HOLDING FAMILIAR: UM INSTRUMENTO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO E DE PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10049245


Eduardo Cesar Dutra
Orientador: Prof. Me. Bernardo Olive dos Santos


RESUMO:

O presente trabalho visa entender a criação, formatação e o funcionamento de uma Holding Familiar e sua relevância no processo sucessório de uma família. O estudo pretende apresentar uma visão geral de uma empresa formatada para abarcar o patrimônio familiar, sua importância como instrumento de planejamento tributário com o objetivo de mitigar a carga tributária tanto na gestão do patrimônio e, principalmente, no momento da sucessão; na proteção do patrimônio com a segregação dos riscos da atividade econômica; e como instrumento de planejamento sucessório, quando será possível, na formatação da empresa e no acordo de sócios fazer prevalecer o planejamento e a vontade do patriarca da família, evitando desgastes e conflitos e no momento da sucessão. O embasamento teórico apresenta o que são tais empresas e em termos de metodologia a realização do estudo contempla pesquisa bibliográfica de caráter exploratório. Baseado nos estudos realizados pode-se concluir que a constituição de um sistema de Holding Familiar é uma das alternativas mais eficazes e vantajosas no planejamento sucessório de uma família, minimizando a carga tributária, além de prevenir conflitos de interesses mantendo a harmonia familiar, fazendo com que prevaleça, na medida do possível, o planejamento e a vontade do patriarca, instituidor do patrimônio e os objetivos do grupo familiar.

Palavras-chave: Holding. Empresa familiar. Proteção patrimonial. Planejamento tributário. Planejamento sucessório.

ABSTRACT:

This paper aims to understand the creation, formatting and operation of a Family Holding and its relevance in the succession process of a family. The study intends to present an overview of a company formatted to encompass the family patrimony, its importance as a tax planning instrument with the objective of mitigating the tax burden both in the management of the patrimony and, mainly, at the time of succession; in the protection of the patrimony with the segregation of the risks of the economic activity; and as an instrument of succession planning, when it will be possible, in the company’s formatting and in the partners’ agreement, to make the planning and the family patriarch’s will prevail, avoiding stress and conflicts at the time of the succession. The theoretical background presents what such companies are and, in terms of methodology, the study includes bibliographical research of an exploratory nature. Based on the studies carried out it can be concluded that the constitution of a Family Holding is one of the most effective and advantageous alternatives in the succession planning of a family, minimizing the tax burden, besides preventing conflicts of interest, maintaining family harmony, making it prevail, as much as possible, the planning and the will of the patriarch, institutor of the patrimony and the objectives of the family group.

Keywords: Holding. Family business. Asset protection. Tax planning. Succession planning.

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos o tema “holding” vem ganhando espaço entre as diversas mídias existentes e se expandindo cada vez mais entre os profissionais de diversas áreas, sendo, no momento, uma das grandes oportunidades no ramo da advocacia devido ao grande interesse das famílias, como forma de elisão fiscal e proteção do patrimônio, além do planejamento sucessório.

A holding é um instrumento que há muitos anos tem sido utilizado pelos grandes segmentos empresariais e, posteriormente das famílias muito ricas ou bilionárias, mas que ultimamente tem despertado a atenção e o interesse das famílias de classe média.

No caso de nosso estudo, vamos tratar com mais profundidade das holdings familiares compostas de, principalmente, imóveis urbanos, o que é de interesse da grande maioria das famílias de classe média e classe média alta, com a perspectiva de analisar quais são os benefícios em se obter um planejamento por meio de uma holding familiar.

2 DEFINIÇÃO E ORIGEM

Usualmente atribui-se que termo holding se origina do termo inglês “to hold”, que em tradução livre significa, controlar, manter, abraçar, ou de acordo com o Oxford Languages (apud Araújo e Rocha Jr.) “empresa que detém a posse majoritária de ações de outras empresas, geralmente denominadas subsidiárias, centralizando o controle sobre elas”. Pode-se também ter surgido do termo shareholder, que é uma palavra de origem inglesa muito comum no ambiente empresarial, e que em língua portuguesa significa acionista, ou seja, é uma pessoa que é portadora de ações de outras sociedades. Logo, quando você cria uma Holding, a sua finalidade será a de ser portadora de ações de outras empresas.

