IMPACTO DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA NA APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE PREVIDENCIÁRIA: UMA ANÁLISE JURÍDICA DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 26, § 2º, III DA EC 103/2019

IMPACT OF THE PENSION REFORM ON PERMANENT DISABILITY RETIREMENT: A LEGAL ANALYSIS OF THE UNCONSTITUTIONALITY OF ARTICLE 26, §2, III OF CONSTITUTIONAL AMENDMENT 103/2019

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411232332


Maria Laura Vargas Cabral¹;
Samuel Dias Ferreira da Silva²;
Vitória Araújo Silva³.


RESUMO

O presente trabalho analisa os impactos da Reforma da Previdência, introduzida pela Emenda Constitucional nº 103/2019, na concessão da aposentadoria por incapacidade permanente, com foco no Art. 26, § 2º, inciso III. O tema justifica-se pela necessidade de aprofundada compreensão acerca do histórico da previdência social e a evolução do benefício em peso, analisando o regramento de cálculo anterior e posteriormente à promulgação da Emenda Constitucional e as diversas formas como restam afetados os segurados do regime geral de previdência social. Tem-se por objetivos uma análise acertada da legislação hodierna com a finalidade de averiguar a justiça da forma de cálculo instituída pela Reforma da Previdência. Consiste a metodologia utilizada em um estudo rigoroso da Constituição Federal da 1988 e princípios constitucionais, da Emenda Constitucional referida, da Lei nº 8.213/91, do Decreto 3.048/99, do entendimento jurisprudencial dos tribunais regionais e do Supremo Tribunal Federal e o entendimento lecionado por doutrinadores como José Antônio Savaris, Hugo Goes e Gustavo Beirão Araújo. Os principais resultados indicam que, apesar de aprovada a Emenda Constitucional, diversos princípios constitucionais e leis se encontram feridos pelo novo regramento de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente previdenciária, pois prejudica o segurado em diferentes âmbitos, entendimento este que já tem sido adotado pelos tribunais e compartilhado por doutrinadores especialistas, embora pendente de decisão pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, conclui-se que o Art. 26, § 2º, inciso III da Emenda Constitucional nº 103/2019 é incongruente e deve ser declarado inconstitucional, pois impõe um contexto de verdadeiro retrocesso social.

Palavras-chave: Direito Previdenciário. Reforma da Previdência. Aposentadoria por Invalidez. Incapacidade Permanente. Inconstitucionalidade.

ABSTRACT

The present study analyzes the impacts of the Pension Reform introduced by Constitutional Amendment No. 103/2019 on the granting of permanent disability retirement, with a focus on Article 26, §2, item III. The topic is justified by the need for a deeper understanding of the history of social security and the evolution of this benefit, analyzing the calculation rules before and after the promulgation of the Constitutional Amendment, and the various ways in which insured individuals under the general social security system are affected. The study aims to provide an accurate analysis of current legislation to evaluate the fairness of the calculation method established by the Pension Reform. The methodology employed involves a rigorous examination of the 1988 Federal Constitution and its constitutional principles, the referenced Constitutional Amendment, Law No. 8.213/91, Decree No. 3.048/99, case law from regional courts and the Federal Supreme Court, and scholarly interpretations from experts such as José Antônio Savaris, Hugo Goes, and Gustavo Beirão Araújo. The main findings indicate that, despite the approval of the Constitutional Amendment, several constitutional principles and laws have been violated by the new calculation rules for permanent disability retirement benefits. These rules disadvantage insured individuals in various aspects, a view that has already been adopted by courts and supported by legal scholars, although a decision is still pending before the Federal Supreme Court. In conclusion, Article 26, §2, item III of Constitutional Amendment No. 103/2019 is inconsistent and should be declared unconstitutional, as it imposes a scenario of true social regression.

Keywords: Social Security Law. Pension Reform. Disability Retirement. Permanent Disability. Unconstitutionality.

1. INTRODUÇÃO

A Previdência Social no Brasil é um pilar essencial do sistema de seguridade social, com o objetivo de assegurar proteção ao trabalhador em situações de vulnerabilidade, tais como incapacidade, doença, velhice e morte. Desde a sua institucionalização com a Lei Eloy Chaves, em 1923, até a criação do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), a previdência brasileira passou por várias reformas, cada uma refletindo os desafios sociais e econômicos de sua época. (BRASIL, 1923)

A Emenda Constitucional nº 103/2019, conhecida como Reforma da Previdência, introduziu profundas alterações no sistema previdenciário, com o objetivo declarado de garantir sua sustentabilidade financeira. Entretanto, entre as mudanças, a que talvez tenha causado maior controvérsia jurídica foi o Art. 26, § 2º, III, que reduziu o valor da aposentadoria por incapacidade permanente para aqueles que não tenham atingido o tempo mínimo de 20 anos de contribuição, excetuando os casos de acidente de trabalho ou doenças ocupacionais. (BRASIL, 2019)

Essa nova sistemática de cálculo gerou questionamentos sobre sua compatibilidade com os princípios constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana, da isonomia e o da vedação ao retrocesso social. Doutrinadores e juristas apontam que essa norma não apenas impõe uma penalização desproporcional a uma parcela vulnerável da população, como também fere o princípio da justiça distributiva, essencial à seguridade social. O presente trabalho busca analisar criticamente essas mudanças, à luz da doutrina e da jurisprudência, investigando se a redução dos valores da aposentadoria por incapacidade permanente é constitucional ou configura um retrocesso em direitos adquiridos.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA

A Previdência Social no Brasil teve origem no início do século XX, com a crescente demanda por proteção aos trabalhadores diante dos riscos de acidentes, doenças, invalidez e morte. A criação de um sistema previdenciário foi uma resposta às transformações socioeconômicas decorrentes da industrialização e urbanização do país. Ao longo de sua evolução, a previdência social passou por diversas mudanças legislativas, moldando o atual Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

2.1. O Início da Previdência Social no Brasil

A história da Previdência Social no Brasil formalizou-se com a promulgação da Lei Eloy Chaves, em 24 de janeiro de 1923 (Decreto Legislativo nº 4.682), que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs). Inicialmente, as CAPs eram destinadas aos empregados das estradas de ferro e forneciam benefícios como aposentadoria por invalidez, aposentadoria por tempo de serviço e pensão por morte. Considerada o marco inaugural da previdência no Brasil, a lei representou um passo decisivo para a consolidação de direitos trabalhistas básicos. (BRASIL, 1923)

Nos anos 1930 e 1940, o sistema previdenciário foi ampliado para incluir outras categorias de trabalhadores. Em 1933, o governo criou os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), substituindo as CAPs. Cada instituto era responsável por uma categoria profissional específica, como o IAPM (marítimos) e o IAPI (industriários). Embora expandisse a cobertura previdenciária, esse sistema gerou uma fragmentação na proteção social, criando disparidades entre trabalhadores de diferentes setores.

