IMPOSTO SELETIVO: UMA ANÁLISE DE SUA APLICAÇÃO SOBRE VEÍCULOS ELÉTRICOS

SELECTIVE TAX: AN ANALYSIS OF ITS APPLICATION TO ELECTRIC VEHICLES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411231313


Beatriz Silva de Carvalho1
José Dias Neto 2
Ricardo Luiz Muniz de Souza Filho 3


Resumo

Este estudo analisa as implicações da implementação do Imposto Seletivo (IS) sobre veículos elétricos no Brasil, no contexto da recente reforma tributária. A pesquisa examina a aparente contradição entre as políticas de incentivo aos veículos elétricos e a proposta de tributação seletiva, considerando os princípios constitucionais e tributários, bem como as políticas públicas existentes. A investigação aborda a contextualização da reforma tributária brasileira e a introdução do Imposto Seletivo, analisando seu impacto potencial na produção, comercialização e aquisição de veículos elétricos. Avalia-se a conformidade do IS com os princípios constitucionais e tributários. O estudo também examina as políticas públicas existentes de incentivo aos veículos elétricos, como isenções de IPVA em diversos estados, e discute a coerência entre a tributação proposta e os objetivos de sustentabilidade ambiental. A metodologia empregada baseia-se em uma abordagem analítica, fundamentada em legislação vigente, doutrina tributária e dados do setor automobilístico com o objetivo de analisar a coerência de sua incidência sobre os veículos elétricos. Os resultados indicam que a implementação do IS sobre veículos elétricos pode gerar consequências significativas para o mercado, potencialmente desestimulando a adoção de tecnologias mais limpas e contradizendo políticas de incentivo existentes. Conclui-se que há necessidade de uma abordagem mais equilibrada, que considere tanto os benefícios ambientais dos veículos elétricos quanto os desafios relacionados à produção e descarte de baterias.

Palavras-chave: Imposto seletivo. Carros elétricos. Incidência.

1.     INTRODUÇÃO

Com o objetivo de simplificar o sistema tributário nacional e oferecer transparência ao contribuinte, após quarenta anos de debates, foi aprovada em 2023 a reforma tributária brasileira. Com ela, novos tributos foram instituídos, dentre eles o Imposto Seletivo, popularmente conhecido como Imposto do Pecado.

O referido tributo visa desestimular o consumo de itens e insumos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, aumentando a alíquota a ser aplicada em bens como cigarros e alimentos industrializados. Dessa forma, o imposto será incluído na base de cálculo dos bens indicados no PLP 68/2024.

Será, ainda, incorporado à base de cálculo dos novos impostos, o Imposto sobre Bens e Serviços – junção ISS e ICMS – e Contribuição sobre Bens e Serviços – antigo PIS e COFINS. Em que pese ter caráter não cumulativo, sua incidência única não possibilitará o aproveitamento de créditos tributários em transações anteriores ou futuras.

Com a previsão de implementação para o ano de 2027, diversos segmentos precisarão se adaptar aos novos regramentos, realizando uma profunda análise de seu funcionamento e produtos, e adotando um planejamento tributário conciso e inovador.

Nesse cenário, encontra-se o setor automobilístico brasileiro, a qual teve um crescimento em 2023, de 1,3% na comercialização de veículos comerciais leves em comparação ao ano de 2022, totalizando 2,204 milhões de unidades, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA)4. De acordo com a citada fonte, os veículos de grande porte tais como caminhões e ônibus, registraram uma queda de 1,9% em 2023, em decorrência das novas exigências ambientais e da flutuação nas exportações, dentre outros fatores.


4 Disponível em: https://anfavea.com.br/site/wp-content/uploads/2024/01/Release_Janeiro.pdf

Não se pode perder de vista, ainda, que conforme os dados do Anuário da Indústria Automobilística Brasileira5, o setor em apreciação, no ano de 2020, empregou direta ou indiretamente, 1,2 milhões de pessoas e movimentou, em 2021, R$ 53,6 bilhões. Além disso, foi responsável pela geração de 85 bilhões em tributos6 no ano de 2021 e teve 2,5% de participação do PIB em 2019. Não à toa é um dos setores alvos da reforma tributária, visto que ligada a sua importância, o volume e a natureza dos materiais utilizados permanecem sendo uma preocupação para especialistas.

O segmento é alvo de duras críticas de ambientalistas. Só o setor de transportes foi responsável pela emissão de 216.887.617 toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) no ano de 2022, conforme informações oriundas do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).7

Com a promessa de um deslocamento verde, surge nesse cenário os carros elétricos, os quais têm como premissa serem mais ecológicos e ambientalmente responsáveis.

Os avanços tecnológicos realizados ao longo do século XX, proporcionaram o refinamento do setor automobilístico com o desenvolvimento da tecnologia utilizada nas baterias, as quais passaram a armazenar um maior volume de energia.

