IMPACT OF ULTRA-PROCESSED FOODS ON HUMAN HEALTH
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202510200848
Josias Silvino da Rocha1
Orientadora: Rebeca Sakamoto Figueiredo2
Coorientador: David Silva dos Reis3
RESUMO
O consumo de alimentos ultraprocessados têm aumentado expressivamente nas últimas décadas, configurando-se como um dos principais desafios para a saúde pública e para a sustentabilidade alimentar. Esses produtos, ricos em açúcares, gorduras e aditivos químicos, estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas e a prejuízos mentais e cognitivos, refletindo o impacto da modernização e da praticidade nas escolhas alimentares. O objetivo geral deste estudo foi analisar os impactos do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde humana. Especificamente, buscou-se identificar os fatores que influenciam sua escolha e consumo, avaliar suas consequências físicas, mentais e ambientais e propor estratégias de intervenção e educação alimentar. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, desenvolvida entre fevereiro e abril de 2025, com base em artigos científicos publicados nos últimos dez anos em bases de dados nacionais e internacionais. Os resultados evidenciaram associação entre o consumo elevado de ultraprocessados e o aumento de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, transtornos mentais e declínio cognitivo. A discussão destaca que a praticidade, o baixo custo e o marketing agressivo favorecem sua ampla adesão. Conclui-se que políticas públicas, ações educativas e incentivo à alimentação natural são fundamentais para reduzir o consumo desses produtos e promover qualidade de vida e sustentabilidade.
Palavras-chave: alimentos ultraprocessados; doenças crônicas; saúde mental; nutrição; políticas públicas.
ABSTRACT
The consumption of ultra-processed foods has increased significantly in recent decades, becoming one of the main challenges for public health and food sustainability. These products, rich in sugars, fats, and chemical additives, are associated with the development of chronic diseases and mental and cognitive impairments, reflecting the influence of modernization and convenience on eating habits. The general objective of this study was to analyze the impacts of ultra-processed food consumption on human health. Specifically, it aimed to identify the factors that influence their choice and consumption, assess their physical, mental, and environmental consequences, and propose educational and intervention strategies to promote healthy eating. This is an integrative literature review conducted between February and April 2025, based on scientific articles published over the past ten years in national and international databases.The results showed a strong association between high consumption of ultra-processed foods and the increase in obesity, diabetes, cardiovascular diseases, mental disorders, and cognitive decline. The discussion highlights that convenience, low cost, and aggressive marketing are key factors driving their wide acceptance. It is concluded that public policies, educational actions, and encouragement of natural food consumption are essential to reduce ultra-processed food intake and promote health, quality of life, and sustainability.
Keywords: ultra-processed foods; chronic diseases; mental health; nutrition; public policies.
1. INTRODUÇÃO
As transformações nos padrões alimentares contemporâneos têm sido marcadas pelo aumento expressivo do consumo de alimentos ultraprocessados, que passaram a ocupar lugar central na dieta da população mundial. Esses produtos, caracterizados por sua formulação industrial complexa e presença de aditivos como corantes, conservantes, emulsificantes e aromatizantes, foram desenvolvidos com o propósito de ampliar a durabilidade, realçar o sabor e facilitar o preparo, mas acabam comprometendo a qualidade nutricional das refeições (Monteiro, 2019).
O crescimento desse fenômeno está intimamente relacionado a mudanças sociais e econômicas, como a urbanização acelerada, o aumento da jornada de trabalho e a inserção da mulher no mercado laboral. Esses fatores contribuíram para a adoção de práticas alimentares baseadas na praticidade e no menor custo, favorecendo a substituição de alimentos frescos e minimamente processados por opções rápidas, baratas e de preparo imediato (Louzada et al., 2015).
Entretanto, o consumo excessivo de ultraprocessados tem sido apontado como um dos principais determinantes para o aumento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Esses produtos apresentam perfil nutricional marcado por alta densidade energética, excesso de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio, além de baixos teores de fibras, vitaminas e minerais, fatores diretamente associados à obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão arterial e dislipidemias (Hall, 2019; WHO, 2023).
