IMPACTS OF THE 6X1 WORK SCHEDULE ON QUALITY OF LIFE AND SOCIAL DYNAMICS IN BRAZIL
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506100902
Rafael de Lima Melo1
Shirlene da Silva Santos2
Hamilton Tavares dos Prazeres³
Resumo
O presente artigo analisa os impactos da escala de trabalho 6×1 na qualidade de vida dos trabalhadores e nas dinâmicas sociais brasileiras, com base em revisão sistemática integrativa de nove artigos científicos publicados entre 2010 e 2025. O estudo adotou abordagem qualitativa para sintetizar evidências multidisciplinares, articulando perspectivas da saúde ocupacional, sociologia e direito laboral. Os resultados evidenciaram que a escala 6×1, caracterizada por seis dias consecutivos de trabalho e um de descanso, intensifica riscos à saúde física, como distúrbios musculoesqueléticos e fadiga crônica, e à saúde mental, com aumento de ansiedade e depressão. Além disso, a restrição do tempo livre compromete relações familiares e comunitárias, exacerbando desigualdades de gênero e isolamento social. Conclui-se que a rigidez dessa jornada laboral reflete a precarização do trabalho no contexto pós-reforma trabalhista de 2017, demandando revisões legislativas, políticas públicas de proteção ao trabalhador e iniciativas que promovam equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Palavras-chave: Escala 6×1; Qualidade de Vida; Saúde Ocupacional; Dinâmicas Sociais; Legislação Trabalhista.
ABSTRACT
The present article examines the impacts of the 6×1 work schedule on workers’ quality of life and social dynamics in Brazil, based on an integrative systematic review of nine scientific articles published between 2010 and 2025. The study adopted a qualitative approach to synthesize multidisciplinary evidence, integrating perspectives from occupational health, sociology, and labor law. Results revealed that the 6×1 schedule, characterized by six consecutive workdays followed by one rest day, intensifies risks to physical health, such as musculoskeletal disorders and chronic fatigue, and mental health, with increased anxiety and depression. Furthermore, restricted free time undermines family and community relationships, exacerbating gender inequalities and social isolation. The findings conclude that the rigidity of this work schedule reflects labor precarization in the post-2017 labor reform context, necessitating legislative revisions, public policies for worker protection, and initiatives to promote work-life balance.
Keywords: 6×1 Schedule; Quality of Life; Occupational Health; Social Dynamics; Labor Legislation.
1 INTRODUÇÃO
A organização do tempo de trabalho é um elemento estruturante das relações laborais contemporâneas, com implicações diretas na saúde dos trabalhadores e na tessitura das dinâmicas sociais. No Brasil, a escala 6×1 – que prevê seis dias de trabalho consecutivos seguidos por um dia de descanso – tem ganhado relevância em setores como comércio, serviços e transporte, consolidando-se como um modelo controverso. Enquanto alguns argumentam que essa escala atende à demanda por flexibilidade em economias globalizadas (ANTUNES, 2018), críticos destacam seu potencial de exaustão física e fragmentação dos laços sociais (DAL ROSSO, 2017). Essa dualidade evidencia a necessidade de investigações que analisem, de forma crítica, os efeitos multidimensionais dessa jornada.
Estudos internacionais já associam longas jornadas de trabalho a riscos como estresse crônico, distúrbios do sono e redução da produtividade (EUROFOUND, 2017). No contexto brasileiro, pesquisas apontam que cerca de 30% dos trabalhadores urbanos enfrentam jornadas superiores a 44 horas semanais, muitas vezes sem compensação adequada (IBGE, 2022). Observa-se, ainda, que a rigidez da escala 6×1 tende a restringir drasticamente o tempo disponível para atividades extracurriculares, como lazer, educação e engajamento comunitário. No entanto, lacunas persistem na compreensão de como essa dinâmica afeta não apenas a saúde individual, mas também a coesão social em um país marcado por desigualdades estruturais.
Diante desse cenário, o problema de pesquisa que orienta este artigo é: Quais os impactos da escala de trabalho 6×1 na qualidade de vida dos trabalhadores e nas dinâmicas sociais brasileiras? A escolha desse tema justifica-se pela centralidade do debate sobre direitos trabalhistas no Brasil pós-reforma de 2017, que flexibilizou normas sobre jornadas (CARVALHO, 2017), sem aprofundar discussões sobre seus efeitos psicossociais. Além disso, a escassez de estudos que articulem análises sobre saúde laboral e transformações sociais no contexto da escala 6×1 revela uma lacuna acadêmica a ser preenchida.
