REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411151615
Rose Maria Pereira de Souza Bonfim
Patrícia Carla da Hora Correa
RESUMO
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa de Mestrado Profissional do Programa de Pós-graduação em Educação de Jovens e Adultos, que tem como objetivo geral: compreender como se constituiu historicamente o processo formativo das mulheres que atuam como merendeiras e auxiliares de limpeza do Colégio Estadual da Bahia- Central. A pesquisa ocorreu ouvindo suas memórias, no intuito de ampliar as possibilidades de incidir de forma positiva, nos seus processos formativos, ofertando cursos que agreguem em suas carreiras e ampliem suas inserções em diversos espaços de trabalho. O problema de investigação foi: Como se deu o processo formativo das merendeiras e auxiliares de limpeza que são funcionárias do Colégio Estadual da Bahia – Central? A pesquisa é de natureza aplicada, pois tem a possibilidade de produção de conhecimento. Com abordagem qualitativa, centrada nos significados dos fenômenos a partir da descrição deles. O objetivo é exploratório, pois vamos examinar e explorar um fenômeno que ainda é pouco conhecido por mim. A opção metodológica foi pela pesquisa-ação na qual se buscou escutar as histórias das mulheres negras, merendeiras e auxiliares de limpeza, que trabalham no colégio Central, em Salvador-Bahia. A partir das escutas, organizaremos um livro digital, com elementos históricos sobre a oferta de educação pública, as negações sociais, as políticas públicas vigentes, colonialismo e letramento racial, objetivando uma comunicação fluida com todas as pessoas, sejam elas letradas ou não, como produto do Mestrado Profissional. Os resultados desta pesquisa indicam que as participantes vivenciaram várias trajetórias nem sempre fáceis, até concluírem o ensino médio, e que a formação continuada é um caminho possível para viabilizar a qualificação profissional ou até mesmo a mudança de função.
Palavras-chave: Mulher negra. Formação. Inclusão Social. Trabalhadora
- INTRODUÇÃO
As linhas traçadas na cabeça, desenham os caminhos da liberdade, nas tranças nagô. Mapas das linhas das matas, das vielas, das favelas. Pra quem foge do capitão, pra quem joga capoeira no chão. (CONGADAR, 2023)
As trilhas dessa introdução irão mostrar as histórias e memórias de mulheres negras que aprenderam e aprendem com seus e suas ancestrais, as experiências, as vivências, as curvas que a estrada revela. E assim como as aprendizagens ocorrem nesses percursos, as não aprendizagens são consequências de muitas barreiras[1] que as estradas apresentam. Os traçados que caminho, são semelhantes às belas tranças de minhas e meus ancestrais. Nunca foram caminhos fáceis, pavimentados ou iluminados, porém de forma contraditória, são eles que me impulsionam a seguir pelas estradas complexas do conhecimento e a investigar os caminhos das que me antecederam.
As rotas traçadas nesta pesquisa são motivadas pela história de vida da minha mãe e tias, todas mulheres negras, nascidas no interior da Bahia, que ainda na adolescência foram enviadas para a capital do estado, com o objetivo de trabalharem como domésticas. Algumas delas foram para outro estado, como o Rio de Janeiro. Todas tiveram experiências repletas de exclusão, descaso, humilhação e muitas faltas.
Falando um pouco mais sobre minha mãe, ela compartilhou momentos muito tristes na sua história, iniciando com a sua chegada à capital, sem nunca ter saído do interior, sem referência e sem ninguém que a estivesse aguardando na estação rodoviária. Ela foi enviada para Salvador, por minha avó, sob a orientação de que estaria vindo para a casa do padrinho, sim, me refiro àqueles padrinhos brancos que muitas de nós, mulheres negras tivemos e temos.
O padrinho havia agendado a data da sua chegada para o dia seguinte, portanto não a aguardava na rodoviária. Quando ela conta essas histórias, revive com muita dor e lamento, eu imagino o seu sofrimento, uma menina de 12 anos, sem escolarização, chegando na cidade grande, como os mais antigos diziam, e sem nenhuma perspectiva.
Ela conta que tentou estudar à noite enquanto trabalhava como doméstica, porém nunca foi facilitado o seu tempo para o estudo, sempre eram criadas situações para atrasar a sua ida para a escola, além de não ter condições durante o dia, para fazer as atividades, ou dedicar tempo ao estudo.
Um dos seus relatos sobre os impedimentos de uma vida de estudante, foi a forma como era tratada ao retornar da aula. Ela se deslocava para a escola antes de acabar o jantar dos patrões, e não tinha autorização de comer antes ou durante as suas refeições, ela e as demais empregadas tinham que se alimentar do que não era comido por eles. Ao retornar da escola, e ir jantar, tinha que se alimentar com a comida fria, pois não podia aquecer para comer.
Outro relato também triste, era o fato dos patrões contarem as frutas para que os empregados não comessem, além de só compartilhar o alimento com ela e as demais empregadas, quando estavam com datas vencidas e estragados. Este e outros relatos de maus tratos, exclusão, abusos e ofensas, fizeram parte da vida de uma menina, que saiu de sua casa no interior da Bahia e veio para Salvador, aprender a ser gente grande com as violências que a vida lhe proporcionou.
Ela sempre tentou estudar, porém as condições sociais não possibilitaram o seu acesso e permanência na escola. Até os dias de hoje ela deseja retornar à escola, os impedimentos agora são outros, porém tenho clareza de que as amarras que ela vivencia hoje, são fruto das memórias no passado e que fizeram com que ela acreditasse que não é possível.
Existem algumas mulheres da história atual, que viveram situações semelhantes às das minhas tias e mãe, assim como das minhas entrevistadas, e são referências para as mulheres se inspirarem e perceberem que é possível acessar os espaços sociais, os lugares de poder e os conhecimentos construídos historicamente pela humanidade compartilhados nas escolas. Dentre elas, destaco a Deputada Federal Benedita da Silva, que viveu uma infância pobre, enfrentou situações de fome e ausência do Estado, hoje é uma referência como mulher negra no nosso país. Um destaque da Bahia, é a Deputada Estadual Olivia Santana, filha de empregada doméstica e que, na adolescência, iniciou sua vida como trabalhadora, sendo faxineira de uma escola particular.
Essa história tem uma conexão direta com as escolhas formativas que fiz e venho fazendo ao longo da vida, pois, como minha mãe não concluiu a educação básica, ela teve como meta, a formação em nível médio, dos quatro filhos. As nossas referências da época não eram pessoas com o ensino superior, isso nem passava na nossa cabeça, concluir o antigo segundo grau já era o ápice. Porém, ao entrarmos no mercado de trabalho e começarmos a nos relacionar com pessoas de vários espaços e formações diversas, percebemos que nos faltava algo, precisávamos avançar nos estudos e começamos a trilhar essa estrada.
Fiz o nível médio no curso de Magistério, isso possibilitou que eu tivesse meu primeiro emprego na área de educação, fui trabalhar em uma instituição confessional, com crianças da Educação Infantil, na época o Brasil estava envolto com parcerias de instituições não governamentais que financiavam projetos educacionais diversos, e esta instituição na qual iniciei minha vida profissional, tinha um financiamento que proporcionava com grande frequência, formação continuada dos funcionários.
Foram as formações que começaram a desestruturar as certezas e incertezas que eu tinha, mostraram possibilidades, espaços novos, concepções de educação, ideias novas, enfim foram estes encontros os responsáveis por provocar o meu desejo de estudar, conseguir uma formação superior e seguir em frente. O trajeto não tem sido fácil, desde o momento da escolha pelo curso de Pedagogia, que estudei na Universidade Federal da Bahia (UFBA), passando pela especialização em Alfabetização e Letramento, entremeando com cursos de curta duração na área de educação, até o momento presente, na finalização do Mestrado, que vem sendo trançado com as rotinas da vida de uma mulher trabalhadora e negra, com um sonho a ser conquistado.
Esta história e tantas outras não contadas, compõem as memórias das muitas mulheres escravizadas, que sequestradas dos seus povos e trazidas de África para o Brasil, enfrentaram todo tipo de exclusão, violência, negação e abandono. Por séculos fomos invisibilizadas, tratadas como objetos e ainda hoje, com tantos avanços legais, com o letramento racial [2]ocorrendo de forma acessível nas redes sociais, ainda enfrentamos episódios de racismo, negações e exclusões.
Ao pensarmos em formação das pesquisandas, pensamos também neste processo de letramento racial, que alerta para as ausências do Estado e das populações que sempre se beneficiaram da mão de obra gratuita ou mau paga, das mulheres negras, muitas trabalhando como domésticas, sem direito a educação formal ou uma vida digna, e tal direito só foi constituído legalmente no século presente, no ano de 2015, quando a lei faculta ao empregado doméstico, direitos trabalhistas que foram conquistados no século passado, na década de 1943, com a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Ao apresentar essa narrativa, entrelaço com os registros históricos do povo brasileiro, constituído como resultado de um processo histórico de colonização de povos europeus, que ao invadirem o território que hoje conhecemos como Brasil, encontraram e oprimiram os povos originários a quem denominaram índios, e em seguida, no processo de colonialismo[3], escravizaram povos africanos durante séculos, sob a justificativa de investirem no desenvolvimento econômico do território explorado. Todos esses processos, de alguma maneira, forjaram a identidade étnico-racial e cultural do brasileiro.