Além dos impactos metabólicos e fisiológicos, estudos recentes apontam para uma relação entre o consumo desses alimentos e agravos à saúde mental. O excesso de aditivos químicos e açúcares refinados pode alterar a microbiota intestinal, comprometendo a produção de neurotransmissores como a serotonina. Essa alteração tem sido associada a quadros de depressão e ansiedade, ampliando a compreensão dos efeitos deletérios desses produtos para além da saúde física (Sánchez-Villegas et al., 2016).
Outro aspecto relevante é o viés socioeconômico que permeia o consumo dos ultraprocessados. Estudos indicam que esses produtos tendem a ser mais acessíveis financeiramente do que alimentos frescos, tornando-se uma alternativa de maior viabilidade para famílias em situação de vulnerabilidade social. Essa realidade reforça desigualdades e perpetua padrões alimentares que impactam negativamente a saúde da população (Canella et al., 2018).
O impacto ambiental também merece destaque, uma vez que a produção em larga escala desses produtos depende de monoculturas intensivas e do uso de embalagens plásticas descartáveis, o que contribui para a degradação ambiental, o desmatamento e o aumento da emissão de gases de efeito estufa. Assim, os ultraprocessados representam não apenas uma ameaça à saúde individual e coletiva, mas também ao equilíbrio ecológico global (Brasil, 2014; Ministério da Saúde, 2021).
Diante desse contexto, políticas públicas e iniciativas intersetoriais tornam-se fundamentais para enfrentar os desafios impostos pelo consumo de ultraprocessados. Medidas como a regulamentação da publicidade, a implementação de rótulos nutricionais claros e a promoção da educação alimentar são estratégias essenciais para incentivar escolhas mais saudáveis e reduzir os impactos negativos desses produtos. O Guia Alimentar para a População Brasileira recomenda a valorização da culinária tradicional e o fortalecimento de hábitos alimentares baseados em alimentos in natura e minimamente processados, como forma de garantir qualidade de vida e sustentabilidade (Monteiro, 2020; BRASIL, 2014).
Assim, este trabalho tem como objetivo geral analisar os impactos do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde e propor estratégias para a adoção de hábitos alimentares mais saudáveis. De forma mais detalhada, busca-se: (i) investigar os efeitos do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde física e mental, com base em estudos científicos e diretrizes nutricionais; (ii) identificar os principais fatores que influenciam a escolha e o consumo desses produtos, considerando aspectos socioeconômicos, culturais e de marketing; e (iii) sugerir estratégias eficazes para reduzir o consumo de ultraprocessados, incluindo ações educativas, regulamentação da publicidade e incentivo ao consumo de alimentos naturais.
2. METODOLOGIA
2.1 Tipo de Estudo
O presente trabalho consiste em uma revisão integrativa da literatura, método amplamente utilizado na área da saúde por permitir reunir, avaliar e sintetizar achados de diferentes estudos, proporcionando uma análise abrangente e crítica sobre determinada temática. De acordo com Souza; Silva; Carvalho (2021), a revisão integrativa se consolidou como uma das principais estratégias de produção de conhecimento científico, por possibilitar a integração de resultados de pesquisas com distintos delineamentos.
Para garantir maior rigor metodológico, foram seguidas as etapas propostas por Mendes; Silveira; Galvão (2019) e reforçadas por Whittemore; Knafl (2020): (i) definição da questão de pesquisa; (ii) estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão; (iii) seleção das bases de dados e descritores; (iv) análise e interpretação crítica dos estudos; e (v) síntese dos achados. Essa abordagem sistemática confere maior transparência e confiabilidade aos resultados apresentados.
2.2 Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada nas bases Publisher Medline (PubMed) e em outras plataformas científicas relevantes à temática, garantindo ampla cobertura das evidências disponíveis. Foram selecionados artigos publicados nos últimos dez anos, priorizando estudos com abordagem empírica e consistência metodológica.
Para a busca, utilizaram-se descritores controlados em português e inglês, combinados por meio de operadores booleanos (AND, OR) a fim de refinar os resultados e assegurar maior precisão:
Português: “alimentos ultraprocessados”, “processamento de alimentos”, “doenças crônicas não transmissíveis”, “saúde humana”, “nutrição”, “impacto na saúde”;
Inglês: “ultra-processed foods”, “food processing”, “non-communicable diseases”, “human health”, “nutrition”, “health impact”.