Segundo o doutrinador José Antônio Savaris, essa fragmentação contribuiu para a desigualdade entre categorias de trabalhadores, já que cada setor tinha suas próprias regras de acesso aos benefícios, o que posteriormente levou à necessidade de unificação do sistema. (SAVARIS, 2023)

2.2. A Unificação da Previdência e o INPS

Com o tempo, a necessidade de uma previdência mais eficiente e abrangente levou à unificação dos IAPs em 1966, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A unificação foi um marco importante para consolidar os diferentes regimes previdenciários em um sistema único, ampliando a cobertura para um número maior de trabalhadores. O INPS centralizou a gestão de benefícios como aposentadorias, pensões e auxílios, estabelecendo a base para o atual sistema previdenciário.

Outro avanço significativo ocorreu com a Constituição Federal de 1988, que introduziu o conceito de Seguridade Social, um sistema abrangente que integra saúde, previdência social e assistência social. (BRASIL, 1988) Esse sistema foi estruturado sobre três pilares fundamentais. O primeiro é a saúde, garantida como um direito universal e gratuito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), que assegura acesso a serviços de saúde para toda a população. O segundo pilar é a previdência social, um regime contributivo voltado para proteger o trabalhador e sua família em situações como incapacidade, velhice e morte, entre outras contingências. Por fim, a assistência social completa o sistema, destinando-se a atender pessoas em situação de vulnerabilidade, independentemente de qualquer contribuição prévia. Assim, a Seguridade Social busca promover a proteção integral e o bem-estar da sociedade.

Segundo Carlos Alberto Pereira de Castro, a Constituição de 1988 foi essencial para a consolidação de um sistema de proteção social integrado, garantindo direitos fundamentais aos trabalhadores e suas famílias, independentemente da situação econômica. (CASTRO, 2023)

2.3. As Reformas da Previdência ao Longo dos Anos

Desde a promulgação da Constituição de 1988, a Previdência Social passou por várias reformas. A Emenda Constitucional nº 20, de 1998, trouxe mudanças como o aumento do tempo de contribuição e a criação do fator previdenciário, cujo objetivo era desestimular aposentadorias precoces, reduzindo o valor dos benefícios para segurados que optavam por se aposentar antes de completar o tempo integral. (BRASIL, 1998)

Em seguida, a Emenda Constitucional nº 41, de 2003, impactou os regimes de aposentadoria dos servidores públicos, introduzindo o teto de benefícios e impondo a contribuição previdenciária para aposentados e pensionistas. (BRASIL, 2003)

Mais recentemente, a Emenda Constitucional nº 103, de 2019, conhecida como Reforma da Previdência, trouxe mudanças significativas ao sistema previdenciário brasileiro. Entre as principais alterações, destaca-se a introdução de uma idade mínima para aposentadoria, exigindo que os homens atinjam 65 anos e as mulheres 62 anos, com exceções para algumas categorias especiais, como professores e trabalhadores rurais. Além disso, houve uma modificação no cálculo dos benefícios, que passou a considerar a média de 100% das contribuições, em vez das 80% maiores, o que resultou em uma redução do valor médio dos benefícios. Por fim, a Reforma também impactou a aposentadoria por incapacidade permanente ao instituir um redutor no cálculo desse benefício, salvo nos casos decorrentes de acidente de trabalho ou doenças ocupacionais. Essas mudanças refletem uma reestruturação profunda do sistema previdenciário no Brasil. (BRASIL, 2019)

De acordo com José Antônio Savaris, as reformas de 2019 representam um avanço na tentativa de estabilizar o sistema previdenciário, mas também trazem o risco de comprometer a proteção social para aqueles que não atingem o tempo mínimo de contribuição. (SAVARIS, 2023) Essa preocupação está alinhada com discussões sobre o retrocesso social, um princípio que a Constituição de 1988 procura evitar, conforme reforçado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como na ADI 3105, onde o STF alertou que qualquer reforma não pode comprometer a dignidade da pessoa humana. (SAVARIS, 2023)

2.4. O Conceito de Previdência Social

A Previdência Social no Brasil constitui um sistema de proteção social que visa garantir a subsistência dos trabalhadores e de suas famílias em situações de risco, como doença, incapacidade, desemprego involuntário, maternidade, idade avançada e morte do provedor familiar. O sistema é baseado no princípio da solidariedade, segundo o qual trabalhadores em atividade contribuem para sustentar aqueles que já estão aposentados ou incapacitados.

O RGPS é financiado por contribuições de trabalhadores, empregadores e pelo governo, sendo administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pela concessão e manutenção dos benefícios.

2.5. O Impacto da Reforma da Previdência de 2019

A EC 103/2019 promoveu alterações substanciais na forma de cálculo e na concessão dos benefícios, com impactos particularmente negativos sobre a aposentadoria por incapacidade permanente. A nova fórmula de cálculo introduzida pela reforma impôs uma redução significativa no valor dos benefícios pagos a segurados que não atingiram o tempo mínimo de contribuição exigido, o que suscitou críticas e debates entre especialistas e juristas.

Segundo José Antônio Savaris e Carlos Alberto Pereira de Castro, as mudanças trazidas pela EC 103/2019, especialmente no cálculo da aposentadoria por incapacidade, representam um desafio ao caráter redistributivo e solidário do sistema previdenciário. Eles argumentam que a introdução de redutores nos benefícios de incapacidade permanente pode violar o princípio da dignidade da pessoa humana. (CASTRO e SAVARIS, 2023)

No campo jurisprudencial, o STF tem reiterado a necessidade de análise das reformas à luz dos princípios constitucionais. Em decisões como a ADI 3105, o Tribunal reforçou que as mudanças nas normas previdenciárias não podem significar retrocessos que comprometam a proteção social mínima garantida pela Constituição. (BRASIL, 2003)

3. ESPÉCIES DE BENEFÍCIOS –DISTINÇÃO ENTRE OS ART. 32 E ART. 92 DA LEI Nº 8.213/1991

A Lei nº 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, prevê diferentes modalidades de benefícios, com regras específicas para cada uma. No caso da aposentadoria por incapacidade permanente, os Artigos 32 e 92 tratam de situações distintas, que resultam em diferentes formas de concessão e cálculo do benefício. (BRASIL, 1991)