Em direito societário e empresarial define-se holding como um tipo de empresa que possui como atividade principal a participação acionária majoritária em uma ou mais empresas, ou seja, uma empresa sob a qual se abriga outras empresas do mesmo grupo empresarial, centralizando o controle sobre elas.

Para uma melhor compreensão da configuração de uma holding é necessário o entendimento de sua origem. Conforme relata o professor Márcio de Sá (……), 

… o primeiro sistema com parâmetros de uma Holding surgiu na Inglaterra com a Revolução Industrial e a invenção da máquina a vapor, quando se e começa a sistematizar e complicar as etapas de produções industriais, que até então eram manufatureiro. A Revolução Industrial teve duas etapas, sendo que foi no final da primeira houve reflexos do desenvolvimento tecnológico dentro das indústrias, surgindo a necessidade de captar maiores investimentos. Com a modernização das indústrias e a utilização de tecnologias foi se consolidando uma nova classe social, a classe empresária. Essa classe se encontrava carente de métodos e sistemas de organização, tanto produtivo, quanto nas relações empresariais. Diante disso e da necessidade de organizar as relações empresariais e as etapas de produção, surge a criação de uma sociedade empresária que tinha como intuito, apenas, a de participar como sócia em outras companhias, nascendo assim, o que hoje conhecemos como Holding. É na Inglaterra, na segunda etapa da revolução industrial, que surge o conceito de sociedade empresária que não exerce, em tese, uma atividade econômica, mas que possui a finalidade de controlar ou participar de negócios de outras empresas, possibilitando a arrecadação de recursos e investimentos, (SÁ, 2023)

A holding surgiu no Brasil a partir de 1976 com a publicação da Lei 6.404, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas, ou simplesmente Lei das S.As., que em seu artigo 2º. estabeleceu que (grifo meu):

Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
§ 1º Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.
§ 2º O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo.
§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais. (BRASIL, 1976)

As holdings são classificadas, pela doutrina, de forma majoritária, entre holdings puras, que são sociedades não operacionais, que têm seu patrimônio composto de ações de outras companhias e que tem como objeto social apenas a participação no capital de ouras sociedades e as holdings mistas, que não se dedicam exclusivamente à titularidade de participação no capital social de outras empresas mas que também exercem outras atividades empresariais ou mercantis, ou ainda como holding de participação, que participa de forma minoritária no capital de outras companhias, holding patrimonial que tem como objetivo ser proprietária de um determinado patrimônio com vistas à diminuição de impostos através da elisão fiscal, que também pode ser chamada de holding imobiliária quando se tratar de patrimônio imobiliário e a holding familiar, que não é um tipo de holding, mas uma contextualização específica., podendo ser pura ou mista, patrimonial ou imobiliária, ou ainda ter outra configuração específica para o caso, como as holdings do agronegócio.

Apesar da definição das holdings estar expressa na Lei das S.As., e não haver nenhuma previsão expressa na legislação classificando as diversas possibilidades de formatação de uma holding, não existe nenhum óbice para que a holding seja constituída através de uma Sociedade Anônima (S.A.) , por uma sociedade de responsabilidade limitada (Ltda.) ou qualquer outra tipologia de sociedade empresarial, pois a nomenclatura holdings  não se refere a um tipo societário determinado, mas à forma de administração e controle da sociedade, desde que respeitados os requisitos legais aplicáveis a cada uma destas espécies societárias. Assim,

[…] uma holding pode ser constituída por diversos tipos societários, tal qual é o caso da sociedade limitada, sociedade anônima, Eireli, entre outras. A opção por um tipo societário em detrimento de outro depende dos objetivos e necessidades que justificam sua constituição, além de aspectos práticos jurídicos que serão discutidos a seguir. (SILVA e ROSSI, 2015, p. 24)

Não é o objetivo deste estudo pormenorizar cada forma de constituição da holding familiar, mas é importante destacar que a opção da grande maioria das holdings familiares acaba por ser pela limitada, por ter uma maior segurança nos sócios em relação a um quadro societário fechado – já que este é o objetivo da constituição desta sociedade – e não aberto. O intuito pessoal da familiar é a grande questão na sua constituição, por isso a escolha, na grande maioria das vezes, por uma sociedade de pessoas.