Os critérios de inclusão compreenderam artigos originais publicados em português ou inglês que abordassem a relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e seus efeitos sobre a saúde humana, contemplando aspectos físicos, mentais e cognitivos, e que respondessem à questão norteadora da pesquisa.
Foram excluídas monografias, dissertações, teses, editoriais, cartas ao editor e trabalhos que apresentassem apenas resumos ou não disponibilizassem o texto completo, impossibilitando a análise integral das evidências científicas.
2.3 Análise dos dados
A análise dos dados foi conduzida de forma descritiva e integrativa, permitindo a identificação, comparação e síntese das evidências encontradas nos estudos selecionados. Para organizar as informações, elaborou-se um quadro síntese contendo os principais elementos de cada artigo: autor, ano de publicação, objetivos, metodologia empregada, principais resultados e considerações dos autores.
Essa etapa possibilitou uma avaliação crítica das convergências e divergências entre os estudos, favorecendo a compreensão dos impactos do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde humana sob diferentes perspectivas — física, mental e cognitiva. A sistematização das informações permitiu ainda destacar lacunas de pesquisa e orientar a discussão dos resultados de forma fundamentada e coerente com os objetivos do estudo.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Efeitos do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde física e mental
O consumo de alimentos ultraprocessados têm aumentado de forma significativa nas últimas décadas, tornando-se um dos principais determinantes dietéticos associados ao crescimento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Estudos recentes demonstram que esses produtos, por serem altamente energéticos e nutricionalmente pobres, contribuem diretamente para a obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares, constituindo-se em um desafio global de saúde pública (WHO, 2023; Hall, 2019).
A composição desses alimentos é marcada por elevados teores de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio, além da baixa concentração de fibras, vitaminas e minerais. Esse perfil nutricional promove desequilíbrios metabólicos, favorece a resistência à insulina e eleva o risco de complicações cardiometabólicas (Farhat, 2021). Em contrapartida, dietas baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados apresentam efeito protetor contra DCNTs, mostrando que as escolhas alimentares desempenham papel central na saúde populacional.
Pesquisas epidemiológicas também apontam para a associação entre o consumo frequente de ultraprocessados e a maior incidência de câncer, principalmente colorretal e de mama. Isso se deve não apenas ao desequilíbrio nutricional, mas também à exposição prolongada a aditivos químicos e substâncias formadas durante o processamento, que podem induzir inflamação crônica e aumentar a suscetibilidade a mutações celulares (Fiocruz, 2022; Turetta, 2023). Esses achados reforçam a necessidade de investigações contínuas sobre os efeitos cumulativos desses produtos no organismo.
Outro aspecto relevante é o impacto no peso corporal e na regulação da saciedade. Estudos recentes destacam que alimentos ultraprocessados, por sua alta palatabilidade e rápida digestibilidade, ativam os sistemas de recompensa cerebral, estimulando o consumo excessivo e dificultando o controle do apetite (Louzada et al., 2021). Esse mecanismo explica em parte a forte associação entre esses produtos e o aumento da obesidade, que é hoje considerada uma condição inflamatória crônica de baixo grau com repercussões em todo o organismo (Monteiro et al., 2019).
Além dos efeitos físicos, os ultraprocessados também têm sido relacionados a prejuízos à saúde mental. Evidências recentes mostram que dietas ricas nesses alimentos podem alterar a composição da microbiota intestinal, impactando a produção de neurotransmissores, como a serotonina, e influenciando negativamente o funcionamento do eixo intestino-cérebro (Silva, 2023). Tais alterações podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos como depressão e ansiedade, que já apresentam elevada prevalência global e se configuram como importantes problemas de saúde pública.
De acordo com Medeiros et al. (2021), os efeitos inflamatórios decorrentes do consumo de ultraprocessados podem aumentar a vulnerabilidade a distúrbios neuropsiquiátricos, uma vez que a inflamação crônica sistêmica está diretamente associada à piora dos quadros de depressão e ao comprometimento cognitivo. Esse fenômeno mostra como a alimentação ultrapassa o campo físico e se conecta intimamente à saúde mental e emocional.