A tentativa de branqueamento[4] do país, ação implementada pela elite brasileira, ocorrida no fim do século XIX e meados do século XX, ampliou o foço entre negros e brancos, diminuindo as oportunidades de escolarização, profissionalização e mudança de status social. Por séculos foram negados o direito a educação pública, gratuita e laica, além do direito à saúde e bem-estar, seus direitos foram invisibilizados e negligenciados para os brasileiros que ocupavam a categoria de minoria social e, especialmente, a população negra.
As mulheres negras eram consideradas como objetos de prazer e, junto a isto, lhes eram dados nomes que diminuíam a sua humanidade, um deles era o nome de mulata[5], terminologia não mais aceita no século atual, por ser uma expressão análoga a mula, portanto, pejorativa. Por séculos essa história se perpetuou no Brasil, constituindo uma nação de excluídos, marginalizados e analfabetos, composta majoritariamente por negros e negras.
Os caminhos construídos pelas histórias destas, e de tantas outras mulheres é, portanto o que a nossa[6] pesquisa busca revelar. Ao ouvir as narrativas de mulheres negras, que atuam como merendeiras e auxiliares de limpeza, do Colégio Central, utilizando da pesquisa-ação como método para caminhar nas rotas da pesquisa, pretendo revelar os traçados que a vida lhes possibilitou, as estratégias que elas utilizaram e as novas rotas que serão possíveis traçar. Portanto, os registros destas histórias serão entrelaçados com as conquistas alcançadas pelas minorias sociais culminando em políticas púbicas que apresentam caminhos inclusivos para todas as pessoas, e o ponto de maior reflexão e atenção será para as políticas educacionais.
A nossa defesa do direito a educação, é legitimada pela Constituição Federal do Brasil (CF), a nossa Carta Magna. Na seção designada à educação, o Artigo 205, afirma que a educação é direito de todos e dever do Estada e da família. Portanto, tal direito deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de seu gênero, raça, opção sexual, condição social ou escolha religiosa. A legislação vigente, que afirma o direito a educação, e que regulamenta a educação brasileira, é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que foi sancionada em 1996 e, no Artigo 2º, estabelece que a educação é dever da família e do Estado, para que o educando tenha pleno desenvolvimento e o preparo para o trabalho. Tanto a LDB quanto a CF, apontam a importância e o direito a educação para todas as pessoas, qualificando e desenvolvendo o sujeito.
Consideramos importante registrar mais dois documentos legais, que de forma direta e indireta, dialogam com a nossa pesquisa. O primeiro, é a Lei 11.645/08, que trata da inclusão da cultura negra e indígena, como currículo obrigatório na educação básica. Ao mencionar essa lei, me refiro a ela como uma legislação que contribuirá para refletirmos sobre as negações que as mulheres negras tiveram ao longo de suas histórias de vida, aqui no Brasil, e pontuar a importância desta lei como estratégia de empoderamento, reparação, inclusão social e reflexão histórico-crítica sobre os povos originários e os negros.
O segundo documento, é a Resolução nº. 01/2021, de 25 de maio de 2021, que institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), nos aspectos relativos ao seu alinhamento à Política Nacional de Alfabetização. No Artigo 1º, inciso VI, esta Resolução institui à oferta com ênfase na Educação e Aprendizagem ao Longo da Vida. Dando à nossa pesquisa uma relevância do ponto de vista social e pedagógico.
A Resolução continua definindo parâmetros para a oferta dessa modalidade de ensino, e destacamos mais um artigo relevante para os sujeitos da EJA. “Art. 2º Com o objetivo de possibilitar o acesso, a permanência e a continuidade dos estudos de todas as pessoas que não iniciaram ou interromperam o seu processo educativo escolar” (BRASIL, 2021). Este artigo dialoga diretamente com a motivação da pesquisa, que são as vidas de minha mãe e tias, que por vários motivos que os caminhos da sobrevivência apresentaram, não puderam concluir seus estudos.
Para situarmos o leitor sobre o público da nossa pesquisa, traremos alguns dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apresenta no ano de 2022, o número de 7,4% de analfabetos entre as pessoas pretas ou pardas com 15 anos ou mais de idade. O quantitativo encontrado entre as pessoas brancas é menos da metade, correspondendo a 3,4%. Quando analisamos o analfabetismo entre as mulheres negras, de 15 anos ou mais, no mesmo ano, corresponde a 5,4%, já a dos homens foi de 5,9%, o que se caracteriza como um percentual muito alto para o momento histórico atual.
Considerando o número expressivo de mulheres negras, assumindo trabalhos de pouco reconhecimento social, aliado à baixa escolarização e, consequentemente, salários mais baixos, é que esta pesquisa busca investigar, por meio da pesquisa-ação, as histórias das mulheres que ocupam os postos de trabalho de auxiliar de limpeza, e o de merendeira, intencionando identificar os seus percursos históricos e incentivar a construção de novas trilhas num processo formativo que será produzido a partir da escuta sensível de suas narrativas.
Tomando emprestada a expressão criada por Evaristo (2020), a escrevivência, que materializa a escrita das vivências de mulheres negras e que tem a potência para apagar ou borrar as marcas deixadas em seus corpos num passado em que eram escravizadas. Essa concepção irá pautar o desejo da pesquisa que é o registro das narrativas das pesquisandas, resgatando suas histórias e memórias.
Também fará parte do nosso percurso, o que é discutido por Silva (2003), quando aborda que as mulheres negras dependem de muito mais esforço para conseguir alcançar cargos de trabalho mais respeitados socialmente. E, estes esforços, invadem as rotinas familiares, o tempo de qualidade com seus parceiros e filhos, além de ter uma luta diária, entre seus colegas de trabalho, tendo que comprovar sua competência profissional.
As mulheres negras silenciadas nas senzalas, nas casas dos patrões, na própria casa e na sociedade, são convidadas ao empoderamento de suas memórias, a partir de reflexões compartilhadas por Ribeiro (2017) ao discutir sobre o lugar de fala, resgatando vozes silenciadas, provocando reflexões, intencionando a quebra da escravidão das subjetividades, que se perpetua até os dias atuais onde pessoas com maior poder aquisitivo, maior escolarização e status social, de forma explícita ou velada, silenciam as vozes que socialmente são consideradas como inferiores.
Portanto, tratar do processo formativo destas mulheres, é possibilitar uma conquista de autonomia e empoderamento, pois, para Freire (2015), na Pedagogia da Autonomia, aprender é um crescimento fruto de uma constante procura por se satisfazer pessoalmente. E é nessa crença que a pesquisa busca construir os seus caminhos.
Muitas destas trabalhadoras são silenciadas e invisibilizadas, segundo Santos (2020), é necessária a reinvenção dos corpos, é importante dar vozes aos sujeitos invisibilizados. Esta ação restringe, inibe e enfrenta as muitas violências sofridas pelas mulheres, contra seus corpos, seus jeitos, suas histórias. Portanto, esta pesquisa também trata de inclusão de mulheres negras no mercado de trabalho, qualificando, empoderando e ressignificando.
Para Correia (2013), são em diversos contextos que a inclusão acontece. Não dependendo de normas e nem equilíbrios. Estas reflexões e questionamentos apontam para o modelo que estrutura a sociedade, com uma concepção racista que pauta os comportamentos, falas, acessos e estruturas que organiza um povo. Portanto, Almeida (2019), ao citar o racismo estrutural, fala do empobrecimento e adoecimento da população negra, vítima da baixa escolarização o que ocasiona inserção em postos de trabalho de menor remuneração e reconhecimento social.
A abordagem inicial que vem definindo o perfil do público que será pesquisado, foi motivado a partir das histórias de vida de minha mãe e tias. Todas oriundas do interior da Bahia, até o momento dessa escrita, apenas uma conseguiu a formação superior, em Pedagogia. Algumas concluíram o ensino médio, muitas não concluíram o ensino fundamental. Quase todas as minhas tias saíram do interior e vieram para a capital trabalhar como domésticas, quando ainda eram adolescentes. Essa história não é incomum para a população pobre e preta, infelizmente, é o retrato de muitas de nós.
Minha mãe, após anos de trabalho, se casa, tem quatro filhos, duas meninas e dois meninos. Os meninos com formação superior em Física e Filosofia, as meninas uma é microempresária e a outra, que sou eu, Pedagoga. Chegarmos a concluir o ensino superior, não foi fácil. Todos nós estudamos e trabalhamos simultaneamente. Neste momento, cursando o mestrado, divido o tempo com o trabalho, porém, reconheço que mesmo não sendo fácil, é um privilégio de poucos, e é esse privilégio que deve ser efetivamente garantido como direito.
Estudar e trabalhar não é uma situação confortável, sabemos que apesar da educação ser direito de todos, garantida na nossa Constituição Federal, ainda vivemos as dificuldades de uma vida de trabalhadora, mulher e negra. Não como doméstica, porém, sem os privilégios que os nossos colonizadores e os seus descendentes sempre tiveram: o direito de viver a sua escolarização, exclusivamente pensando nos estudos, pesquisas, produções e formação, portanto, as nossas histórias se cruzam no passado e no presente, das mulheres trabalhadoras que buscam qualidade de vida e meu objetivo é mostrar para as outras, que apesar de difícil, é possível alcançar seus propósitos.
Seguindo as trilhas da pesquisa, apresento o campo onde a pesquisa-ação irá ocorrer: é um colégio quase bicentenário, em Salvador, localizado bem no centro da cidade, ocupando um bairro histórico, numa localização privilegiada e de fácil acesso, pois fica próximo à Estação de ônibus da Lapa e da Estação de Metrô Lapa. Além de sua proximidade a vários pontos de ônibus, possibilitando a locomoção dos e das estudantes, funcionários, professores e todas as pessoas que se deslocam da e para a escola.
