IMPACTOS DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA NA DESIGUALDADE SOCIAL

IMPACTS OF THE SOCIAL SECURITY REFORM ON SOCIAL INEQUALITY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411071112


João Henrique da Costa e Silva1
Orientador: Prof. Me. Marcelo Grangeiro de Mattos2


RESUMO

Este Artigo tem como objetivo destacar as consequências negativas acarretadas na vida dos trabalhadores e futuros aposentados no Brasil por meio da reforma da previdência, a partir de uma análise da desigualdade social. A metodologia deste estudo de revisão de literatura ocorreu através de uma junta documental e literária dos últimos cinco anos (2020 – 2024), Leis, Decretos (exceto para Leis e obras de grande relevância acadêmica) em bases de dados multidisciplinares como SciELO e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD e repositórios da Universidade do Estado de Sāo Paulo – USP e Universidade Federal do Amazonas – UFAM.  A coleta de documentos digitais ocorreu através de documentos dos tipos Artigos, Teses de Doutorado, Dissertações e revistas eletrônicas da literatura vigente. Através dos estudos, compreende-se que a desigualdade social no Brasil aumentará como consequência da reforma da previdência. Assim, a fim de garantir um sistema mais sustentável, as desigualdades sociais devem ser colocadas no centro do debate, embasando-se no princípio fundamental do sistema de pensões de velhice: a garantia do bem-estar das pessoas que atingiram a velhice após uma vida inteira de trabalho, estabelecendo desta forma um sistema de pensões justo e inclusivo.

Palavras-chave: Impactos. Velhice. Previdência Social. Desigualdade.

ABSTRACT

This article aims to highlight the negative consequences caused in the lives of workers and future retirees in Brazil through the social security reform, based on an analysis of social inequality. The methodology of this literature review study took place through a documentary and literary board of the last five years (2020 – 2024), Laws, Decrees (except for Laws and works of great academic relevance) in multidisciplinary databases such as SciELO and the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations – BDTD and repositories of the State University of São Paulo – USP and the Federal University of Amazonas – UFAM.  The collection of digital documents occurred through documents of the types Articles, Doctoral Theses, Dissertations and electronic journals of the current literature. Through the studies, it is understood that social inequality in Brazil will increase as a consequence of the pension reform. Thus, in order to ensure a more sustainable system, social inequalities must be placed at the center of the debate, based on the fundamental principle of the old-age pension system: the  guarantee of the well-being of people who have reached old age after a lifetime of work, thus establishing a fair and inclusive pension system.

Keywords: Impacts. Oldness. Social security. Inequality.

1. INTRODUÇĀO

A reforma previdenciária foi elencada pela PEC nº 06/2019 e promulgada pela emenda nº103 de 2019, e trouxe a modificação do parágrafo 7º artigo 201 da Constituição Federal que trata da aposentadoria por tempo de contribuição. A reforma previdenciária possui um impacto significativo financeiro na vida de toda a população brasileira, especialmente da população mais velha.

O governo brasileiro propôs reformar o sistema de seguridade social do país por meio da reforma da Previdência, no qual teve que ser aprovado através da maioria absoluta nas duas casas do Congresso Nacional ao alterar a Constituição do país. A reforma, portanto, foi feita para lidar com o rápido envelhecimento da população brasileira e o enorme déficit do sistema previdenciário, que foi de mais de R$ 194 bilhões em 2018 (Cunha, 2019).

A partir desta perspectiva, é visível o alto crescimento na expectativa de vida da população brasileira, o que acarreta em uma população idosa. Como resultado, o ocorrido trouxe um déficit significativo nas contribuições previdenciárias, pois o país necessita de uma população jovem que contribua com a mesma proporção da população idosa do país para trabalhar e contribuir para o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, mantendo assim o giro de fundos.

No entanto, é evidente que, apesar dos avanços na expectativa de vida, não pode-se garantir atualmente que nossos idosos vivam uma qualidade de vida favorável. Tais percepções demonstram a importância e a necessidade do benefício da aposentadoria para garantir o básico para se viver. De acordo com o artigo 8o da Lei no 10.741 de 2003, o envelhecimento como direito personalíssimo é fundamental para proteger a dignidade das pessoas idosas e garantir igualdade no país. 