Somado a isso, a crescente preocupação com o desenvolvimento sustentável reavivou a discussão do uso de veículos movidos por propulsão elétrica, os quais haviam sido renegados aos esquecimento desde os anos 1930.

Nesse cenário, os veículos elétricos ressurgem com o objetivo de reduzir a emissão de gases, tornando a locomoção humana ambientalmente responsável, posto que o uso de energias renováveis reduzem a atual dependência dos combustíveis fósseis. Além disso, proporcionam ao usuário uma experiência mais confortável, uma vez que produzem menos ruídos.


5 Disponível em: https://anfavea.com.br/site/wp-content/uploads/2023/04/ANUARIO-ANFAVEA-2023.pdf

6 IPI, PIS/COFINS, ICMS, IPVA

7 Disponível em: https://plataforma.seeg.eco.br/?_gl=1*qb0438*_ga*MTA3NDA1NzY5My4xNzI4MDAyNTgz*_ga_XZW SWEJDWQ*MTcyODAwMjU4Mi4xLjAuMTcyODAwMjU4Mi4wLjAuMA.

Ocorre que, por trás da menor emissão de gases, encontram-se novas problemáticas, tais como a produção e descarte das baterias. Por essa razão, os veículos elétricos viraram alvo do Imposto Seletivo, visto o grande volume de lítio presente naquelas. Assim sendo, junto às inúmeras vantagens, encontram-se discussões primordiais como a destinação dos componentes desses automotores e a crescente demanda por energia elétrica.

A produção automotiva é regada por inúmeras problemáticas, as quais encontram-se no raio de alcance do Imposto Seletivo. Nesse sentido, dispõe a Constituição Federal em seu art. 153, inciso VIII:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: […]

VIII – produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar.

Buscando a redução no consumo, a reforma tributária estipulou uma gama de produtos a serem tributados pela seletividade. Segundo o PLP 68/2024, os veículos automotores terão suas alíquotas definida por lei ordinária a qual levará em consideração a potência do veículo, a eficiência energética, o desempenho estrutural, tecnologias assistivas à direção, a reciclabilidade de materiais, além da pegada de carbono; e da densidade tecnológica.

Ademais, terá base de cálculo variável conforme o valor da venda, valor do arremate, valor de referência na transação não onerosa ou no consumo do bem, além do valor contábil de incorporação do bem ao ativo imobilizado.

Ante os eventuais impactos a serem gerados na cadeia produtiva e ao consumidor final, faz-se necessária uma avaliação do cenário atual brasileiro, no que tange às políticas públicas voltadas aos elétricos, bem como a observação das perspectivas trazidas com a reforma tributária.

Nesse sentido, o presente parecer jurídico tem como objetivo analisar as consequências da incidência do novo imposto na produção e comercialização dos veículos elétricos, perpassando os possíveis desestímulos e consequências da aplicação do imposto do pecado.

Assim, tem como objetivos específicos a) analisar se a aplicação do IS aos veículos elétricos, obedece aos princípios constitucionais e tributários; b) verificar se a aplicação do imposto seletivo em carros elétricos está em consonância com outras políticas públicas, tais como subsídios e incentivos fiscais.

2.     A EXTRAFISCALIDADE TRIBUTÁRIA E SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCENTIVO AOS NOVOS MODAIS DE TRANSPORTE

Conforme dispõe o art. 3º do Código Tributário Nacional, tributo é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Por meio dos tributos, os agentes estatais, seguindo os parâmetros estabelecidos por lei, recolhem dos contribuintes, sujeitos obrigados a seu pagamento, os valores necessários ao funcionamento do Estado.

Tal definição muito se alinha à função arrecadatória da tributação a qual é responsável pela manutenção do estado. Entretanto, outro caráter crucial no estudo do direito tributário está relacionado ao seu viés extrafiscal, o qual está voltado à atender os objetivos econômicos e sociais de um estado.

Para a manutenção do Estado, se faz necessária a arrecadação de recursos financeiros, aí surgindo a figura dos tributos. Nesse desiderato, quando se fala em tais figuras, que servem à transferência de recursos da esfera privada à pública, tem-se a noção do que seja a fiscalidade. Por outro lado, o Estado pode atuar de forma a impor regramentos ou induzir os agentes a determinados comportamentos, nesse caso, inclusive por meio da tributação. Assim, não se fala apenas no fim da arrecadação de recursos, próprio da fiscalidade, mas sim da própria regulação, daí porque o uso corrente da expressão extrafiscalidade, ressaltando-se a importância de se examinar corretamente o regime jurídico das normas que veiculam tributos, seja com natureza própria da fiscalidade, seja para a função reguladora, extrafiscal, na linguagem corrente. Destarte, infere-se também a distinção entre os poderes de regular e de tributar. (Elali, 2006)

Nessa esteira, pode-se afirmar que a extrafiscalidade é instrumento de controle social ante sua capacidade de influenciar ou desestimular comportamentos.