3 HOLDING FAMILIAR

Como já foi citado, uma holding pode ser constituída em diversas formatações e para diversas finalidades, entretanto, a abordada neste estudo seja a holding familiar, focada no planejamento patrimonial e sucessório de uma família, facilitando a sucessão, mitigando os custos e evitando a morosidade do judiciário

Uma holding familiar não é um tipo de empresa, mas a configuração de um sistema, com uma ou mais empresas, que tem como característica a administração por membros de uma mesma família, ou seja, uma espécie de empresa familiar que pode ser utilizada para controle e administração de outras empresas do mesmo grupo familiar, ou apenas para administrar o patrimônio da família.

A principal característica de um holding familiar é concentrar a totalidade (ou parte significativa) dos bens de uma mesma família, servindo como importante instrumento de proteção patrimonial familiar, facilitando a gestão dos ativos com maiores benefícios fiscais e como instrumento de planejamento sucessório. De maneira geral a holding familiar não tem por objetivo executar uma atividade comercial específica, mas sim de gerenciar, manter e desenvolver o patrimônio familiar.

Nesta perspectiva, o presente trabalho anseia responder a problemática questão que indaga quais são os benefícios em se obter um planejamento por meio da Holding Familiar.

4 A HOLDING FAMILIAR E O PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO

As várias formas de planejamento patrimonial intervivos têm sido, nos últimos anos, uma tendência do direito. Embora a possibilidade de constituição de empresas gestoras de ativos e patrimônios esteja presente na sociedade brasileira desde 1976, nas últimas décadas se destacou com a nomenclatura de holding.

O estabelecimento de uma holding familiar tem sido um assunto bastante comum para pessoas e famílias que começam a buscar mais informações sobre as melhores maneiras de realizar um planejamento sucessório com menores custos e que garanta mais tranquilidade e previsibilidade, planejando a sucessão de forma a reduzir desgastes ao longo da vida

A concretização do ditado popular “Pai rico, filho nobre e neto pobre” é o grande temor das famílias que lutaram e muitas vezes se sacrificaram para construir um patrimônio. A grande maioria das famílias têm por objetivo constituir patrimônio que servirá de suporte financeiro para a família e que será transmitido como legado às futuras gerações, sem que este patrimônio seja causa de desavenças, se deteriore ou se perca, seja por desavenças entre os herdeiros, seja pelos altos custos nas sucessivas transmissões ou por problemas de gestão. O objetivo é resguardar o patrimônio da família para as futuras gerações. Como muito bem ensinam Fabrício Santana e Thiago Campos em sua obra “Como Organizar sua Herança”:

Na vida adulta trabalhamos para produzir muito mais do que precisamos para viver. É injusto que esse excedente que deveria ser objeto para melhorar a qualidade de vida da família seja perdido, deteriorado ou cause conflitos em razão de um processo burocrático e custoso de inventário. De outro modo, aquilo que você lutou para conquistar para o bem da sua família não pode ser perdido e muito menos servir para causar o mal de seus entes queridos. (SANTANA e CAMPOS, pág. 69)

Sendo assim, cada vez mais, as famílias vem buscando formas de transmitir este patrimônio aos sucessores de forma planejada, para que as futuras gerações continuem a usufruir do patrimônio familiar, evitando as altas cargas tributárias nas sucessivas transmissões deste patrimônio e evitando problemas e disputas entre os herdeiros.

Por muitos anos tem em sido tabu tratar de planejamento sucessório entre as famílias brasileiras, principalmente porque trata diretamente com o falecimento dos patriarcas da família, e geralmente este tem sido um assunto sempre evitado, acarretando falta de planejamento sucessório e, por conseguinte, muitas vezes com surpresas desagradáveis quando do inventário e partilha do patrimônio. É no momento da abertura da sucessão que os herdeiros começam a ter noção da burocracia e das despesas envolvidas com esse tipo de processo, gastos estes que poderão ser ainda maiores se houver alguma discordância em relação à divisão dos bens. E é esta falta de planejamento que tem feito grandes empreendimentos familiares se dissolverem ou se arruinarem em pouco tempo. Vejamos o exemplo citado por Mamede:

Basta recordar ser muito comum ouvir histórias de pessoas que falam da imensa fortuna de um avô ou bisavô, completamente perdida pela fragmentação do patrimônio na sucessão hereditária. Essa fragmentação, habitualmente, desfaz a vantagem de mercado detida por um patrimônio produtivo: a grande propriedade agropecuária se torna um conjunto de áreas improdutivas, a rede de lojas se fragmenta etc. A isto também serve a estratégia de constituir uma holding familiar, como se viu anteriormente: para manter a força do patrimônio familiar, a bem de todos os membros da família. (MAMEDE, 2018, pág. 200)

Assim, em que pese certo desconforto para a maioria das pessoas tratarem do tema, percebe-se a importância do planejamento sucessório. Estes problemas na sucessão do patrimônio se dão principalmente por falta de prévio planejamento. Muitas vezes o herdeiro, que recebe o patrimônio não tem a mesma capacidade ou aptidão que os seus antecessores para gerir o empreendimento recebido, e, pela má gestão aliada com a fragmentação do patrimônio, este acaba se perdendo em poucas gerações.