Assim, este Artigo tem como objetivo destacar as consequências negativas acarretadas na vida dos trabalhadores e futuros aposentados no Brasil por meio da reforma da previdência, a partir de uma análise da desigualdade social e de histórica da construção do sistema de proteção social brasileiro, no qual inclui a previdência social, destacando seus pontos principais que demarcaram o seu surgimento e posterior desenvolvimento.

Além disso, este estudo de revisão também procura analisar a constitucionalidade da referida reforma, fato importante para a compreensão dos princípios vigentes do ordenamento jurídico e sua aplicabilidade diante do problema, findando uma análise crítica quanto ao aumento da desigualdade social e da grande instabilidade financeira causada pela reforma, onde os impactos serão devastadores.

2. PREVIDÊNCIA SOCIAL

2.1 Período Pré-Previdência

Todos os povos ao longo de toda a história humana enfrentaram as incertezas causadas pelo desemprego, doença, deficiência, morte e velhice. No domínio da economia, essas facetas inevitáveis da vida são uma ameaça à segurança econômica de alguém. Para os antigos gregos, a segurança econômica tomou a forma de ânforas de azeite (De Lima; Konrad, 2020).

O azeite era muito nutritivo e podia ser armazenado por períodos relativamente longos. Para se sustentar em tempos de necessidade, os gregos estocavam azeite e essa era sua forma de segurança econômica. Na Europa, o sistema feudal era a base da segurança econômica, com o senhor feudal responsável pela sobrevivência econômica dos servos trabalhando na propriedade (Tafner, 2023).

O senhor feudal tinha segurança econômica enquanto houvesse um suprimento constante de servos para trabalhar na propriedade, e os servos tinham segurança econômica apenas enquanto estivessem aptos o suficiente para fornecer seu trabalho. Durante a Idade Média, a ideia de caridade como um acordo econômico formal também apareceu pela primeira vez (De Lima; Konrad, 2020).

Assim, membros da família e parentes sempre sentiram algum grau de responsabilidade uns com os outros e, na medida em que a família tinha recursos para recorrer, isso era muitas vezes uma fonte de segurança econômica, especialmente para os idosos ou enfermos. E a própria terra era uma importante forma de segurança econômica para aqueles que a possuíam ou que viviam em fazendas (Tafner, 2023).

2.1.1 Formalização dos Sistemas de Segurança Econômica

À medida que as sociedades cresciam em complexidade econômica e social, e à medida que fazendas isoladas davam cem a cidades e aldeias, a Europa testemunhou o desenvolvimento de organizações formais de vários tipos que buscavam proteger a segurança econômica de seus membros (Oliveira; Da Mata, 2020).

Provavelmente as primeiras dessas organizações foram guildas formadas durante a Idade Média por comerciantes ou artesãos. Indivíduos que tinham um comércio ou negócio comum se uniram em sociedades de ajuda mútua ou guildas. Essas guildas regulavam a produção e o emprego e também forneciam uma série de benefícios aos seus membros, incluindo ajuda financeira em tempos de pobreza ou doença e contribuições para ajudar a cobrir as despesas quando um membro morresse (Dourado, 2021).

Da tradição das guildas surgiram as sociedades amigáveis. Essas organizações começaram a aparecer na Inglaterra no século XVI. Novamente organizadas em torno de um comércio ou negócio comum, às sociedades amigáveis evoluiriam para o que agora chamamos de organizações fraternas e foram as precursoras dos sindicatos modernos (Dourado, 2021).

Além dos tipos de segurança econômica fornecidos pelas guildas, as organizações fraternas e alguns sindicatos começariam a prática de fornecer seguro de vida atuarial aos seus membros. As sociedades amigáveis e as organizações fraternas cresceriam dramaticamente após a Revolução Industrial. No início do século XIX, um em cada nove ingleses pertencia a uma dessas organizações (Oliveira; Da Mata, 2020).

2.2 Previdência Social no Brasil 

Desde a implementação do Sistema de Seguridade Social no Brasil pela Constituição Federal de 1988, foram instituídos importantes benefícios previdenciários e assistenciais, reconhecidos como um grande avanço na promoção do bem-estar social e na consolidação da política de proteção social no país (Teixeira, 2019, p. 1).