[…] a função extrafiscal é a função instrumental do tributo para a intervenção indutora do Estado sobre a economia, por meio de recomendação ao contribuinte, induzindo-o a adotar determinadas condutas mediante benefício econômico proporcionado pela norma jurídica. (Sousa Filho, 2019, p. 357),

Nesse viés, a extrafiscalidade tem caráter fundamental na análise das políticas públicas voltadas ao mercado de automotores elétricos. Isso porque, tem a capacidade de estimular ou restringir a aquisição desses modais de transporte, refletindo, diretamente, em políticas voltadas à proteção do meio ambiente.

3.     FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A análise do presente caso exige a interpretação do sistema tributário nacional, considerando três marcos principais: a Constituição Federal de 1988, o Código Tributário Nacional e as legislações estaduais referentes à isenção do IPVA para carros elétricos.

Primeiramente, a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 153, inciso III, a competência da União para a instituição de Imposto Seletivo, o qual incidirá, conforme texto legal, sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar. Sendo esmiuçado no parágrafo 6º do citado dispositivo.

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

VIII – produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar.

§ 6º O imposto previsto no inciso VIII do caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

  1. – não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  2. – incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  3. – não integrará sua própria base de cálculo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  4. – integrará a base de cálculo dos tributos previstos nos arts. 155, II, 156, III, 156-A e 195, V; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  5. – poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  6. – terá suas alíquotas fixadas em lei ordinária, podendo ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  7. – na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% (um por cento) do valor de mercado do produto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

A Carta Magna apresenta, ainda, em seu art. 155, inciso III, a competência dos estados e do Distrito Federal para instituir o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), detalhando as particularidades do imposto em seu art. 155, § 6º.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: III – propriedade de veículos automotores.

§ 6º O imposto previsto no inciso III: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

  1. – terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
  2. – poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  3. – incidirá sobre a propriedade de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, excetuados: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  1. aeronaves agrícolas e de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  2. embarcações de pessoa jurídica que detenha outorga para prestar serviços de transporte aquaviário ou de pessoa física ou jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  3. plataformas suscetíveis de se locomoverem na água por meios próprios, inclusive aquelas cuja finalidade principal seja a exploração de atividades econômicas em águas territoriais e na zona econômica exclusiva e embarcações que tenham essa mesma finalidade principal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
  4. tratores e máquinas agrícolas

Os estados, por meio de legislações específicas, têm concedido isenção de IPVA aos carros elétricos como forma de incentivar a utilização de veículos que não emitem gases poluentes, promovendo, assim, políticas públicas voltadas para a sustentabilidade. Além disso, vêm firmando parcerias público-privadas com o objetivo de ampliar a rede de abastecimento elétrico.

Nessa temática, encontra-se a Lei nº 14.902/2024, a qual institui o Programa Mover. A referida legislação, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, tem como premissa o estímulo aos investimentos de novas tecnologias e incentivo à descarbonização da frota automotiva brasileira.

A norma em apreço tem como uma de suas diretrizes a promoção do uso de combustíveis de baixo teor de carbono e de formas alternativas de propulsão. Além de dispor sobre as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre a mobilidade sustentável e os requisitos para enquadramento de veículos nos critérios de sustentabilidade.

Art. 9º Com vistas a uma tributação destinada à sustentabilidade da mobilidade e logística do País, o Poder Executivo federal definirá as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de acordo com os atributos dos veículos de que trata o art. 2º desta Lei.    (Produção de efeitos)

§ 1º Para fins do disposto no caput deste artigo, será utilizada metodologia de bônus e malus, de acordo com as externalidades negativas ou positivas dos veículos.

§ 2º No caso dos veículos que atendam a requisitos específicos, regulamento estabelecerá as alíquotas, que terão, no mínimo, a seguinte diferenciação:

  1. – 2 (dois) pontos percentuais em relação ao requisito de eficiência energética, considerado como parâmetro o ciclo do tanque à roda
  2. – 1 (um) ponto percentual em relação ao requisito de desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção; e
  3. – 2 (dois) pontos percentuais em relação ao requisito de reciclabilidade, a partir de 1º de janeiro de 2025.

§ 3º Além dos requisitos estabelecidos no art. 2º desta Lei, serão também considerados na tributação de que trata o caput deste artigo os seguintes atributos dos produtos:

I – fonte de energia e tecnologia de propulsão; II – potência do veículo; e

III – pegada de carbono do produto, na forma do disposto no § 4º do art. 2º deste artigo.