3.1. Aposentadoria por Incapacidade Permanente (Art. 32 da Lei nº 8.213/1991)

O Art. 32 da Lei nº 8.213/1991 regula a aposentadoria por incapacidade permanente concedida a segurados que, por motivo de doença ou acidente não relacionado ao trabalho, se tornam incapazes de exercer suas atividades profissionais de forma definitiva. (BRASIL, 1991)

Após a Emenda Constitucional nº 103/2019, o cálculo desse benefício foi significativamente alterado. A regra anterior, que considerava 100% da média das 80% maiores contribuições, foi substituída por um cálculo menos vantajoso. Agora, o benefício é calculado com base em 60% da média de todas as contribuições do segurado, com acréscimo de 2% por ano de contribuição que exceder 20 anos de contribuição (para homens) ou 15 anos (para mulheres). (BRASIL, 2019)

O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisões como a ADI 6096, já enfatizou que as reformas previdenciárias devem respeitar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da vedação ao retrocesso social. Reduções de direitos, como as introduzidas pela EC 103/2019, precisam ser analisadas com cautela, especialmente no que diz respeito a segurados em situações de vulnerabilidade, como aqueles que se aposentam por incapacidade. (BRASIL, 2019)

Exemplo prático: João, um segurado com 15 anos de contribuição, desenvolveu uma doença crônica que o tornou permanentemente incapaz de trabalhar, mas essa doença não tem relação com sua atividade laboral. Pelo Art. 32, o cálculo da sua aposentadoria será feito com base em 60% da média de todas as suas contribuições, sem acréscimos, já que ele não excedeu o tempo mínimo de 20 anos. Se a média de suas contribuições for R$ 2.000,00, ele receberá R$ 1.200,00 (60% da média). Antes da reforma, ele teria direito a 100% da média das suas 80% maiores contribuições, o que poderia lhe render um benefício maior.

3.2. Aposentadoria por Incapacidade Permanente decorrente de Acidente de Trabalho (Art. 92 da Lei nº 8.213/1991)

Por outro lado, o Art. 92 da Lei nº 8.213/1991 regula a aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de acidente de trabalho, doença profissional ou doença ocupacional. A diferença central em relação ao Art. 32 é que, nesses casos, o benefício mantém o cálculo mais favorável: 100% da média de todas as contribuições do segurado. (BRASIL, 1991)

O STF, no julgamento da ADI 6096, destacou que, em situações envolvendo acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, é imperativo que as reformas respeitem a proteção reforçada garantida pela legislação aos segurados que estão expostos a maiores riscos, assegurando a manutenção de seus direitos, como o cálculo integral do benefício. (BRASIL, 2019)

Exemplo prático: Maria, uma operária com 10 anos de contribuição, sofreu um acidente grave na fábrica onde trabalhava, o que a deixou permanentemente incapacitada para o trabalho. Como seu acidente tem relação direta com sua atividade laboral, ela terá direito à aposentadoria por incapacidade permanente de acordo com o Art. 92. Se a média de suas contribuições for R$ 2.000,00, ela receberá o valor integral de R$ 2.000,00, já que o cálculo prevê 100% da média. Caso o acidente tivesse ocorrido fora do ambiente de trabalho, ela receberia o benefício calculado pelo Art. 32, que seria reduzido a 60% da média, ou seja, R$ 1.200,00.

3.3. Comparação e Discussão Jurídica

A distinção entre os benefícios previstos nos Artigos 32 e 92 é clara: enquanto o Art. 32 aplica-se a incapacidades que não têm relação com o trabalho, resultando em um valor reduzido do benefício após a EC 103/2019, o Art. 92 garante uma proteção mais robusta para aqueles que sofrem acidentes de trabalho ou desenvolvem doenças ocupacionais. (BRASIL, 1991)

De acordo com José Antônio Savaris, a distinção entre os benefícios por incapacidade acidentária e incapacidade comum é justificada pela responsabilidade social do empregador em relação ao trabalhador acidentado. No entanto, o tratamento para incapacidades não relacionadas ao trabalho foi severamente reduzido após a Reforma da Previdência de 2019, prejudicando a proteção mínima de segurados em situação de vulnerabilidade. (SAVARIS, 2023)

Exemplo comparativo: Imagine dois segurados: Carlos e Pedro, ambos com 12 anos de contribuição e que ganham, em média, R$ 2.500,00 ao longo de suas vidas contributivas. Carlos, que sofreu um acidente de trânsito fora do trabalho e ficou incapacitado, receberá o benefício calculado pelo Art. 32, resultando em 60% de sua média, ou seja, R$ 1.500,00. Já Pedro, que se acidentou no trabalho, terá o benefício calculado pelo Art. 92, o que lhe garante 100% da média de suas contribuições, recebendo assim os R$ 2.500,00 integrais. Isso demonstra como a origem da incapacidade afeta diretamente o valor do benefício.

4. REFORMA DA PREVIDÊNCIA E EC 103/2019: EXPLICAÇÃO DA REFORMA E PONTOS DE MODIFICAÇÃO

A priori, cumpre destacar que a Emenda Constitucional nº 103, usualmente chamada por “Reforma da Previdência”, foi promulgada em 12 de novembro de 2019, e trouxe uma série de mudanças significativas no sistema previdenciário brasileiro, tendo surgido da alegada necessidade por parte do governo federal de adequar o sistema previdenciário à realidade demográfica e financeira do Brasil, especialmente diante do aumento da expectativa de vida da população e da diminuição da taxa de natalidade. (BRASIL, 2019)

Neste liame, tem-se que a supracitada emenda constitucional visou garantir a sustentabilidade do sistema, alterando regras de cálculo de benefícios, bem como requisitos de idade mínima e tempo de contribuição para as aposentadorias, trazendo, ademais, alterações para benefícios específicos, como é o caso das aposentadorias, dentre elas a aposentadoria por incapacidade permanente, anteriormente denominada aposentadoria por invalidez.

A aposentadoria por incapacidade permanente, concedida aos segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que se encontram definitivamente incapacitados para o trabalho, sem a possibilidade de reabilitação para exercer qualquer outra atividade laboral que lhes garanta subsistência, conforme já delineado retro, pode possuir natureza previdenciária ou acidentária, respectivamente destinadas aos segurados acometidos de doenças ou em resultado a acidentes.