O objetivo geral deste estudo é analisar os impactos da escala de trabalho 6×1 na qualidade de vida dos trabalhadores e nas dinâmicas sociais brasileiras, com base em revisão crítica da literatura existente. Para tanto, definiram-se dois objetivos específicos:
1. Identificar as principais críticas da escala 6×1 relatados em estudos sobre saúde física e mental dos trabalhadores;
2. Avaliar como a escala 6×1 influencia a organização do tempo livre e as relações familiares e sociais dos trabalhadores.
A relevância social deste trabalho reside em seu potencial para subsidiar debates sobre políticas públicas e negociações coletivas, especialmente em um contexto em que a precarização do trabalho se intensifica (KREIN, 2021). Do ponto de vista teórico, o artigo dialoga com autores que defendem que a jornada laboral não é apenas uma variável econômica, mas um eixo que estrutura identidades e práticas cotidianas (DEJOURS, 2012). Ademais, contribui para desnaturalizar discursos que associam a flexibilidade horária unicamente a ganhos de competitividade, negligenciando custos humanos e sociais (ANTUNES, 2018).
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Saúde ocupacional
A saúde ocupacional, campo interdisciplinar que investiga as relações entre trabalho e saúde, oferece arcabouços essenciais para compreender os impactos de jornadas prolongadas, como a escala 6×1. Um dos modelos mais influentes nessa área é o Modelo Demanda-Controle de Karasek (1979), que associa estresse laboral à interação entre demandas psicológicas do trabalho e o grau de autonomia do trabalhador. Segundo essa perspectiva, ambientes com altas exigências e baixo controle decisório — comuns em setores que adotam a escala 6×1, como comércio e transporte — tendem a gerar esgotamento físico e mental, configurando riscos ampliados para doenças cardiovasculares e distúrbios psicoafectivos (THEORELL; KARASEK, 1996). No contexto brasileiro, pesquisas evidenciam que a rigidez dessa escala limita a capacidade de recuperação orgânica, elevando a incidência de quadros como insônia e ansiedade generalizada (MIRANDA, 2025).
Além do estresse, a fadiga crônica emerge como consequência direta da sobrecarga imposta por jornadas extenuantes. Conforme destaca Teixeira (2019), a fadiga não se restringe à exaustão momentânea, mas configura um estado persistente que compromete funções cognitivas e motoras, aumentando acidentes de trabalho. Esse fenômeno agrava-se em atividades repetitivas, nas quais as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) tornam-se endêmicas. Estudos como os de Cirne et al (2000) demonstram que trabalhadores submetidos à escala 6×1 em supermercados apresentam taxas 40% maiores de LER em comparação a regimes de jornada tradicional, devido à ausência de pausas adequadas para recuperação muscular. Tais evidências alinham-se às diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017), que alertam para a necessidade de limites máximos de horas trabalhadas como medida de prevenção primária.
2.2 Sociologia do trabalho
A sociologia do trabalho oferece ferramentas analíticas para decifrar como a organização do tempo laboral molda relações sociais e subjetividades. Na esteira de Durkheim (1893), que concebeu o tempo como uma construção social regulada por ritmos coletivos, autores contemporâneos como Hochschild (1997) argumentam que a intensificação das jornadas fragmenta a experiência temporal, gerando conflitos entre esferas laboral e doméstica. No caso da escala 6×1, o único dia de descanso semanal dificulta a participação em eventos familiares e comunitários, aprofundando o que Sennett (1998) chamou de “corrosão do caráter” — processo no qual a instabilidade laboral enfraquece vínculos de pertencimento social.
Essa dinâmica contrasta frontalmente com o conceito de trabalho decente, proposto pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999 e incorporado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8 (ODS 8) da ONU. Trabalho decente pressupõe não apenas remuneração justa, mas também condições que respeitem a dignidade humana, incluindo equilíbrio entre vida profissional e pessoal (OIT, 2019). No Brasil, entretanto, a adoção generalizada da escala 6×1 em setores de baixa remuneração revela uma dissonância entre discursos globais e práticas locais. Como apontam Krein e Santos (2020), a flexibilização das jornadas pós-Reforma Trabalhista de 2017 aprofundou assimetrias, pois trabalhadores informais ou em empregos precários têm menos recursos para negociar horários, perpetuando ciclos de exclusão.
