REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202503051524
Letícia Sinis
Isabele Bandeira de Moraes D’ Angelo
Resumo
O abuso sexual infantil é uma violação grave dos direitos humanos, com impactos profundos no desenvolvimento psicológico, emocional e social das vítimas. Este artigo analisou as consequências dessa violência e destacou a importância de um acolhimento adequado no processo de recuperação. A pesquisa, baseada em revisão bibliográfica, abordou desde a definição do abuso sexual infantil até as estratégias de prevenção e intervenção, com foco no contexto brasileiro e em legislações como a Lei nº 13.431/2017. Os impactos psicológicos identificados incluem transtorno de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade e dificuldades de socialização, que podem se estender à vida adulta, afetando relacionamentos interpessoais e a saúde mental de forma duradoura. Além disso, observou-se que a ausência de suporte adequado agrava as consequências do trauma, reforçando a necessidade de um acolhimento integrado e multidisciplinar. Entre as estratégias preventivas e interventivas, destacam-se a educação sexual nas escolas, a capacitação de profissionais para identificar sinais de abuso, a criação de espaços seguros para crianças e a atuação de redes de apoio compostas por familiares, educadores, profissionais da saúde e assistência social. A implementação rigorosa de políticas públicas e a articulação entre diferentes setores da sociedade são essenciais para combater o problema de forma eficiente. Conclui-se que enfrentar o abuso sexual infantil exige ações coordenadas e permanentes, priorizando a proteção e o acolhimento das vítimas. Somente assim será possível minimizar os danos causados por essa violência e garantir às crianças o direito a uma vida digna e segura.
Palavras-chave: Abuso sexual infantil; Impactos psicológicos; Acolhimento adequado; Prevenção.
Abstract
Child sexual abuse is a severe violation of human rights, with profound impacts on the psychological, emotional, and social development of victims. This article analyzed the consequences of such violence and emphasized the importance of adequate care in the recovery process. The research, based on a bibliographic review, covered topics ranging from the definition of child sexual abuse to prevention and intervention strategies, focusing on the Brazilian context and legislation such as Law No. 13,431/2017.The identified psychological impacts include post-traumatic stress disorder (PTSD), depression, anxiety, and socialization difficulties, which can extend into adulthood, affecting interpersonal relationships and mental health in the long term. Moreover, the absence of adequate support was found to aggravate the consequences of trauma, reinforcing the need for integrated and multidisciplinary care. Preventive and intervention strategies highlighted include sexual education in schools, training professionals to identify signs of abuse, creating safe spaces for children, and establishing support networks involving family members, educators, health professionals, and social workers. The strict implementation of public policies and coordination among different sectors of society are essential for effectively addressing the issue. In conclusion, tackling child sexual abuse requires coordinated and continuous actions, prioritizing the protection and care of victims. Only through these measures can the damage caused by this violence be minimized, ensuring children the right to a safe and dignified life.
Keywords: Child sexual abuse; Psychological impacts; Adequate care; Prevention.
1. INTRODUÇÃO
O abuso sexual infantil é uma das formas mais graves de violência contra crianças, caracterizado pela participação de menores em atividades sexuais que não compreendem plenamente ou para as quais não possuem capacidade de consentimento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o abuso sexual infantil configura uma violação dos direitos humanos, deixando consequências devastadoras no desenvolvimento emocional e social das vítimas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).
Além disso, a vulnerabilidade das crianças é agravada por fatores como a dependência de adultos, a confiança natural que depositam em figuras de autoridade e a falta de compreensão sobre sexualidade. Essas condições tornam as crianças alvos fáceis, especialmente em ambientes domésticos ou de convivência próxima. (D’angelo, 2024)
De acordo com dados recentes do Ministério da Saúde, entre 2015 e 2021, o Brasil registrou 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, sendo que 70,9% das ocorrências envolvendo crianças de 0 a 9 anos aconteceram na residência das vítimas, e em 68% dos casos os agressores eram familiares ou pessoas próximas (BRASIL, 2023a). Além disso, o Disque 100 registrou nos primeiros quatro meses de 2023 um aumento de quase 70% nas violações sexuais contra crianças e adolescentes em relação ao mesmo período do ano anterior, totalizando 17.500 casos (BRASIL, 2023b). Esses dados alarmantes reforçam a prevalência dessa violência no ambiente doméstico e evidenciam a urgência de medidas mais eficazes de proteção. Toda criança e adolescente têm direitos legais e plena proteção. Embora a garantia esteja consagrada na lei, sua aplicação e eficácia dependem de nós, adultos, que criamos, participamos ou implementamos políticas públicas (D’angelo, 2024)
Do ponto de vista psicológico, o abuso sexual infantil está associado a transtornos emocionais significativos, como estresse pós-traumático, depressão e baixa autoestima. As marcas deixadas pelo trauma podem acompanhar os indivíduos ao longo da vida, afetando suas relações interpessoais e qualidade de vida. Além disso, a ausência de um acolhimento adequado pode agravar essas consequências, tornando essencial a implementação de políticas públicas e ações de suporte voltadas às vítimas (Vasconcelos, 2019).
Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo geral analisar os impactos psicológicos do abuso sexual infantil e destacar a relevância de um acolhimento adequado no processo de recuperação. Os objetivos específicos incluem: descrever os efeitos emocionais e comportamentais do abuso sexual, discutir as estratégias de acolhimento atualmente disponíveis e propor medidas para melhorar o atendimento às vítimas. A pesquisa adota uma abordagem qualitativa, embasada em revisão bibliográfica de artigos científicos e documentos oficiais.
Por meio desta análise, pretende-se contribuir para o avanço do debate acadêmico e fornecer subsídios para a formulação de estratégias mais eficazes de prevenção e intervenção no contexto do abuso sexual infantil. A relevância do tema transcende o âmbito acadêmico, considerando os impactos sociais e psicológicos profundos que essa violência acarreta.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 DEFINIÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ABUSO SEXUAL INFANTIL
O abuso sexual infantil é caracterizado como qualquer forma de interação sexual entre uma criança e um adulto, ou mesmo entre crianças, desde que haja coerção, manipulação ou a exploração da vulnerabilidade do menor. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa violação pode envolver contato físico, como toques inapropriados, ou práticas não físicas, incluindo exposição à pornografia ou solicitações explícitas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).
No contexto brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8.069/1990, define como abuso sexual qualquer ação que submeta a criança à exploração sexual, prostituição ou tráfico de pessoas para fins sexuais (BRASIL, 1990). Essa legislação, entretanto, enfrenta desafios na aplicação prática, considerando as particularidades culturais e sociais que dificultam a denúncia e o acompanhamento dos casos.
Cabe destacar que o abuso sexual infantil não se restringe a questões físicas; ele está profundamente ligado à violação da integridade emocional da criança. A exploração sexual resulta em sentimentos de culpa, vergonha e confusão, especialmente quando o agressor utiliza estratégias de manipulação ou ameaças. Esses elementos intensificam o trauma e dificultam a construção de uma narrativa coerente por parte da vítima, essencial para a busca de justiça (Hill, 2018).
Essa realidade é ainda mais preocupante quando se considera que, em muitos casos, o abuso é cometido por pessoas próximas, como membros da família ou professores. A confiança que a vítima deposita nesses indivíduos dificulta a denúncia e a busca por ajuda, criando barreiras adicionais à proteção da criança (D’angelo, 2024)
O contexto sociocultural também é importante. No Brasil, a naturalização de determinadas práticas culturais pode dificultar a identificação e o combate ao abuso sexual infantil. Estereótipos de gênero, desigualdade econômica e falta de acesso a informações contribuem para a perpetuação desse problema, criando um ambiente propício para o silenciamento das vítimas (Rosa et al., 2021).
Assim, a definição e contextualização do abuso sexual infantil destacam a complexidade desse fenômeno e os desafios envolvidos em sua prevenção e combate. A compreensão dos aspectos legais, sociais e psicológicos é fundamental para que sejam desenvolvidas políticas públicas mais efetivas e estratégias de intervenção adequadas.
2.2 IMPACTOS PSICOLÓGICOS DO ABUSO SEXUAL INFANTIL
O abuso sexual infantil causa impactos profundos na saúde mental e no desenvolvimento psicológico das vítimas. As consequências variam em intensidade e duração, dependendo de fatores como a idade da criança, a proximidade do agressor e a duração do abuso. Estudos apontam que, em muitos casos, os traumas resultantes dessa violência acompanham a vítima por toda a vida (Ferreira et al., 2020).