Anteriormente à Emenda Constitucional nº 103/2019, as regras para concessão de ambas as naturezas do referido benefício eram relativamente uniformes. Contudo, ocorre que, em consequência daquela, houve uma série de mudanças, especialmente no cálculo do valor dos benefícios previdenciários, que passaram a ser menos vantajosos para os segurados. (BRASIL, 2019)

Em suma, o cálculo do benefício dos segurados aposentados por incapacidade permanente anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 103/2019 tinha por base o importe monetário correspondente a 100% (cem por cento) da média aritmética simples dos 80% (oitenta por cento) maiores salários contributivos desde julho de 1994, consoante o Art. 44 da Lei 8.213/91, “Art. 44. A aposentadoria por invalidez, inclusive a decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do saláriode-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei.” (BRASIL, 2019)

Vale ressaltar, nesse sentido, que a regra de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente que precede a referida Reforma Previdenciária é aplicável tanto ao benefício de natureza previdenciária, quanto acidentária, não havendo distinção entre estas para a finalidade de encontro do coeficiente descrito.

A posteriori, com o advento da Emenda Constitucional 103/2019, sofreu severa modificação a forma de cálculo do valor dos benefícios de aposentadoria. Vejamos, senão, a redação do dispositivo hodiernamente vigente no que tange ao benefício em comento:

Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência. […]

§ 2º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição nos casos: […]

III – de aposentadoria por incapacidade permanente aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, ressalvado o disposto no inciso II do § 3º deste artigo; e […] (BRASIL, 2019)

Ad summam, dentre as aposentadorias (nestas incluída a aposentadoria por incapacidade permanente) não mais há a desconsideração de 20% (vinte por cento) das menores contribuições desde 1994, mas o cômputo de 100% (cem por cento) das contribuições vertidas desde a referida data para, posteriormente ao cálculo da média aritmética simples destas, resultar na incidência do coeficiente de 60% (sessenta por cento) acrescidos de 2% (dois por cento) a cada ano de contribuição que ultrapasse os 20 (vinte) e 15 (quinze) anos, respectivamente referentes aos segurados do sexo masculino e feminino.

4.1. Impactos da Reforma dos Segurados Futuros

Além dos duros impactos já delineados anteriormente no que tange à forma como restam afetados os segurados futuros da previdência social, tem-se que as mudanças substanciais observadas pela nova legislação em contexto implicam em direta relação no modo como estes alcançarão ou não os benefícios de natureza previdenciária.

Conforme já arguido retro, o cálculo das aposentadorias dos futuros segurados sofreu brusca redução em razão da legislação vigente, especialmente para aqueles que não atingirem extensos períodos contributivos. Assim, isso se dá pelo fato de que para os novos segurados da previdência social, além de não haver mais o descrito descarte de 20% das menores contribuições, na realidade hodierna se exige também, para atingir o coeficiente de 100% da média das contribuições como valor final do benefício de aposentadoria, tempo de contribuição mínimo de 40 (quarenta) e 35 (trinta e cinco) anos, respectivamente, os homens e as mulheres; lastimavelmente se percebe um cenário em que uma parcela cada vez maior da população é desincentivada pela referida modificação legislativa, eis que acaso percam definitivamente os cidadãos integrantes daquela a capacidade laboral, a exemplo, ficarão reféns em caráter vitalício  de um benefício de valor reduzido e, por conseguinte, criando uma problemática de precarização do sistema de seguridade social.

A referida segregação entre segurados passados e futuros, inclusive, dispõe de notório vínculo para com a explanação supra, eis que evidencia um contexto de desigualdade de tratamento, pois que enquanto aqueles que já haviam contribuído à previdência social em momento anterior à entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019 e atingido os requisitos exigidos para a concessão do benefício previdenciário manterão preservado o direito à regra de cálculo anterior, os segurados futuros (nestes incluídos todos os cidadãos filiados após 12/11/2019) sujeitar-se-ão ao novo regramento, que é menos vantajoso e oportuniza um tratamento passível de quebrar a igualdade dentro do próprio sistema previdenciário nacional, reforçando o debate entre o princípio da igualdade e o direito adquirido, além de colocar à prova a compatibilidade da citada Reforma Previdenciária com os preceitos constitucionais de proteção social. (BRASIL, 2019)

4.2. Exceções e Casos Especiais

Apesar das inúmeras alterações já destacadas, contudo, principalmente no que tange à aposentadoria por incapacidade permanente, há de se salientar que mesmo com a reformulação da majoritária parte do sistema legislativo previdenciário, restaram algumas exceções e casos especiais, que foram mantidos no intuito de proteger grupos específicos de segurados, como a isenção do requisito de carência para a concessão do benefício previdenciário para os segurados acometidos por patologias graves, conforme rol restritivo do Art. 151 da Lei 8.213/91:

Art. 151.  Até que seja elaborada a lista de doenças mencionada no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada. (BRASIL, 1991)

Outrossim, a majoração de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o valor do salário de benefício, regulamentada pelo Art. 45 da Lei 8.213/91, concedida aos segurados aposentados por incapacidade permanente que façam comprovação da necessidade definitiva do auxílio de terceiros no cotidiano comum, também foi mantida sem alterações. No deslinde, a redação da disposição legal em fito:

Art. 45. O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento).

Parágrafo único. O acréscimo de que trata este artigo:

a) será devido ainda que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal;
b) será recalculado quando o benefício que lhe deu origem for reajustado;
c) cessará com a morte do aposentado, não sendo incorporável ao valor da pensão.
(BRASIL, 1991)

Ademais, a doutrina de Hugo Goes:

O valor da aposentadoria por incapacidade permanente do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (Lei 8.213/91, art. 45). O acréscimo será devido, ainda que o valor da aposentadoria ultrapasse o limite máximo do salário de contribuição. Esse acréscimo cessará com a morte do aposentado, não sendo incorporado ao valor da pensão por morte.

O anexo I do Regulamento da Previdência Social relaciona as situações em que o aposentado por incapacidade permanente terá direito à majoração de 25% na renda mensal de seu benefício. São as seguintes:

1.Cegueira total.

2.Perda de nove dedos das mãos ou superior a esta.

3.Paralisia dos dois membros superiores ou inferiores.

4.Perda dos membros inferiores, acima dos pés, quando a prótese for impossível.

5.Perda de uma das mãos e de dois pés, ainda que a prótese seja possível.

6.Perda de um membro superior e outro inferior, quando a prótese for impossível.

7.Alteração das faculdades mentais com grave perturbação da vida orgânica e social.

8.Doença que exija permanência contínua no leito. 9.Incapacidade permanente para as atividades da vida diária.