A crítica sociológica também enfatiza que a precarização do tempo livre reforça desigualdades de gênero. Conforme estudos de Hirata e Kergoat (2007), mulheres submetidas à escala 6×1 enfrentam duplas jornadas, já que a responsabilidade por tarefas domésticas permanece desproporcionalmente atribuída a elas. Essa sobrecarga, somada à falta de políticas públicas de apoio à parentalidade, restringe acesso a educação continuada e participação política, reproduzindo marginalizações históricas (ABRAMO, 2019).
2.3 Legislação trabalhista brasileira
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituída em 1943, foi concebida para regulamentar relações laborais em um contexto de industrialização incipiente. No entanto, sua estrutura apresenta lacunas que permitem a exploração em modelos como a escala 6×1. O artigo 59 da CLT autoriza horas extras e jornadas prolongadas “mediante acordo individual ou coletivo”, mas não estabelece limites claros para frequência de dias consecutivos trabalhados, o que facilita abusos (DELGADO, 2016). Após a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017), a flexibilização dessas normas ampliou-se, permitindo que convenções coletivas prevaleçam sobre a legislação — mesmo que desfavoráveis ao trabalhador, como destaca Monteiro (2017).
Essa brecha legal é particularmente problemática em setores com baixa sindicalização, como serviços terceirizados. Além disso, a CLT não aborda adequadamente os riscos psicossociais associados a regimes de trabalho exaustivos, focando-se quase exclusivamente em aspectos físicos e ambientais (PEQUENO, 2023). Essa defasagem contrasta com legislações internacionais, como a Diretiva Europeia 2003/88/CE, que limita a 48 horas semanais, incluindo horas extras, e exige 11 horas consecutivas de descanso diário.
A crítica jurídica ao modelo 6×1 também ressalta seu alinhamento a um projeto neoliberal de precarização. Para Dardot e Laval (2016), a flexibilização das leis trabalhistas reflete uma lógica global de mercantilização do tempo, na qual o trabalhador é reduzido a recurso ajustável às flutuações do mercado. No Brasil, essa tendência consolida-se com a Reforma de 2017, que, sob o argumento de modernização, fragilizou direitos históricos, como o descanso remunerado, sem oferecer contrapartidas em proteção social (KREIN, 2021).
3 METODOLOGIA
Este estudo adota uma abordagem qualitativa de revisão sistemática integrativa, alinhada a procedimentos metodológicos propostos por autores como Sampaio e Mancini (2017), que destacam a importância de sínteses críticas para consolidar evidências em temas complexos. O objetivo central é mapear, analisar e discutir produções científicas nacionais sobre os impactos da escala 6×1 na qualidade de vida e nas dinâmicas sociais, com ênfase no contexto brasileiro. A escolha por uma revisão integrativa justifica-se pela necessidade de articular perspectivas multidisciplinares — abrangendo saúde do trabalhador, sociologia e direito laboral —, conforme recomendado por Whittemore e Knafl (2005), que defendem esse método para integrar evidências teóricas e empíricas.
A coleta de dados foi realizada em três etapas. Primeiramente, definiram-se os descritores de busca combinados por operadores booleanos: (“escala 6×1” OR “jornada de trabalho” OR “organização do tempo laboral”) AND (“qualidade de vida” OR “saúde do trabalhador” OR “dinâmicas sociais”). Em seguida, foram selecionadas as bases de dados SciELO, Google Scholar, repositórios e bibliotecas virtuais de instituições públicas e privadas, considerando sua relevância para as ciências sociais e saúde coletiva. Por fim, estabeleceram-se critérios de inclusão: artigos publicados entre 2010 e 2025, em português, inglês ou espanhol, com acesso integral e abordagem direta ou indireta sobre a escala 6×1 ou modelos similares. Excluíram-se teses, dissertações e estudos sem revisão por pares, visando garantir rigor acadêmico. Foram encontrados 17 artigos. Após a aplicação dos filtros (critérios de inclusão e exclusão) e retirados os artigos duplicados, foram selecionados 12 para a leitura integral.
