REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10114517
Bruna Rafaela Przybytowicz
ORIENTADORA: Prof. Esp. Inaiane Alves Gonçalves
COORDENADOR: Prof. Bruno Henrique Martins Pirolo
RESUMO
O artigo descreverá de forma sucinta as heranças históricas, sociais e estruturais que influenciam na questão de gênero envolvendo a violência doméstica contra a mulher, abordando a criação e origem da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), seu respaldo legal e a regulamentação no Brasil. Em seguida, abordará o conceito e as formas de violência doméstica e familiar, compreendidas como física, psicológica, patrimonial e moral. Em seguida, discorrerá sobre as medidas protetivas de urgência, sua natureza jurídica, aplicabilidade e mudanças trazidas pela Lei 14.550/2023. O principal objetivo é a avaliação sobre a (in)eficácia da medida protetiva consistente na proibição do agressor de se aproximar da vítima com base em pesquisas de dados do Poder Judiciário, tecendo uma crítica ao botão do pânico virtual. O estudo utiliza métodos dedutivos, pesquisa bibliográfica, legislativa e estudos do Poder Judiciário sobre a aplicação da Lei Maria da Penha em 2022, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero de 2021 para a identificação dos fatores e causas das desigualdades de gênero e do descumprimento das medidas protetivas. O artigo conclui que o fortalecimento das políticas públicas requer melhorias no sistema de Justiça e de rede de apoio e acolhimento às vítimas na promoção de políticas de gênero mais eficazes.
Palavras chaves: Violência Doméstica. Lei Maria da Penha. (in)eficácia das Medidas Protetivas.
ABSTRACT
The article will succinctly describe the historical, social and structural legacies that influence the gender issue involving domestic violence against women, addressing the creation and origin of the Maria da Penha Law (Law 11.340/2006), its legal support and regulation in Brazil. It will then address the concept and forms of domestic and family violence, understood as physical, psychological, property and moral. It will then discuss urgent protective measures, their legal nature, applicability and changes brought about by Law 14,550/2023. The main objective is to evaluate the (in)effectiveness of the protective measure consisting of prohibiting the aggressor from approaching the victim based on research, data from the Judiciary, criticizing the virtual panic button. The study uses deductive methods, bibliographical and legislative research and studies by the Judiciary on the application of the Maria da Penha Law in 2022, the Protocol for Judgment with a Gender Perspective of 2021 to identify the factors and causes of gender inequalities and non-compliance of protective measures. The article concludes that strengthening public policies requires improvements in the Justice system and the support and reception network for victims, of promoting more effective gender policies.
Keywords: Domestic violence. Maria da Penha Law. (IN) effectiveness of Protective Measures.
1 INTRODUÇÃO
A violência doméstica é um problema estabelecido na sociedade desde a antiguidade, onde a mulher era vítima de descriminações e ocupava uma condição de inferioridade e subordinação tolhida de seus direitos e liberdades. Isso foi perpetuado ao longo da história devido à persistência e a construção baseada em cultura patriarcal que subjugavam as mulheres e as mantinham em um estado de invisibilidade, enquanto os homens desempenhavam um papel dominante. Esse sistema foi consolidado ao longo da história, perpetuando a violência de gênero (PONTES, 2007; NERI, 2007).
No século XIX no Brasil, surgiram os debates iniciais sobre os direitos das mulheres, com destaque para o jornal “O Sexo Feminino” fundado por Francisca Senhorinha Motta Diniz em 1873. Essa publicação promovia a igualdade de gênero, a emancipação feminina, o direito ao voto e a abolição da escravidão. No entanto, as reivindicações eram lideradas por mulheres com maior instrução e poder socioeconômico (FERRACINI, 2018).
Com o fim da escravidão e a Proclamação da República no final do século XIX, as mulheres de classes sociais mais baixas assumiram um papel na sociedade e no mercado de trabalho foram trabalhar fora para integrar a renda familiar, especialmente as mulheres negras; os serviços prestados estavam ligados aos serviços domésticos. Nesse contexto, surgiu o movimento operário brasileiro, no qual as mulheres enfrentaram uma jornada dupla de trabalho, salários mais baixos que os homens e a falta de reconhecimento de seus direitos e identidade feminina, marcando o início da luta pelos direitos das mulheres e da igualdade de gênero (FERRACINI, 2018).
O feminismo no Brasil começou a abordar a questão da violência doméstica durante o II Congresso da Mulher Paulista, levando à criação do primeiro SOS Mulher no Rio de Janeiro e subsequentemente em outras cidades. A luta inicialmente enfatizava a conscientização da mulher sobre sua subalternidade e dependência do homem, mas essa abordagem mostrou-se insuficiente. O surgimento das Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) seguiu essa fase. (FERRACINI, 2018).
Com a Constituição Federal de 1988, o Estado assumiu a responsabilidade de coibir a violência nas relações familiares (art. 226, § 8). Em 2006, a Lei Maria da Penha foi promulgada, em homenagem a uma mulher que enfrentou agressões e duas tentativas de homicídio por seu marido.