Em imprescindível complemento, a doutrina de Rafael Vasconcelos Porto e Gustavo Beirão Araújo no que tange às denominadas “mensalidades de recuperação”, devidas a partir do momento em que se constatar recuperada a capacidade laboral do segurado aposentado por incapacidade permanente:

1) quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício cessará: a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela Previdência Social; ou b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados;
2) quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o período de cinco anos, ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade: a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade; b) com redução de 50% (cinquenta por cento), no período seguinte de 6 (seis) meses; c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente.

Por fim, mas com equidistante importância, cabe destacar a expressa manutenção pela Emenda Constitucional nº 103/2019, conforme Art. 26, § 3º, inciso II, da regra de cálculo mais vantajosa no benefício de aposentadoria por incapacidade permanente de caráter acidentário, a respeito do qual restou garantido o percentual de 100% (cem por cento) da média de todos os salários de contribuição desde julho de 1994, independentemente do tempo contributivo do segurado:

Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência. […] 

§ 3º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º: […] 

II – no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho. (BRASIL, 2019)

Tem-se, portanto, clara exceção à norma geral vigente e aplicável ao benefício de natureza previdenciária, entendendo que o fato gerador do direito, qual seja, o acidente, impõe maior responsabilidade ao sistema previdenciário, permitindo ao acidentado aposentado por incapacidade permanente o acesso a uma realidade monetária mais próxima do que ocorria anteriormente à Reforma da Previdência.

5. INCONSTITUCIONALIDADE DA EC 103/2013 E O RETROCESSO SOCIAL – FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Prima facie, tendo em vista a Emenda Constitucional nº 103/2019 e as alterações legislativas advindas desta, passando-se à análise de sua possível inconstitucionalidade e constatável retrocesso social, é mister entender que apesar de modificado o valor do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente previdenciária, restou inalterada a forma de cálculo do benefício de auxílio por incapacidade temporária, o qual observa o percentual de 91% (noventa e um por cento) do salário de benefício, calculado nos termos dos Arts. 61 e 29, § 10 da Lei nº 8.213/91:

Art. 61. O auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 91% (noventa e um por cento) do salário-debenefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei.

Art. 29. O salário-de-benefício consiste: […]

§ 10.  O auxílio-doença não poderá exceder a média aritmética simples dos últimos 12 (doze) salários-de-contribuição, inclusive em caso de remuneração variável, ou, se não alcançado o número de 12 (doze), a média aritmética simples dos salários-decontribuição existentes. […] (BRASIL, 1991)

Em razão disso, alocou-se ao ordenamento jurídico previdenciário uma inconsistência demasiadamente preocupante, eis que o cidadão segurado da previdência social que se perceba incapacitado apenas temporariamente (ou seja, possua uma patologia menos agressiva), possui direito a um salário de benefício com porcentagem 31% (trinta e um por cento) maior que aquele portador de uma condição incapacitante permanente (mais grave).

Nas palavras de Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro e Pamela Ramos Quirino, em “Reforma da Previdência Comentada”:

Resta-nos claro que as regras são muito mais rigorosas e desumanas para aqueles que realmente necessitam do benefício. A título de informação, hoje, vale mais a pena receber o auxílio-doença ou auxílio por incapacidade temporária do que a aposentadoria por invalidez, uma vez que, apesar de também ser calculado o auxílio temporário com base em 100% do período contribuído, o seu salário de benefício continua a ser de 91%.

Além disso, em razão da legislação em comento, em diversas ocasiões, segurados beneficiários de um auxílio por incapacidade temporária, ao terem o benefício convertido em aposentadoria por incapacidade permanente, passavam a perceber quantia monetária muito inferior ao que se viam acostumados, quando a evolução da condição clínica e as necessidades decorrentes desta navegam em contramão à diminuição do valor do benefício.

Nessa esteira, traçando um raciocínio principiológico, cabível arguir a desobediência da disposição legal referida ao princípio da dignidade da pessoa humana, com supedâneo no Art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, bem como ao princípio da isonomia, eis que apesar de garantido pelo art. 5º, caput da Constituição ora citada, resta ferido pela Reforma da

Previdência Social. Vejamos, senão, a redação conferida aos princípios aduzidos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]

III – a dignidade da pessoa humana; […] (BRASIL, 1988)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] (BRASIL, 1988)

Outrossim, é cediça a dissonância entre os benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente de natureza previdenciária e acidentária, conforme já detalhadamente abordado retro. Nesse sentido, de equidistante conhecimento é que o fulcro que diferencia o benefício previdenciário do acidentário é a presença de acidente ou doença ou patologia incapacitante, não havendo distinção entre a capacidade, qualidade ou condição contributiva dos segurados referidos.

Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro e Pamela Ramos Quirino insculpem, por meio de sua doutrina, em “Reforma da Previdência Comentada”, um importante questionamento:

Outro ponto a ser levantado é a questão dos aposentados que sofreram acidentes de qualquer natureza ou possuem uma doença gravíssima e incapacitante. Será que pelo princípio da isonomia e da universalidade de cobertura e do atendimento do art. 194, par. ún., I, da CF/1988, estes não poderiam ter direito a 100% do salário de benefício como ocorre com os acidentes do trabalho? […]

A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais já tem contemplado entendimentos na mesma via ora exposta, como é o caso do julgado da Turma Regional de Uniformização – TRU da 4ª Região, acostado no deslinde:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. DISCRIMINAÇÃO ENTRE OS COEFICIENTES DA ACIDENTÁRIA E DA NÃO ACIDENTÁRIA. CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 26, § 2º, III, DA EC N.º 103/2019. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA, DA RAZOABILIDADE E DA IRREDUTIBILIDADE DO VALOR DOS BENEFÍCIOS E DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE. […] 2. O art. 194, parágrafo único, IV, da CF/88, garante a irredutibilidade do valor dos benefícios. Como a EC 103/19 não tratou do auxílio-doença (agora auxílio por incapacidade temporária) criou uma situação paradoxal. De fato, continua sendo aplicável o art. 61 da LBPS, cuja renda mensal inicial corresponde a 91% do salário de benefício. Desta forma, se um segurado estiver recebendo auxílio doença que for convertido em aposentadoria por incapacidade permanente, terá uma redução substancial, não fazendo sentido, do ponto de vista da proteção social, que um benefício por incapacidade temporária tenha um valor superior a um benefício por incapacidade permanente. 3. Ademais, não há motivo objetivo plausível para haver discriminação entre os coeficientes aplicáveis à aposentadoria por incapacidade permanente acidentária e não acidentária. 4. Em razão da inconstitucionalidade do inciso III do §2º do art. 26 da EC 103/2019, esta turma delibera por fixar a seguinte tese: “O valor da renda mensal inicial (RMI) da aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária continua sendo de 100% (cem por cento) da média aritmética simples dos salários de contribuição contidos no período básico de cálculo (PBC). Tratando-se de benefício com DIB posterior a EC 103/19, o período de apuração será de 100% do período contributivo desde a competência julho de 1994, ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência. (5003241-81.2021.4.04.7122, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4a REGIÃO, Relator DANIEL MACHADO DA ROCHA, juntado aos autos em 12/03/2022) (BRASIL, 2022)