Lidos os 12 trabalhos, foram excluídos 3 por não atenderem aos critérios de inclusão exclusão preestabelecidos, resultando uma amostra final de 9 artigos a serem revisados. A análise dos 9 artigos selecionados seguiu as etapas propostas por Bardin (2016) para análise de conteúdo: pré-análise, exploração do material e interpretação crítica. Na fase exploratória, categorias emergiram a partir de recorrências temáticas, como “impactos na saúde mental”, “restrições ao tempo livre” e “efeitos nas relações familiares”. Ressalta-se que a interpretação priorizou perspectivas críticas, em diálogo com autores como Krein (2021), que analisam a precarização laboral, e Antunes (2018), que discutem a flexibilização como mecanismo de exploração.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Para analisar os 9 artigos selecionados, criou-se um quadro para a coleta e síntese dos dados obtidos, com o objetivo de organizar de forma estruturada as informações coletadas e elaborar um banco de dados. No quadro 01, os artigos foram agrupados seguindo um roteiro estruturado, com as seguintes informações: autor/ano, título, objetivo, tipo de estudo e principais resultados.
A organização do trabalho em escala 6×1, caracterizada por seis dias consecutivos de labor seguidos por um de descanso, tem suscitado debates críticos que ecoam as tensões teóricas entre flexibilidade produtiva e direitos fundamentais. No contexto brasileiro, marcado por desigualdades estruturais e pela reforma trabalhista de 2017, os achados revelam uma convergência entre os impactos biopsicossociais da escala e os debates sobre precarização do tempo, conforme analisado por Antunes (2018) e Dal Rosso (2017).
Quadro 1 – Análise dos estudos de acordo com autor, ano, título, objetivo, tipo de estudo e principais resultados.
AU-TOR/ANO | TÍTULO | PERIÓDICO | OBJETIVO | MÉTODO | PRINCIPAISRESULTA-DOS |
Salerno et al. (2011) | Interfaces LER/Saúde Mental: a experiência de um Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado de São Paulo | SCIELO | Analisar relação entre LER/DORT e saúde mental, propondo intervenções. | Estudo qualitativo em Cerest-Campinas com análise de 5 empresas. | Ciclo vicioso entre dor crônica e sofri-mento mental; empresas negavam CATs. |
Fernandes, R. C. P.(2011) | Precarização do Trabalho e os Distúrbios Musculoesqueléticos | SCIELO | Relacionar precarização laboral e DME com abordagens epidemiológicas/ergonômicas. | Estudo transversal em 14 fábricas plásticas (Salva-dor-BA), com 557 trabalhadores. | Prevalência de 50,1% de dor; mulheres mais afetadas. Precarização laboral agrava DME. |
Barbosa et al. (2012) | Distúrbios musculoesqueléticos emtrabalhadores do setor saúde de Belo Horizonte,Minas Gerais, Brasil | SCIELO | Avaliar prevalência de DME e fatores associados. | Estudo transversal com 1.808 profissionais de saúde. | Prevalência de 49,9% de DME. Associado a alta de-manda física e condições ambientais precárias. |
Vitta et al. (2012) | Prevalência e fatores associados à dor musculoesquelética em profissionais de atividades sedentárias | SCIELO | Verificar prevalência de sintomas e fatores associados. | Estudo transversal com 176 funcionários de empresa de água/esgoto. | Prevalência de 63,1% de sintomas (lombar, cervical, ombros). |
Assunção, A. A.; Abreu,M. N. S.(2017) | Fatores associados a distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho autorreferidos em adultos brasileiros | SCIELO | Descrever a prevalência de DORT e analisar fatores associados em adultos brasileiros | Estudo transversal com dados da PNS 2013(60.202 entrevistados). | Prevalência de 2,5% de DORT. Fatores: gênero feminino, exposição a ruído, comorbidades. |
Gruber eStoppa(2017) | O lazer do brasileiro: representações e concretizações nos espaços e equipamentos | Repositório USP | Analisar o lazer como direito so-cial e sua concretização no Brasil. | Pesquisa qualitativa com uso de geoprocessamento e SIG para mapear a distribuição do lazer no Brasil. | Acesso desigual ao lazer; concentração em áreas urbanas privilegiadas. |