No entanto, apesar dessas mudanças legais e históricas, a ineficácia das medidas protetivas da Lei Maria da Penha permanece, principalmente devido ao descumprimento dessas medidas. O artigo questiona se a punição é a forna mais eficaz para combater a violência doméstica e defende o fortalecimento das políticas públicas e o apoio às vítimas, com base nas inovações introduzidas pela Lei 14.550/2023 em relação às medidas protetivas. Isso é particularmente importante devido à evidência da ineficácia, como demonstrado pelo aumento de casos de violência e feminicídio envolvendo vítimas com medidas protetivas.
O estudo desenvolve da seguinte maneira: na primeira parte uma descrição histórica das conquistas e avanços de direito das mulheres, e as legislações, com foco na Lei 11.340/2006. Na segunda, a origem e o surgimento da Lei Maria da Penha, o conceito de violência doméstica e suas formas. Na terceira, a descrição das medidas protetivas, sua finalidade, natureza jurídica e espécies de medidas com relação ao agressor e à vítima com descrição trazidas pela Lei 14.550/2023.
Para o desenvolvimento do tema foi realizada o levantamento de dados da violência de gênero, pautando-se a discussão na análise e apontamento sobre a ineficácia das medidas protetivas consistente na proibição do agressor de se aproximar da vítima, buscando identificar e interpretar através do estudo os fatores e causas que contribuem para ineficácia das medidas protetivas que se revelam através do aumento de casos e índices de crimes praticado contra mulheres, tecendo uma crítica ao botão do pânico.
A pesquisa foi baseada em fontes bibliográficas, incluindo obras de autores como Maria Berenice Dias, Nádia Gerhard e Ricardo Ferracini Neto e outros bem como pesquisa e levantamento de dados, leis específicas, revistas e sites que tratam do assunto especialmente o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021 (Conselho Nacional de Justiça, 2021) para a identificação dos fatores e causas das desigualdades de gênero e do descumprimento das medidas protetivas.
2 DO CONTEXTO HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A violência doméstica é um problema social que tem raízes históricas, culturais, estruturais e, ainda, religiosas profundas e que afetam milhões de mulheres no mundo todo. A história da violência doméstica está intimamente ligada à evolução das relações de gênero e aos sistemas sociais patriarcais, onde os homens ocupam posição de poder e domínio, conferindo a autoridade sobre as mulheres, relegando as a posições subalternas e vulneráveis. Essas situações de desigualdades de gênero vêm contribuindo para ocorrência e perpetuação de violência. (FERRACINI, 2018).
Compreender a ligação entre a violência doméstica e o sistema patriarcal talvez seja, portanto, um ponto de partida para abordar o problema da violência contra as mulheres e reconhecer a (in)eficácia das medidas protetivas. Reforça-se que ao longo da história e até os dias atuais, apesar de leis regulatórias, a sociedade enfrenta esse problema social.
Nas sociedades antigas, as mulheres não dispunham de garantias e direitos específicos para proteção, eram frequentemente tratadas como se fossem de propriedade, colocadas em uma situação e posição de extrema vulnerabilidade, privadas de liberdade, autonomia, estabelecendo profundas desigualdades (TABOSA, 2003).
Na época colonial brasileira, a educação feminina era estritamente controlada pela igreja, limitando-se às atividades domésticas e submissa à autoridade masculina. As mulheres eram impedidas de buscar educação e aprendizado, e a igualdade de direitos era inexistente durante mais de trezentos anos, até 1916, quando ainda eram aplicados castigos corporais (PONTES, 2003; NERI, 2003).
Com a instauração do regime Republicano no Brasil, houve uma certa ampliação do sistema patriarcal, abolidos os castigos físicos impostos pelo homem. No entanto, em 1916, com a promulgação do Código Civil, a figura masculina continuou sendo considerada como chefe da sociedade conjugal e a mulher na condição de submissão (PONTES, 2003; NERI, 2003).
Apenas em 1932 houve um pequeno avanço com a conquista do direito ao voto feminino, e em 1962 a abolição da incapacidade legal das mulheres. Finalmente, em 1824 com a promulgação da Constituição de 1967, estabeleceu-se a igualdade jurídica entre homens e mulheres no Brasil, um marco importante na evolução dos direitos das mulheres ao longo da história (PONTES, 2003; NERI, 2003).
Somente nos séculos XIX e XX, com o surgimento dos movimentos feministas e o avanço dos direitos das mulheres, testemunhamos a ascensão de uma luta pelos direitos e proteções legais. Esse foi um momento de transformação, no qual se começou a reconhecer a necessidade de mudança e se deram os primeiros passos para combater a violência doméstica e se alcançar uma sociedade mais justa e igualitária, surgindo a criação de leis e acordos internacionais significativos para a igualdade de gênero como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (PONTES, 2003; NERI, 2003).
A Constituição Federal de 1988 representa um marco regulatório no combate à violência doméstica no Brasil, trazendo em seu bojo a proteção aos direitos das mulheres, estabelecendo a igualdade de gênero, em seu art. 5º, o qual assegura o tratamento igualitário vedando qualquer forma de discriminação e desigualdade; proibindo a violência no âmbito das relações familiares (§ 8º, art. 226), assegurando a inviolabilidade física, moral e psicológica das vítimas, pautado no fundamento central, o Estado Democrático de Direito e o respeito a dignidade humana (BRASIL, 1988).