Nesse contexto, os benefícios previdenciários são garantidos pela referida Constituição como um direito fundamental de todos os cidadãos brasileiros. O artigo 201 estabelece que a Previdência Social deve, conforme a lei, assegurar:

I – cobertura em casos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e em razão de idade avançada;
II – proteção à maternidade, com especial atenção à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes de segurados de baixa renda;
V – pensão por morte do segurado, independentemente de ser homem ou mulher, para o cônjuge ou companheiro e dependentes, conforme o disposto no § 2º (BRASIL, 1988).

Elaine Aparecida Teixeira (2019, p. 12) observa que “a partir da instauração da Constituição Federal de 1988, houve uma ampla ampliação dos benefícios previdenciários, tanto em relação ao aumento dos valores quanto na flexibilização das condições de acesso a eles.”

No entanto, é essencial destacar a diferença entre benefícios previdenciários e assistenciais. Embora ambos sejam pagos pelo INSS, os benefícios assistenciais não exigem contribuição prévia; são concedidos a qualquer cidadão que atenda aos requisitos necessários. Esses benefícios assistenciais estão previstos na Lei n° 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao idoso, o BPC à pessoa com deficiência e o benefício ao trabalhador portuário avulso.

Por outro lado, os benefícios previdenciários são destinados aos trabalhadores que contribuem ou contribuíram para a Previdência Social. São segurados os trabalhadores com carteira assinada, os contribuintes individuais (autônomos e empresários), e os contribuintes facultativos (aqueles que, mesmo sem exercer atividade remunerada, optam por pagar o plano previdenciário).

Segundo Delzira Menezes (2018), dependendo da situação, o segurado e seus dependentes estão protegidos contra a perda temporária ou permanente de renda, decorrente da exposição a riscos sociais. Os dependentes preferenciais incluem o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado menor de 21 anos ou inválido. Na ausência destes, os pais ou irmãos podem ser considerados dependentes, desde que comprovem dependência econômica (Prado et al., 2004, p. 7).

Em conformidade com Theodoro Agostinho (2020) ressalta que a renda transferida pela Previdência Social assegura o sustento do contribuinte e de sua família quando este está impossibilitado de trabalhar devido a idade avançada, doença, acidente, gravidez, prisão ou morte, desde que os requisitos legais para a concessão dos benefícios sejam cumpridos.

Atualmente, os benefícios previdenciários oferecidos pela Previdência Social são classificados em duas categorias: os concedidos ao segurado, como aposentadoria por invalidez, aposentadoria especial, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por idade, salário-família, salário-maternidade, auxílio-acidente e benefício por incapacidade temporária; e os concedidos aos dependentes, como auxílio-reclusão e pensão por morte.

Esses benefícios ainda são divididos em duas classes: benefícios programáveis e não programáveis. Os programáveis, como a aposentadoria, são pagos de forma voluntária, com previsibilidade de início dos pagamentos, baseando-se em critérios de elegibilidade como idade, tempo de serviço ou de contribuição. Os não programáveis, por sua vez, dependem de eventos incertos, como invalidez, morte ou sobrevida, e não dependem da vontade do segurado ou de seus dependentes (Brasil, 2019).

De acordo com dados do INSS, em 2020 foram concedidos 4.398.252 benefícios previdenciários, dos quais 4.298.913 eram programados e 99.339 não programados. Desse total, 72.067 benefícios foram destinados ao benefício por incapacidade temporária (INSS, 2022). Elaine Aparecida Teixeira (2019) destaca a relevância dos benefícios previdenciários para a economia do país, especialmente em municípios mais pobres, e sua contribuição para o bem-estar social.

Para Ellery Júnior; Bugarin (2003, p. 28), afirma-se que “a forma de distribuição dos benefícios do sistema previdenciário tem um impacto inegável no bem-estar da sociedade, abrangendo desde a solidariedade entre gerações até melhorias na distribuição de renda.” Assim, em um país como o Brasil, onde a distribuição de renda é desigual, a renda proveniente desses benefícios atinge direta e indiretamente milhões de brasileiros, fazendo da Previdência Social um instrumento crucial no combate à pobreza.

2.3 Reforma da Previdência

O Senado do Brasil aprovou as emendas finais a uma reforma previdenciária muito debatida um dia após a aprovação do texto principal do projeto de lei. A aprovação do projeto de lei foi dada através do presidente Jair Bolsonaro após décadas de tentativas fracassadas de reformar o sistema de previdência social do Brasil. Se não tivesse sido aprovado, a dívida pública teria disparado, segundo os dados oficiais apresentados pela Legislação. 