Os impactos psicológicos mais frequentes incluem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade, dificuldade de socialização e baixa autoestima. Segundo Vasconcelos (2019), o TEPT é uma das consequências mais recorrentes, caracterizado por flashbacks, evitação de situações que lembram o trauma e hiperatividade emocional. Esses sintomas são mais intensos quando a criança não recebe suporte adequado após a revelação do abuso.
Além disso, o abuso sexual compromete a percepção que a criança tem de si mesma e do mundo. Pesquisas mostram que vítimas de abuso frequentemente desenvolvem sentimentos de culpa e vergonha, muitas vezes reforçados por discursos de responsabilização impostos pelos próprios agressores (Hill, 2018). Essas emoções dificultam a construção de uma identidade saudável, comprometendo o bem-estar emocional da vítima.
Outro impacto significativo é a dificuldade em estabelecer relacionamentos interpessoais. Crianças que passaram por abuso sexual podem apresentar comportamentos de retração social ou, em casos extremos, desenvolver vínculos disfuncionais baseados em submissão ou dependência emocional. Esses padrões de comportamento são frequentemente observados em contextos de abuso prolongado ou em situações em que a vítima não encontra apoio adequado para lidar com o trauma (Rosa et al., 2021).
A violência sexual também afeta o desempenho acadêmico das crianças, que frequentemente apresentam dificuldades de concentração, baixa motivação e altos índices de absenteísmo escolar. Esses fatores são indicativos do impacto psicológico na cognição e no comportamento da vítima, que pode manifestar sintomas como irritabilidade, apatia ou agressividade (Ferreira et al., 2020).
Além dos impactos imediatos, o abuso sexual infantil está associado a consequências de longo prazo. Adultos que foram vítimas dessa violência na infância apresentam maior propensão ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, como depressão maior, transtorno bipolar e dependência de substâncias. Segundo a pesquisa de Rosa et al. (2021), essas condições muitas vezes resultam de traumas não tratados durante a infância.
Dessa forma, os impactos psicológicos do abuso sexual infantil são vastos e complexos, demandando estratégias de intervenção multidisciplinar que considerem os aspectos emocionais, cognitivos e sociais das vítimas. A identificação precoce dos sinais de trauma e a oferta de suporte adequado são fundamentais para minimizar as consequências e promover o bem-estar das crianças afetadas.
2.3 CONSEQUÊNCIAS A LONGO PRAZO NA VIDA ADULTA
As consequências do abuso sexual infantil frequentemente se manifestam de forma prolongada, impactando significativamente a saúde mental e emocional das vítimas na vida adulta. Essas sequelas não apenas comprometem o bem-estar psicológico, mas também influenciam aspectos sociais, profissionais e relacionais. Estudos apontam que adultos que vivenciaram abuso sexual na infância apresentam maior predisposição ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, como depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e ansiedade generalizada (Hill, 2018).
Uma das consequências mais comuns é a dificuldade em estabelecer relacionamentos saudáveis. Adultos sobreviventes de abuso podem desenvolver comportamentos de desconfiança extrema ou dependência emocional, dificultando a formação de vínculos afetivos seguros. Vasconcelos (2019) destaca que essas dificuldades são resultado direto da violação de confiança sofrida na infância, especialmente quando o agressor era alguém próximo ou com papel de autoridade.
Além disso, os impactos no âmbito profissional também são expressivos. Pesquisas indicam que vítimas de abuso sexual infantil frequentemente enfrentam problemas relacionados à autoestima e à autoconfiança, fatores que comprometem o desempenho no mercado de trabalho. Ferreira et al. (2020) identifica que muitas dessas pessoas relatam episódios de insatisfação profissional, baixa produtividade e dificuldades em lidar com situações de estresse.
Outro efeito prolongado é a prevalência de transtornos alimentares e abuso de substâncias químicas, frequentemente usados como formas de lidar com o trauma. Segundo Rosa et al. (2021), a utilização de estratégias de enfrentamento disfuncionais é comum entre adultos que não tiveram acesso a suporte terapêutico adequado na infância ou adolescência. Esses comportamentos, por sua vez, aumentam a vulnerabilidade a outras condições de saúde física e mental.