Contudo, apesar das mudanças significativas e da ampliação dos papéis das mulheres na sociedade, a violência doméstica ainda persiste. Uma das razões é a persistente desigualdade entre homens e mulheres. Como destaca Ritt (2020, p. 347):
A violência doméstica é decorrência de um processo social estabelecido ao longo da história humana, desde os primórdios da sociedade, até os dias atuais, onde ele ainda vigora, e ainda são cultivadas as diferenças entre homens e mulheres, que podem desencadear em possíveis violências.
Segundo o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021 editado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, inúmeros fatores influenciam para a desigualdade constituída na violência de gênero como os fatores materiais (dependência financeira), culturais, ideológicos e relacionados ao exercício de poder. Nesse contexto, o Poder Judiciário desempenha um papel fundamental na mitigação dessas influências por meio de sua atuação jurisdicional. Destaca-se a importância da interpretação e aplicação do direito que se oponha a estereótipos, preconceitos, discriminações e violência, visando estabelecer um sistema mais próximo do ideal de justiça e igualdade, sendo fundamental levar em consideração que a violência afeta de maneira e intensidades diferentes as minorias (mulheres negras, pessoas com deficiência, indígenas, quilombolas, idosas e LGBTQIA+)1.
A perspectiva de gênero na análise jurídica da Lei Maria da Penha é indispensável para alcançar os objetivos traçados e a igualdade de gênero (BIANCHINI, 2023).
3 A LEI MARIA DA PENHA
A lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 07 de agosto de 2006, entrando em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano. O nome da lei faz alusão a uma mulher Maria da Penha Maia Fernandes, remontando as violências e por diversos ataques sofridas por ela em 1983.
A farmacêutica Maria da Penha, enquanto dormia, foi atingida por tiro de espingarda deferido por seu marido, o economista M.A.H. V que atingiu a vítima deixando-a paraplégica (CUNHA; PINTO, 2015).
Em 1984, o Ministério Público apresentou denúncia contra o agressor, sendo levado a júri em 1986 e condenado em 1991, objeto de recurso pela defesa que foi acolhido, sido submetido a um novo julgamento em 15 de março de 1996, na qual foi condenado e imposta uma pena 10 anos e 6 meses de prisão, surgindo-se novos recursos aos tribunais superiores, e efetivado a prisão somente em setembro de 2002, após 19 anos da prática do crime. O desfecho processual causou indignação. A inexistência de rigorosidade e normas brandas fez com que o agressor, o ex-marido, mesmo após condenado por tentativa de homicídio cumprisse apenas 1/3 da pena em regime fechado, vindo gozar de sua liberdade (CUNHA, 2015; PINTO, 2015).
Diante essa situação e repercussão, o caso foi encaminhada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Em 2002, a Comissão Interamericana condenou o Estado brasileiro por omissão e negligência. Passado 05 (cinco) anos finalmente foi sancionada a Lei Maria da Penha, tendo como objetivo criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a garantir assistência e proteção às vítimas (CUNHA; PINTO, 2015).
Como parte desse compromisso de garantir direitos, a lei incorpora medidas protetivas de urgência destinadas a proteger a segurança das vítimas. Essas medidas incluem diversas opções, sendo a mais comum o afastamento do agressor do lar ou do local de convivência com a vítima, bem como a proibição de qualquer tipo de contato com a vítima, podendo o magistrado aplicar outras medidas que julgar conveniente e não descritas em um rol exemplificativo.
No Estado do Paraná, dentre as medidas preventivas foi adotada e implementada uma medida adicional chamada ´botão do pânico virtual’, com o intuito de reforçar a segurança das vítimas que possuem medidas protetivas de urgência. O programa é uma parceria entre o TJPR, o Governo do Estado (Secretarias de Segurança Pública, da Justiça, Família e Trabalho, Celepar e Polícia Militar) e a Assembleia Legislativa, conforme o Termo de Cooperação Técnica 022/2020.
4 CONCEITO E FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Segundo a Lei 11.340/2006, entende-se por violência doméstica e familiar toda a espécie de agressão (ação ou omissão) dirigida contra mulher, num determinado ambiente doméstico, familiar ou de intimidade baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento, físico, sexual, psicológico, moral ou patrimonial praticada no âmbito da unidade doméstico, da família ou em qualquer relação intima de afeto, art. 5° (BRASIL, 2006).
Conforme Maria Amelia Teles e Mônica de Melo, a violência de gênero representa uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher consolidados ao longo da história e reforçado pelo patriarcado e sua ideologia (BRASILIENSE, 2002). São consideradas formas de violência contra mulher a violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral nos termos do art. 7º (BRASIL, 2006).
A violência física como qualquer conduta que cause danos à integridade ou saúde corporal da vítima, independentemente de deixar marcas visíveis. A violência psicológica como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima, sendo considerada até mais grave que a violência física. Isso inclui ações com o intuito de prejudicar ou perturbar o desenvolvimento da vítima, por meio de ameaças, intimidações ou humilhações, causando prejuízo à sua saúde psicológica e à sua capacidade de autodeterminação, como, por exemplo, o crime de stalking ou perseguição reiterada (BRASIL, 2006).