O lócus é o antigo Ginásio da Bahia, que hoje é conhecido como Colégio Estadual da Bahia ou Colégio Central da Bahia. É uma escola que atua no nível médio de ensino e tem uma relação de ex-alunos, que são grandes nomes da história passada e recente. Pessoas que são reconhecidas nos campos da cultura, ciência e política. Dentre esses nomes, destaco: Carlos Mariguella, Aristides Maltez, Glauber Rocha, Pirajá da Silva, Cid Teixeira, Antonio Carlos Magalhães, Calazans Neto, Waldir Pires, Ubiratan Castro, Lídice da Matta, dentre outros destaques.
O Central, com seu pioneirismo, foi o primeiro colégio a permitir turmas mistas, sendo vanguarda na conquista de direitos iguais entre os gêneros. Também esteve demarcando o lugar na história ao se manter contra as atrocidades ocorridas contra os cidadãos, cerceando as liberdades e restringindo os direitos fundamentais, pois expressiva parcela de sua comunidade engajou-se no movimento de resistência durante o período da Ditadura Militar oriunda do golpe de 1964, tornando-se o centro das manifestações.
O colégio foi criado pelo ato n. 33, publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia em 7 de setembro de 1837. Sendo um patrimônio com quase 200 anos de existência, foi o primeiro colégio público de ensino médio no Brasil. Na sua fundação foi nomeado como Liceu Provincial da Bahia. Sua história de luta e resistência remonta o seu primeiro ano de existência, quando teve durante a Sabinada[7], a participação de alguns professores, dentre eles o padre doutor Antonio Joaquim da Mercês, também conhecido como Cônego das Mercês. Hoje o colégio continua resistindo ao tempo, enfrentando grandes demandas na sua infraestrutura, porém ainda representa um forte marco de lutas e conquistas.
O colégio, além de bem localizado, tem uma vasta extensão territorial, é composto por áreas verdes, condição que lhe dá um charme especial, além de quadras de esporte, sala de informática, refeitório, cozinha, banheiros, sala de professores, mais de quarenta salas de aula, biblioteca e amplos corredores de circulação. Com uma estrutura tão grande, demanda um quadro de profissionais robusto. Para que a escola consiga manter as suas atividades em funcionamento regular, necessita de uma equipe coesa e qualificada.
No cadastro do sistema escolar da Secretaria Estadual de Educação, o Central tem no quantitativo de servidores, os seguintes profissionais: dois cuidadores educacionais, três estagiários nível técnico, noventa e dois professores, três professores educacionais profissionais e cinco professores não licenciados, quatro brailistas, dois coordenadores pedagógicos, treze serventes, dois técnicos administrativos, um agente público, dois instrutores de libras, quatro técnicos de atendimento educacional especializado, quatro analistas técnicos, uma cozinheira, três merendeiras, oito estagiários, quatro apoios administrativos e três auxiliares administrativos.
É nesta senhora escola, no amplo sentido que a palavra nos conduz, que realizaremos a pesquisa, num lugar repleto de memórias, muitas delas que incidiram nas lutas do Brasil e da Bahia, e hoje fazem parte dos anais da história. E é imersa nesta beleza repleta de conquistas, que escutaremos as memórias, das mulheres negras que ocupam esse espaço, contribuindo com a sua limpeza e preservação, assim como, alimentando os futuros Mariguellas, Aristides, Glaubers, Teixeiras, Lídices e muitos outros anônimos que seguirão novas rotas trançadas por muitas mãos.
Compreender os caminhos que construíram as histórias de vida das minhas entrevistadas, ouvindo suas memórias, ampliará as possibilidades de incidir de forma positiva, nos seus processos formativos, ofertando cursos que agreguem em suas carreiras e ampliem suas inserções em diversos espaços de trabalho. Diante desta problemática, tem-se como pergunta de investigação: Como se deu o processo formativo das merendeiras e auxiliares de limpeza que são funcionárias do Colégio Estadual da Bahia – Central?
Portanto, é neste sentido que, tem-se como objetivo geral: compreender como se constituiu historicamente o processo formativo das mulheres que atuam como merendeiras e auxiliares de limpeza do Colégio Estadual da Bahia- Central.
Os objetivos específicos são: identificar os percursos trilhados pelos protagonistas da pesquisa e seus processos formativos, considerando os pressupostos teóricos e epistemológicos da EJA; discutir os processos formativos da mulher negra na história brasileira; analisar os impactos dos processos formativos das merendeiras e auxiliares de limpeza do Colégio Estadual da Bahia, propondo caminhos formativos.
A pesquisa é de natureza aplicada, pois tem a possibilidade de produção de conhecimento. Com abordagem qualitativa, centrada nos significados dos fenômenos a partir da descrição deles. O objetivo é exploratório, pois vamos examinar e explorar um fenômeno que ainda é pouco conhecido por mim. A opção metodológica foi pela pesquisa-ação na qual se buscou escutar as histórias das mulheres negras, merendeiras e auxiliares de limpeza, que trabalham no colégio Central, em Salvador-Bahia,
A pesquisa-ação é importante para este trabalho, pois proporciona ao pesquisador a oportunidade de mergulhar no universo da pesquisa, de forma que seja o mais presente e interativa possível, convivendo no cotidiano de trabalho das mulheres pesquisadas. Na coleta de dados utilizou-se a entrevista e observação. Os dados obtidos foram analisados e as dúvidas elucidadas em encontros regulares entre a pesquisadora e as pesquisadas.
A Pesquisa-ação é definida por Thiollent (2005, p. 16) como uma pesquisa com base empírica, realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos.
Ao fazer uso desta metodologia, estamos considerando os aspectos implícitos que corroboram com o envolvimento em questões sociais e políticos dos participantes pesquisados. Tal metodologia se adequa ao objeto dependendo do público, condição ou objetivos do pesquisador. O dispositivo de pesquisa adotado, é a entrevista individual, usando a inspiração dos caminhos metodológicos desenvolvidos pelo projeto apresentado no livro: Ponte de Palavras, um projeto da Fundação D. Avelar, que atuou com jovens, em Salvador-Ba.
Dessa forma, a pesquisa objetiva dar mais evidência as vidas destas mulheres que por séculos realizam serviços de extrema relevância para a sobrevivência e bem-estar pessoal e social e que continuam sendo considerados de menor prestígio ou importância social, sendo de forma majoritária desenvolvidos por mulheres e, em sua maioria, negras. Sigamos as tranças dessa pesquisa para os novos caminhos que ela nos aponta.
“As tranças Nagô eram utilizadas para desenhar rotas de fuga para os quilombos.” (RIBEIRO, 2020, p.01) Assim como as negras escravizadas desenhavam os caminhos de fuga nas cabeças com as tranças nagô, nós iremos desenhar os caminhos da pesquisa com entrelaçamentos teóricos e epistemológicos, convidando os sujeitos que farão a leitura, que se permitam implicar em um deslocamento inclusivo, através da pesquisa-ação.
As categorias pesquisadas foram compreendidas em: Mulher negra. Formação. Inclusão social. Trabalhadora. Na abordagem dos pressupostos legais da EJA e as suas relações a inclusão de mulheres trabalhadoras no processo de formação continuada, autores como Arroyo (2021), Freire (1987, 1996, 2011 e 2022) se destacam. Quando tratamos sobre a mulher negra e seu processo de formação, citamos autores principais como: Duarte (2020), Davis (2011), Ribeiro (2017) e Santos (2020). Para a abordagem metodológica, apresentamos Thiollent (2005), como autor principal para o caminho construído. Neste processo, durante a análise dos dados coletados, categorizamos os elementos selecionados, baseando-nos no pensamento de Pereira (2019).
Dessa forma, essa pesquisa subdivide-se em seções: a primeira, será a introdução, que apresentará a motivação para a pesquisa, gerando o problema da pesquisa, os objetivos, o campo empírico, os sujeitos e alguns autores que contribuem com a reflexão escrita e os caminhos da pesquisa. Toda ela permeada pela concepção de tranças como condutoras do caminho, usando a metáfora da trança nagô, que foi a estratégia adotada pelas negras escravizadas, para ensinar as rotas de fuga. São esses caminhos trançados, repletos de histórias e memórias que constituirão a pesquisa.
Na segunda seção discutiremos os pressupostos históricos da EJA, seus avanços e impactos na formação dos sujeitos e, o impacto na vida de mulheres negras. A terceira seção, investigará os processos formativos da mulher negra na história, a inclusão no mercado de trabalho, o uso da mão de obra em uma nova escravização. A quarta seção abordará a trajetória metodológica trabalhada, para caracterizar os o perfil nas mulheres negras, merendeiras e auxiliares de limpeza do colégio Central. A quinta e última apresentará os resultados e propostas da pesquisa.
A opção metodológica foi pela pesquisa-ação na qual se buscou escutar as histórias das mulheres negras, merendeiras e auxiliar de limpeza, que trabalham no colégio Central, em Salvador-Bahia, desenvolvida por um processo constituído por cinco etapas, desde a formulação do problema até a apresentação e discussão dos resultados. Para construirmos os caminhos formativos da pesquisa, trançamos as fases que traçaram os caminhos para o quilombo dos saberes.
