REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6855715
Autora:
Pamella Machado Lima
RESUMO
Anaplasmose trombocítica canina é uma hemoparasitose causada pela bactéria gram-negativa, Anaplasma platys, que cursa frequentemente com trombocitopenia e parasitemia das plaquetas, em ciclos de aproximadamente quatorze dias. É transmitida pelo carrapato Rhipicephalus sanguineus, através da inoculação do agente durante a picada, mas pode ocorrer transmissão por transfusão sanguínea ou agulhas e seringas contaminadas. Os animais apresentam sinais clínicos inespecíficos, sendo os mais comuns a anorexia, letargia, perda de peso e depressão. O diagnóstico é feito normalmente através de esfregaço sanguíneo e/ou sorologia. O presente trabalho relata um canino da raça Chow-chow que foi atendido apresentando ferimento na base da cauda, e através do exame de sangue com pesquisa de hemoparasitas, observou-se presença de inclusão em plaquetas sugestivas para Anaplasma, ressaltando a importância dos exames laboratoriais na rotina clínica veterinária. Após o tratamento feito com antibioticoterapia para essa enfermidade, o animal apresentou melhora clínica e recebeu alta médica.
Palavras-chave: Anaplasma; Canino; Hemoparasitose; Trombocitopenia;
ABSTRACT
Canine thrombocytic anaplasmosis is a hemoparasitosis caused by the gram-negative bacterium, Anaplasma platys, which frequently courses with thrombocytopenia and platelet parasitemia, in cycles of approximately fourteen days. It is transmitted by the tick Rhipicephalus sanguineus, through the inoculation of the agent during the bite, but transmission can occur by blood transfusion or contaminated needles and syringes. Animals show nonspecific clinical signs, the most common being anorexia, lethargy, weight loss and depression. Diagnosis is usually made by blood smear and/or serology. The present work reports a Chow-chow canine that was treated with an abscess at the base of the tail, and through the blood test with a search for hemoparasites, it was observed the presence of inclusion in platelets suggestive of Anaplasma, highlighting the importance of laboratory tests. in the veterinary clinical routine. After treatment with antibiotic therapy for this disease, the animal showed clinical improvement and was discharged.
Keywords: Anaplasma; Canine; Hemoparasitosis; Thrombocytopenia;
1. INTRODUÇÃO
Na rotina da clínica médica veterinária de cães e gatos, as hemoparasitoses estão entre as enfermidades mais observadas, sendo apontadas como doenças que podem ser de brandas à graves, podendo inclusive levar o animal à óbito (Almeida et al., 2010). São doenças causadas por agentes que se propagam na corrente sanguínea parasitando células do sangue e comprometendo suas funções. Muitas vezes o diagnóstico e consequentemente o tratamento são dificultados, pois podem produzir manifestações clínicas bastante inespecíficas (Andrade & Leite, 2020). Dentre as muitas hemoparasitoses relatadas na clínica de pequenos animais, está a anaplasmose trombocítica canina, causada por uma bactéria gram negativa, intracelular obrigatória de plaquetas, pertencente à ordem Rickettssiales, família Anaplasmataceae e gênero Anaplasma (Costa, 2015; Valente, 2014). O agente etiológico da anaplasmose canina é denominado Anaplasma platys (Garcia, 2018). A transmissão ocorre através da picada e consequente inoculação do agente infeccioso, feita pelo carrapato ixodídeo, sendo o Riphicephalus sanguineus, também conhecido como carrapato vermelho do cão, apontado como principal vetor (Nelson & Couto, 2006). Quanto à fisiopatogenia, a Anaplasma platys induz uma parasitemia cíclica das plaquetas, que dura em torno de uma a duas semanas, seguida de trombocitopenia e linfadenopatia generalizada (Peres, 2019). Alguns dias após a infecção, observa-se uma redução significativa no número de plaquetas e A. platys desaparece da circulação (Dagnone & Costa, 2018). Em