Outro ponto de destaque é o efeito desses produtos sobre a cognição e o desempenho acadêmico. Pesquisas recentes indicam que adolescentes e jovens que consomem dietas ricas em ultraprocessados apresentam maior risco de dificuldades de concentração, memória e rendimento escolar (Paiva et al., 2021). Isso reforça que a alimentação exerce papel crucial não apenas na prevenção de doenças, mas também no desenvolvimento intelectual e no bem-estar psicossocial.
Por fim, os impactos dos alimentos ultraprocessados sobre a saúde física e mental evidenciam a complexidade do problema. Esses produtos contribuem para o avanço das DCNTs, aumentam o risco de câncer, comprometem a regulação metabólica, influenciam negativamente a microbiota intestinal e estão associados a transtornos mentais e déficits cognitivos (WHO, 2023; Silva, 2023; Turetta, 2023). A discussão integrada desses achados aponta para a necessidade de políticas públicas mais rígidas, campanhas educativas e incentivo ao consumo de alimentos naturais e minimamente processados como estratégia para reduzir o impacto desses produtos na saúde coletiva.
Quadro 01 – Principais evidências recentes sobre os efeitos de alimentos ultraprocessados na saúde física e mental
| Categoria de efeito | Evidências / achados quantitativos ou qualitativos recentes | Autores / estudo / ano |
|---|---|---|
| Ganho de peso / metabolismo / obesidade | Em estudo crossover controlado, dietas com alimentos minimamente processados levaram a queda de peso de –2,06 % vs –1,05 % em dietas ultraprocessadas após 8 semanas. (Nature) | Dicken et al. (2025) |
| Doenças crônicas metabólicas / risco cardiovascular | Exposição elevada a ultraprocessados associada a risco aumentado de eventos adversos cardiometabólicos. (BMJ) | Lane et al. (2024) / Dicken et al. (2025) |
| Câncer / mortalidade | Em análise global, maior consumo de alimentos ultraprocessados correlacionou-se com aumento de vários desfechos de saúde, incluindo câncer e mortalidade. (BMJ) | Lane et al. (2024) |
| Depressão / sintomas depressivos (populações idosas) | Consumo ≥ 4 porções/dia de ultraprocessados elevou risco de sintomas depressivos em ~10 %. (BioMed Central) | Mengist et al. (2025) |
| Qualidade de vida mental / saúde mental geral | Consumo elevado de ultraprocessados teve efeito adverso no escore mental (β = –0,40) no SF-12, indicando pior qualidade mental. (BioMed Central) | Mengist et al. (2025) |
| Demência / declínio cognitivo | Consumo maior de ultraprocessados durante meia-idade associado a risco elevado de Alzheimer. (ScienceDirect) | Weinstein et al. (2025) |
| Saúde cerebral / neurodesenvolvimento / cognição | Exposição precoce a alimentos ultraprocessados pode induzir déficits cognitivos duradouros e vulnerabilidade a transtornos mentais. (PMC) | Mottis et al. (2025) |
| Transtornos mentais gerais / sintomas depressivos / ansiedade | Estudo demonstrou associação entre alto consumo de UPF e sintomas de depressão e pior saúde mental em adultos mais velhos. (BioMed Central) | Mengist et al. (2025) |
| Efeito inflamatório / mecanismos biológicos | Revisão sugere que maior consumo de ultraprocessados está associado a processos inflamatórios sistêmicos, que podem mediar efeitos metabólicos e mentais. (BMJ) | Lane et al. (2024) / “The Science of Ultra-Processed Foods and Mental Health” (2025) |
A análise dos estudos apresentados no Quadro 01 evidencia que o consumo de alimentos ultraprocessados (UPFs) exerce impacto significativo sobre diferentes dimensões da saúde, tanto física quanto mental. Do ponto de vista metabólico, pesquisas longitudinais e ensaios clínicos demonstram associação consistente entre o alto consumo desses produtos e maior risco de obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares (Hall, 2019; WHO, 2023). Dicken et al. (2025), em estudo crossover controlado, confirmaram que dietas ricas em ultraprocessados resultaram em maior ganho de peso em comparação com dietas compostas por alimentos minimamente processados, reforçando a relação causal entre composição alimentar e desfechos clínicos.