A violência sexual como qualquer conduta que force a mulher a se envolver em relações sexuais indesejadas, usando força, coerção, chantagem ou ameaça, ou que a leve a comercializar ou utilizar sua sexualidade de qualquer forma, que a impeça de utilizar métodos contraceptivos ou que a force a engravidar, abortar ou se prostituir (BRASIL, 2006). A violência moral é relacionada a crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria. Por fim, a violência patrimonial às condutas que envolvem a retenção, subtração ou destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores, direitos ou recursos econômicos da mulher, incluindo aqueles destinados a atender às suas necessidades (BRASIL, 2006).
Segundo os dados divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o Brasil possuía mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022 (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA, 2023). Esses dados abrangem todos as formas descritas como violência doméstica pela Lei.
Ainda, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná (SESP/PR), nos anos de 2018, 2019 e 2020, o sistema de boletim de ocorrência unificado (BOU) registrou em média 70.940 ocorrências de violência doméstica contra à mulher maior de 18 anos (COSTA; TSUNODA, 2023).
5 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
As medidas protetivas de urgência são um instrumento previsto na legislação, cuja finalidade e ajudar no combate à violência doméstica e familiar contra mulheres em suas diversas formas, assegurar a integridade física, psicológica e material e moral da vítima, bem como garantir sua liberdade de ação e locomoção. Trata-se de medidas de natureza cautelar e caráter provisório, ou seja, podem ser revistas, modificadas, alteradas, revogadas e prorrogadas a qualquer momento, sendo necessária uma avaliação dos motivos que as justificam.
Segundo o artigo 22 da Lei Maria da Penha, medidas protetivas de urgências podem ser decretadas quando existir um risco em concreto ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes. Essas medidas têm por finalidade, portanto, evitar danos imediatos e prevenir que a violência persista (BRASIL, 2006).
Existem debates se essas medidas seriam de natureza penal ou civil, mas ambas as interpretações se mostram equivocadas. As medidas protetivas não servem para garantir processos legais, mas sim para proteger as pessoas vítimas de violência doméstica, salvaguardando sua segurança e evitando futuras agressões, como enfatizado por DIAS (2015 p. 142):
A própria Lei Maria da Penha não dá origem a dúvida, de que as medidas protetivas não são acessórias de processos principais e nem a eles se vinculam. Assemelham-se aos writs constitucionais que, como habeas corpus ou mandado de segurança, não protegem processos, mas direitos fundamentais do indivíduo. São, portanto, medidas cautelares inominadas que visam garantir direitos fundamentais.
Reforça-se que o objetivo da Lei Maria da Penha não se limita apenas à punição dos agressores, mas também criar e estabelecer medidas preventivas e assistenciais. Para tanto, o legislador descreve a possibilidade de aplicação e as espécies de medidas aplicáveis ao agressor e à vítima.
As medidas impostas aos agressores estão previstas no artigo 22, tratando se de um rol meramente exemplificativo, podendo o juiz aplicar outras mais pertinentes. Sendo sua finalidade prevenir a prática de violência, por consequência, a maioria das medidas descritas pela Lei envolve restrições à liberdade, como o direito de ir e vir e a outros direitos (BRASIL, 2006).
As medidas estabelecem que o juiz pode aplicar uma ou mais medidas protetivas, quais sejam: suspensão ou restrição de posse de arma fogo, distanciamento do local de convívio com a vítima, proibição de frequentar alguns locais, limitação ou até restrição para as visitas do agressor com os menores, prestação de alimentos provisórios, o agressor deve comparecer em programas de reeducação e fazer acompanhamento psicossocial do agressor.
O propósito dessas medidas é promover a reeducação e iimpedir o ciclo da violência, evitando a reincidência da violência. Enfatiza-se que a medida aplicada ao agressor, como o seu comparecimento e acompanhamento psicossocial, busca a desconstrução dos preconceitos e discriminação enraizados no sistema patriarcal, a compreensão das formas de violência e a reflexão sobre seu comportamento na busca de uma transformação positiva.
Com relação às medidas protetivas de urgência à ofendida, podemos verificá-las discriminadas no art. 23 da referida Lei (BRASIL, 2006). Essas medidas estão intrinsecamente relacionadas ao acolhimento e assistência da vítima como o encaminhamento da ofendida e seus dependentes ao programa comunitário de proteção e atendimento, suporte na recondução da vítima, auxilio e reforço no afastamento da vítima do lar, assegurando os direitos relativos a guarda dos filhos e alimentos, separação de corpos, o direito dos filhos estarem matriculados próximo ao domicilio, e, recentemente com a Lei 14.473/2023, inclui-se concessão de auxilio e aluguel para vítimas em situação de vulnerabilidade social e econômica.
Certamente, a Lei Maria da Penha traduz um avanço significativo no combate à violência doméstica e de implementação de políticas de proteção, um modelo digno de reconhecimento internacionalmente, contudo, na prática é necessário um questionamento sobre sua (in)eficácia das medidas protetivas de urgência, quais seriam as causas e fatores que influenciam para o aumento e a perpetuação de violência e desigualdades.