A primeira etapa é constituída pela fase exploratória, onde identificamos o problema, que foi fruto da minha história de vida resgatando a formação de minha mãe e tias. Assim, o problema, objeto de estudo, consistiu em encontrar, a partir da pesquisa-ação, com o seguinte questionamento: Quais os caminhos formativos das merendeiras e auxiliares de limpeza do Colégio Estadual da Bahia- CENTRAL? Para a realização desta etapa, os procedimentos foram: reunião com gestores da escola, observação no lócus da pesquisa, conversas individuais com as pesquisandas estabelecendo um relacionamento de confiança, para informar o objetivo da pesquisa e coletar as devidas autorizações.
A segunda etapa é composta pela elaboração da pesquisa e plano de ação – entrevistas semiestruturadas. Realizamos as entrevistas individuais, com as participantes que autorizaram o uso de suas informações, resguardando suas identidades, fazendo uso de pseudônimos de mulheres negras que fazem parte da história, com um foco nas brasileiras. As questões versaram sobre o processo formativo e o trabalho das pesquisandas e deram elementos para a organização da terceira fase, que é a formação em serviço dos sujeitos.
Na terceira etapa, ocorrerá a execução e avaliação, ou seja: a formação em serviço. Sendo a pesquisa de abordagem qualitativa, com foco na trajetória de vida formativa das participantes. Foi condição primordial, conhecer as mulheres, público-alvo, e de como elas se sentem frente as questões apresentadas na entrevista. Logo, realizaremos encontros formativos de discussões acerca da temática, uma vez que as formações possibilitam maior interação entre os participantes e o pesquisador, pois, assim, as relações, trocas e aprendizagens que acontecerem de forma livre e espontânea durante a realização do trabalho nos permitirá mergulhar eu seu universo de memórias e histórias.
As formações serão organizadas com temáticas que surgiram das entrevistas, possibilitando, às participantes, novos caminhos de aprendizagem que podem contribuir, significativamente, para o seu desenvolvimento pessoal e profissional. A sequência didática adotada na realização da formação será: o acolhimento, apresentação do tema da formação, levantamento de conhecimentos prévios por meio de uma nuvem de palavras, abordagem teórica, momento de participação e discussão, avaliação e conclusão.
A quarta etapa será a síntese e dos resultados.Tendo como produto a organização um livro digital, com elementos históricos sobre a oferta de educação pública, as negações sociais, as políticas públicas vigentes, colonialismo e letramento racial. Com uma linguagem informal, associada a cores e formas, objetivando uma comunicação fluida com todas as pessoas, sejam elas letradas ou não. Este produto tem o objetivo de contribuir para a reflexão e formação de mulheres trabalhadoras que não deram continuidade aos seus estudos, onde vai mostrar várias histórias de vida, os impactos que a formação ou ausência dela causou em suas vidas e o despertar para novas possibilidades.
A quinta e última apresentará os resultados e propostas da pesquisa.
2 OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA EJA: AS TRILHAS QUE A EDUCAÇÃO CONSTRUIU
Lhe convido a fazer uma breve caminhada na trilha construída pelos sujeitos da EJA, e que ao passarem deixaram marcas que contribuíram para o deslocamento de outros, além de fortalecer e ampliar a sua concepção, compreensão e ciência. Neste passeio trilharemos pela segunda seção, onde discutiremos os pressupostos históricos da EJA, seus avanços e impactos na formação dos sujeitos e, o impacto na vida de mulheres negras.
Portanto, o lugar dos saberes construídos pelos jovens e adultos, é resultado de sistematização, crenças e cientificidade. Desta forma o conhecimento se torna acessível e possível, visto que os seus pilares são alcançados. E como nenhum conhecimento está pronto e acabado, a EJA também se encontra na categoria de busca constante por saberes e conhecimentos construídos pelas pessoas que compõem esse coletivo de aprendentes.
Quando discutimos a EJA como uma área de conhecimento da Educação, reconhecemos que ela se encontra entre campos, o das ideologias, outro de produções intelectuais. Considerando que o público pesquisado é repleto de questões de atravessamentos sociais, políticos, históricos, de gênero, raça, gerando várias questões problematizadoras, entendo que esse campo ocupa socialmente, politicamente e historicamente, um lugar de relevância entre as categorias da educação.
A nossa abordagem não tem a intenção de colocar a EJA num lugar isolado do processo formativo dos sujeitos, ao contrário, desejamos que ela seja compreendida como uma modalidade de ensino com seu significado próprio, que tem significado e importância para os que integram esse grupo de aprendentes e, pela sua relevância social, ao restituir aos estantes o direto de estar e aprender, possibilitando uma pratica cidadã mais qualificada, a modalidade deve ter uma atenção política mais focada nos desdobramentos sociais que pode gerar ao ser ofertada de forma qualificada.
A EJA ao longo de sua implementação vivencia mudanças e crescimento em sua produção de conhecimento, isso fortalece o campo epistemológico, pois os acúmulos construídos historicamente, resultado de investigações, reflexões e críticas, dão elementos para produções de novas concepções, práticas e teorias, retroalimentando o giro epistemológico constituído pelo problema, sua pesquisa e reflexão, gerando conhecimento.
A educação de jovens e adultos tem produzido um aparato teórico relevante para potencializar as práticas pedagógicas e, retroalimentar as pesquisas, porém, reafirmamos que não se trata de um campo pronto e acabado. A importância que a EJA tem socialmente e epistemologicamente, é envolta por temas embricados com o tripé educação, política e sociedade, dentre eles destacamos: a concepção de currículo, as práticas pedagógicas que dialogam diretamente com as concepções de aprendizagem, concepções sobre o que é conhecimento e sua relevância na educação, os sujeitos implicados no processo de ensino aprendizagem, as inclusões de gênero, raça, etnia, das pessoas com deficiência, das pessoas trabalhadoras, do direito a educação garantido constitucionalmente, dentre outros.
2.1.1 SEGUINDO ALGUMAS TRILHAS DE PESQUISAS COM AS MULHERES NEGRAS
Assim como as tranças nas cabeças de nosso povo preto, os caminhos da EJA, seguem muitas rotas. E, assim como quase toda estrada tem um nome, as pesquisas na EJA também foram nomeando alguns roteiros para qualificar as pesquisas. Dentre elas, destacamos: Mulher negra. Formação. Inclusão social. Trabalhadora.
Estas categorias, encontradas no contexto da pesquisa, estão presentes em teses, dissertações e artigos, cuja delimitação de constituiu em analisar estudos que se referiam ao campo epistemológico da EJA. Para a realização do levantamento destas pesquisas, privilegiou-se os artigos, dissertações e teses de três bancos de dados nacionais- coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e Acervo do Centro de Documentação e Informação – CDI – Dissertações MPEJA. Foram usadas como referencial de busca três descritores: Mulher negra. Formação. Inclusão social. Trabalhadora.
O caminho em busca de construções de conhecimento acerca das categorias apresentadas, não foi com delimitação temporal. O objetivo é apresentar os trabalhos realizados e as reflexões realizadas num determinado tempo histórico, tendo vinculação com o objeto da pesquisa. Acompanhemos os resultados no banco de dados da CAPES.
O descritor: Mulher negra, foram encontrados 2251 (Dois mil duzentos e cinquenta e um) resultados, sendo 1677(mil seiscentos e setenta e sete) de mestrado e 423(quatrocentos e vinte e três) de doutorado. Refinado a busca para Mulher negra na EJA, os trabalhos encontrados foram 16(dezesseis), sendo 8(oito) de mestrado acadêmico,6(seis) de mestrado profissional e 2(dois) de doutorado. Destes, 12(doze) discutem sobre a EJA.
O descritor: Formação, foram encontados148366 (um milhão quatrocentos e oitenta e três mil e sessenta e seis) trabalhos, entre teses e dissertações. Destes, 693(seiscentos e noventa e três) abordando a temática: Formação na EJA, com 442(quatrocentos e quarenta e dois) trabalhos de mestrado acadêmico, 115(cento e quinze) trabalhos de mestrado profissional e 36(trinta e seis) de doutorado. Destes,145(cento e quarenta e cinco) abordam sobre educação e, 41(quarenta e um), sobre educação de adultos.
Na pesquisa com o descritor: Inclusão social, 7529(sete mil quinhentos e vinte e nove) trabalhos foram publicados. Destes, 1429(mil quatrocentos e vinte e nove) de doutorado, 5173 (cinco mil cento e setenta e três) de mestrado acadêmico e 927 (novecentos e vinte e sete) de mestrado profissional. Ao refinar a busca com o descritor Inclusão social na EJA, obtivemos o resultado de 40 trabalhos, sendo eles distribuídos entre: 9(nove) de doutorado, 27(vinte e sete) vinte e sete de mestrado acadêmico e 4(quatro) de mestrado profissional.
A busca realizada com o descritor: Trabalhadora, forma encontrados, 372499(três milhões, setecentos e vinte e quatro mil, noventa e nove) trabalhos. Refinando a busca para trabalhadora na EJA, foram encontrados 762(setecentos e sessenta e dois) trabalhos, destes 99(noventa e nove) de doutorado, 58(quinhentos e oitenta) de mestrado acadêmico e 83(oitenta e três) de mestrado profissional. No detalhamento da busca, 49(quarenta e nove) estão na área da educação, 13(treze) em ensino e 7 (sete) em educação de adultos.
A busca realizada no banco de dados da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, foram encontrados os seguintes resultados: no descritor: Mulher negra, 2654(dois mil seiscentos e cinquenta e quatro) trabalhos, destes, 711(setecentos e onze) foram do doutorado e 1943(mil novecentos e quarenta e três) do mestrado. Refiando a pesquisa para Mulher negra na EJA, foram encontrados 25(vinte e cinco) trabalhos, 21(vinte e um) de mestrado e 4(quatro) de doutorado. Destes, 14(quatorze) com o recorte da EJA, 2(dois) com o recorte de gênero e 6(seis) sobre mulher.
