À luz do texto constitucional e da inteligência do novo Código Civil , a função social é base normativa para a solução dos conflitos atinentes à posse, dando-se efetividade ao bem comum, com escopo nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. 6. Nos bens do patrimônio disponível do Estado (dominicais), despojados de destinação pública, permite-se a proteção possessória pelos ocupantes da terra pública que venham a lhe dar função social. 7. A ocupação por particular de um bem público abandonado/desafetado – isto é, sem destinação ao uso público em geral ou a uma atividade administrativa -, confere justamente a função social da qual o bem está carente em sua essência. 8. A exegese que reconhece a posse nos bens dominicais deve ser conciliada com a regra que veda o reconhecimento da usucapião nos bens públicos (STF, Súm 340 ; CF , arts. 183 , § 3º ; e 192; CC, art. 102); um dos efeitos jurídicos da posse – a usucapião – será limitado, devendo ser mantido, no entanto, a possibilidade de invocação dos interditos possessórios pelo particular. 9. Recurso especial não provido. (STJ – Recurso Especial: Resp 1296964 DF 2011/0292082-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA). (BRASIL)

5. METODOLOGIA DA PESQUISA

A metodologia deste trabalho consistirá em uma análise bibliográfica, documental, de caráter qualitativo. Para tanto, este trabalho utilizará bases de dados de literaturas, periódicos acadêmicos, obras doutrinárias e análise de jurisprudência, utilizando termos-chave como “direito à propriedade”, “relativização do direito à propriedade” e “influência da filosofia jurídica no direito à propriedade”.

Serão selecionados artigos, periódicos, obras doutrinárias e decisões judiciais que apresentem relevância para o tema em questão, utilizando critérios pré-definidos, buscando compreender e refletir sobre o assunto estudado e, a partir disso, construir uma resposta embasada nos dados e nas evidências encontradas.

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