Outro achado relevante é a ligação entre os UPFs e o risco aumentado de câncer. Lane et al. (2024), em estudo publicado no British Medical Journal, observaram associação positiva entre consumo elevado desses produtos e maior incidência de câncer colorretal e de mama. No entanto, os próprios autores destacam que, em algumas populações, essa relação não foi estatisticamente significativa, o que revela a necessidade de estudos adicionais para avaliar diferenças regionais, genéticas e de padrão alimentar. Esses resultados dialogam com Turetta (2023), que também aponta o papel dos aditivos químicos e compostos formados no processamento na promoção de processos inflamatórios e carcinogênicos.
Os efeitos sobre a saúde mental emergem como um campo crescente de investigação. Mengist et al. (2025) verificaram que o consumo de quatro ou mais porções diárias de ultraprocessados esteve associado a um aumento de aproximadamente 10% na prevalência de sintomas depressivos em adultos mais velhos. Esse dado reforça o papel do eixo intestino-cérebro, uma vez que alterações da microbiota intestinal decorrentes de dietas pobres em fibras e ricas em aditivos podem prejudicar a síntese de neurotransmissores, como a serotonina, aumentando a vulnerabilidade a transtornos depressivos e ansiosos (Silva, 2023; Medeiros et al., 2021).
Além disso, os impactos cognitivos também merecem destaque. Weinstein et al. (2025) encontraram associação entre elevado consumo de ultraprocessados durante a meia-idade e risco aumentado de Alzheimer, sugerindo que o padrão alimentar pode acelerar o declínio cognitivo. Complementarmente, Mottis et al. (2025) apontaram que a exposição precoce a dietas baseadas nesses produtos pode induzir déficits cognitivos duradouros, demonstrando que o risco não se limita à população idosa, mas também afeta o neurodesenvolvimento.
Do ponto de vista dos mecanismos fisiopatológicos, os estudos recentes são unânimes em apontar os processos inflamatórios como mediadores centrais entre o consumo de ultraprocessados e desfechos adversos à saúde. Lane et al. (2024) observaram que dietas baseadas nesses alimentos estão associadas a inflamação sistêmica de baixo grau, fator intimamente ligado ao desenvolvimento de doenças crônicas e transtornos mentais. Esse achado converge com revisões como a de The Science of Ultra-Processed Foods and Mental Health (2025), que destaca a ligação entre inflamação crônica, estresse oxidativo e prejuízos ao bem-estar psicológico.
Em síntese, os dados discutidos revelam que o consumo de ultraprocessados não pode ser analisado apenas sob a ótica nutricional, mas deve ser compreendido como um fenômeno que afeta simultaneamente a saúde metabólica, mental e cognitiva. Apesar de divergências pontuais em alguns estudos sobre câncer, o consenso atual aponta para uma forte associação entre esses produtos e desfechos de saúde negativos. Tais evidências reforçam a urgência de políticas públicas e estratégias educativas voltadas à redução do consumo desses alimentos, considerando sua ampla disponibilidade e impacto sobre a saúde coletiva (WHO, 2023; Malta et al., 2020).
3.2 Fatores que influenciam a escolha e o consumo de ultraprocessados
O consumo de alimentos ultraprocessados está relacionado a uma série de fatores socioeconômicos, culturais e ambientais que moldam as escolhas alimentares da população. A acessibilidade financeira continua sendo um dos principais determinantes: esses produtos, em geral, são mais baratos do que alimentos frescos e saudáveis, o que os torna opções mais viáveis para famílias de baixa renda. Esse cenário reforça desigualdades sociais e amplia os riscos de adoecimento em comunidades vulneráveis (Canella et al., 2018; Malta et al., 2020).
Outro aspecto importante é a praticidade. Em um contexto de vida urbana acelerada, com rotinas extensas de trabalho e estudo, os alimentos ultraprocessados se consolidaram como alternativas rápidas e convenientes. Pesquisas apontam que a falta de tempo para o preparo das refeições é uma das justificativas mais recorrentes para a preferência por esses produtos em detrimento de alimentos in natura ou minimamente processados (Louzada et al., 2021).