Art. 11. As empresas com ato de registro dos compromissos de que trata o § 2º do art. 2º desta Lei poderão requerer ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços registro de versão sustentável de cada marca e modelo, que atenda a critérios de sustentabilidade ambiental, social e econômica. (Produção de efeitos)

§ 1º Será considerado sustentável o automóvel ou veículo comercial leve que atender aos critérios específicos relativos a:

  1. – emissão de dióxido de carbono (eficiência energético-ambiental), considerado o ciclo do poço à roda;
  2. – reciclabilidade veicular;
  3. – realização de etapas fabris no País; e IV – categoria do veículo.

Além dela, diversos outros regramentos dispõem sobre os veículos elétricos no Brasil, tais como o Decreto nº 11.158/2022 e a Lei nº 13.755/2018.

Por outro lado, a Emenda Constitucional 132/2023 introduz a possibilidade de criação de um imposto seletivo federal sobre bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente. Entre esses bens, os carros elétricos estão incluídos, devido aos impactos negativos que a produção de seus componentes, utilização e descarte causam ao meio ambiente.

A aplicação de tributação ambiental pode:

[…] contribuir para a redução dos conflitos entre crescimento econômico e proteção do meio ambiente, atuando com o objetivo de prevenir, atacar, eliminar e/ou reduzir comportamentos, bem como desencorajar comportamentos futuros, incentivando iniciativas mais sustentáveis por parte da sociedade. (Gomes, 2021, p. 186)

Ao tratar sobre o princípio da proteção ao meio ambiente, Hugo de Brito Machado dispõe em sua obra (2024, p. 53):

[…] devem-se evitar os efeitos colaterais não propositais de uma legislação que dê ao tributo função fiscal, mas que termine por desestimular práticas favoráveis ao meio ambiente, como se deu quando Estados pretenderam tributar de modo mais oneroso a microgeração de energia solar, pretendendo a incidência do ICMS mesmo quando se tratava de energia gerada para consumo próprio, ou quando negam o crédito de tributos não cumulativos, quando em vez de matéria prima extraída da natureza os fabricantes fazem uso de insumos obtidos com reciclagem.

Tal raciocínio pode ser utilizado no estudo da incidência do IS sobre carros elétricos, uma vez que sua aplicação pode ter como efeito colateral o desestímulo ao novo modal de transporte, o qual muito embora não seja totalmente reciclável ou inofensivo ao meio ambiente, possui inúmeras vantagens se comparado com os veículos tradicionais

A doutrina tributária ressalta a importância da harmonia entre as políticas fiscais e ambientais. O incentivo à sustentabilidade, por meio da isenção de impostos, deve estar alinhado com os mecanismos de tributação que visam

encorajar práticas, bem como com os que objetivam penalizar produtos, práticas ou processos ambientalmente nocivos. A falta de coesão entre políticas públicas acarreta insegurança jurídica e compromete o alcance aos objetivos ambientais estabelecidos .

4.     A CARGA TRIBUTÁRIA DO SISTEMA BRASILEIRO SOBRE VEÍCULOS ELÉTRICOS

Antes da vigência das modificações trazidas pela reforma tributária incidiam sobre a produção, aquisição e manutenção de veículos os seguintes tributos: Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

4.1  Dos Tributos Diretos

Entende-se por diretos os tributos suportados diretamente pelos contribuintes e incidente sobre a renda ou patrimônio, não havendo a intervenção de um terceiro para seu pagamento. Nesse sentido:

A classificação dos tributos, especialmente dos impostos, segundo o binômio diretos/indiretos atingiu seu ápice no século XIX […] Segundo o critério da translação econômica, direto seria o imposto cuja incidência atingisse (de modo direto) aquele contribuinte definido pelo legislador como sujeito passivo da obrigação tributária […] O critério técnico surgiu na França, tendo como expoente máximo Trotabas. De acordo com este critério, seriam diretos os impostos incidentes sobre fatos registráveis em cadastros ou registros. […] O critério financeiro, por sua vez, toma em consideração o fluxo circular de riquezas apresentado no Capítulo I, sendo indiretos os tributos que incidem sobre a renda consumida e diretos os demais (sobre renda produzida, distribuída ou poupada). (Schoueri, 2024, p. 149)

No caso em apreço, podemos considerar que no ato de aquisição de um veículo elétrico o consumidor final pagará, diretamente, IPVA, vez que é o responsável pelo fato gerador, não havendo inserção de seu valor por um terceiro, no preço final do produto.