6 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS
Em abril de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva trouxe inovações específicas relacionadas às medidas protetivas de urgência. Para uma melhor compreensão desta Lei, interessante remeter-se ao estudo da proposição originária da Lei, que foi o projeto PL 1604/22, de autoria da senadora Simone Tebet.
Segundo a autora da proposta, as mudanças buscam evitar interpretações diversas de juízes ou policiais sobre medidas previstas na Lei Maria da Penha e os problemas oriundos do indeferimento pelo Poder Judiciário pelas medidas protetivas de urgência, o aumento de número dos casos de morte das mulheres vítimas de violência doméstica, e principalmente da interpretação do conceito da violência de gênero (SENADO, 2023).
Além das justificativas apontadas para o aperfeiçoamento, o projeto de Lei baseou-se em pesquisas realizadas por Thiago Pierobom e Chtistiane de Paula (2020). De acordo com os autores, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), 89% (oitenta nove) por cento dos casos que envolviam violência entre irmãos foi afastada Lei sob a justificativa ausência de motivação de gênero, pelo fato de o ofensor ser usuário de drogas, ausência de vulnerabilidade ou inferioridade financeira da vítima, ausência de dependência hierárquica da mulher em relação ao ofensor, a ausência de coabitação com ofensor ou conflitos patrimoniais (SENADO, 2023).
Diante esse contexto, fundaram-se as alterações trazidas pela Lei 14.550/2023, e acrescidas ao artigo 19 nos §§ 4º, 5º e 6º (BRASIL, 2006). Segundo as modificações as medidas podem ser concedidas de pronto, por meio de um conhecimento imediato dos fatos apresentados pela vítima, não exigindo a realização de diligências prévias, instauração de inquérito policial provas, testemunhas, perícia ou laudos para a concessão das medidas protetivas, bastando apenas o depoimento da ofendida, realizado verbalmente ou por escrito na polícia.
As medidas protetivas de urgência poderão concedidas independente de uma tipificação penal, de ajuizamento de ação penal ou cível de existência de inquérito policial ou de registro de boletim de ocorrência. E por fim, as medidas deverão persistir enquanto houver risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes, ou seja, não há previsão de prazo certo, de modo que a duração da medida protetiva está vinculada a persistência da situação de risco (BRASIL, 2006).
Outra alteração trazida foi o art.40-A, que dispõe expressamente:
Art. 40-A. Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida
O artigo 5° da Lei Maria da Penha conceitua a violência doméstica e familiar contra mulher, ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológica, dano moral ou material no contexto familiar, doméstico e relações íntimas de afeto (BRASIL, 2006).
No entanto, a expressão violência de gênero estabelecia controvérsias interpretações e entendimentos diversos, causando insegurança jurídica no que tange aplicabilidade da Lei Maria da Penha, incluindo as medidas protetivas de urgência, um dos fundamentos para as modificações trazidas pela Lei 14.550/2023.
Parte da doutrina entendia que para a caracterização de violência doméstica e familiar contra mulher bastava o preenchimento das situações elencados no artigo 5° (violência praticada no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação íntima de afeto), sem a necessidade de se verificar a motivação de gênero, pois consideram a violência presumida.
Essa corrente filia-se ao entendimento e à decisão da Corte Especial, no julgamento do Agravo Regimento, relatoria da Ministra Nancy Andrighi, com relação a aplicação das medidas protetivas e a Lei Maria da Penha (BIANCHINI; ÁVILA, 2023)
Outros defendiam que não bastava preencher o conceito do artigo 5° (violência ocorrendo no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação íntima de afeto), mas que fosse baseada na questão do gênero, criando-se doutrinária e jurisprudencialmente a exigência da condição de vulnerabilidade.
Nesse sentido, citação de uma decisão da Corte Especial, no julgamento, relatoria, Ministra Laurita Vaz, na qual se afastou aplicação da Lei Maria da Penha, por não ter sido motivação a hipossuficiência em razão do gênero (STJ, 2023).
As divergências de entendimento na prática influenciam principalmente nas análises dos pedidos de medidas protetivas de urgência, gerando situações de riscos com o indeferimento das medidas, pois a constatação da vulnerabilidade não é simples devido a questões culturais, históricas e ao sistema patriarcal, ficando sob o critério subjetivo do juízo, e muitas vezes, difícil de ser comprovada, por estar relacionada a vulnerabilidade psicológica.
Por essas razões estabeleceram as alterações trazidas pela Lei 14.550/2023, buscando eliminar as diversas e equivocadas interpretações sobre violência de gênero e garantir segurança jurídica na prestação jurisdicional. Aliado a isso, foi editado o Protocolo de Perspectiva de Gênero 2021 (Portaria CNJ. nº 27), cujo o propósito é orientar as discussões relacionadas a gênero, promover a compreensão das causas e fatores que influenciam nas desigualdades, e destacar o papel dos juízes na busca por igualdade de gênero, bem como o diálogo público para o melhoramento dos serviços de rede de atendimento.
7 DA (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS: FATORES E CAUSAS
Apesar de Lei Maria da Penha ter sido considerada pela ONU a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica em 2012 (DOSSIÊ FEMINÍCIDIO, 2023) as medidas protetivas de urgência previstas na referida Lei, por si só, não são capazes de erradicar a violência contra a mulher, haja visto o aumento das agressões e homicídios de mulheres que continuam em nossa sociedade, especialmente para aquelas que possuem medidas protetivas.