O que as famílias têm buscado é uma forma de blindar este patrimônio evitando que se perca, através de mecanismos já utilizados há muito tempo nas empresas e muito comum no direito empresarial, e que agora tem sido, cada vez mais, utilizado no Direito de Família e de Sucessões, que é a criação de um holding que possa gerir de forma profissional todo o patrimônio da família, seja ele composto por uma ou mais empresas, ou mesmo apenas por imóveis, minimizando ou mesmo evitando influências pessoais ou familiares na gestão e transmissão do patrimônio, conforme exemplifica Mamede:

(…) na constituição da holding familiar, essa lógica privada aguda, radical, desfaz-se. Não apenas as relações do herdeiro com a parcela que lhe toca no patrimônio, mas suas relações com os demais herdeiros. Não é mais uma questão de Direito de Família, de Direito Sucessório ou de Direito de Propriedade. Passa-se a ter uma questão de Direito Empresarial e, mais precisamente, de Direito Societário. Os herdeiros não serão proprietários do patrimônio familiar, mas titulares das quotas ou ações da sociedade que, por seu turno, será a proprietária daquele patrimônio e, assim, conservará a sua unidade. (MAMEDE, 2018, pág. 200)

Conforme muito bem exemplificado, o objetivo, com a criação da holding é, acima de tudo, manter o patrimônio familiar seguro, blindado dos altos custos nas sucessivas transmissões, tantos de cargas tributárias e das custas com inventários, bem como contra eventuais desavenças entre os herdeiros, podendo ser administrado de forma segura e profissional, com mínima influência de questões familiares e evitando o desgaste emocional e financeiro no momento da partilha. O patrimônio a ser transmitido será único, cotas de uma empresa, que continuará a ser gerida de forma profissional, conforme estabelecido no estatuto ou contrato social da holding, sendo que os herdeiros receberão através de dividendos ou distribuição de lucros, dependendo da formatação da holding.

A holding familiar como ferramenta de sucessão hereditária, apresenta vantagens em relação aos chamados métodos “tradicionais” de transmissão da herança, como testamentos, doação em vida ou mesmo o inventário e partilha. A holding mais se assemelha a uma estratégia do que a um instituto jurídico, como se observa na conceituação oferecida por Mamede:

A chamada holding familiar não é um tipo específico, mas uma contextualização específica. Pode ser uma holding pura ou mista, de administração, de organização ou patrimonial, isso é indiferente. Sua marca característica é o fato de se enquadrar no âmbito de determinada família e, assim, servir ao planejamento desenvolvido por seus membros, considerando desafios como organização do patrimônio, administração de bens, otimização fiscal, sucessão hereditária etc. (MAMEDE, 2018, pág. 30) 

Ou seja, a holding familiar se caracteriza pela proteção ao patrimônio familiar. Assim, é interessante e oportuna a consideração da utilização da holding familiar como opção no processo sucessório. É de conhecimento notório que a sucessão hereditária, seja no âmbito familiar ou empresarial, muitas vezes representa um assunto espinhoso dentro do núcleo familiar e a criação de uma holding surge como uma opção para solucionar o problema da disputa sucessória, pois permite ao fundador da empresa determinar seu sucessor, resguardando a continuidade da mesma.

5 A MITIGAÇÃO DOS CUSTOS TRIBUTÁRIOS NA SUCESSÃO “CAUSA MORTIS” ATRAVÉS DA HOLDING FAMILIAR

Um dos maiores desafios para as famílias, quando do falecimento de seu patriarca, são os custos do inventário, principalmente com o ITCMD, que atualmente chega a 8% (seis por cento). Somado aos honorários advocatícios, que em média chegam a 6% (seis por cento) do patrimônio quando não há litígios, custas processuais e extrajudiciais (certidões, registros e outras), o custo total do inventário e partilha pode chegar perto de 20% (vinte por cento) do patrimônio a ser inventariado, sendo que as famílias, não possuem estes valor reservado para esta situação, até porque, em um momento de fragilidade e, geralmente, sem acesso pleno ao patrimônio, sentem-se completamente desamparadas, necessitando, não raras vezes, se desfazer do patrimônio (total ou parcialmente) com urgência, a valores abaixo do valor real e arcando ainda com outros custos como honorários de corretagem e impostos sobre o ganho de capital que, somados, oneram em até 20% o valor do patrimônio que precisa ser vendido para arcar com os custos do inventário.