O cenário constatado no regime jurídico resultante da Emenda Constitucional nº 103/2019 pode ser compreendido, mediante a interpretação lecionada por Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento Jurídico. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014, pp. 92-93), como uma “antinomia imprópria” denominada “antinomia de valoração”, a qual, ao contrário do que se espera de um contexto antinômico, faz-se presente pela injustiça e ofensa ao princípio da isonomia, e não pela incompatibilidade da norma em si, eis que favorecido um cidadão apenas temporariamente incapacitado para o trabalho em desfavor àquele total e definitivamente impossibilitado de retornar ao labor. (BOBBIO, 2014)

Peca a justiça do novo regramento de cálculo, ademais, ao machucar o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, responsável por impor limitação à atividade Estatal na elaboração de normas jurídicas, sendo amparado pelo “substantive due process of law”, na figura do Art. 5º, inciso LIV da Constituição Federal de 1988, “Art. 5º […] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; […]” (BRASIL, 1988)

Em conformidade ao entendimento doutrinário do Min. Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 217), a existência do princípio ora transcrito pressupõe a necessidade de um vínculo racional e proporcional entre as razões, meios e finalidades visados pela figura do legislador (o que se traduz pela razoabilidade interna), e a contextualização da compatibilidade com disposições expressamente mencionadas ou subentendidas do texto da Constituição (o que se tem por razoabilidade externa), o que observase por não respeitado quando da promulgação da Emenda Constitucional em comento. (BARROSO, 1999)

Ainda, há de se expor o dever do Poder Público em organizar a seguridade social com base na seletividade na prestação dos benefícios e serviços, o que evidentemente encontra desequilíbrio quando se demonstra deficiente, em razão da legislação advinda, a proteção à ocorrência da incapacidade para o trabalho, eis que vítima de drástico declínio a renda mensal inicial do benefício debatido; bem como a irredutibilidade do valor dos benefícios. 

Averiguemos, nesse diapasão, a inteligência do Art. 194, parágrafo único, incisos III e IV da Constituição Federal de 1988:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: […]

III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; […] (BRASIL, 1988)

É, portanto, cabível constatar, em função da Reforma Previdenciária, não um progresso, mas um lastimável processo de retrocesso social no tange à incongruente alteração legislativa da forma de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente previdenciária, notoriamente desfavorável ao segurado.

Nestes termos, destacadas as diversas incongruências do dissecado Art. 26, § 2º, inciso III da Emenda Constitucional nº 103/2019 com a redação Constitucional, cabível expor que não há alternativa aplicável senão o reconhecimento da inconstitucionalidade da disposição em tela. (BRASIL, 2019)

5.1. Visão do Supremo Tribunal Federal sob o Tema 318 da Tnu

Em se tratando da questão ora debatida, é de importância salutar as ponderações deslindadas no que tange ao Tema nº 318 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNU e a ótica do Supremo Tribunal Federal – STF acerca deste.

À primeira vista, importante destacar que fora o tema em tela submetido a julgamento sob a seguinte questão, “Definir se os benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente, sob a vigência da EC nº 103/2019, devem ser concedidos ou revistos, de forma a se afastar a forma de cálculo prevista no art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019, ao argumento de que seria inconstitucional.” (BRASIL, 2019)

Da contenda advinda do julgamento em peso, entregue à relatoria do Juiz Federal Odilon Romano Neto, julgado em 07/02/2024, decidiu-se pelo sobrestamento do feito “aguardando julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6.254, 6.255, 6.256, 6.258, 6.271, 6.279, 6.289, 6.361, 6.367, 6.384, 6.385 e 6.916 pelo STF”, todas buscando a declaração de inconstitucionalidade de diferentes pontos da Emenda Constitucional nº 103/2019, de forma que aguardam um julgamento conjunto pelo Supremo Tribunal Federal.

Dentre as dispostas ADIs, apenas duas tratam especificamente acerca do Art. 26, § 2º, inciso III da Emenda Constitucional nº 103/2019, quais sejam, a ADI nº 6.279 e a ADI nº 6.384, as quais expõem, ao longo do trâmite processual, a visão dos ministros do STF, sendo que encontram-se ambas sob a relatoria do Ministro Luis Roberto Barroso.

Em se tratando, a priori, da ADI nº 6.279, tem-se a discussão de presença de possível inconstitucionalidade formal em diversos aspectos da EC 103/2019, inclusive no que tange ao referido Art. 26, a respeito do qual se arguiu no sentido da ausência de aprovação em dois turnos em cada uma das Casas Legislativas.

Nesse interim, fora iniciado o julgamento no período de 16/09/2022 a 23/09/2022 no Plenário Virtual, tendo o Ministro Luis Roberto Barroso, na condição de relator, votado pela improcedência da ADI por compreender, fundamentalmente, que o Senado Federal concedeu razoável interpretação à normatização regimental, não sendo configurada a presença de inconstitucionalidade formal. Nestes termos, cumpre ressaltar que o voto do ministro em questão já fora acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Ministro Dias Toffoli e, à época, pela Ministra Rosa Weber. Assim, embora haja notória continuidade do julgamento em outros Plenários Virtuais, não há ainda, contudo, a conclusão deste.

Na ADI nº 6.384, por sua vez, o assunto de principal debate é, na hipótese dos servidores públicos, a inconstitucionalidade por omissão do Art. 26, § 3º, inciso II da EC nº 103/2019, eis que reserva somente aos casos resultantes de acidente do trabalho, doença profissional ou doença do trabalho o percentual de 100% da média aritmética dos salários de contribuição desde a competência 07/1994, sendo que deveria o regramento de cálculo, ainda, alcançar as hipóteses de doença grave, contagiosa ou incurável.