A emenda constitucional no 103 entrou em vigor em 13 de novembro de 2019, data em que foi publicada no Diário Oficial da União. Os segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da União são obrigados a seguir as novas regras (GOV, 2024). A Nova Previdência foi aprovada pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, respectivamente, em dois turnos de votação. A aprovação em segundo turno no plenário do Senado em 23 de outubro de 2019 marcou o fim do processo de votação no Congresso Nacional (GOV, 2024).

Em resumo, a constituição, a carta magna do sistema legal do Brasil, é alterada por uma Emenda Constitucional. Como resultado, as regras para aprovar uma Emenda são muito limitadas e o processo é difícil, exigindo 3/5 dos votos a favor em dois turnos em cada casa legislativa (Barreto, 2024).

Embora à primeira vista possa parecer paradoxal, uma Emenda à Constituição pode ser considerada inconstitucional no aspecto material, mesmo considerando os requisitos formais para sua promulgação. O Supremo Tribunal Federal já estabeleceu que o legislador constituinte derivado encontra muitas limitações e obstáculos ao seu poder de reformar, devido ao texto da própria lei fundamental (Barreto, 2024).

2.4 Os Impactos da Reforma da Previdência aos Trabalhadores

É notório o grande crescimento na expectativa de vida da população Brasileira, o que acabou resultando em uma população predominantemente idosa. Consequentemente o ocorrido, acabou gerando um déficit enorme nas contribuições previdenciárias, visto que, devíamos ter um grupo jovem, contribuindo na mesma proporção da população idosa do país para trabalhar e contribuir efetivamente para o INSS (Autarquia previdenciária), e assim manter o giro de numerários.

No entanto, é claro, que apesar do avanço na expectativa de vida não temos garantido atualmente, uma qualidade de vida favorável para nossos idosos, que demonstram o qual faz necessário e essencial o benefício da aposentadoria, para garantir o básico para viver.

De acordo com o artigo 8º da Lei 10.741, o envelhecimento como direito personalíssimo é essencial para resguardar a dignidade das pessoas idosas e garantir igualdade.

A reforma previdenciária foi elencada pela PEC nº 06/2019 e promulgada pela emenda nº103 de 2019, trouxe a modificação do parágrafo 7º artigo 201 da Constituição Federal que dispõe sobre a aposentadoria por tempo de contribuição. Com a reforma previdenciária, teremos fortes impactos financeiros na vida de toda a população Brasileira e principalmente da população idosa.

Sendo assim, o trabalho fará uma análise crítica ao aumento da desigualdade social e a grande instabilidade financeira causada pela reforma, onde os impactos serão devastadores. Apontando uma revisão estrutural econômica acerca do sistema capitalista.

Desta forma, é importante a devida compreensão dos princípios vigentes no nosso ordenamento jurídico, e sua aplicabilidade diante desta situação, buscando analisar a constitucionalidade da referida reforma.

De acordo com Cunha (2019) a reforma da Previdência no Brasil foi uma proposta do governo brasileiro para alterar a Constituição para a reforma do sistema de seguridade social do país. Ao mudar a constituição do país, ele teve que ser aprovado nas duas casas do Congresso Nacional por maioria absoluta. A reforma foi criada para combater o gigantesco déficit do sistema previdenciário, de mais de R$ 194 bilhões em 2018, e o rápido envelhecimento da população brasileira.

O texto original foi entregue pelo Presidente da República Jair Bolsonaro ao Presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia em 20 de fevereiro de 2019 para iniciar o rito jurídico. A proposta de reforma foi aprovada pelo Senado Federal em 22 de outubro de 2019, tornando-se lei e entrando em vigor automaticamente.

Até a reforma ser aprovada em 2019, outros governos tentaram aprovar suas propostas. Na história mais recente do Brasil, o país vem debatendo a reforma previdenciária a cada dez anos, em alguns casos as propostas foram simplesmente arquivadas como extremamente impopulares, em outros foram feitas mini reformas, mas com efeitos nulos de longo prazo, e em Num caso, a reforma foi rejeitada pela Câmara dos Deputados por apenas um voto.

Já na década de 1990, as primeiras tentativas de reforma previam que, com o envelhecimento da população brasileira nos próximos 20 anos, o atual sistema previdenciário se tornaria insustentável, o que se comprovou nos últimos anos, com o déficit aumentando a cada ano.