4.2  Dos Tributos Indiretos

Por seu turno, os tributos indiretos podem ser definidos como aqueles incidentes sobre o consumo ou serviço, sendo repassado ao consumidor final no ato da venda. Nesse sentir:

[…] indireto seria aquele cuja incidência, devido ao fenômeno da translação, onerasse economicamente alguém diverso do sujeito passivo legalmente definido, passando a ser aquele (isto é, aquele a quem a incidência econômica fora transferida) o contribuinte “de facto” na relação jurídico-tributária. […] O critério técnico surgiu na França, tendo como expoente máximo Trotabas […] Indiretos seriam os com incidência jurídica sobre fatos imprevisíveis. Esse critério evoluiu para o administrativo, que classificava os impostos em diretos ou indiretos, de acordo com a competência do órgão arrecadador. […] O critério financeiro, por sua vez, toma em consideração o fluxo circular de riquezas apresentado no Capítulo I, sendo indiretos os tributos que incidem sobre a renda consumida […] (Schoueri, 2024, p. 149)

Dessa forma, tem-se como tributos indiretos sobre os automotores, o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), ficando o consumidor atrelado, ainda, ao pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), os quais terão variação em suas alíquotas conforme o tipo de propulsão. Isso porque, ao comprar o bem, o consumidor final sofre repasse dos referidos tributos no ato da compra.

Assim, a incidência econômica de um tributo acabará, muitas vezes, por recair no todo ou em parte no comprador, posto o repasse do ônus que será realizado a este pelos demais membros da cadeia produtiva.

De forma didática, Barreto (2019, p. 06-07) explica o fenômeno da repercussão econômica:

A repercussão econômica do tributo pode ser entendida como a transferência da carga tributária a ser suportada pelo contribuinte de direito (de jure) para o contribuinte de fato (de facto). Somente quando o contribuinte de fato (de facto) arca com o ônus tributário é que se opera a incidência econômica do tributo […] O fenômeno da translação, em linhas gerais, repassa o ônus tributário através da formação do preço, podendo ser instrumentalizada por uma simples operação de venda, em que o fabricante (contribuinte de jure) recolhe o ICMS sobre o produto a ser consumido e acrescenta a quantia paga ao preço da mercadoria, devendo o consumidor (contribuinte de facto) reembolsá-lo ao pagar pelo produto.

Tal pensamento é corroborado pelos ensinamento de Shoeuri em sua obra Direito Tributário (2024):

As conclusões sobre incidência econômica tributária também afastam discussões sobre a chamada “tributação indireta”. Seriam indiretos os tributos cuja incidência jurídica recaísse sobre uma pessoa (o chamado contribuinte de jure), mas sua incidência econômica fosse transferida para uma terceira pessoa (o contribuinte de facto). Como visto, a transferência do ônus tributário nos tributos sobre vendedores ou sobre compradores é fator que depende da elasticidade da oferta e da demanda, não sendo correto afirmar que determinado tributo é transferido, enquanto outro não o é. Mesmo um tributo dito “direto”, como seria o Imposto de Renda das pessoas jurídicas, também afetará, ou não, os preços da pessoa jurídica (e portanto será “repassado”) conforme as condições do mercado, sendo possível que o “repasse” se dê para trás, quando a pessoa jurídica, em virtude do Imposto de Renda, se vê obrigada a reduzir os custos de seus fatores de produção, impondo a seus fornecedores (inclusive de mão de obra) a redução de seus preços. (Schoueri, 2024, p. 44)

Dessa forma, o consumidor final, no ato de aquisição de um veículo fica atrelado ao pagamento dos tributos diretos, bem como dos tributos indiretos a incidir no ato da compra, fabricação e comercialização do automotor, os quais terão variação em seus preços conforme o tipo de propulsão, cilindrada, ou a alíquota adotada pelo ente federado, no caso dos tributos estaduais, dentre outros. Daí a importância de políticas públicas coerentes a fim de oferecer segurança mercadológica na aquisição de bens duráveis, posto a já pesada carga tributária.

4.3  Impostos Sobre Propriedade de Veículos Automotores

Não se pode esquecer, ainda, que sobre veículos incide o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) o qual tem função predominantemente fiscal, não deixando de lado, porém, a possibilidade de tratar de maneira heterogênea os veículos.

O IPVA – como é conhecido esse imposto – tem função predominantemente fiscal. Foi criado para melhorar a arrecadação dos Estados e Municípios. Tem, todavia, função extrafiscal, quando discrimina, por exemplo, em função do combustível utilizado. (Machado, 2024, p. 416)

Tal distinção fica clara no tratamento dado por muitos estados aos veículos elétricos, fornecendo-lhes isenção e estimulando a aquisição dos modais movidos a energia.

4.4  Alterações realizadas pela Emenda Constitucional 132/2023

Com as modificações inseridas pela reforma, temos a aplicação de um novo tributo a incidir sobre o estudado bem, o Imposto Seletivo. Sua incidência variará conforme o nível poluidor dos veículos, o grau de reciclabilidade de materiais e o volume da pegada de carbono produzida, dentre outros.