seu ponto mais crítico, a trombocitopenia pode ser grave (20.000 a 50.000 plaquetas/μL) e as plaquetas estão hipoagregáveis (Ettinger & Feldman, 2004 ). Após um período de trombocitopenia as plaquetas tendem a retornar a valores (200.000 – 400.000 mm3) normais após três a quatro dias, e essas fases acontecem em intervalos de uma a duas semanas. Por este motivo, a doença também é conhecida como trombocitopenia cíclica canina (Machado et al., 2010). Apesar da maioria dos cães serem assintomáticos, eles podem apresentar manifestações clínicas que começam após um período de incubação de oito a quinze dias, período no qual o animal pode apresentar febre, uveíte (Cesca et al., 2022) sintomas digestivos como vômito e/ou diarréia, anorexia, depressão, perda de peso e raramente distúrbios hemostáticos em decorrência da severa trombocitopenia (Nunes, 2016;Souza, 2009). Ela pode levar a uma redução da agregação plaquetária associada a uma trombocitopenia regenerativa, e também à quadros de anemia arregenerativa normocítica normocrômica, associada à leucopenia, hipoalbuminemia e hiperglobulinemia (Kohn, 2008). O diagnóstico laboratorial dessa infecção tem sido rotineiramente realizado pela identificação direta de mórulas de A. platys em esfregaços de sangue periférico, associada a exames hematológicos (Nakaghi et al., 2008). Com o objetivo de elevar a sensibilidade e a especificidade do diagnóstico laboratorial, atualmente tem sido utilizada a detecção molecular e exames sorológicos nos cães suspeitos da doença (Souza, 2020; Witter, 2013). O objetivo desse trabalho é relatar um caso de anaplasmose em um cão, a partir da análise da anamnese, exame físico e laboratoriais feitos no animal.
2. RELATO DE CASO
No dia 18 de Junho de 2022, foi atendida na clínica veterinária Amigo Bicho, em Petrópolis no estado do Rio de Janeiro, uma cadela da raça Chow-Chow, de 7 anos de idade, que apresentava como único sintoma um ferimento na base na cauda, sugestivo de abscesso. Durante o exame clínico observou-se que o animal se apresentava em alerta, em bom escore corporal, mucosas normocoradas, tempo de preenchimento capilar dentro da normalidade, temperatura de 38.2 graus celsius e não apresentou sensibilidade à palpação abdominal. Diante do quadro foi coletado sangue do membro anterior direito, e solicitado hemograma com pesquisa de hematozoários.
O exame apresentou discreto aumento nos níveis de hemoglobina e de CHVGM, e moderada leucocitose, sugerindo um processo infeccioso ou inflamatório. Entretanto não foram observados parasitos nesta amostra.
FIGURA 1: HEMOGRAMA COM PESQUISA DE HEMATOZOÁRIOS REALIZADO NO DIA DO ATENDIMENTO DA PACIENTE 18/06/2022.
Com base neste resultado, optou-se por entrar com antibioticoterapia utilizando um antibiótico de amplo espectro, foi prescrito então o uso da Amoxicilina com clavulanato na dose de 15 mg/kg a cada 12 horas. Entretanto foi realizado um segundo hemograma dois dias após para avaliação do resultado da conduta terapêutica escolhida, e neste foi observado a presença de incluão em plaquetas sugestivas para Anaplasma sp. E que apesar da diminuição da leucocitose, agora estavam presentes uma monocitopenia absoluta e trombocitopenia.
FIGURA 2: HEMOGRAMA COM PESQUISA DE HEMATOZOÁRIOS REALIZADO NO DIA DA REVISÃO DA PACIENTE, 20/06/2022
Após o achado da inclusão do parasita através do hemograma, optou-se por alterar a conduta terapêutica e introduzir a doxiciclina, na dose de 10 miligramas por kg de peso, a cada 12 horas por 28 dias, uma vez que é o antibiótico de eleição para o tratamento de anaplasmose canina e o animal já apresentava melhora quase absoluta do ferimento na cauda. E associar ao dipropionato de imidocarb, 5 mg por kg, por via subcutânea com Sulfato de Atropina 15 minutos anteriormente para minimizar os efeitos, e repetida a dose com sete dias (Machado et al., 2010). O tutor não autorizou a realização de exames de sorologia.