Para Silva (2017) em primeiro lugar, é preciso lembrar que o sistema previdenciário público no Brasil é o responsável por fazer da pobreza na velhice um problema residual. Existem correções importantes a serem feitas, especialmente no que diz respeito às pensões dos funcionários do serviço público, como os militares, mas uma mudança radical para um modelo de capitalização pode ter efeitos distributivos importantes, incluindo o aumento da pobreza.

Para Cassar (2017) o mercado quer que o brasileiro trabalhe mais e ganhe menos com os planos de previdência do governo. A economia do Brasil está virando a esquina e os investidores adoram isso. Os políticos podem achar que escaparam de uma recessão prolongada.

Na visão de Teixeira (2019) levando em consideração as reflexões anteriores, parece claro, sob nossa visão, que a questão moral de ‘como a sociedade deve recompensar seus empregados?’ deve estar alinhado com estes três princípios:

  1. Garantir proteção com cobertura adequada, sem deixar ninguém para trás;
  2. Garantindo um nível de suficiência dos benefícios concedidos; e
  3. Moldar um sistema financeiramente sustentável.

Ignorar qualquer um deles criaria um desequilíbrio e, em última análise, todo o objetivo de conceder proteção social se esvai. Reparar falhas mecânicas sem ligar o motor, no caso do Brasil, significava chegar a esse desequilíbrio. Repensar e redefinir os marcos institucionais – como o do Chile parece estar caminhando para – e não isolar o trabalho dos lucros da empresa e os gastos públicos da realização dos direitos são partes necessárias da longa jornada que temos pela frente (Hernandez et al, 2019).

Pinto (2019) menciona que um dos motivos contra a reforma está na proposta de um novo cálculo para o “salário de benefício”. Basicamente, esse é o cálculo inicial para a grande maioria dos benefícios da previdência social – ou seja, vai influenciar a renda final que o trabalhador receberá.

De acordo com Vianna (2018) , aqueles contra o Novo Bem-Estar argumentam que a reforma não acabará com os privilégios que promete. Isso porque se argumenta que as novas taxas não atingem de fato os mais ricos. No setor privado, pretende-se ampliar as faixas de renda e aumentar as contribuições. Isso significa que entre R$ 3.000 a R$ 5.839,45, a última faixa de renda imporia uma alíquota parcial de 14% em vez de 11% sobre todo o salário. 

Em termos reais, como mostra a calculadora da taxa federal, quem ganha R $ 5.839,45 pagaria uma taxa efetiva de 11,69% – ou seja, R$ 682,55 – pela proposta de reforma. Pela regra atual, quem ganha R $ 5.839,45, paga 11% de contribuição – R$ 642,34. Assim, aqueles que se opõem à reforma argumentam que tais mudanças não afetariam os verdadeiros privilégios do Brasil – ou seja, os super-ricos. Nas mudanças no setor público.

Para os que se opõem à reforma da Previdência, a proposta do governo de estabelecer a idade mínima como único critério para a aposentadoria desconsidera as diferentes expectativas de vida no Brasil. Por exemplo, enquanto estados como São Paulo, Distrito Federal, Espírito Santo e Rio Grande do Sul têm expectativa de vida média de 77 anos, em outros estados como Rondônia, Roraima, Alagoas, Piauí e Maranhão a média é de 70 anos. 

Nesse sentido, a idade mínima de 62 anos para as mulheres e 65 para os homens proposta pelo atual governo é muito alta e próxima da expectativa média de vida de alguns estados. Além disso, aumentar o tempo mínimo de contribuição para 20 anos para os homens é desconsiderar a realidade brasileira – marcada pelo trabalho informal, principalmente para pessoas com menor escolaridade e renda – e dificultar o acesso à aposentadoria.

Para Franco (2019) hoje outro argumento contra a reforma da previdência também é uma questão de desigualdade de gênero. Ao contrário do que se afirma, aumentar a idade mínima de aposentadoria das mulheres é desconsiderar a jornada dupla – até tripla – que enfrentam. Como regra geral, a idade mínima das mulheres aumentaria de 60 para 62 anos. Para os trabalhadores rurais, a idade mínima mudaria de 55 para 60 anos. Ainda, nas categorias de professores, a proposta da Previdência Social aumenta em sete a idade mínima das mulheres. 