Necessário ainda lembrar que o imposto de transmissão causa mortis no Brasil (atualmente com a alíquota máxima fixada em 8%) é um dos mais baixos do mundo, sendo que nos chamados países desenvolvidos esta alíquota chega a 60% (no caso da França), e na maioria dos demais países a alíquota ultrapassa os 40%, de acordo com o relatório da consultoria EY (World Estate and Inheritance Tax Guide).

Ultimamente tem-se visto diversas manifestações de políticos governantes (mormente da área econômica) criticando as alíquotas do ITCMD por considerá-la muito baixa, facilitando o acúmulo de patrimônio nas famílias, alegando, inclusive, que uma maior alíquota de ITCMD seria muito mais justa, além de seu caráter social como eficiente forma de distribuição da riqueza. Some-se a esta vontade política a facilidade legislativa para alteração da alíquota, que depende apenas de resolução do Senado Federal.

A atual alíquota máxima de 8% (oito por cento) foi fixada através da Resolução do Senado Federal nº 9 de 05/05/1992, mas esta alíquota máxima está em vias de ser majorada. Apresentada em 2015, e ainda em discussão no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 96 propõe a criação de um adicional ao ITCMD com alíquota de até 27,5% sobre grandes doações e heranças. Na época em que foi apresentada a PEC, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) também encaminhou ao Senado um ofício propondo a majoração da alíquota do imposto para 20%. Além disso, em 2019 foi apresentado o Projeto de Resolução nº 57/2019, de autoria do Senador Cid Gomes, visando que o teto máximo da alíquota do ITCMD no Brasil seja elevado para 16%, sob a justificativa de aumentar a arrecadação dos Estados. Ainda em tramitação, o projeto está parado desde 2019.

Somado a todos estes custos burocráticos e tributários na sucessão da forma que é feita atualmente, e multiplicado pelos subsequentes processos de sucessão, em pouquíssimas gerações o patrimônio familiar pode ser totalmente corroído apenas nos processos de sucessão e inventários.

O objetivo deste trabalho é apresentar uma solução de planejamento sucessório, denominada “Holding Familiar” com o objetivo de facilitar a sucessão, que na verdade deixará de existir da forma como conhecemos atualmente, pois a transferência do patrimônio familiar já foi realizada, com o devido planejamento, antecedência e mitigação tributária da pessoa física dos patriarcas diretamente aos seus herdeiros, através da criação de uma empresa com a finalidade de institucionalizar o patrimônio da família.

O primeiro passo para a constituição da holding é a criação de uma empresa, cujo objetivo principal (e muitas vezes único) é abrigar o patrimônio familiar. E para entender melhor como se dá esta instituição, e a participação societária, vamos observar o disposto na Lei 6404/76 (Lei das S.As.), que em seu artigo 2º. § 3º. dispõe (grifo meu):

§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais. (BRASIL 1976)

Importante destacar, como já foi falado, que uma holding pode ser constituída nas mais diversas formas societárias, sendo as mais usuais a “Sociedade de Responsabilidade Limitada”, ou simplesmente “Ltda.”, sendo esta a forma mais utilizada e a “Sociedade Anônima”, ou simplesmente “S.A.”, sendo esta mais utilizada para holdings que comportem grandes patrimônios e, principalmente, quando comporte dentro de seu capital participação em outras empresas (subsidiárias).

Como citamos a possibilidade de criação e formatação das holdings a partir da promulgação da Lei das SAs, parece incoerente se falar em holdings formatadas na forma de Sociedade de Responsabilidade Limitada. Nesta configuração societária faz-se necessário a observância do disposto no parágrafo único do artigo 1.053 do Código Civil:

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. (BRASIL 2002)

Portanto, para cumprir o disposto no Código Civil, é necessário constar no contrato social da holding que a empresa será regida de forma supletiva pelas normas na sociedade anônima, conforme dispõe o artigo 1053 do Código Civil.