Acerca do imposto seletivo (Schoueri, 2024):

Comumente chamado de “imposto sobre o pecado” (sin tax), o imposto seletivo tem como fito desestimular determinados comportamentos, como o consumo de açúcares e gorduras. Para tanto, requer-se, para além do efeito estimulante, uma verdadeira vocação à indução. Logo, a incidência do imposto seletivo deve relacionar-se com o efeito regulador do tributo, de modo que ao fator arrecadatório é conferida importância secundária. Ao mesmo tempo, fica claro que a seletividade, aqui, não se faz em função da essencialidade do produto; o critério constitucional é distinto. Caberá ao legislador complementar identificar os produtos que tenham os efeitos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente e, a partir de tal ponderação, escolher aqueles sujeitos à incidência.

As alíquotas aplicadas devem ser definidas por Lei Ordinária a ser editada pelo Senado Federal. Ainda não é possível definir a porcentagem a ser adotada, mas conforme estudo realizado pela Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), espera-se que com a incidência do IS a carga tributária incidente sobre os veículos elétricos varie entre 30% e pouco mais de 34%.

Conforme explicitado anteriormente, seu cálculo incidirá sobre dois novos tributos, o Imposto sobre Bens e Serviços e a Contribuição sobre Bens e Serviços. Como ocorre com o IS, tais tributos aguardam a definição de suas alíquotas. Entretanto, estima-se que a somatória do IBS e CBS não ultrapassará 26,5%.

Dessa forma, pode-se afirmar que com a reforma, incidirão impostos diretos e indiretos sobre os automotores, sendo eles o imposto seletivo, IPVA, IBS e CBS, tendo os dois últimos incidência gradativa até sua implementação total em 2033, iniciando com uma alíquota respectiva de 0,1% e 0,9% a ser compensada com o montante destinado ao PIS e a COFINS, as quais terão crescimento gradual até a incidência definitiva da alíquota de 100%. Ante a atual inexistência das alíquotas definitivas dos tributos oriundos das modificações do sistema tributário, não é possível estabelecer com exatidão o novo encargo financeiro para fabricação, aquisição e manutenção de veículos automotores. Entretanto, uma vez definidas as alíquotas, permanecerá existindo a variabilidade na carga tributária, posto as variações das porcentagem de IPVA adotadas pelos estados, bem como em razão da existência de isenção dada por alguns entes federados.

5.  OS   DESAFIOS   NA   HARMONIZAÇÃO   DA   CARGA    TRIBUTÁRIA INCIDENTE SOBRE VEÍCULOS ELÉTRICOS

Nessa esteira, considerando a possível carga tributária a recair sobre os carros elétricos após a aplicação do IS, vigora uma aparente contradição no sistema tributário nacional a impactar nos princípios norteadores desse ramo do direito e, consequentemente, na capacidade aquisitiva do contribuinte, vez que vigerão em um mesmo sistema tributário normas incentivadoras e desestimuladoras que recaem sobre um mesmo bem.

No Brasil, dos 26 estados e Distrito Federal, 11 atualmente contam com fomentos fiscais para beneficiar os adquirentes da frota verde.

Quadro 1 – Panorama Estadual de Isenção e Alíquotas de IPVA para Veículos Elétricos e Híbridos

EstadoCondições de Isenção de IPVAFonte
  AlagoasModelos elétricos e híbridos são isentos no primeiro ano. Nos anos seguintes: elétricos pagam 0,5% no 2º ano e 1% no 3º ano; híbridos pagam 0,75% no 2º ano e 1,5% a partir do 3º.  Lei nº 9093/2023
Distrito FederalIsenção de 100% para carros elétricos e híbridos.Lei n° 6.466/2019
  PernambucoIsenção apenas para carros 100% elétricos, não incluindo os híbridos. Benefício automático se o proprietário não tiver débitos de IPVA.  Lei nº 18.305/2023
    Rio de JaneiroNão possui isenção mas possui política de redução de 4% para 0,5% para elétricos. Carros híbridos têm alíquota de 1,5%. Veículos a gás natural também têm alíquota reduzida.    Lei nº 2.877/1997
  Rio Grande do SulIsenção para carros elétricos. Híbridos e movidos a gás natural não são isentos, com alíquota de 3%.  Lei nº 8.115/1985
  São PauloNão há incentivo estadual. Na capital, restituição de 50% do IPVA e isenção do rodízio municipal para elétricos e híbridos.  Decreto nº 61.819/ 2022
MaranhãoIsenção para veículos elétricos Os carros híbridos suportam alíquota de 2,5%.Lei nº 5.594/1992
Mato Grosso do SulDesconto de até 40% para carros a álcool, 70% para elétricos e 100% para GNV.Lei nº 6.074/2023
  BahiaIsenção para elétricos com valor de mercado até R$ 300.000,00, em compromisso com práticas sustentáveis.  Lei nº 14.638/2023
  CearáAlíquota para 0,5% sobre carros elétricos, sendo aumentada nos exercícios subsequentes  Lei nº 16.023/1992
    Rio Grande do NorteIsenção total para elétricos e híbridos.   *Atualmente tramita no legislativo proposta para extinguir o benefício    Lei nº 6.967/1996

Fonte: Elaboração dos autores

O sistema tributário deve ser de fácil compreensão, tanto para quem paga quanto para quem arrecada. Entretanto, observamos uma contradição: enquanto vários Estados isentam os carros elétricos do IPVA devido ao seu menor impacto ambiental, o Governo Federal decide instituir a cobrança do Imposto Seletivo (IS), argumentando que as baterias são prejudiciais ao meio ambiente.