2.5 Os Desdobramentos Sociais da Reforma da Previdência 

2.5.1 O Impacto na Dignidade da Pessoa Humana e Fomento Para Desigualdade Sociais

Segundo o IBGE, em 2018, as mulheres trabalhadoras gastavam em média 8,2 horas semanais a mais do que os homens no trabalho doméstico. Além disso, de acordo com dados da Pnad do quarto trimestre de 2018, 47% das mulheres no mercado de trabalho não estão cadastradas – o que dificulta as contribuições previdenciárias.

Esses problemas financeiros são ainda mais intensificados pelos generosos benefícios concedidos a pessoas físicas no setor público. O sistema previdenciário brasileiro tem dois regimes diferentes: um para funcionários do setor privado e outro para ex-funcionários do setor público. Em 2016, embora apenas 3,2 por cento de todos os beneficiários de pensões fossem ex-funcionários do setor público, eles representavam 34 por cento do déficit total. Em média, aproximadamente um milhão de pensionistas do setor público recebiam R $ 8.695 por mês, enquanto 30 milhões de pensionistas do setor privado recebiam R$ 1.339 por mês, uma disparidade significativa. 

Além disso, esse sistema beneficia desproporcionalmente a elite brasileira e a classe média alta, uma vez que os beneficiários dos fundos de pensão do setor público incluem ex-políticos, militares e funcionários do governo. Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) mostrou que 63% dos entrevistados concordam que os funcionários públicos e privados devem ser regulamentados pelas mesmas leis.

Nesse sentido, Cassar (2017) cita que a desconsideração dessas desigualdades também repercute em outro ponto crítico da reforma: a idade mínima. Ao afirmar que os trabalhadores urbanos devem contribuir pelo menos até os 65 anos, no caso dos homens, e 60, no caso das mulheres, fica claro que o componente da desigualdade social foi deixado de lado.

Só para ilustrar a profundidade do problema, dentro de São Paulo – a cidade mais rica do Brasil, capital do seu estado mais rico – a idade média de morte na Cidade Tiradentes, um bairro pobre, é de 57,3 anos, enquanto em Moema, uma das mais ricas, é 80,57 (Rede Nossa São Paulo, 2019). A distância física entre os bairros é inferior a 30 km. Além do evidente absurdo da defasagem de mais de 23 anos, esses números nos mostram que a maioria da população de Cidade Tiradentes não conseguirá se aposentar, mesmo que tenham trabalhado desde a infância. Essas perspectivas são ainda mais dramáticas quando enfrentamos cidades pobres em regiões pobres.

Nesse sentido, a desconsideração dessas desigualdades também repercute em outro ponto crítico da reforma: a idade mínima. Ao afirmar que os trabalhadores urbanos devem contribuir pelo menos até os 65 anos, no caso dos homens, e 60, no caso das mulheres, fica claro que o componente da desigualdade social foi deixado de lado.

Com essas informações, uma conclusão é clara: aumentar o tempo mínimo de contribuição sem novas políticas para transformar essa realidade significa uma exclusão ainda mais profunda (e desigual) dessa medida de proteção social. A grande questão da extrema ortodoxia e da agenda de austeridade é que, quando alguém tira tijolos defeituosos de uma parede sem a cautela de substituí-los, eventualmente tudo desmorona.

3. METODOLOGIA

3.1 Método de Abordagem

A pesquisa on-line efetuada buscou arquivos com a temática proposta neste artigo, delimitando-se em abordar as consequências negativas acarretadas na vida dos trabalhadores e futuros aposentados no Brasil por meio da reforma da previdência, a partir de uma análise da desigualdade social.

Esta pesquisa baseada em uma revisão de literatura delimitou-se na coleta  de artigos de Direito dos últimos seis anos (exceto Leis e Decretos e obras de grande relevância acadêmica), com publicações realizadas entre janeiro de 2019 e setembro de 2024.