Como no caso de Cristina Sousa Santos, de 32 anos, que infelizmente teve a vida ceifada pelo seu ex-companheiro Murilo Samuel Muniz de Jesus, a vítima tinha medida protetiva contra o agressor, que era proibido de se aproximar e de manter contato, e que mesmo diante disso, não foi suficiente para impedir o mesmo de cometer tal ato (CORREIOS BRASILIENSE, 2023).
Outro caso ocorreu com Roberta da Silva Alves, de 42 anos, também assassinada pelo seu ex-marido Adelmo Ricardo Frois, com dois golpes de faca. Nesse caso também havia a medida protetiva que foi descumprida (G1; RPC NORDESTE, 2023).
Esses são apenas alguns dentre inúmeros casos que vivenciamos todos os dias em noticiários, assim, fica evidente que a maioria dos agressores descumprem com obrigação de não se aproximar da vítima, sendo essa medida a mais violada, principalmente pelo ex-companheiro, que busca a cada momento continuar com as agressões e que possivelmente resultam no crime de Feminicídio.
Nesse sentido a autora Gerhard (2014) defende que as estatísticas comprovam que a simples medida protetiva de urgência não tem alcançado a segurança e a tranquilidade, pois, muitas continuam sendo vítimas da violência pelos mais diversos motivos.
Segundo a análise descritiva dos metadados de processos judiciais sobre medidas protetivas de urgência extraídos da Datajud – dados do Sistema de Estatística do Poder Judiciário – divulgados no relatório de avaliação sobre a aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no período entre janeiro de 2020 a maio de 2022 sob um total de procedimento disponibilizado consistente em 2.707.750 (CNJ; INSTITUTO AVON; CONSÓRCIO LEI MARIA DA PENHA; CIDADANIA, ESTUDO, PESQUISA, INFORMAÇÃO E AÇÃO, 2022).
O procedimento metodológico foi utilizado da seguinte maneira: o total de registros obtidos, aplicando-se os seguintes filtros: a) recorte temporal: casos novos entre janeiro de 2020 a maio de 2022; b) classe processual: procedimentos registrados sob o código 1268 (Medidas Protetivas de Urgência Lei Maria da Penha – criminal), e, c) grau de jurisdição: primeiro grau, contemplando dois tipos de jurisdição: varas exclusivas e não exclusivas chegando-se a um filtro total de 5.722.159, valor correspondente a 21,13% do total de registro de procedimento em medidas protetivas de urgência e 62% dos registros com o recorte temporal realizado (CNJ; INSTITUTO AVON; CONSÓRCIO LEI MARIA DA PENHA; CIDADANIA, ESTUDO, PESQUISA, INFORMAÇÃO E AÇÃO, 2023).
É importante destacar que tal período coincidente com o período de pandemia, situação que repercutiu no aumento de casos de violência (ONU MULHERES, 2020; COMITÊ DE EXPERTAS, 2020).
Segue a distribuição de dados por tribunal estadual do país (Gráfico 1):
Partindo dessa análise do Gráfico 1, submeteu-se a avaliação de dados a intepretação dos valores indicados por cem mil mulheres, indicando uma nova tabela (Gráfico 2), apontando a ordem dos tribunais com maior e menor volume de medidas protetivas de urgência.
O Estado do Paraná ocupou a 3ª posição dos tribunais com maiores volumes de registros de medidas protetivas de urgência por cada cem mulheres. Os dados apresentados observaram o nível de sigilo processual (segredo de justiça), classificados em níveis. (CNJ; INSTITUTO AVON; CONSÓRCIO LEI MARIA DA PENHA; CIDADANIA, ESTUDO, PESQUISA, INFORMAÇÃO E AÇÃO, 2023).
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná apresenta 83% dos processos com sigilo, condição essa que pode inviabilizar a produção de pesquisas e análises que permitam monitorar ou avaliar a atuação do Judiciário no enfrentamento à violência doméstica, inclusive a própria efetividade da medida protetiva concedida, pois a falta de acesso aos dados processuais, por exemplo por profissionais da rede de atendimento, dificulta o monitoramento e tomadas de decisões em casos de descumprimento. (CNJ; INSTITUTO AVON; CONSÓRCIO LEI MARIA DA PENHA; CIDADANIA, ESTUDO, PESQUISA, INFORMAÇÃO E AÇÃO, 2023).
Ainda, sobre a pesquisa de dados, sobre uma possível avaliação quanto a (in)eficácia das medidas protetivas de urgência, o mapeamento analisou a distribuição por varas exclusivas e não exclusivas. De modo surpreendente foram identificadas 145 varas exclusivas em violência doméstica em todo o país, segundo o Painel de Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres do CNJ, em 2021, embora completados 17 anos de vigência da Lei Maria da Penha, e estar estabelecido no seu art. 1º a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, podendo assim apontar como fatores a influenciar sobre a ineficácia das medidas protetivas de urgência
Avançando um pouco mais o estudo, verificou-se os dados a partir da distribuição por tipo de medida protetiva solicitada e concedida pelo Poder Judiciário e as formas que vêm sendo aplicadas, porém com pouco êxito pois a inexistência de preenchimento de dados pelos tribunais, o que correspondem informações apenas 174.494 registros.