O descritor Formação, foram encontrados 125332 (cento e vinte e cinco mil trezentos e trinta e três) trabalhos, com pesquisas de mestrado e doutorado. Fazendo uma busca mais refinada, com o descritor Formação em EJA, existem 1063 (mil e sessenta e três) pesquisas, sendo 843(oitocentos e quarenta e três) trabalhos de mestrado e 220(duzentos e vinte) de doutorado. Destes, 530 (quinhentos e trinta) com abordagem em EJA e 70(setenta) em formação de professor.
O descritor Inclusão social, apresentou 10.867(dez mil, oitocentos e sessenta e sete) trabalhos entre as pesquisas de mestrado e doutorado. Refinando a pesquisa para Inclusão social em EJA, foram encontrados 131(cento e trinta e um trabalhos), sendo 103(cento e três) pesquisas de mestrado e 28 (vinte e oito) pesquisas de doutorado. Destas, 75(setenta e cinco) com o assunto sobre educação de adultos e 8(oito) com o assunto de inclusão.
O descritor Trabalhadora, foram produzidas ao longo dos últimos dez anos, 508.914(quinhentos e oito mil, novecentos e quatorze) pesquisas de mestrado e doutorado, refinando a busca para Trabalhadora em EJA, encontramos 1809 (mil oitocentos e nove) pesquisas, 1499(mil quatrocentos e noventa e nove) trabalhos de mestrado e 310(trezentos e dez) trabalhos de doutorado. 1022(mil e vinte e dois) trabalhos versam sobre a EJA e 30(trinta) sobre trabalho.
A busca realizada no banco de dados Acervo do Centro de Documentação e Informação – CDI – Dissertações, foram encontrados os seguintes resultados: no descritor: Mulher negra, 10(dez) trabalhos de mestrado. Refiando a pesquisa para Mulher negra na EJA, foram encontrados 5(cinco) trabalhos, todos do mestrado. Destes, 10(dez) com o recorte da EJA, 3(três) com o recorte de gênero e 9(nove) sobre mulher.
O descritor Formação, foram encontrados 77 (setenta e sete) trabalhos, com pesquisas de mestrado. Fazendo uma busca mais refinada, com o descritor Formação em EJA, existem 55 (cinquenta e cinco)) pesquisas. Destes, 77 (setenta e sete) com abordagem em EJA e 28 (vinte e oito) em formação de professor.
O descritor Inclusão social, apresentou 4(quatro)) trabalhos entre as pesquisas de mestrado. Refinando a pesquisa para Inclusão social em EJA, foram encontrados 4( quatro) trabalhos.
O descritor Trabalhadora, foram produzidas ao longo dos últimos dez anos, 1(um) pesquisa de mestrado, refinando a busca para Trabalhadora em EJA, encontramos 1(um) pesquisa) trabalhos versam sobre a EJA e 30(trinta) sobre trabalho.
Gráfico 1- Trilhas da pesquisa com as mulheres negras
Fonte: Elaborado pela autora (2024)
As trilhas da pesquisa com mulheres negras revelam que dos três bancos de dados apresentados, o da BDTD e o da CAPES, possuem mais pesquisas com mulheres negras que o do MPEJA. E que em todos os três bancos, o descritor formação é recorrente em grande quantidade, mesmo no banco com menor produção sob o tema. Também interessa apontar a frequência com que aparece a inclusão social e trabalhadora. Os dados revelam que apesar de haver um quantitativo significativo de pesquisas sobre mulheres negras, as especificidades sobre as suas formações, o processo de inclusão social e a relação com o trabalho ainda são temas pouco exploradas, denotando um campo vasto para futuras pesquisas.
3 OS PROCESSOS FORMATIVOS DA MULHER NEGRA NA HISTÓRIA BRASILEIRA.
As trilhas estão se aproximando de alguns dados, e nesta terceira seção, investigará os processos formativos da mulher negra na história, a inclusão no mercado de trabalho, o uso da mão de obra em uma nova escravização. Portanto, não podemos deixar de citar Paulo Freire, suas implicações, provocações e contribuições para a EJA. Os seus estudos foram basilares para os movimentos sociais, assim como para os movimentos negros, em busca de uma educação popular referenciada nos valores da cultura afrobrasileira. Di Pierro (2005) cita que estes movimentos, ocorridos nos anos de 1950 para 1960, questionavam a vinculação da educação popular ao trabalho da classe trabalhadora. Em contrapartida a educação da classe dominante que tinha uma educação cientifica e humanística.
Ao final dos anos 40 do século passado foram implementadas as primeiras políticas públicas nacionais de educação escolar para adultos, que disseminaram pelo território brasileiro campanhas de alfabetização. No início da década de 1960, movimentos de educação e cultura popular ligados a organizações sociais, à Igreja Católica e a governos desenvolveram experiências de alfabetização de adultos orientadas a conscientizar os participantes de seus direitos, analisar criticamente a realidade e nela intervir para transformar as estruturas sociais injustas. Diretriz totalmente contrária teve o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) da década de 1970, conduzido pelo regime militar no sentido de sua legitimação.
Sendo impossível dissociar a educação da política, é importante destacar os movimentos e lutas reivindicando direitos para as mulheres. Dentre eles citamos o movimento feminista que ocorreu em 1960, nos Estados Unidos, contribuindo para a criação de mais um capítulo na história, como é abordado por Bruke, ao falar da coletividade, vejamos: “[…] criou uma identidade coletiva de mulheres, indivíduos do sexo feminino com um interesse compartilhado no fim da subordinação, da invisibilidade e da importância, criando igualdade e ganhando um controle sobre seus corpos e suas vidas” (BRUKE,1992, p.67).
A partir deste movimento, tantos os docentes quantos os estudantes, passaram a participar da luta, em prol da inclusão de mulheres na educação, com a criação de cursos nas universidades. O movimento ganhou corpo e foi se espalhando pelo mundo, chegando até nós, brasileiros. Entretanto, a luta no Brasil, não foi fácil, muitas barreiras impediam a efetivação do movimento, aqui, o feminismo vinha travestido de uma postura onde a obediência e as práticas domésticas deveriam ser mantidas.
Porém, apesar de não ter sido algo conquistado na sua plenitude, tivemos alguns avanços, dentre eles destaco a criação do ensino supletivo, no ano de 1971, com a Lei 5692/71, no capítulo IV, artigo 24, que apresenta como finalidade:
Suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria; proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte.
A legislação abre as portas para a inclusão de todas as pessoas que estão fora da escola, portanto é uma oportunidade da mulher passar a estudar ou regressar aos estudos. Entretanto, o nosso modelo se sociedade patriarcal, ainda é um obstáculo para que a mulher estude. Mesmo tendo seu direito garantido, ainda tem as atividades domésticas que raramente são divididas com o seu cônjuge, a imputando responsabilidades de cuidar da casa, dos filhos, do marido, e tirando o seu vigor físico, a impossibilitando de ter atenção e foco na sala de aula, isso quando não ocorre de ter que levar o filho junto com ela para a escola.
No período da gestão militar a Educação Superior foi organizada para atender às camadas sociais com condições econômicas mais privilegiadas e, esse modelo, perpetuou até o presente século, sofrendo uma mudança com a Lei de cotas, sancionada em agosto de 2012. No artigo 3º fica definido a quem se direciona o direito ao uso das cotas e se torna uma mudança significativa na história da educação brasileira. O artigo define que:
Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A sociedade brasileira é machista e patriarcal, fazendo com que as mulheres estejam sempre no lugar de submissão e não de liderança. E, quando tratamos de mulheres negras, essa afirmação torna-se ainda mais grave. Em 2015 o Conselho do Ministério Público Brasileiro, publicou o resultado de uma pesquisa realizada por meio de um convite a comunidade, objetivando o enfrentamento da violência contra a mulher. Segundo Muniz e Fortunado (2015, p.09): “Na era primitiva, no início da civilização, houve o molde do homem como o macho protetor e provedor.” Este referencial de estrutura familiar, ainda presente na atualidade, cria um modelo de poder, controle e superioridade na cabeça de muitos homens e, também de algumas mulheres, fazendo com que avanços alcançados pela humanidade, que beneficiam homens e mulheres, ainda não façam parte da vida de uma parcela da sociedade brasileira, em pleno século XXI.
Em meio aos avanços e retrocessos, destaco o direito garantido a educação pública, gratuita e laica, para todas as pessoas. E, evidenciamos o direito da mulher acessar os espaços formativos independente de sua cor ou condição financeira. Dados do IBGE em pesquisa realizada em 2019, apontam que a violência contra as mulheres ainda é muito alta e, quando os dados filtram o percentual entre negras e brancas, o resultado é ainda mais alarmante. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS):
“(…) o percentual de mulheres que sofreram violência nos 12 meses anteriores à entrevista é de 19,4% ante 17,0% de homens. Entre jovens de 18 a 29 anos, o percentual chega a 27,0%, enquanto é de 20,4% na faixa de 30 a 39 anos; 16,5% entre os adultos de 40 a 59 anos e 10,1% entre os de 60 anos ou mais. As pessoas pretas (20,6%) e pardas (19,3%) sofreram mais com a violência do que as pessoas brancas (16,6%).”