Embora, contudo, o julgamento da ação referida ainda não tenha sido concluído (julgamento conjunto às demais ADIs supracitadas), o Ministro Relator Luis Roberto Barroso votou no sentido de que seja decidida pela improcedência daquela, tendo sido acompanhado pelo Ministro Edson Fachin e à época pela Ministra Rosa Weber. Na explicação do Juiz Federal

Odilon Romano Neto, relator do Tema nº 318 da TNU, o teor do voto em questão:

Entendeu o Relator que o art. 40, §1º, I, da CRFB/88, na redação anterior à EC nº 103/2019, previa o cálculo da então denominada aposentadoria por invalidez de forma proporcional ao tempo de contribuição, sem que fosse assegurado um patamar mínimo. Dessa forma, o servidor que se tornasse inválido com pouquíssimo tempo de contribuição, perceberia valores muito reduzidos. Mesmo no âmbito federal, destacou que o art. 191 da Lei nº 8.112/1990 assegurava apenas um patamar mínimo de remuneração na aposentadoria por invalidez de 1/3 da remuneração percebida na atividade.

Dessa forma, ao analisar a aposentadoria por incapacidade permanente dos servidores públicos, tal qual regulada na EC nº 103/2019, entendeu que a emenda constitucional, ao dispor que seu valor corresponderia a 60% da remuneração de atividade, acrescida de 2% por ano de contribuição que ultrapassasse 20 anos, teria, na verdade, aumentado a rede de proteção dos servidores públicos. Isso porque, na regra anterior, inexistia garantia mínima de remuneração e, mesmo na esfera federal, esta correspondia a 1/3da remuneração da atividade. No novo regramento, assegurou-se a todos os servidores um patamar mínimo de 60%, ainda que tenha contribuído por pouquíssimo tempo. 

Simplificando o entendimento do Ministro Relator, estaria a inconstitucionalidade da disposição em comento ausente em razão do suposto “aumento da rede de proteção ao criar cota irredutível de 60%” advindo da última Reforma da Previdência, vez que a regra anteriormente entabulada pela Emenda Constitucional nº 41/2003 não instituía um importe remuneratório mínimo ao servidor público aposentado por invalidez (como era denominado o benefício contemporaneamente à sua promulgação). 

Em contrariedade, contudo, ao que argumenta o Excelentíssimo Ministro, o contexto vivenciado pelos segurados do RGPS é destoante daquele aventado na ação, vez que a alteração legislativa não aumenta a rede de proteção dos segurados, mas, muito pelo contrário, impõe condição de cálculo do valor do benefício notadamente prejudicial.

5.2. Impactos em Concessões Beneficiárias Anteriores A 11/2019 e o Estudo sobre o Tempus Regit Actum

Ao presente momento não se tem mais por mistério a forma como as alterações instituídas pela EC 103/2019, exclusivamente neste momento no que tange ao regramento de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente, afetaram significativamente o contexto socioeconômico previdenciário dos indivíduos que passaram a beneficiários desta anterior e posteriormente a 12/11/2019, qual seja, o dia seguinte à promulgação da emenda em comento. (BRASIL, 2019)

Tendo isso em vista, é imprescindível destacar a importância da preservação aos direitos já adquiridos e a manutenção dos benefícios advindos da legislação atinente à época. É, neste liame, decorrente da ideia principiológica retro, que se traduz o princípio tempus regit actum e, por conseguinte, no princípio da irretroatividade da lei, lastreado no Art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988, conforme a seguinte redação, “Art. 5º […] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; […]” (BRASIL, 1988)

Em outras palavras, os princípios supracitados defendem que a legislação passível de aplicação em determinada situação é a que se encontrava vigente à época do fato gerador do direito, ou seja, a lei não retroagirá no tempo para afetar ações ocorridas antes de sua entrada em vigor, o que possibilita que os cidadãos disponham de segurança jurídica e previsibilidade de direito. Nesse contexto, os segurados que anteriormente à Emenda Constitucional nº 103/2019 já eram beneficiários da aposentadoria por incapacidade permanente, não devem ser afetados pela referida legislação, mantendo-se os benefícios, consequentemente, inalterados. (BRASIL, 2019)

Outrossim, cabe expor que é praxe, dentro do sistema administrativo previdenciário a concessão inicial de benefício de auxílio por incapacidade temporária anteriormente à aposentadoria por incapacidade permanente, mesmo que o segurado já se encontre em posse de documentação hábil a atestar sua incapacidade permanente para o trabalho. Nesse diapasão, desde a implementação das mudanças já explanadas, diversos segurados inicialmente beneficiários do benefício por incapacidade temporária, ainda que com data de início da incapacidade anterior à Reforma da Previdência, o tiveram convertido naquele de caráter permanente e, decorrente disso, significativa redução no valor do benefício, dada a dissonância de percentuais no cálculo de ambos.

Ocorre que, na hipótese aventada, a legislação aplicável é aquela que se encontre vigente no momento do início da incapacidade para o trabalho, conforme aponta a jurisprudência dos Tribunais Federais. A exemplo, a redação de recente julgado do Tribunal Regional Federal da

4ª Região:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE PRECEDIDA DE AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. FATO GERADOR DA INCAPACIDADE ANTERIOR À EC 103/2019. CÁLCULO DA RMI. TEMPUS REGIT ACTUM. 1. Caso em que a aposentadoria por incapacidade permanente da autora, cujo direito à concessão é incontroverso, decorre da conversão de benefício por incapacidade temporária, remontando a inaptidão laboral a momento anterior ao advento da reforma previdenciária de 2019. 2. Tendo em vista que o fato gerador da incapacidade ocorreu antes da vigência da EC nº 103/2019, a RMI da aposentadoria do autor não deve ser calculada nos termos da redação do artigo 26, § 2º, da EC nº 103/2019, em observância ao princípio tempus regit actum, mas, sim, em conformidade com a legislação vigente na data de início da incapacidade, malgrado a concessão ou conversão ocorra após a vigência da referida Emenda. (TRF4, AC 5012398-23.2021.4.04.7205, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 15/04/2024) (g.n.) (BRASIL, 2024)

Isso significa que, se vier o segurado beneficiário de auxílio por incapacidade temporária com data de início da incapacidade reconhecida anteriormente a 12/11/2019, a ter convertido o benefício em questão em aposentadoria por incapacidade permanente, ainda que após a data posta retro, deverá ser mantida a aplicação da lei anterior e calculado o benefício em conformidade ao antigo regramento.