Além disso, tratando-se de ICMS, as alíquotas podem variar de acordo com o regramento de cada estado, posto que cada ente detém autonomia para definir suas alíquotas e condições de tributação. Nesse sentido, uma análise das normas estaduais que regem o mencionado tributo revela que as alíquotas incidentes sobre veículos tradicionais variam entre 10% e 25%. No que tange, especificamente, aos elétricos, nota-se a existência de alíquota específica para os referidos meios de transporte nos estados de Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná.

Essa situação confunde o contribuinte, que não consegue entender se está sendo incentivado ou penalizado pelas políticas públicas adotadas pelo governo. Além disso, a insegurança jurídica gerada por essa duplicidade vai contra a simplicidade que o sistema tributário deveria garantir.

A reforma tributária inseriu no mundo principiológico do direito tributário quatro novos princípios, quais sejam: transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente.

A transparência exige que os motivos e a destinação dos tributos sejam claros. No caso do IS sobre veículos elétricos, o argumento é que as baterias têm um impacto ambiental negativo. No entanto, não se encontra explícito como essa tributação ajudaria a mitigar os impactos ambientais negativos ou como promoveria o desenvolvimento de soluções mais sustentáveis.

A falta de informações detalhadas para justificar a cobrança vai contra o princípio da princípio da transparência, pois sem a existência de estudos detalhados sobre as consequências do aumento da frota elétrica no Brasil, há uma nebulosidade na compreensão do contribuinte sobre os motivos ensejadores do desestímulo, posto que até pouco tempo os modais elétricos eram visto com entusiasmo e sendo alvo de inúmeros incentivos, tais como às isenções.

O princípio da Justiça Tributária busca tratar de forma desigual aqueles que estão em situações desiguais. Em outras palavras, quem polui mais, paga mais, e quem polui menos, paga menos. Os veículos elétricos são, em sua essência, menos poluentes que os movidos a combustíveis fósseis, o que justifica a isenção de IPVA por alguns estados. No entanto, ao estabelecer a cobrança do IS, o Governo Federal parece ignorar essa vantagem ambiental, tratando os veículos elétricos de forma igual ou até pior que os convencionais. Desrespeitando, assim, o princípio da justiça tributária, penalizando uma tecnologia que deveria ser incentivada por seus benefícios ambientais.

A cooperação, conforme estabelecido pela Emenda Constitucional nº 132/2023, sugere que os diferentes níveis de governo devem trabalhar juntos para criar políticas fiscais coerentes. Contudo, o que vemos é o oposto: enquanto alguns estados incentivam o uso de veículos elétricos com a isenção do IPVA, o ente federal institui um imposto que desincentiva a aquisição desses veículos. Essa desconexão entre as políticas estaduais e federais prejudica o contribuinte e compromete a defesa do meio ambiente.

A defesa do meio ambiente é um dos pilares que deve orientar o sistema tributário, especialmente após a inclusão desse princípio na Constituição pela Emenda nº 132/2023. Embora as baterias dos veículos elétricos apresentem um impacto ambiental, esses veículos, em geral, são mais benéficos para o meio ambiente em comparação com os carros tradicionais. Ao tributar esses veículos, o Governo Federal ignora os ganhos ambientais que eles proporcionam, o que vai na contramão de uma política tributária tendente a promover a proteção ambiental e o incentivo ao uso de tecnologias limpas.

A unidade do sistema jurídico é essencial para evitar insegurança jurídica e garantir que os cidadãos compreendam de maneira clara e precisa seus direitos e deveres. Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, destaca que o sistema jurídico deve ser organizado de forma hierárquica e integrada, assegurando a estabilidade e a previsibilidade do direito. Para Kelsen, a coerência entre as normas jurídicas é fundamental, pois evita contradições que possam enfraquecer a segurança jurídica e desestabilizar o sistema (Kelsen, 2021).

No contexto brasileiro, a Emenda Constitucional nº 132/2023 incorpora os princípios de justiça tributária e defesa do meio ambiente como norteadores do sistema tributário. Entretanto, a coexistência de políticas estaduais de isenção e de uma tributação seletiva federal sobre veículos elétricos evidencia uma desconexão que compromete esses princípios e dificulta o desenvolvimento de políticas públicas coerentes e sustentáveis.