Contudo, muitas mulheres retornaram para a escola, ocupando as salas de aula da EJA, mesmo com tanta limitação, ainda são um quantitativo maior que os homens. Demonstrando a força e gana de um grupo social que continua em busca da realização de seus sonhos, ainda que tenham que enfrentar muitas dificuldades. E no meio dessa investida, existe o desejo de melhorar a vida de seus filhos e familiares. Segundo Jane Soares de Almeida (1988, p.27):
No mundo ocidental mais desenvolvido, a constatação da capacidade feminina para o trabalho fora do âmbito doméstico e o consequente ganho de autonomia que isso poderia proporcionar, mais as necessidades de sobrevivência ditadas pelas circunstâncias, iniciaram uma reviravolta nas expectativas sociais, familiares e pessoais acerca do sexo que até então estivera confinado no resguardo do espaço doméstico e no cumprimento da função reprodutiva (ALMEIDA, 1988, p.27).
Arroyo (2007) afirma que a EJA é um espaço repleto de negações. Elas se apresentam de diversas formas, seja com as limitações sociais estabelecidas historicamente, seja com o corpo do trabalhador que almeja por um momento de descanso, seja pela fragilidade das políticas públicas, o fato é que ser estudante da EJA é superar barreiras diárias e, para a mulher negra, a dificuldade é ainda maior.
A Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SENAPIR), publicou o seu segundo informe, no ano de 2023 e nele foram registrados o monitoramento e avaliação Edição Mulheres Negras. No quesito educação, foram apresentados alguns dados que apontam a taxa de analfabetismo entre os anos de 1995 e 2015, registrando uma queda tanto entre as mulheres negras quanto para as brancas, entretanto a desigualdade continua e a taxa de analfabetismo negro é duas vezes maior que o branco. O quadro a seguir, produzido com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PENAD) e elaborado pelo SENAPIR, apresenta a evolução da educação da mulher, por sua cor e raça.
O cenário retrata que houve avanço no crescimento educacional das mulheres, brancas e negras, porém, ainda existe uma lacuna entre elas. Como a nossa pesquisa vem discutindo, parte desse resultado é fruto de um longo período de escravidão, onde os corpos negros eram considerados como inferiores, sendo vendidos como mercadorias, tratados como objetos, usados como reprodutores dentre muitas outras mazelas vivenciadas pelos nossos ancestrais.
E, como estamos falando do Brasil, que além de ser um país racista, também é machista, após o período da “libertação dos escravizados” muitos resquícios permanecem na sociedade branca, patriarcal e machista. As mulheres negras continuaram a ocupar o lugar da “senzala” cuidando dos filhos da “patroa”, limpando suas casas, preparando sua comida e dormindo no quartinho dos fundos, onde se guarda material de limpeza e tudo o que não embeleza a casa.
Para esta mulher negra, sempre foi negado o direito de ir à escola. Mesmo após avanços na legislação, são revelados frequentemente nas redes sociais, em pleno século XXI, casos de mulheres que estão aprisionadas em casas e apartamentos, vivendo uma situação análoga ao trabalho escravo. Segundo dados de 2023, divulgados pelo SENAPIR (2023, p.10), a condição de trabalho de mulher negra, continua demonstrando o nível de discriminação entre negras e brancas.
Assim como o racismo e a discriminação de gênero, o menor nível de escolaridade das mulheres negras contribui para sua pior inserção no mercado de trabalho em relação às mulheres brancas. Em 2018, quase 48% das mulheres negras ocupadas estavam em ocupações informais, entre as mulheres brancas, esse percentual foi de menos de 35%. A informalidade no mercado de trabalho geralmente é associada ao trabalho precário e à falta de proteção social, que limita o acesso a direitos básicos, como a remuneração pelo salário-mínimo e a aposentadoria (IBGE, 2019).
Ao falarmos dos processos formativos, nos referimos as suas histórias, ausências, lutas e conquistas. A formação escolarizada, por muito tempo ofertada como privilégio de poucos, é a mola propulsora para a mudança na vida social da pessoa. Nossa sociedade é a constituída em torno da alfabetização, a ausência de escolarização marginaliza as pessoas que não conseguem compreender os sentidos que as palavras possuem, e se trata de um processo que supera a escrita delas, afinal, estamos vivendo um tempo em que muitas pessoas estão ocupando o espaço de analfabetas funcionais. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), publicou em 1997 o Mapa do Analfabetismo no Brasil(1997,p.6) onde apresenta o seguinte dado:
Se por um lado, o Brasil tem hoje plenas condições, do ponto de vista de seus recursos econômicos e da qualificação dos seus docentes, para enfrentar o desafio de alfabetizar seus mais de 16 milhões de analfabetos, por outro lado, o próprio conceito de analfabetismo sofreu alterações ao longo deste período. Assim, enquanto o conceito usado pelo IBGE nas suas estatísticas considera alfabetizada a “pessoa capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhece”, cada vez mais, no mundo, adota-se o conceito de analfabeto funcional, que incluiria todas as pessoas com menos de quatro séries de estudos concluídas.
4. UM TRANÇADO METODOLÓGICO: POR CAMINHOS FORMATIVOS
As trilhas percorridas por cada pessoa têm seus significados e objetivos a serem alcançados. Nesta quarta seção abordaremos a trajetória metodológica desta pesquisa, objetivando mostrar os passos que seguiu para revelar as desigualdades geradas pela ausência de uma formação inicial ou, até mesmo de uma formação continuada, porém, este dado retratará exclusivamente a população de mulheres negras. Quando falamos em trançado, remetemos as tranças nagô que serviram como rotas de fuga e aqui servem ao mesmo propósito, fugir da ausência de formação e chegar numa estrada formativa mais acessível, inclusiva e equitativa.
O processo formativo das mulheres ao longo da história é repleto de desigualdades e diversos obstáculos e, quando se trata da mulher negra, tais dificuldades se tornam mais ampliadas. As estudantes da EJA enfrentam muitos obstáculos para se manterem no curso, hoje o universo é composto por pessoas com apenas 15 anos de idade, conforme define a LDB 9394/96.
Algumas destas jovens, também já são mães e esposas, e mesmo sendo muito novas, enfrentam as rotinas de pessoas adultas, com o cotidiano da vida doméstica e, em alguns casos, também “tentando” estudar pois, algumas levam seus filhos, que ainda mamam, junto consigo para a escola, e isto algumas vezes limitam a sua atenção para o que está sendo ensinado pelo professor. O IBGE (2022), apresenta o seguinte resultado sobre o analfabetismo no Brasil;
Em 2022, havia, no país, 163 milhões de pessoas de 15 anos ou mais de idade, das quais 151,5 milhões sabiam ler e escrever um bilhete simples e 11,4 milhões não sabiam. Ou seja, a taxa de alfabetização foi 93,0% em 2022 e a taxa de analfabetismo foi 7,0% deste contingente populacional.
Esses dados revelam que apesar de termos reduzido o significativamente o número de analfabetismo nesta população, ainda existe um quantitativo muito grande da população que, segundo os documentos oficiais, já deveriam ter concluído o ensino fundamental e estar cursando o primeiro ano do ensino médio. E, ainda no memo senso de 2022, as taxas reveladas de analfabetismo de pretos e pardos, são mais do dobro da taxa dos brancos. Reafirmando o objeto desta pesquisa em focar na formação das mulheres negras.
Estes caminhos iniciais são para demonstrar alguns dados significativos que validam a necessidade de uma formação continuada e qualificada para a população negra e, especialmente para as mulheres. Neste caminho, seguimos os passos das histórias contadas pelas pesquisandas, todas trabalhadoras do CENTRAL.
As estratégias adotadas para as entrevistas foram as seguintes: inicialmente informamos para cada uma qual era o objetivo da pesquisa, em seguida perguntamos se elas aceitavam ser entrevistadas, após o consentimento informamos que elas seriam tratadas por pseudônimos de mulheres negras que fazem parte da história brasileira, em seguida foram ofertadas as targetas com o nome, a foto e um resumo da história daquela mulher. Cada uma teve a oportunidade de escolher a sua representação. As personalidades negras sugeridas foram as seguintes:
Quadro 1- Personalidades negras
Fonte: Elaborado pela autora (2024)
As mulheres negras apresentadas, foram escolhidas por mim, a partir do perfil de cor, classe e gênero. Com o objetivo de gerar empatia por parte das pesquisandas e, consequentemente a desejo de plantar a semente das possibilidades, demonstrando que é possível a mudança da condição atual de qualquer pessoa que tem acesso ao estudo e que faz uso dele com objetivos específicos.
A seguir, adentraremos na quinta seção, onde vamos acompanhar as participantes que serão chamadas pelos nomes das mulheres negras que elas escolheram, acompanharemos suas histórias e percepções sobre a vida.
5. AS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Ao chegarmos na quinta seção, após seguirmos nas trilhas que as tranças da pesquisa vêm construindo com e para as suas participantes, tivemos algumas reflexões de certezas e incertezas sobre o que fim destes caminhos nos revelariam. E para dialogar com as inquietações, trazemos Arroyo (2021, p. 207), com as suas investigações sobre memórias em Passageiros da Noite.
“[…] “o que levamos da vida é o nosso nome e nossa dignidade”, repetia uma mãe negra para seus filhos. A pergunta inevitável quando trabalhamos essas memórias é em que medida esse futuro lutado por seus avós, seus antepassados pobres, negros, mulheres, camponeses, em que medida o sonho-luta, conquista de um futuro melhor, mais digno se realiza no presente dessas crianças, adolescentes, seus netos, bisnetos ou filhos. O futuro sonhado tornou-se presente nos herdeiros de sua memória?”