Dos dados extraídos, aparece como medidas mais solicitadas aquelas que obrigam o agressor a aproximação (proibição) da vítima, de seus familiares e testemunhas, fixando o limite mínimo de distância, previstas no art. 22, inciso III, alínea “a” e a proibição de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas, por qualquer meio de comunicação, descrita no art. 22, inciso III, alínea b, correspondente a 77% dos registros. Na sequência, com 19,6% das ocorrências, aparece a medida prevista no Artigo 22, II (afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida), possuindo as demais medidas um percentual abaixo de 2% quanto ao total de registros, como por exemplo: a proibição de frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; por fim com 1,94%; de abrigamento da ofendida e familiares (0,42%), a suspensão da posse ou restrição do porte de armas (0,21%) (CNJ; INSTITUTO AVON; CONSÓRCIO LEI MARIA DA PENHA; CIDADANIA, ESTUDO, PESQUISA, INFORMAÇÃO E AÇÃO, 2023).
Desta análise, realizou-se a pesquisa das distribuições por tribunais, sendo as medidas que obrigam o agressor de aproximação da ofendida, correspondente 50% dos casos no Estado do Paraná.
Também dos dados analisados permitiram-se visualizar que a maioria das pessoas- autoras (vítimas) são do sexo feminino, com idade entre 20-40 anos, e maioria das pessoas rés do sexo masculino da mesma idade. O percentual de decisões favoráveis aos pedidos total ou parcialmente concedidas é relativamente alto, porém revelam incapazes para o monitoramento da implementação da Lei Maria da Penha.
Significa dizer não ser suficiente a previsão legal de medidas protetivas, uma vez que sua eficácia não se relaciona apenas com um número de quantidade de pedidos tramitados pelo Poder Judiciário, tal assertiva é extraído do Datjud que indica um número alto de medidas protetivas deferidas pelo TJPR em 94,96%, com indeferimento de 5,04% somente (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA; INSTITUTO AVON; CONSÓRCIO LEI MARIA DA PENHA; CIDADANIA, ESTUDO, PESQUISA, INFORMAÇÃO E AÇÃO, 2023).
Outro ponto, para a compreensão da (in)eficácia das medidas protetivas extraído do levantamento de dados pelo Poder Judiciário foi a identificação que maior parte dos pedidos e concessão das medidas protetivas de urgência foram realizados em Varas Especializadas, indicando já atingindo dezessete anos da Lei Maria da Penha, a maior parte dos Tribunais Brasileiros não foram instaladas as Varas Especializadas, conforme previsto na Lei.
Outro fator importante do presente estudo foi análise do quesito tempo, ou seja, o prazo da prestação jurisdicional e os fatores que influenciam (MORRE, 2016). Segundo o relatório e análise de medidas protetivas de urgência para a interpretação do fator tempo foi utilizado o método quantitativo estabelecido entre o tempo entre a judicialização de um pedido até sua resolução (PEREIRA, WEMANS, 2018).
Do levantamento de dados e informações colhidas e fornecidas pelos Tribunais, apontou que a análise e as decisões das medidas protetivas não acontecem no prazo estabelecido pela Lei (48 horas), apontando que 30% ultrapassam o prazo.
Existem desafios a serem vencidos e questões que demandam a atenção da sociedade, especialmente no que concerne às lacunas na aplicação eficaz das medidas protetivas. Um dos principais obstáculos reside na inobservância dessas medidas, uma vez que se espera que os agressores acatem as regras estabelecidas, o que nem sempre ocorre. Isso resulta em situações em que as mulheres continuam a sofrer violência doméstica, podendo, em casos mais graves, culminar em feminicídio.
Embora o descumprimento das medidas seja caracterizado como crime, de acordo com o artigo 24-A da mencionada Lei (BRASIL,2006) sujeito a uma pena de detenção que varia de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, esse enfoque isolado nem sempre se revelou suficiente para dissuadir a violência. Isso nos leva a questionar se a punição, por si só, é um caminho eficaz, visto que essas medidas não impedem o agressor de se aproximar da vítima ou de adotar outras táticas prejudiciais à integridade da pessoa protegida, tendo em vista o os casos de reincidência nas práticas delitivas.
Para aprimorar a eficácia das medidas protetivas, é imperativo implementar mecanismos mais rigorosos com impacto positivo. Isso engloba não apenas ações direcionadas aos agressores, mas também a formulação de políticas públicas, para isso a necessidade de uma transparência do Poder Judiciário e uma atuação baseada na perspectiva de gênero.
8 CRÍTICAS AS MEDIDAS PROTETIVAS DO BOTÃO DO PÂNICO VIRTUAL
O Botão do pânico tem como objetivo contribuir para fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência, evitar e coibir que o agressor se aproxime da vítima, diminuir o tempo de resposta e chegada da equipe de segurança, impedindo que a mulher percorra um longo caminho para comunicar o descumprimento da medida judicial e estimular novas denúncias, evitando reincidência e a punição do descumprimento da medida judicial.