Nas palavras da Ministra Ellen Gracie, em julgado do STF, brilhante ponderação acerca do instituto do tempus regit actum:

O instituto do direito adquirido insere-se, normalmente, nas questões de direito intertemporal. Não temos, no nosso direito, uma garantia ampla e genérica de irretroatividade das leis, mas a garantia de que determinadas situações Jurídicas consolidadas não serão alcançadas por lei nova. Assegura-se, com isso, a ultratividade da lei revogada em determinados casos, de modo que o direito surgido sob sua vigência continue a ser reconhecido e assegurado. […] (STF – RE: 630501 RS, Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 21/02/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 26/08/2013) (BRASIL, 2013)

Em complemento, a imperecível doutrina insculpida por Celso Ribeiro Bastos, ao complementar que, ao se proteger a figura do direito adquirido, o que se assegura:

[…] não é o passado, mas sim o futuro […] O direito adquirido consiste na faculdade de continuar a extraírem-se efeitos de um ato contrários aos previstos pela lei atualmente em vigor, ou, se preferirmos, continuar-se a gozar dos efeitos de uma lei ‘pretérita mesmo depois de ter ela sido revogada. […] o direito adquirido envolve muito mais uma questão de permanência da lei no tempo, projetando-se, destarte, para além da sua cessação de vigência, do que um problema de retroatividade.”
(Comentários à Constituição do Brasil, 2 vol. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 192). 62 (BASTOS, 1989)

Além disso, não menos importante é a relevante responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social ao adotar um papel incumbido de resguardar ao requerente do benefício solicitado aquele que se mostrar mais vantajoso, consoante inteligência do Art. 176-E do

Decreto nº 3.048/99:

Art. 176-E.  Caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou benefício diverso do requerido, desde que os elementos constantes do processo administrativo assegurem o reconhecimento desse direito. 

Parágrafo único.  Na hipótese de direito à concessão de benefício diverso do requerido, caberá ao INSS notificar o segurado para que este manifeste expressamente a sua opção pelo benefício, observado o disposto no art. 176-D. (BRASIL, 1999)

Assim, notório o dever do INSS de adotar medidas, quando da análise dos requerimentos formulados pelos segurados do RGPS, para uma aplicação acertada da legislação devida em cada específico caso.

6. CONCLUSÃO

Cumpre destacar, em conclusão, que o estudo em tela teve como objetivo a aprofundada análise quanto á inconstitucionalidade do Art. 26, § 2º, III da Emenda Constitucional nº 103/2019, ao longo do qual foram colocados em exposição diferentes conceitos, óticas diversas, sendo que todos demonstram um cenário em que o atual segurado da previdência social, seja aquele que se tornou beneficiário da aposentadoria por incapacidade permanente previdenciária após a promulgação da legislação atinente ou aquele que se encontra na iminência da necessidade do pleito ao benefício supracitado, sofre com uma forma de cálculo nitidamente mais prejudicial (e, ademais, incongruente) que a anteriormente vigente. (BRASIL, 2019)

Observa-se, outrossim, que foram alcançados com sucesso os objetivos propostos, eis que profundamente analisado e delineado o histórico da previdência social, bem como os conceitos principiológicos infringidos pela vigente regra de cálculo do benefício em comento sob a visão constitucional, além do estudo a respeito do entendimento jurisprudencial e doutrinário adotado hodiernamente.

Deste modo, há de se mencionar algumas particularidades que não sofreram alteração pela Reforma da Previdência de 2019, quais sejam, a isenção do requisito de carência para a concessão do benefício previdenciário para os segurados acometidos por patologias graves, a majoração de 25% sobre o valor do salário de benefício para os segurados aposentados que necessitem permanentemente do auxílio de terceiros, as denominadas “mensalidades de recuperação” e a forma de cálculo do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente de natureza acidentária. (BRASIL, 2019)

Nessa senda, frente à iminência da compreensão das justificativas que ensejam o reconhecimento da inconstitucionalidade do Art. 26, § 2º, inciso III da Emenda Constitucional nº 103/2019, cabe destacar que as respostas encontradas consistem, ad summam, no fato de que restam feridos os princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da proporcionalidade e razoabilidade, da seletividade na prestação dos benefícios e serviços e da irredutibilidade do valor dos benefícios. Na mesma via de entendimento, os doutrinadores especialistas em direito previdenciário e a compreensão dos tribunais regionais federais e da turma regional de uniformização da 4ª Região, apesar de ainda pendente de julgamento pela turma nacional de uniformização (o que o faz pelo tema nº 318) e pelo Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, 2019)

Assim, conclui-se que, em função da Reforma Previdenciária, nota-se não um progresso, mas um retrocesso social no tange à incongruente alteração legislativa da forma de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente previdenciária, devendo ser, por todos os fundamentos, reconhecida a inconstitucionalidade do Art. 26, § 2º, inciso III da Emenda Constitucional nº 103/2019. (BRASIL, 2019)

Sugerimos, para as pesquisas que futuramente serão realizadas no tocante ao mesmo tema, o estudo da Constituição Federal de 1988 e princípios constitucionais, das Leis nº 8.212/91 e nº 8.213/91, do Decreto nº 3.048/99, das Instruções Normativas Previdenciárias nº 77/2015 e nº 128/2022, da doutrina dos tribunais regionais federais, turmas regionais e nacionais de uniformização e do Supremo Tribunal Federal, especialmente no que tange ao trâmite já ocorrido e naquele que há de se deslindar do tema nº 318 da TNU e ADIs nº 6.279 e nº 6.384.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 nov. 2024.

BRASIL. Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm. Acesso em: 19 nov. 2024.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em: 19 nov. 2024.

BRASIL. Instrução Normativa nº 128, de 28 de março de 2022. Dispõe sobre procedimentos e rotinas previdenciárias. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/instrucao-normativapres/inss-n-128-de-28-de-marco-de-2022-484717067. Acesso em: 19 nov. 2024.

BRASIL. Instrução Normativa PRES/INSS nº 147, de 15 de maio de 2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/1840041842/instrucao-normativa-n-147-1905-2023-do-dou. Acesso em: 19 nov. 2024.

BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213compilado.htm. Acesso em: 19 nov. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3105. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/14741262. Acesso em: 19 nov. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6096. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5647251. Acesso em: 19 nov. 2024.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 26ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.

PORTO, Rafael Vasconcelos; ARAUJO, Gustavo Beirão. Manual de direito previdenciário. Indaiatuba, SP: Foco, 2024. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 19 nov. 2024.

RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier; QUIRINO, Pamela Ramos. Reforma da previdência comentada. 1. ed. São Paulo: Rideel, 2020. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 19 nov. 2024.

SAVARIS, José Antonio. Direito Previdenciário Contemporâneo. 2ª ed. São Paulo: Juruá, 2023.


¹Docente no Curso de Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho – UNA. Advogada. E-mail: maria.vargas@prof.una.br
²Graduando no Curso de Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho – UNA. E-mail: fsam.dias06@gmail.com
³Graduanda no Curso de Direito do Centro Universitário Una.