E refletindo sobre esse futuro tão esperado é que trataremos dos passados das participantes que contribuíram para a realização da pesquisa. São mulheres negras, trabalhadoras, que se deslocam diariamente para manter suas casas e sua dignidade enquanto cidadãs brasileiras. São moradoras da cidade de Salvador, em bairros populares, sujeitas aos toques de recolher, situação que vem ampliando nas grandes capitais e, especialmente em bairros populares. Estas mulheres se deslocam de casa para o trabalho e do trabalho para casa, com transportes coletivos (ônibus e metrô). Parafraseando Arroyo (2021, p.21), são elas as verdadeiras passageiras do dia, “[…] filas desses mesmos adultos, jovens, adolescentes esperando os ônibus desses centros para os bairros, favelas, vilas. Deslocamentos noturnos do trabalho […]. São essas mulheres que carregam em suas histórias de vida, memórias de seus processos de estudo com as demandas que uma vida de mulher negra carrega.
As trabalhadoras entrevistadas têm idade que varia entre 27 e 58 anos, todas ou são casadas, ou têm um companheiro, todas têm filhos, algumas já são avós. As mais velhas os filhos já trabalham e têm sua própria rotina de vida. Apresentamos às entrevistadas fichas com foto, nome e um breve histórico de mulheres negras que são referências de luta, empoderamento, criatividade, resistência, inovação, enfrentamento e pioneirismo, para que elas ao lerem a sua biografia, se identificassem com elas e escolhessem para usar como sua identidade na pesquisa.
Com a definição dos participantes desta pesquisa, iniciou-se o processo para categorizar os pontos importantes da entrevista, perpassando pela produção de questionário e a observação participante.
Para a análise das respostas, organizei em dois blocos, são eles: Identidade racial e escolarização, formação e trabalho. Em alguns momentos da entrevista as informações sobre o trabalho se entrelaçam com a formação e farão parte do relato pois retirá-la vai gerar um texto desconexo. Sigamos as trilhas das histórias dessas mulheres trabalhadoras.
5.1IDENTIDADE RACIAL, DE GÊNERO E ESCOLARIZAÇÃO
Foram cinco mulheres entrevistadas que responderam um roteiro contendo vinte e oito questões, a primeira pergunta se referia ao quesito cor, todas se autodeclaram negras. Para compor o quando acima e termos um breve perfil das entrevistadas buscamos informações sobre a idade, escolaridade e a função que desempenham na escola. Iniciamos a entrevista com a primeira pergunta sobre a idade e em seguida sobre a cor/raça, tendo o cuidado de fazer referência a definição que o IBGE apresenta sobre a questão.
“Porque iniciou sua carreia política como vereadora do Rio de Janeiro,
Militante, uma pessoa que a gente vê que é da favela”
Benedita da Silva
Acima tem a fala da entrevistada ao informar o motivo de ter escolhido Benedita da Silva para ser o seu pseudônimo. Ao perguntar sua cor/raça ela fala: “sou negona”. A sua resposta foi carregada de empoderamento e orgulho, ao observar as expressões faciais, notava que “ser negona” eram muito mais do que ser negra, ela se apresentou com força e segurança.
Ao perguntar sobre a escolarização, ela respondeu: “não fiz faculdade, fiz só ensino médio, comecei e parei, depois com vinte e um anos eu conclui”. Ela não deu seguimento aos estudos pelo fato de ter que trabalhar, após o falecimento do pai. Teve que ajudar a cuidar dos irmãos e o trabalho era uma forma de manter o sustento da casa. Ao responder se gostaria de voltar a estudar, ela disse: “sim: Assistente Social”. Sobre formação em serviço, ela disse que participou de várias formações tanto nos referentes aos trabalhos em ambiente escolar, quanto nos restaurantes que trabalhou como cozinheira e se orgulha de saber fazer uma variedade de pratos na cozinha.
O fato de ser mulher impactou no seu processo formativo? Como? Benedita da Silva responde: “Acho que não, eu acho que foi de mim mermo, a minha preocupação com irmão. Aí parei a minha vida pra cuidar dos meus irmãos. Meu pai morreu e deixou menino de seis meses. Que mãe tinha que trabalhar e eu tinha que tomar conta deles”. Ao perguntar se a cor/raça dela influenciava no processo formativo, a resposta foi: “Depende do local, das pessoas que a gente convive” “O fato mesmo de ser mulher, a gente sendo mulher deixa muita coisa pra trás, pra resolver outras coisas pessoais”.
Hoje, quando a crise de desemprego atinge também a nós, negros, ainda é ela que segura o lado mais pesado do barco. Pois, quando uma falta, o outro não pode falhar. Os filhos necessitam do leite e seu grito de fome machuca muito mais do que a chibata dos “senhores” machucava a pele dos nossos antepassados. (PEREIRA, 2019,p.67)
As palavras de Benedita, vêm ao encontro da citação de Neuza Maria Pereira, ao retratar os sacrifícios que as mulheres fazem, descuidando de seus sonhos, suas necessidades, seus planos, para sustentar os filhos e irmãos mais novos. Muitas vezes assumindo os papéis de pai e mãe, para garantir a sobrevivência, a proteção e o cuidado de seus menores. E esta realidade também foi apresentada na fala de Benedita.
“Porque ela é negra e médica”
Fátima Santiago
A segunda participante foi a Fátima Santiago. Uma mulher de 47 anos que concluiu o nível médio no curso de Administração. Se autodeclara negra. Terminou o ensino fundamental aos 16 anos, interrompeu os estudos com a gravidez da primeira filha, concluindo o ensino médio com 25 anos de idade. Ao perguntar se deseja continuar os estudos ela responde: “Quero fazer uma faculdade de gastronomia, no momento não tenho condição, mas eu vou fazer, com fé em Deus”
Apesar de ter declarado que interrompeu os estudos com a gravidez e que deseja fazer uma faculdade, porém não tem condições, ela afirma que o fato de ser mulher negra não impacta nos seus processos formativos. E sua resposta é bem categórica, ao dizer que: “As pessoas têm mania de dizer que as pessoas negras têm dificuldade de conseguir as coisas. Mas se a gente se esforçar e correr atrás a gente consegue”. E para validar o seu discurso ela diz: “Tem muitos negros aí que é médico, que é advogado, que é formado em outras coisas grande, que tem a sua qualidade de vida boa. Mas quem tem que correr atrás é agente, somos nós”
As palavras de Fátima Santiago, repleta de verdades, nos faz pensar o quanto a sociedade nos faz acreditar que somos os culpados pelas ausências de políticas públicas, de reconhecimentos de nossas diferenças e da nossa exclusão social. Nas palavras de Arroyo, trago a seguinte reflexão.
O reconhecimento da humanidade, da dignidade humana dos pobres, negros, dos trabalhadores empobrecidos e oprimidos tem exigido sua escolarização como precondição para o seu reconhecimento como sujeitos de direitos humanos. (ARROYO, 2021, p.107)
Essa ideia plantada na cabeça dos descendentes de escravizados faz parte da vida do brasileiro desde o momento da falsa libertação, sem direito a terra, casa ou recurso. Solto ao Deus dará, condição muito diferente do que ocorreu com a vinda dos italianos e japoneses. Como consta na revista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, numa matéria que fala da condição dos negros pós abolição.
Ao mesmo tempo, o País passara a incentivar, desde 1870, a entrada de trabalhadores imigrantes – principalmente europeus – para as lavouras do Sudeste. É um período em que convivem, lado a lado, escravos e assalariados. Os números da entrada de estrangeiros são eloquentes. Segundo o IBGE, entre 1871 e 1880, chegam ao Brasil 219 mil imigrantes. Na década seguinte, o número salta para 525 mil. E, no último decênio do século XIX, após a Abolição, o total soma 1,13 milhão. (IPEA, 2011)
Mesmo que a vinda dos imigrantes tenha gerado um impacto nas suas vidas para adaptar-se ao clima, a distância da família e a tantas outras situações. Não se compara a condição em que os negros foram trazidos e, posteriormente abandonados. Deve-se levar em conta que os imigrantes vieram na condição de trabalhadores e que muitos destes tiveram direito à terra. Condição que não foi ofertada para os escravizados. E, com isso, gerando uma superpopulação de analfabetos, sem teto e miseráveis. Perpetuando até o século atual.
“Ela ser feminista, uma pessoa que correu atrás de muitas coisas, uma mulher negra”
Djamila Ribeiro
Essa foi a resposta de Djamila Ribeiro, ao ser perguntada pela escolha do seu pseudônimo. Ela, uma mulher de 49 anos, que se autodeclara negra, mora com o companheiro e trabalha como auxiliar de serviços gerais. Para Djamila, a sua cor não impediu a sua formação ou condição social. Continua os estudos, iniciou um curso superior de Letras com libras, parou no quinto semestre e pretende concluir.
Para ela, o fato de ser mulher impactou no seu processo formativo. Ela afirma que: “as pessoas acha que a mulher ou é dona de casa, ou cuidar de filho, de marido. Como nos fala NASCIMENTO (2022) “(…) as representações sobre as mulheres negras consolidaram uma imagem segundo a qual a mulher negra está no mundo para servir, como já foi dito.” Ai quando a gente fala que trabalha em escola, as pessoas falam: ah é professora. Não, por que professora? Não posso ser de uma cozinha, de limpeza?” Djamila tem o desejo de concluir os estudos para atuar na docência com criança com necessidades educacionais especiais. A questão de raça e gênero, ainda revelam que a mulher, mesmo que com um nível de escolarização maior, sofre as pressões sociais, patriarcais e machistas que acompanham a formação do nosso povo.