A busca destes arquivos ocorreu por meio de periódicos multidisciplinares e revistas específicas da área de Direito, como:

  1. Scientific Electronic Library Online – Scielo;
  2. Scholar Google;
  3. Eric;
  4. Revista Direito e Justiça;
  5. Revista da Faculdade de Direito da UFMG;
  6. Cope;
  7. Revista Eletrônica Direito e Política;
  8. Revista do Direito Público;
  9. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM;
  10. Revista da Faculdade de Direito UFPR;
  11. Revista Gênero e Direito;
  12. Revista da Faculdade Mineira de Direito;
  13. Revista Brasileira de Direito;
  14. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito Da UFP;
  15. Revista de Direito Internacional;
  16. Revista do Direito;
  17. RFD Revista da Faculdade de Direito da UERJ;
  18. Revista Direito E-Nergia; e
  19. Outros.

Após a busca dos artigos de principal interesse, a seleção ocorreu por meio dos critérios de inclusão e exclusão. Para a inclusão, os artigos e demais obras coletadas para este estudo precisaram obter os seguintes critérios, tais como: a) Pertencer a temática proposta; b) Publicado entre os períodos de 2019 a 2024; e c) Destacar o Direito Previdenciário.

Para a exclusão, foram direcionados os critérios como: a)  Não possuir vínculo com a temática norteadora, b) Publicação inferior ao período datado para esta pesquisa – dos últimos 6 anos e c) Outros estudos que não forneçam dados satisfatórios das problemáticas interpostas neste estudo.

CONSIDERAÇŌES FINAIS

Este estudo fomenta a compreensão de como a reforma da previdência acarretará em um aumento das desigualdades sociais no Brasil. As desigualdades sociais devem ser, portanto, trazidas para o centro do debate não só para garantir um sistema mais sustentável, mas para lembrar a base fundamental do regime de pensões de velhice: garantir o bem-estar das pessoas que atingiram a velhice após uma vida inteira de trabalho.

Além disso, o único caminho para alcançar um sistema de pensões justo e inclusivo é concebê-lo sob a perspectiva dos direitos. Assim, este estudo deu enfoque no debate que deve existir sobre os impactos sociais negativos que a reforma da previdência causará na vida de milhões de brasileiros, isso é, abordando um conteúdo relevante sobre a importância social quanto a relação entre tal reforma e a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana tem como objetivo garantir ao cidadão que possa ter uma vida digna, que lhe garanta o mínimo para que possa suprir as suas necessidades básicas, porém, esta reforma previdenciária tem por escopo, violar o fundamento da dignidade da pessoa humana. Uma das respostas para esta problemática está inserida dentro da própria reforma, onde traz em seu texto, regras que restringem o acesso dos brasileiros na concessão dos benefícios previdenciários, seja as aposentadorias, benefícios por incapacidade e também os benefícios destinados aos dependentes do segurado, ficando estes desprotegidos da proteção social previsto no art. 201 da Constituição Federal.

Por fim, o cerne desta pesquisa acontece no que diz respeito à vida dos futuros aposentados em nosso país e sobre como esta reforma pode impactar de maneira negativa, no aumento das desigualdades sociais. Um dos impactos mais importantes que esse artigo demonstrou que, é sobre a redução do valor dos benefícios previdenciários que também se afeta a economia, pois existe um efeito cascata, que a partir do momento que um segurado tem um redução no valor de sua renda mensal, consequentemente ele irá consumir menos, e consumindo menos, o dinheiro irá circular menos, gerando desta forma o desemprego e ao mesmo tempo reduzindo as receitas da seguridade social.

As contribuições desta pesquisa ocorrem no sentido da importância de refletirmos sobre o Brasil que queremos, depende de nós, pois está em nossas mãos a escolha daqueles que vão nos governar e também irão aprovar tais reformas, que nos últimos tempos tem sido mais prejudiciais do que benéficas, e refletirmos sobre o planejamento da nossa aposentadoria, nos prevenindo das mudanças futuras. 

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1Acadêmico do Curso de Direito pelo Centro Universitário Fametro. Manaus/AM. E-mail: jhcs.adm@gmail.com
2Mestre em Ciências Jurídicas pela UNIVALI – SC (2011); Pós graduado pela UNINILTONLINS em Direito Público (2000); Possui graduação em Direito pela Universidade Santa Úrsula (1991); Atualmente é professor do Instituto Metropolitano de Ensino – IME, Professor da Escola Superior Batista do Amazonas – ESBAM e Professor do Centro de Estudos Jurídicos do Amazonas LTDA. – CEJUR. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial, Direito do Trabalho/Processo do Trabalho, Direito Processual Civil e D. Civil.