A partir da (ou concomitantemente com) a criação da empresa, o patrimônio familiar é transferido para a empresa, através do aumento do capital social e/ou da subscrição das quotas da empresa, sendo que a pessoa física, anteriormente proprietária do patrimônio, passa a ser proprietária de quotas de capital social do mesmo valor.

Ao realizar a transferência do patrimônio da pessoa física para a pessoa jurídica, através de integralização do capital social com bens imóveis, é conferida a imunidade tributária do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), conforme disposto no artigo 156, §2º, I da CRFB, que preceitua que:

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; (BRASIL 1988)

Essa imunidade é concedida como uma política de Estado, com o objetivo de incentivar as pessoas físicas a levarem seu patrimônio para dentro da pessoa jurídica e assim fomentar a atividade econômica e, consequentemente, o desenvolvimento do país. Essa política fica evidenciada e ratificada quando a “Lei do Imposto de Renda” autoriza que essa transferência seja feita utilizando o valor constante da declaração de bens, sem que gere ganho de capital (e sua consequente tributação), conforme disposto no artigo 142 § 1º. do Decreto 9.580 de 2018:

Art. 142. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos, pelo valor constante da declaração de bens ou pelo valor de mercado
§ 1º Se a transferência for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nessa declaração as ações ou as quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou dos direitos transferidos, hipótese em que não presumida a distribuição disfarçada de que trata o art. 528. (BRASIL 2018)

Portanto, quando utilizamos o valor constante da declaração de bens, conforme permitido pela legislação tributária, para realizar a integralização do capital da holding através dos bens imóveis, não pode haver incidência do ITBI na transferência da propriedade, sendo que o próprio contrato social (ou estatuto nos casos das SAs) é instrumento legal para transferência da propriedade, dispensando-se a lavratura de escritura pública, conforme disposto na Lei das SAs:

Art. 89. A incorporação de imóveis para formação do capital social não exige escritura pública. (BRASIL 1976) e na Lei dos Registros Públicos (Lei 8.934/94):

Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou para o aumento do capital. (BRASIL 1994)

Desta forma, fica evidenciada a mitigação de todos os custos (tributários, judiciais e extrajudiciais) quando da transferência do patrimônio da pessoa física para a pessoa jurídica, no caso a holding familiar.

6 TRANSFERÊNCIA DAS QUOTAS DA SOCIEDADE PARA OS HERDEIROS.

Após constituída a holding com o patrimônio familiar, que pode ser tanto financeiro, como imobiliário ou outros ativos, que não serão objetos do presente estudo, o próximo passo é a transferência das quotas da holding aos sucessores.

A transferência das quotas é importante por dois motivos bastante distintos: o primeiro é para a proteção patrimonial da família, segregando os risos, sempre que possível mantendo o patrimônio afastado das atividades que risco.

Devemos entender a holding como uma estrutura de planejamento patrimonial e societário, geralmente composto por mais de uma empresa, cada uma delas com sua atividade específica, de forma a segregar os riscos e mitigar os impactos tributários, nos termos da legislação vigente, ou mais especificamente com novel “Lei da Liberdade Econômica”, conforme expresso no artigo 49-A do Código Civil:

Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos. (BRASIL 2002)

Então, como forma de segregação de riscos e de planejamento sucessório, as quotas da empresa que detêm o patrimônio da família podem ser doadas aos herdeiros, a critério do doador, desde que obedecidas as regras relativas ao direito sucessório. 

Importante ressaltar que quando da doação das quotas será devido o ITCMD, que pode ser de até 8% (oito por cento) sobre o valor da doação, sendo que, para efeitos legais as quotas são consideradas como bem móvel incorpóreo, nos termos do artigo 83 do Código Civil:

Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:
(…)
III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. (BRASIL 2002)

Assim, para efeitos tributários, o ITCMD de coisa móvel é devido no local do domicílio tributário do doador, nos conforme preceitua o artigo 155 da Constituição Brasileira de 1988 (grifo meu):

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: 
I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
§ 1º O imposto previsto no inciso I:
I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, … (BRASIL 1988)

Sabendo que nos termos do artigo 127 do Código Tributário Nacional o domicílio fiscal do contribuinte, que não se confunde com seu domicílio civil (este definido no artigo 70 do Código Civil), pode ser eleito pelo contribuinte, tem-se a possibilidade de o doador eleger seu domicílio fiscal, no local mais conveniente, ou seja, no Estrado da Federação onde se cobra o menor imposto para esta transação.