O abuso sexual infantil também está associado a um risco elevado de revitimização na vida adulta. Pesquisas indicam que mulheres que sofreram abuso sexual na infância têm maior probabilidade de serem vítimas de violência doméstica ou outros tipos de abuso no futuro (Hill, 2018). Esse ciclo de violência ressalta a importância de intervenções eficazes ainda na infância, com o objetivo de prevenir a perpetuação do trauma.
Do ponto de vista neurobiológico, o abuso sexual infantil pode causar alterações duradouras no funcionamento cerebral. Estudos neurocientíficos revelam que a exposição a traumas precoces afeta áreas do cérebro responsáveis pelo processamento emocional e pela resposta ao estresse, como a amígdala e o hipocampo. Essas alterações contribuem para a dificuldade de regulação emocional, um problema frequentemente observado em vítimas de abuso sexual (Ferreira et al., 2020).
Sendo assim, as consequências do abuso sexual infantil na vida adulta reforçam a necessidade de estratégias preventivas e de acolhimento precoce. Além de proporcionar suporte imediato às vítimas, é essencial oferecer acompanhamento contínuo que aborde os impactos a longo prazo, visando à recuperação integral e à qualidade de vida das pessoas afetadas.
2.4 A IMPORTÂNCIA DO ACOLHIMENTO ADEQUADO
O acolhimento adequado é essencial no processo de recuperação de crianças vítimas de abuso sexual, desempenhando um papel decisivo na mitigação dos impactos psicológicos e na promoção de uma reintegração saudável ao ambiente social. O cuidado envolve não apenas suporte psicológico especializado, mas também ações integradas que protejam as vítimas da revitimização e garantam a preservação de sua dignidade e bem-estar (Vasconcelos, 2019).
A Lei nº 13.431/2017, conhecida como a “Lei da Escuta Especializada”, estabelece diretrizes para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Essa legislação introduziu o depoimento especial como medida para reduzir a exposição da criança a situações de estresse durante o processo judicial. Ao permitir que o relato seja colhido em um ambiente protegido e por profissionais capacitados, a lei busca evitar que as vítimas revivam o trauma ao recontar suas histórias (BRASIL, 2017).
O suporte psicológico é outro aspecto importante no acolhimento das vítimas. Estudos mostram que intervenções terapêuticas baseadas na terapia cognitivo-comportamental (TCC) têm se mostrado eficazes na redução dos sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e na melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes que sofreram abuso sexual. A psicóloga Vasconcelos (2019) reforça que, para alcançar resultados positivos, é necessário que o tratamento seja iniciado o mais rápido possível após a revelação do abuso.
Além disso, o envolvimento de uma rede de apoio sólida, composta por familiares, educadores e profissionais de saúde, é essencial para que a criança se sinta protegida e amparada. Rosa et al. (2021) destacam que a confiança no adulto responsável pelo acolhimento é um fator determinante para o sucesso do processo de recuperação. A ausência desse apoio pode agravar as sequelas emocionais, prejudicando a capacidade da criança de superar o trauma.
A formação e capacitação de profissionais que atuam diretamente no atendimento às vítimas são também fundamentais para o acolhimento adequado. Médicos, psicólogos, assistentes sociais e educadores devem ser treinados para identificar sinais de abuso, adotar uma abordagem humanizada e respeitar as particularidades de cada caso. A falta de preparo dos profissionais pode comprometer o atendimento, expondo as vítimas a novas situações de vulnerabilidade (Ferreira et al., 2020).
Outro elemento essencial do acolhimento é a articulação entre os diversos setores envolvidos, como saúde, assistência social e justiça. A criação de centros de atendimento integrados tem se mostrado uma estratégia eficaz para oferecer suporte multidisciplinar em um único local. Segundo Hill (2018), a proximidade entre os profissionais desses setores reduz a burocracia e facilita o acesso das vítimas aos serviços de proteção e cuidado.
Portanto, o acolhimento adequado vai além de uma abordagem pontual, exigindo um esforço conjunto entre familiares, profissionais e o Estado. A aplicação de leis protetivas, a oferta de suporte psicológico e a criação de políticas públicas efetivas são pilares indispensáveis para garantir a recuperação das vítimas e a prevenção de novos casos.