Após 7 dias o paciente voltou para revisão apresentando total melhora clínica e recebeu alta médica.
3. DISCUSSÃO
O carrapato R. sanguineus é apontado como o provável vetor de A. platys em função da sua distribuição, dos achados moleculares e dos caninos serem considerados seus hospedeiros primários (Cesca et al., 2020; Souza et al., 2020). No entanto, segundo o tutor, o paciente relatado, não possuía histórico de contato com ectoparasitas, o que inicialmente, descartava a hipótese de hemoparasitose. O animal apresentava sintomatologia inespecífica, como relatado por (Garcia et al., 2018; Santos, 2016). Sabe-se que cães com anaplasmose trombocítica podem apresentar anorexia, letargia, perda de peso e depressão, bem como sinais de hemorragia espontânea que são bem menos comuns (Birchard & Sherding, 2008), embora possam acontecer principalmente quando existe coinfecção por algum outro hemoparasita, como relatado por Bernardes (2022). Contudo, o animal foi levado até a clínica, com queixa única de um ferimento na base da cauda, e nenhum desses sintomas foi observado durante o exame clínico feito pelo veterinário. No primeiro hemograma ( figura 1) foi possível detectar uma leve alteração hematológica no valor plaquetário, caracterizando discreta trombocitopenia. No segundo hemograma, apesar de haver trombocitopenia, o número de plaquetas estava próximo do limite inferior. Segundo (Thomas, 2010), o mecanismo relacionado à trombocitopenia cíclica ainda é desconhecido, mas pode envolver sequestro ou remoção de plaquetas infectadas por macrófagos. Embora a paciente não tenha manifestado um quadro severo de trombocitopenia, os ciclos de parasitemia em cães infectados por Anaplasma podem resultar em trombocitopenia grave (Breitschwerdt, 2004). Ainda no resultado do segundo hemograma, foi observado a presença de monocitose absoluta, que de acordo com De Pádua Costa (2014), está presente consistentemente em cães. Dentre os achados que podem ser observados em animais infectados por este parasita, está uma discreta anemia arregenerativa normocítica normocrômica, leucopenia, hipoalbuminemia e hiperglobulinemia ( Andrade, 2020; Lisbôa, 2010). Nenhuma dessas alterações foram encontradas em ambos os exames realizados, porém foram observados no primeiro hemograma ( figura 1) um discreto aumento dos níveis de hemoglobina e de CHVGM. Um estudo feito por Mota (2019), relatou que cães considerados portadores de hemoparasitoses tendem a apresentar leucopenia. Acredita-se então, que a leucocitose apresentada nos hemogramas está relacionada ao ferimento da cauda. Dados da literatura mostram que o diagnóstico de anaplasmose em cães baseia-se em exames sorológicos, PCR ou exame citológico de sangue (Ettinger & Feldman, 2004). Entretanto, nesse relato, o diagnóstico se baseou no achado da inclusão plaquetária para Anaplasma, além da trombocitopenia no resultado do hemograma. Quanto ao tratamento escolhido, foi instituído o uso do dipropionato de imidocarb associado à doxiciclina, que é um fármaco de ampla ação, utilizado no tratamento de diversas hemoparasitoses com sucesso, justificando seu uso no paciente relatado (Barwaldt, 2020; Damas, 2018). Como prevenção e controle de carrapatos, foi indicado o uso do ectoparasiticida à base de Sarolaner (Simparic) por via oral.
4. CONCLUSÃO
Conclui-se que as hemoparasitoses estão presentes na rotina do clínico veterinário de pequenos animais. Porém, como os sinais clínicos costumam ser inespecíficos, a pesquisa dos agentes causadores, através de exames complementares, como o esfregaço sanguíneo corado é uma importante ferramenta para o diagnóstico definitivo, devendo ser adotado como rotina nos casos suspeitos, principalmente naqueles animais com diminuição de hemácias e plaquetas, além de histórico de carrapatos.
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