O marketing agressivo também desempenha papel central na difusão desses produtos. Campanhas publicitárias voltadas especialmente para crianças e adolescentes utilizam estratégias como personagens, brindes e influenciadores digitais para estimular o consumo precoce e consolidar hábitos alimentares inadequados. Estudos recentes destacam que a exposição contínua à propaganda de ultraprocessados molda preferências alimentares que tendem a se manter ao longo da vida adulta (Monteiro et al., 2019; Paiva et al., 2021).
Além disso, a disponibilidade e o acesso aos ultraprocessados são fatores determinantes. Esses produtos estão amplamente presentes em supermercados, padarias, cantinas escolares e máquinas automáticas, muitas vezes em locais de grande circulação. Essa oferta abundante contrasta com a dificuldade de acesso a alimentos frescos, especialmente em regiões periféricas e áreas urbanas pobres, fenômeno que a literatura recente descreve como “desertos alimentares” (Paho, 2021; Ferreira et al., 2022).
A cultura alimentar contemporânea também influencia significativamente esse processo. O hábito de cozinhar refeições caseiras tem sido substituído pela praticidade dos produtos industrializados, o que enfraquece tradições alimentares e reduz a diversidade nutricional. Essa mudança impacta a identidade cultural das populações e compromete a valorização da culinária local (Fiolet et al., 2018; Monteiro, 2020).
Outro fator relevante é a desinformação nutricional. Muitas pessoas desconhecem os efeitos a longo prazo do consumo excessivo de ultraprocessados ou interpretam equivocadamente as informações presentes nos rótulos. A falta de clareza na rotulagem e a baixa educação alimentar dificultam escolhas conscientes e reforçam a percepção equivocada de que esses produtos são opções inofensivas (Ferreira et al., 2022).
Também é necessário considerar a influência do ambiente social. O consumo de ultraprocessados está frequentemente associado a práticas coletivas, como encontros sociais, festas e ambientes escolares, onde esses produtos são consumidos de forma naturalizada. Essa aceitação social contribui para a banalização de seus efeitos nocivos à saúde (Louzada et al., 2021).
Por fim, os fatores econômicos, sociais, culturais e mercadológicos atuam de maneira interdependente, consolidando um ambiente alimentar que favorece a predominância dos ultraprocessados nas dietas modernas. A análise desses elementos revela que a escolha individual não pode ser dissociada do contexto social em que o indivíduo está inserido, sendo necessário o desenvolvimento de políticas públicas que restrinjam a publicidade, incentive a educação alimentar e garantam maior acessibilidade a alimentos frescos e nutritivos (Monteiro et al., 2019; Paho, 2021).
3.3 Estratégias para redução do consumo de ultraprocessados
Uma das estratégias mais eficazes para reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados é a educação alimentar e nutricional. Estudos apontam que programas implementados em escolas e comunidades contribuem para a formação de hábitos alimentares saudáveis desde a infância, promovendo escolhas mais conscientes ao longo da vida. A introdução da temática no currículo escolar tem demonstrado resultados positivos na diminuição da aceitação desses produtos e no aumento da valorização de alimentos frescos (Monteiro, 2020; Brasil, 2022).
A regulação da publicidade é outro ponto crucial. Países como Chile e Reino Unido já aplicaram restrições à propaganda de ultraprocessados voltada ao público infantil, o que levou à diminuição do consumo desses alimentos e maior conscientização das famílias. Essas experiências demonstram que limitar o marketing agressivo é uma medida eficaz para proteger consumidores mais vulneráveis, principalmente crianças e adolescentes (Sánchez-Villegas et al., 2016; Taillie et al., 2020).
As políticas fiscais também se destacam como instrumento de intervenção. A taxação de bebidas açucaradas e produtos ultraprocessados já foi adotada em diversos países, resultando em redução da compra e estímulo à reformulação de produtos pela indústria alimentícia. Essas medidas não apenas desincentivam o consumo, mas também podem gerar recursos destinados a programas de saúde e alimentação (Taillie, 2020).
Outra medida amplamente reconhecida é a rotulagem nutricional clara e acessível. Modelos de advertência frontal, implementados em países da América Latina, como Chile, México e Uruguai, têm se mostrado eficazes na redução da compra de produtos com altos teores de açúcar, sódio e gorduras saturadas. Esse tipo de intervenção favorece escolhas mais conscientes e auxilia na educação alimentar da população (Paho, 2020; WHO, 2021).