3. METODOLOGIA
Este artigo foi elaborado por meio de uma revisão bibliográfica integrativa, com foco em estudos acadêmicos, documentos legais e dados oficiais relacionados ao abuso sexual infantil, suas consequências psicológicas e estratégias de acolhimento. A pesquisa abrangeu o período de 2015 a 2024, utilizando as bases de dados Scielo, PubMed e Google Scholar, além de legislações nacionais como a Lei nº 13.431/2017 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Os critérios de inclusão consideraram artigos e documentos disponíveis em português e inglês, que abordassem especificamente o impacto psicológico do abuso sexual infantil e a importância do acolhimento. Foram excluídos materiais com foco apenas em aspectos jurídicos ou estudos sem análise empírica ou revisão crítica.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados desta revisão bibliográfica confirmam a gravidade das consequências do abuso sexual infantil, reforçando a necessidade de estratégias eficazes de prevenção, acolhimento e tratamento. Estudos demonstram que o impacto psicológico desse tipo de violência é amplo, afetando vítimas em diferentes dimensões de suas vidas. Uma das principais descobertas foi a prevalência de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) entre as crianças afetadas, sendo identificado em cerca de 57% dos casos analisados, especialmente quando as vítimas não recebem suporte adequado (Ferreira et al., 2020). Essa condição é caracterizada por flashbacks recorrentes, hiperatividade emocional e dificuldade de regulação afetiva, que podem persistir até a vida adulta.
Outro aspecto relevante é a manifestação de transtornos emocionais como depressão e ansiedade, que frequentemente acompanham as vítimas ao longo da vida. Esses transtornos são agravados por sentimentos de culpa e vergonha internalizados pelas crianças, muitas vezes reforçados pela dinâmica de manipulação psicológica imposta pelos agressores (Hill, 2018). A ausência de uma rede de apoio eficiente contribui significativamente para o agravamento dessas condições, evidenciando a importância de um acolhimento adequado e multidisciplinar.
Do ponto de vista social, as vítimas de abuso sexual infantil apresentam dificuldades de socialização, com comportamentos que variam entre retração extrema e reatividade exacerbada. Essas dificuldades comprometem o desempenho escolar e a formação de vínculos interpessoais saudáveis, elementos fundamentais para o desenvolvimento pleno (Vasconcelos, 2019). A escola, como espaço de convivência diária, foi destacada na literatura como uma instituição-chave para identificar sinais de abuso e iniciar intervenções precoces.
Os dados também apontaram a necessidade de reforçar políticas públicas voltadas à proteção de crianças e adolescentes. A Lei nº 13.431/2017, que estabelece diretrizes para o depoimento especial e a escuta protegida, foi amplamente citada como um avanço significativo na redução da revitimização das vítimas no sistema judicial. No entanto, a implementação dessa lei ainda enfrenta desafios relacionados à capacitação de profissionais e à articulação entre os setores de justiça, saúde e assistência social (BRASIL, 2017).
Estratégias preventivas, como a educação sexual nas escolas, foram identificadas como fundamentais para reduzir a incidência de abuso. Programas educativos que ensinam as crianças sobre limites pessoais e consentimento são eficazes para aumentar a conscientização e a capacidade de identificar situações de risco (Rosa et al., 2021). Além disso, campanhas de conscientização direcionadas à comunidade desempenham um papel essencial na desnaturalização do abuso e no estímulo à denúncia.
No âmbito familiar, o estudo revelou que a participação ativa de familiares no processo de recuperação é um fator determinante para a superação do trauma. No entanto, em casos em que o agressor faz parte do núcleo familiar, a intervenção de outros atores da rede de apoio torna-se ainda mais crucial. O distanciamento do agressor e o fortalecimento de relações familiares saudáveis são estratégias fundamentais para garantir a segurança e o bem-estar da vítima (Ferreira et al., 2020).
A articulação entre diferentes setores da sociedade foi outro ponto destacado como essencial para combater o abuso sexual infantil de forma eficaz. Centros de atendimento integrados, que reúnem serviços de saúde, assistência social e justiça em um único local, foram apontados como modelos eficientes de suporte às vítimas. Segundo Hill (2018), a proximidade entre os profissionais desses setores facilita o acesso aos serviços e reduz a burocracia, garantindo um atendimento mais ágil e humanizado.