Tottoli et al. (2019) | Profissionais da saúde que atuam em ambiente hospitalar têm altaprevalência de fadiga e dorsalgia: estudo transversal | SCIELO | Avaliar ambiente hospitalar e saúde musculo esquelética. | Estudo transversal em hospital público com checklist NR-17 e questionários. | 81,7% com desconforto musculoesquelético; Farmácia mais inadequada. |
Silva, Joana Cristine Bezerra da(2022) | Adoecimento mental e as relações laborais: um estudo sobre a dupla jornada de trabalho das mulheres | Faculdade Aridesa | Investigar os impactos da dupla jornada de trabalho na saúde mental das mulheres | Pesquisa qualitativa com entrevistas semiestruturadas realizadascom mulheres que exercem dupla jornada de trabalho | Sobrecarga de trabalho causa adoecimento mental. Necessidade de políticas de equidade de gênero. |
Bonalume, Cláudia Regina (2023) | Mulheres, lazer e família: atravessamentos | SCIELO | Mapear atravessamentos na relação entre mulheres, lazer e família, considerando a influência do sistema capitalista e patriarcal. | Estudo bibliográfico, análise documental e entrevis-tas com lideranças de movimentos feministas brasileiros. | Lazer feminino subordinado a responsabilidades familiares.Necessidade de mudanças culturais. |
Fonte: pesquisa – Impactos da escala 6×1 na qualidade de vida e nas dinâmicas sociais brasileiras, 2025.
4.1 Impactos na qualidade de vida dos trabalhadores
4.1.2 Saúde física
A escala 6×1 opera como um mecanismo de intensificação laboral que materializa o modelo “demanda alta/controle baixo” de Karasek (1979). Dessa forma, a adoção da escala 6×1, ao prolongar a exposição a condições laborais inadequadas, amplifica riscos à saúde física dos trabalhadores. Estudos evidenciam que jornadas extensas e intervalos insuficientes de descanso estão associados ao agravamento de distúrbios musculoesqueléticos, especialmente em atividades que exigem posturas estáticas ou movimentos repetitivos. No contexto de profissionais de atividades sedentárias, como funcionários de empresas de serviços, de Vitta et al. (2012) identificaram uma prevalência de 63,1% de sintomas osteomusculares, com ênfase nas regiões lombar (40,3%), cervical (27,2%) e ombros (23,8%). Os autores associaram tais queixas a fatores como postura sentada prolongada, movimentos repetitivos e ausência de pausas adequadas, elementos exacerbados em regimes de trabalho que limitam o tempo de recuperação entre as jornadas.
De modo similar, Tottoli et al. (2019) destacaram que profissionais de saúde em ambiente hospitalar, submetidos a longas cargas horárias e condições ergonômicas precárias, apresentaram alta prevalência de dorsalgia (24,4% na coluna lombar e torácica) e fadiga residual (73,7% dos avaliados). A pesquisa apontou que setores como Farmácia e Ambulatório, com elevada inadequação ergonômica (83% e 61,44% dos itens, respectivamente), correlacionaram-se com maior incidência de desconforto físico. Esses achados sugerem que a combinação entre jornadas extenuantes, como a escala 6×1, e ambientes laborais desestruturados potencializa lesões por sobrecarga contínua, comprometendo a capacidade funcional dos trabalhadores, conformando um ciclo de adoecimento que a CLT, em sua defasagem normativa (Delgado, 2016), não consegue interromper.
Além disso, a restrição a pausas regulares, comum em escalas intensivas, impede a recuperação muscular necessária para prevenir quadros crônicos, já previstos na saúde ocupacional. Conforme de Vitta et al. (2012), trabalhadores que realizavam movimentos repetitivos tiveram quatro vezes mais chances de desenvolver sintomas em múltiplas regiões corporais, indicando que a ausência de intervalos adequados — agravada pela rotina 6×1 — contribui para processos inflamatórios e degenerativos. Tottoli et al. (2019) complementam ao evidenciar que profissionais com maior idade, submetidos a longos anos de exposição a esses riscos, apresentaram queixas mais frequentes, reforçando o caráter cumulativo dos danos físicos.
Dessa forma, A pesquisa de Tottoli et al. (2019) em hospitais brasileiros corrobora essa dinâmica: a combinação entre jornadas extenuantes e ambientes ergonômicos precários reflete a lógica neoliberal de mercantilização do tempo (Dardot e Laval, 2016), na qual o corpo do trabalhador é tratado como recurso descartável.