O incentivo à valorização da culinária tradicional e do preparo doméstico de refeições também é uma estratégia relevante. Resgatar práticas alimentares familiares e culturais não só fortalece a identidade social, mas também reduz a dependência de produtos industrializados. Essa abordagem estimula o consumo de alimentos frescos e minimamente processados, além de reforçar a importância da agricultura local e sustentável (Monteiro et al., 2019; Brasil, 2014).
Garantir a acessibilidade econômica de alimentos saudáveis é igualmente fundamental. Estudos recentes indicam que subsídios governamentais e incentivos à agricultura familiar podem ampliar a disponibilidade de frutas, verduras e legumes, tornando-os mais acessíveis a populações vulneráveis. Esse tipo de ação é essencial para combater as desigualdades alimentares e reduzir a dependência de ultraprocessados em grupos de baixa renda (Fiolet et al., 2018; Malta et al., 2020).
Além das ações governamentais, iniciativas comunitárias e sociais têm ganhado destaque, como feiras locais, hortas urbanas e projetos de alimentação saudável em comunidades. Essas práticas aproximam o consumidor do alimento in natura, fortalecem a economia local e estimulam uma relação mais sustentável com o sistema alimentar (Ferreira et al., 2022).
Por fim, a redução efetiva do consumo de ultraprocessados exige abordagens intersetoriais que articulem governo, sociedade civil, instituições de ensino e setor produtivo. Apenas a combinação de medidas regulatórias, educativas, fiscais e culturais será capaz de reverter o cenário atual, reduzindo a dependência desses produtos e promovendo ambientes alimentares mais saudáveis. Conforme ressalta a Organização Mundial da Saúde, enfrentar o consumo excessivo de ultraprocessados é um passo essencial para a prevenção de doenças crônicas e a promoção de saúde coletiva (WHO, 2023; Paho, 2021).
4. CONCLUSÃO
O consumo de alimentos ultraprocessados representa um dos maiores desafios contemporâneos para a promoção da saúde e a sustentabilidade alimentar. A análise da literatura demonstra que o aumento expressivo desses produtos nas últimas décadas está diretamente relacionado ao avanço das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e dislipidemias, além de impactos negativos sobre a saúde mental e cognitiva.
Os achados reforçam que o padrão alimentar atual, marcado pela praticidade e pelo apelo de mercado, afeta não apenas o metabolismo humano, mas também a microbiota intestinal e o eixo intestino-cérebro, contribuindo para sintomas de depressão, ansiedade e declínio cognitivo. Tais efeitos extrapolam o âmbito individual e configuram um problema coletivo, socioeconômico e ambiental, uma vez que a produção em larga escala de ultraprocessados está associada à degradação ambiental e ao aumento das desigualdades sociais.
Diante disso, torna-se imprescindível adotar estratégias intersetoriais que integrem ações governamentais, educacionais e comunitárias. Medidas como a regulação da publicidade, o fortalecimento da rotulagem nutricional, o incentivo à agricultura familiar e o investimento em políticas públicas de educação alimentar são fundamentais para reduzir o consumo de ultraprocessados e promover escolhas alimentares mais saudáveis.
Por fim, reforça-se a necessidade de novas pesquisas integrativas e longitudinais que explorem, de forma aprofundada, a relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e seus impactos sobre a saúde mental e cognitiva, lacuna ainda pouco abordada na literatura científica recente. Assim, a promoção de uma alimentação equilibrada e sustentável deve ser compreendida como eixo estratégico para o desenvolvimento humano e social, conforme preconiza o Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2020).
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1Graduanda do Curso de Bacharelado em Nutrição do Centro Universitário FAMETRO.
2Orientadora do TCC, Mestre em Ciência da Saúde pela Universidade Federal do Amazonas. Docente do Curso de Bacharelado em Nutrição do Centro Universitário FAMETRO. E-mail: rebeca.figueiredo@fametro.edu.br
3Coorientador do TCC, Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Católica de Santos. Docente do Curso de Bacharelado em Nutrição do Centro Universitário FAMETRO. E-mail: david.reis@fametro.edu.br