O dispositivo de segurança Botão do Pânico foi instituído no Paraná por meio da Lei 18.868/2016, a qual determinou a implementação do dispositivo para idosos e mulheres em situação de violência doméstica e familiar com alguma medida protetiva ou medida de proteção concedida mediante avaliação específica e demais precauções legais (BRASIL, 2016).
Em 2020, o Tribunal de Justiça junto a Assembleia Legislativa, a Secretaria da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf) e a Polícia Militar, com apoio da Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação (Celepar), adotou o botão do pânico virtual por meio do Termo de Cooperação Técnica nº 022/2020, na qual dispõe o público alvo requisitos e finalidades.
Segundo as normas estabelecidas, têm direito a utilização do Botão do Pânico a vítima com mais 18 anos, com parecer favorável da equipe socioassistencial, vítimas de violência recorrente e histórico indicando a urgência para o recebimento.
A ferramenta é liberada para mulheres com medidas protetivas de urgência concedidas e seu funcionamento e acionamento acontece através da Polícia Militar via celular. Por meio deste aplicativo, a polícia acessa a localização do aparelho e presta atendimento de emergência com base nas informações do aplicativo.
No Estado do Paraná, o Botão do Pânico é fornecido por um aplicativo chamado 190PR, que requer o cadastro com detalhes da medida protetiva e permissão de GPS. A vítima pode acioná-lo a qualquer momento, selecionando o nome do agressor que está violando a medida, indicado em vermelho (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2023).
Nesse contexto é visível uma certa problemática, pois o acesso virtual não se dá de maneira igualitária, pois devemos partir da premissa que nem todas as vítimas possuem um aparelho celular ou até mesmo aquelas que possuem e que na maioria das vezes têm retido o objeto por seus agressores; o fato de que algumas vítimas enfrentam dificuldades na compreensão do funcionamento do aplicativo, de como proceder, por falta de suporte e informações claras e suficientes.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do estudo e da pesquisa realizados, podemos concluir que, apesar da criação e vigência da Lei 11.340/2006, e do seu reconhecimento internacionalmente devido as inovações e conquistas no campo jurídico marcada pela luta contra a violência de gênero, a violência trata-se de um grave problema social persistente nos dias atuais, enraizada em um modelo social patriarcal, que por sua vez se reflete no sistema e funcionamento do judiciário e na forma de sua estrutura contribuindo para as desigualdades e perpetuação de violência doméstica.
Outros fatores também contribuem para a perpetuação da violência doméstica como materiais, culturais, ideológicos e relacionados ao exercício de poder. Todos esses fatores interferem na aplicação e eficácia dos mecanismos de proteção, como as medidas protetivas de urgência destinados a proteção das mulheres em situação de violência.
Embora haja um grande número de medidas protetivas solicitadas e deferidas pelo Judiciário, o estudo aponta que essas medidas muitas vezes não atingem seu propósito de proteger a integridade das mulheres. O fato de o descumprimento da medida protetiva ter sido recentemente considerada como crime, também não parecer ter alcançado os objetivos de proteção, principalmente no que diz respeito à proibição do agressor se aproximar da vítima. Isso leva ao questionamento se a punição somente é capaz de resolver o problema da violência e da ineficácia das medidas protetivas.
O estudo identifica falhas e deficiências na atividade jurisdicional, como a ineficácia na produção de dados pelo Poder Judiciário, a falta de cumprimento integral das normas estabelecidas pela Lei, a escassez de Varas Especializadas nos Tribunais brasileiros e a falta de compreensão por parte dos magistrados sobre as circunstâncias que envolvem a violência doméstica que contribuem para a ineficácia das medidas protetivas.
Apesar do alto número de medidas protetivas deferidas, o estudo não oferece uma classificação detalhada dessas medidas, exceto pelo dado de que a proibição do agressor de se aproximar da vítima é uma das mais solicitadas, mas de difícil fiscalização. Além disso, a eficácia do “Botão do Pânico Virtual” como alternativa para a proteção das vítimas permanece incerta, devido à falta de informações sobre sua eficácia e aplicabilidade na prática.
A crítica também se estende ao processo burocrático ao cadastro do Botão do Pânico à necessidade de um aparelho celular, que pode limitar o acesso a muitas vítimas e o fato que o botão será disponível apenas as vítimas com medidas protetivas concedidas e mediante o cadastro no sistema. Nesse ponto, a demora na concessão de medidas protetivas enfraquece a capacidade de proteção oferecida.
Tendo em vista todas essas complexidades e desafios, a problemática da ineficácia das medidas protetivas carecem de respostas definitivas. A falta de transparência e de dados no sistema judiciário dificulta a formulação de estratégias eficazes para combater a violência doméstica e garantir o cumprimento das medidas protetivas.
Uma solução para o enfrentamento da ineficácia das medidas protetivas é o fortalecimento das políticas públicas através das melhorias no sistema de Justiça, com o fornecimento de cursos de capacitação aos profissionais do Judiciários, além de rede de apoio suporte e acolhimento às vítimas mais eficazes com articulação de toda a sociedade civil.
1 LGBTQIA+ se tornou um acrônimo para lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e queer, com um sinal “+” para reconhecer as orientações sexuais ilimitadas e identidades de gênero usadas pelos membros dessa comunidade (CNN, 2023).
REFERÊNCIAS
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