É importante que a doação seja feita com reserva de usufruto vitalício aos doadores e com cláusulas e condições que protejam e resguardem os interesses e os direitos dos doadores, bem como sua ascendência sobre a administração da sociedade. 

As principais cláusulas que devam constar no contrato de doação (e por conseguinte no contrato social da empresa) é a cláusula de inalienabilidade, para impedir que os herdeiros vejam a alienar, por qualquer forma, as quotas da empresa, a cláusula de incomunicabilidade, para evitar que eventualmente futuros cônjuges venham a se tornar sócios da empresa, cláusula de impenhorabilidade, de forma a minimizar os riscos de que as quotas da empresa venham a ser penhoradas por dívidas dos sócios, estranhas à sociedade.

Ainda para resguardar os direitos e interesses dos doadores deve constar no usufruto a cláusula de reversão nos termos do artigo 547 do Código Civil, bem como a cláusula de direito de acrescer, nos termos do artigo 1.411 do Código Civil.

Importante ainda que a empresa seja registrada por prazo determinado (longo), de forma a evitar a saída imotivada (sem justa causa) de algum sócio, nos termos do artigo 1.029 do Código Civil e ainda deve ser formalizado o “Acordo de Sócios” de forma a manter o controle dos doadores sobre a empresa e sobre o patrimônio doado, sendo que, para tal fim, deve constar as seguintes condições e cláusulas garantidoras do interesse dos doadores: a) administração vitalícia da empresa; b) direito exclusivo dos usufrutuários aos votos em assembleias da empresa; c) cláusula de Call Option e d) cláusula Golden Share., cláusulas mais comuns nos acordos de sócios nas SAs, mas que podem (e neste caso devem) ser aplicadas no sistema da holding.

O acordo de sócios é um contrato celebrado entre os sócios de uma empresa. No sistema de holding familiar ele será celebrado entre os pais (doadores e usufrutuários das quotas) e seus herdeiros (nus proprietários das quotas), com o objetivo definir quem ficará com o que e permitindo que a sucessão seja fidedigna à vontade dos titulares do patrimônio. Além disso, outra vantagem, é que através do acordo de sócios é possível definir a gestão dos negócios. No acordo de sócios é onde o doador (geralmente o patriarca da família) exprime todos seus desejos em relação ao seu patrimônio após seu falecimento.

Com a transferência das quotas e o acordo de sócios definindo a gestão dos negócios, ocorrendo o falecimento dos patriarcas (doadores), extingue-se o usufruto e os poderes dos patriarcas sobre a empresa, efetivando-se automaticamente a sucessão de todo o patrimônio abarcado pela holding, sem qualquer outra formalidade ou custos com inventário, e possibilitando que sejam mantidas as diretrizes fixadas e a manifesta vontade do patriarca.

7 CONCLUSÃO

O sistema denominado holding familiar é atualmente a melhor opção para a manutenção do patrimônio de uma família e a sua transferência para as gerações seguintes, com segurança e economia, respeitando a vontade dos patriarcas, que construíram, geralmente com muito esforço e até dificuldades este patrimônio

Do estudo apresentado verificamos que entre as vantagens da constituição de uma holding familiar apresenta-se a proteção patrimonial, pois permite concentrar o patrimônio pessoal e familiar facilitando a administração do patrimônio familiar. Além de facilitar o processo de sucessão, o planejamento sucessório eficaz é possível reduzir ou até mesmo evitar conflitos que possam vir ocorrer com a sucessão.

Outra vantagem importante é a economia tributária, tanto na gestão do patrimônio, pois passa-se a recolher impostos como pessoa jurídica, que geralmente tem a carga tributária inferior ao da pessoa física, como na transmissão do patrimônio, através de um eficiente planejamento tributário na doação das quotas da empresa aos sucessores.

Pudemos ainda constatar que para que a holding familiar atenda seus objetivos principais que é a proteção do patrimônio familiar, a redução da carga tributária e um processo sucessório mais tranquilo e eficiente, é imprescindível o estabelecimento de um planejamento eficaz, para que este possa atender os objetivos específicos daquele grupo familiar. 

8 REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Elaine Cristina e Rocha Júnior, Arlindo Luiz – Holding – Visão Societária, Contábil e Tributária, 2ª. Edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 2021.

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