Esse desalinhamento entre normas federais e estaduais, como ocorre no caso da tributação de veículos elétricos, representa uma falta de unidade que pode comprometer a segurança jurídica. Dessa forma, a necessidade de um ordenamento jurídico coeso e harmônico é essencial para assegurar a justiça e a previsibilidade, promovendo tanto a confiança do cidadão quanto a estabilidade no setor automotivo.

6.  CONCLUSÕES

Com a aproximação da vigência do Imposto Seletivo Federal no Brasil, surge uma série de debates sobre os impactos ambientais dos veículos elétricos e os impactos econômicos gerados pela incidência do IS sobre os referidos modais.

Ao longo deste trabalho, tentou-se avaliar a convergência da incidência do imposto seletivo com os princípios tributários e com as atuais políticas públicas voltadas ao mercado elétrico.

Verificou-se que embora tenham sido criados uma série de estímulos, nos últimos anos, à produção e aquisição dos automóveis movidos a combustão elétrica, a criação do IS e a presença dos veículos elétricos como um dos itens a sofrer sua incidência, tende a mudar o cenário dessa tecnologia no país.

Isso porque, contrariando a ideia que até então vinha sendo repassada ao mercado, o imposto seletivo, passa a considerar os elétricos como itens prejudiciais ao meio ambiente, promovendo uma reviravolta nas políticas públicas adotadas até então e afetando o sistema tributário nacional que vê diversos de seus princípios serem desrespeitados.

Nesse contexto, observa-se uma aparente contradição: por um lado, vige no país diversos incentivos ao mercado elétrico, tais como a concessão, pelos estados, de isenção de IPVA aos carros elétricos como forma de promover a mobilidade sustentável, além da criação de programas e benefícios fiscais, em razão da ausência de emissão de poluentes durante a utilização do motor elétrico.

Por outro lado, a União, por meio do imposto seletivo federal, busca tributar esses mesmos veículos, fundamentada nos danos ambientais relacionados aos seus componentes.

Tal contradição traz à tona uma incoerência nas políticas públicas tributárias. Enquanto se incentiva o uso de veículos elétricos por sua característica de “energia verde”, por outro lado, penaliza-se a utilização de um de seus principais componentes, as baterias.

A proposta de tributar os carros elétricos pelo Imposto Seletivo evidencia o desalinhamento entre os objetivos da reforma tributária e os princípios estabelecidos pela Emenda Constitucional nº 132/2023, que determinam que o Sistema Tributário Nacional deve observar a simplicidade, a transparência, a justiça tributária, a cooperação e, especialmente, a defesa do meio ambiente. Considerando que os veículos elétricos são uma alternativa mais sustentável aos automóveis movidos por combustíveis fósseis, a inclusão desses veículos na tributação pelo IS desconsidera seus benefícios ambientais. Essa abordagem cria um desincentivo ao uso de tecnologias limpas e contraria o princípio da defesa do meio ambiente.

Além disso, a tributação proposta se mostra divergente se observadas as políticas públicas existentes, como subsídios e isenções fiscais, que visam incentivar o uso de veículos elétricos e a infraestrutura de recarga elétrica. Essas políticas são fundamentais para promover a transição para uma economia de baixo carbono e para o cumprimento das metas de sustentabilidade.

A criação do Imposto Seletivo sobre esses veículos gera insegurança regulatória e contradiz o próprio objetivo de simplificar e promover justiça no sistema tributário. Ao penalizar economicamente uma solução que deveria ser incentivada, a tributação enfraquece os esforços nacionais de redução de emissões e sustentabilidade ambiental, comprometendo o desenvolvimento do mercado de veículos elétricos no país.

Dessa forma, verifica-se que o melhor caminho, diante do cenário atual de desenvolvimento tecnológico e crescente preocupação ambiental, seria a não incidência do imposto seletivo sobre veículos movidos a energia elétrica, posto serem mais sustentáveis, em comparação com os meios de transporte tradicionais.

Muito embora não possam ser enquadrados como inofensivos, certamente se apresentam como um grande avanço em termos tecnológicos e ambientais. Ademais, os constantes estudos e a busca por soluções ecológicas tendem a diminuir os impactos ambientais gerados pelos elétricos, tornando a experiência de se locomover cada vez mais responsável.

REFERÊNCIAS

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1 Bacharel em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Discente do Curso de Direito pela Universidade Potiguar. E-mail: beatriz.carvalho97@hotmail.com

2 Discente do Curso de Direito pela Universidade Potiguar. E-mail: josediasneto19@gmail.com

3 Mestre em Constituição e Garantia de Direitos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Bacharel em Direito pela UFRN. Advogado. Docente do Curso Superior de Direito da Universidade Potiguar. E-mail: ricardo.l.filho@animaeducacao.com.br