Do ponto de vista psicológico, intervenções baseadas na terapia cognitivo-comportamental (TCC) foram amplamente citadas como eficazes no tratamento de crianças vítimas de abuso sexual. Essa abordagem terapêutica ajuda as crianças a reorganizarem suas percepções sobre o trauma, desenvolvendo estratégias saudáveis de enfrentamento e recuperação emocional (Vasconcelos, 2019). Além disso, a utilização de terapias de grupo tem se mostrado útil para promover o compartilhamento de experiências e a construção de uma rede de apoio entre as vítimas
Os resultados também destacaram a importância do treinamento contínuo de profissionais que atuam diretamente com crianças. A falta de capacitação foi identificada como uma barreira significativa para a identificação precoce de sinais de abuso e a adoção de medidas de proteção. Investir em programas de formação para educadores, profissionais de saúde e agentes do sistema de justiça é essencial para melhorar a eficácia das intervenções (Rosa et al., 2021).
Sendo assim, a discussão evidenciou que, embora avanços tenham sido feitos no enfrentamento do abuso sexual infantil, ainda existem lacunas significativas a serem preenchidas. A integração entre os diversos atores da rede de apoio, a ampliação de políticas públicas e o fortalecimento de ações preventivas são desafios que precisam ser enfrentados para garantir um futuro mais seguro e digno para as crianças.
CONCLUSÃO
O abuso sexual infantil é uma das formas mais devastadoras de violência, com consequências que ultrapassam a dimensão individual e atingem toda a sociedade. Este estudo buscou compreender os impactos psicológicos dessa violação, destacando a importância do acolhimento adequado e a necessidade de estratégias eficazes de prevenção e intervenção. A análise dos dados revelou que o trauma resultante do abuso sexual infantil é profundo e persistente, com impactos emocionais, sociais e comportamentais que frequentemente se estendem por toda a vida.
Entre os principais achados, destaca-se a alta prevalência de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão e ansiedade entre as vítimas, condições que podem comprometer significativamente o bem-estar e a qualidade de vida das crianças. Esses transtornos, muitas vezes agravados pela ausência de suporte adequado, reforçam a urgência de um acolhimento multidisciplinar que ofereça suporte psicológico, social e jurídico. Além disso, ficou evidente que o envolvimento de uma rede de apoio eficiente é crucial para minimizar os danos e promover a recuperação das vítimas.
A importância da prevenção também foi amplamente evidenciada. Programas de educação sexual nas escolas, campanhas de conscientização comunitária e a capacitação de profissionais foram identificados como estratégias indispensáveis para reduzir a incidência de abuso sexual infantil. Essas ações, além de prevenir novos casos, promovem uma cultura de proteção e respeito aos direitos das crianças, que são frequentemente vulnerabilizadas por contextos sociais e econômicos desfavoráveis.
Outro ponto fundamental discutido foi a relevância das políticas públicas, como a Lei nº 13.431/2017, que introduziu avanços significativos no tratamento das vítimas durante os processos judiciais, protegendo-as da revitimização. No entanto, a implementação dessa legislação ainda enfrenta desafios práticos, como a falta de recursos e a necessidade de maior capacitação dos profissionais envolvidos. Esses obstáculos mostram que, embora progressos tenham sido alcançados, ainda há muito a ser feito para garantir que todas as crianças tenham acesso a um atendimento digno e eficiente.
A conclusão reforça que enfrentar o abuso sexual infantil exige esforços conjuntos de toda a sociedade. Governos, instituições, famílias e comunidades devem assumir responsabilidades compartilhadas na criação de ambientes seguros para as crianças. Isso inclui não apenas o fortalecimento de leis e políticas públicas, mas também o investimento em serviços especializados que proporcionem apoio integral às vítimas. A articulação entre os diferentes setores da sociedade é essencial para que ações de prevenção, acolhimento e tratamento sejam efetivas e sustentáveis.
Assim, é fundamental reconhecer que o combate ao abuso sexual infantil vai além da resposta imediata a casos específicos; trata-se de transformar estruturas sociais que perpetuam a vulnerabilidade das crianças. Isso só será possível por meio de uma abordagem sistêmica, que promova educação, conscientização e o fortalecimento de valores éticos e humanos. O objetivo final é garantir que cada criança tenha a oportunidade de crescer em um ambiente protegido, onde seus direitos sejam respeitados e sua dignidade preservada. Ao adotar essas medidas, é possível reduzir os danos causados por essa forma de violência e construir uma sociedade mais justa e solidária, onde a proteção da infância seja uma prioridade inquestionável.
REFERÊNCIAS
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