Assim, a escala 6×1, ao limitar o tempo de repouso e expor os trabalhadores a ciclos contínuos de esforço, configura-se como um fator crítico para o adoecimento físico, especialmente em contextos onde as condições ergonômicas e organizacionais já são precárias.
4.2 Dinâmicas sociais e organização do tempo livre
4.2.1 Conflitos familiares
A restrição do tempo livre imposta pela escala 6×1 atualiza as análises de Durkheim (1893) sobre a função social do ritmo temporal para a convivência familiar, intensificando conflitos domésticos, especialmente entre mulheres que acumulam jornadas laborais e responsabilidades reprodutivas. Bonalume (2020) evidencia que, em movimentos sociais feministas brasileiros, o lazer das mulheres é frequentemente associado a atividades vinculadas ao cuidado familiar, como passeios com filhos ou visitas a parentes, em detrimento de momentos de autocuidado. Essa dinâmica, quando combinada à rigidez da escala 6×1 — que limita o único día de descanso a compromissos domésticos —, reforça a sobrecarga de papeis sociais historicamente atribuídos às mulheres à divisão sexual do trabalho (Hirata e Kergoat, 2007), que nega às mulheres o direito ao ócio criativo, aprofundando desigualdades já cristalizadas. O estudo aponta que 73% das mulheres consideram afazeres domésticos como obrigação, contra 33% dos homens (STOPPA; ISAYAMA, 2017), cenário agravado pela ausência de políticas públicas que promovam a divisão equitativa de tarefas (BONALUME, 2020).
A pesquisa de Barbosa et al. (2012), por sua vez, destaca que trabalhadoras da saúde com alta sobrecarga doméstica apresentaram maior prevalência de distúrbios musculoesqueléticos (57,4%), associados à exaustão física e emocional. Essa dupla jornada — laboral e doméstica — reduz a disponibilidade para interações familiares qualificadas, gerando tensões. Como afirma uma entrevistada no estudo de Bonalume (2020): “Chego em casa exausta, não tenho paciência para os filhos. É uma culpa constante” (LORETA, 2019, p. 5). A naturalização do papel feminino como cuidadora, somada à inflexibilidade da escala 6×1, perpetua ciclos de estresse e conflitos intrafamiliares, evidenciando a interseccionalidade entre gênero, trabalho e saúde. Essa dinâmica não apenas viola o ODS 8 da ONU, como também expõe a hipocrisia de um sistema que celebra a “resiliência” feminina enquanto se beneficia de sua exploração.
4.2.2 Isolamento social
A restrição do tempo livre imposta pela escala 6×1 também contribui para o isolamento social, limitando a participação em atividades comunitárias e redes de apoio. Barbosa et al. (2012) identificaram que trabalhadores da saúde que não praticavam atividades físicas ou de lazer tinham maior prevalência de distúrbios musculoesqueléticos (55,6%), indicando que a ausência de momentos de descontração agrava não apenas a saúde física, mas também a capacidade de engajamento social. No contexto da escala 6×1, o único dia de descanso é frequentemente dedicado a recuperar o sono e cumprir obrigações domésticas, deixando pouco espaço para interações sociais externas.
Bonalume (2020) ressalta que, para muitas mulheres, os únicos espaços públicos “permitidos” são a igreja e o posto de saúde, locais onde a socialização ainda está vinculada a papeis de cuidado. Essa limitação é reforçada pela escala 6×1, que restringe o acesso a ambientes de lazer autônomos, como parques ou centros culturais. Como destacado por uma liderança feminista entrevistada: “As mulheres não enxergam o lazer como os homens. […] Até no lazer, elas estão servindo” (DORA, 2019, p. 3). Essa percepção reflete uma cultura que associa o tempo livre feminino à utilidade doméstica, aprofundando o isolamento em regimes laborais extenuantes.
Além disso, o estudo de Barbosa et al. (2012) aponta que trabalhadores com baixo suporte social no ambiente laboral — como colegas e chefias — apresentaram maior prevalência de distúrbios musculoesqueléticos (49,6%). Essa falta de rede de apoio no trabalho, somada à impossibilidade de cultivar relações externas devido à escala 6×1, cria um cenário de dupla marginalização: o indivíduo é privado tanto de vínculos laborais solidários quanto de laços comunitários, essenciais para a saúde mental e a coesão social.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados desta pesquisa evidenciam que a escala de trabalho 6×1 atua como um mecanismo multidimensional de precarização, impactando tanto a qualidade de vida dos trabalhadores quanto às dinâmicas sociais no Brasil. Em relação ao primeiro objetivo específico — identificar críticas à escala 6×1 na saúde física e mental —, os achados confirmam que a rigidez dessa jornada intensifica riscos ocupacionais, corroborando modelos teóricos como o de Karasek (1979). A sobrecarga musculoesquelética, agravada pela ausência de pausas adequadas, e a prevalência de transtornos mentais, como ansiedade e depressão, emergem como consequências diretas da impossibilidade de recuperação orgânica e emocional. Tais efeitos são amplificados em contextos de baixa autonomia laboral e ausência de redes de apoio institucional, características marcantes em setores que adotam esse regime.
Quanto ao segundo objetivo — avaliar a influência da escala 6×1 no tempo livre e nas relações sociais —, constata-se que a restrição a um único dia de descanso fragiliza vínculos familiares e comunitários. A naturalização da dupla jornada feminina, associada à divisão sexual do trabalho, expõe desigualdades de gênero, limitando o acesso das mulheres ao lazer autônomo e reproduzindo ciclos de sobrecarga física e emocional. Paralelamente, a redução do tempo disponível para engajamento social restringe a participação em espaços coletivos, reforçando o isolamento e a fragilização de redes de solidariedade, essenciais em contextos de vulnerabilidade.
A pesquisa demonstra que os impactos da escala 6×1 transcendem a esfera individual, configurando-se como um fenômeno estrutural. A flexibilização das jornadas, justificada sob argumentos de competitividade econômica, revela-se incompatível com princípios de trabalho decente propostos pela OIT, aprofundando assimetrias sociais em um país marcado por historicidade desigual. A dissonância entre a legislação trabalhista brasileira — permeável a abusos — e diretrizes internacionais de proteção à saúde laboral reforça a urgência de revisões normativas que incorporem critérios psicossociais e limites claros para jornadas consecutivas.
As principais contribuições deste estudo residem na articulação entre análises de saúde ocupacional e críticas sociológicas, demonstrando que a organização do tempo laboral não é neutra: ela consolida hierarquias de gênero, restringe direitos sociais e naturaliza o adoecimento como custo inevitável do progresso. Do ponto de vista prático, os resultados subsidiam demandas por políticas públicas que garantam intervalos mínimos de descanso, ampliem ofertas de creches públicas e incentivem a negociação coletiva de jornadas, especialmente em setores com baixa sindicalização.
Como limitação, reconhece-se que a escassez de dados longitudinais no contexto brasileiro impede a mensuração de efeitos cumulativos da escala 6×1 em médio e longo prazo. Sugere-se que futuras pesquisas explorem o tema mediante abordagens mistas, integrando indicadores quantitativos de saúde (como taxas de afastamento por LER) a análises qualitativas sobre estratégias de resistência coletiva. Ademais, investigar interseccionalidades — como raça e classe — pode aprofundar a compreensão de como a precarização temporal afeta grupos historicamente marginalizados.
Em síntese, este trabalho confirma que a escala 6×1 opera como um dispositivo de exploração que compromete a dignidade humana e a coesão social. Seus efeitos exigem respostas urgentes, combinando avanços legislativos, fortalecimento de movimentos sindicais e transformações culturais que desafiem a naturalização do trabalho exaustivo como única via de inclusão produtiva. A defesa de tempos de descanso dignos e da democratização do ócio revela-se, assim, não apenas uma questão laboral, mas um imperativo ético para a construção de sociedades equitativas.
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1Discente do Curso Superior Bacharelado em Administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnonologia do Amapá – Campus Laranjal do Jari e-mail: melloralf20@gmail.com
2Discente do Curso Superior Bacharelado em Administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnonologia do Amapá – Campus Laranjal do Jari e-mail: santosshirlene64@gmail.com
3Docente do Curso Superior Bacharelado em Administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnonologia do Amapá – Campus Laranjal do Jari. Mestre em Gestão Estratégica de Recursos Humanos. e-mail:
hamilton.prazeres@ifap.edu.br