“Pelo fato dela ter escrito a carta de reivindicação”
Esperança Garcia
Esperança Garcia se autodeclara uma mulher negra, ela tem 27 anos, é casada e mãe de dois filhos. Fez formação geral e não deu segmento a escolarização. Ao perguntar se gostaria de retomar os estudos, ela afirma que sim, porém quando pergunto o que a impossibilita de prosseguir, ela fala que foi falta de interesse. Esperança gostaria de fazer a formação superior de Psicologia. Ela afirma que ser mulher negra tem impacto na sua formação. “A gente foi privada de tanta coisa, é hora de demostrar que somos capaz”
(…)precisamos nutrir nossos corpos no presente com a força das nossas mais velhas, das nossas ancestrais, das que se foram e as que permanecem na luta. E todas vivas em nós! E, alimentadas do que elas nos legaram, somos capazes de inovar e renovar nossas esperanças de vivermos dias melhores num futuro que está logo ali, próximo, há alguns passos. (NASCIMENTO, 2022, p.148)
Assim como nos fala Nascimento, precisamos de suportes externos para prosseguirmos com nossas conquistas. Esperança deseja estudar, porém não se sente forte para tal. Afinal, estudar dá trabalho e se não tiver um grande propósito, as lutas da vida te arrastam para trás. Portanto, é com seus pares que essa força se estabelece e contribui para a sua superação.
“Me identifiquei com a foto, sorriso bonito. Também com a história, assessora parlamentar negra”
Maria do Rosário
Maria do Rosário é uma mulher de 58 anos, se autodeclara negra, mora com o esposo e o filho caçula. Tem o nível médio completo, além de cursos na área de saúde. São eles: nível técnico de enfermagem, radiologia e eletromedicina. Retomou os estudos para refazer o nível médio com o objetivo de acompanhar uma cunhada e, também, para superar uma síndrome do pânico que estava vivenciando. Não conseguiu concluir em virtude do choque de datas entre a avaliação final e uma cirurgia que foi marcada na mesma data. E ela priorizou a cirurgia.
Maria se sentiu desestimulada para dar seguimento a outros estudos, o motivo é que ela prestou um concurso no Estado para a função de enfermagem, foi aprovada e convocada e, ao chegar para tomar posse, disseram: a senhora tem que aguardar. Então eu disse: por que me ligaram para me apresentar se eu vou ter que esperar? Disseram: a senhora espera uma segunda chamada. E eu nunca fui chamada. Me desiludi, entrei em depressão séria, a forma de sair, foi trabalhar.
A pessoa que me indicou me colocou para trabalhar na secretaria da escola, por conta da minha formação. Então, quando cheguei lá, disseram: você vai trabalhar na limpeza. Do meio pro fim, começou a perseguição, troca de empresa e disseram: bota ela como servente. Não me abalou em nada, eu continuei fazendo o que eu fazia. As pessoas que vêm me ajudando na minha saúde mental me disseram, vá fazer o seu trabalho que você é importante nesse local. Meu primeiro local de trabalho tinha os meninos de risco, eu me sentava com eles, dava conselho. E de novo o negócio de não ir com sua cara e com seu jeito. Eu saí da primeira escola e agora estou aqui, e está indo tudo bem.
O caráter social da doença mental se expressa objetivamente na sua distribuição desigual entre homens e mulheres e entre diferentes classes sociais. Essas desigualdades representam um persistente achado na literatura. Diversos autores têm encontrado alta prevalência dos transtornos mentais comuns (TMC) em mulheres, nos excluídos do mercado formal de trabalho, nos indivíduos de baixa renda e nos de baixa escolaridade. (ZANELLO e SILVA, 2012, p.7)
O relato de Maria do Rosário foi repleto de situações que geraram desequilíbrios para a sua vida pessoal, formativa e profissional. Como nos aponta os autores Zanello e Silva, existe uma prevalência de transtornos mentais em mulheres e em excluídos do mercado. Os pontos que ela apresentou de sua história, denotam que ela foi atingida por estas situações desagradáveis culminando no transtorno.
5.2 FORMAÇÃO EM SERVIÇO E TRABALHO
Benedita da Silva
Retomamos às respostas de Benedita, quando perguntamos sobre a escolha profissional. Benedita: a sua atual profissão foi por escolha ou falta dela? Com um sorriso no rosto ela nos diz: “Falta de escolha, já trabalho nela há quatorze anos” Você gosta no que faz? “Aprendi a gostar”. Quando falamos sobre a expectativas com a função, a resposta é preocupante. Ela responde: “Quando você está na escola para trabalhar não adianta você dizer: sei fazer isso, eu sei fazer aquilo, porque ele já tem os próprios funcionários dele para trabalhar”
Para Benedita, a sua função não desejada não permite ascender, nem mesmo mostrar seus saberes. Em que medida os espaços de trabalho possibilitam aos seus funcionários ser mais do que os seus postos lhe definem. Como os postos de trabalho públicos podem contribuir para que os seus profissionais não sejam os “colaboradores” desse mudo escravocrata?
Fátima Santiago
Fátima Santiago, ao ser perguntada sobre a função que exerce responde: “Serviços gerais”. Você trabalha por opção ou falta dela: “Por falta de escolha”. Em seguida ela apresenta alguns argumentos para justificar a sua baixa escolaridade, dizendo: “Porque minha mãe deu tudo a gente eu que não corri atras, então agora eu me arrependo”. Nas falas de Fátima ela sempre se coloca na condição de responsável pela condição em que se encontra.
Sabemos que é comum na faixa etária de crianças e jovens, os estudos serem considerados como algo chato, porém também sabemos que nas camadas sociais de maior poder aquisitivo, ou onde a família tem uma organização social que possibilite um acompanhamento do filho, a desistência aos estudos tem menor incidência. Portanto, o caso de Fátima deve ser olhado pelo crivo das políticas públicas. Em que medida a sua mãe, efetivamente lhe deu tudo? O que é esse tudo, pensando em equidade social. FREIRE (1987), ao falar sobre educação nos leva a refletir que não o sujeito sozinho quem se educa, muito menos os homens e mulheres que nos educam, o mundo que media essa educação e, esse mundo, é o conjunto de políticas, é a oferta equitativa, é a humanização do sujeito.
Fátima finaliza seu relato dizendo que deseja ter uma equipe para coordenar e que “tem gente que tem equipe e não sabe coordenar. Acha que porque é serviços gerais não tem valor nenhum. Porque se não fosse nós, ninguém ia trabalhar, nem professor, nem diretor ia colocar a mão na massa pra limpar banheiro nem limpar escola”. E eu deixo a reflexão de FREIRE (1987) que nos convida a pensar sobre o desejo do oprimido, que é tornar-se opressor.
Djamila Ribeiro
Djamila, vivenciou várias formações pelas escolas onde trabalhou. Já esteve na função de portaria e de área, ambas em outras escolas. Também disse ter recebido a “chance” de trabalhar na secretaria, porém como tem perda de visão, não pode ficar em frente ao computador, e por esse motivo não assumiu a função. Sua trajetória de trabalhadora na área de limpeza a fez viver momentos que a deixou com os olhos marejando e a voz embargada ao relatar que: “as pessoas tratam a gente como se fosse aquilo que a gente pega” “a gente vale aquilo que a gente tem”. Como nos fala Arroyo
A segregação e as desigualdades brutais e persistentes, mesmo depois de tantos projetos e políticas de inclusão cidadãs pela escolarização, fazem parte dos processos de controle, de regulação social, política e cultural. Reproduzem as relações de classe. (Arroyo, 2017, p.129)
A história de Djamila é uma triste constatação do retrato da sociedade escravocrata. Apesar de não existir oficialmente a escravidão, as relações sociais ainda reproduzem as práticas de quem ocupa o lugar do senhor e o lugar do escravizado. “Passei a conhecer o ser humano, a gente vê que há racismo, há discriminação, por causa da sua função”. Trabalhando como auxiliar de serviços gerais, disse não ter escolhido a profissão e, inicialmente ter preconceito, porém hoje gosta do que faz, pelo fato de já saber o que fazer sem precisar ter alguém dizendo onde e como fazer o serviço. Mais uma história de aceitação da condição pela falta de escolha de algo diferente.
Esperança Garcia
Esperança nos informou que não participou de formação continuada, hoje trabalhando como auxiliar de cozinha, como a “oportunidade que apareceu, sou ativa, não gosto de ficar parada, surgiu a oportunidade e me entreguei” Ao perguntar se pretende continuar na área ela responde: “não vou dizer que quero crescer nessa área, porque não é verdade, pretendo fazer faculdade”. Ela nunca trabalhou em outra área. Para ela o reconhecimento e o carinho dos estudantes lhe dão força.
O pouco tempo de trabalho e a única experiência profissinal, fazem com que Esperança não apresente tantas memórias quanto os relatos anteriores. Mesmo assim, vale a seguinte reflexão: em que medida o fato de “aproveitar a oportunidade” não se trata de mais-valia?
Maria do Rosário
Maria do Rosário, ao ser perguntada sobre a formação em serviço informou que não existe. Também nos fala que a sua atuação profissional não foi por escolha, foi uma situação que ocorreu e ela se acomodou. E, segue dizendo: uma pessoa que estuda enfermagem, radiologia e tá trabalhando como servente, se sujeitando a todo tipo de situação, puro comodismo. Já trabalho há uns 13, 14 anos. Não tenho expectativa nenhuma de subir, nem nada. Não tentei nada na área profissional, por pura desilusão. Gostaria de trabalhar na minha função de técnica de enfermagem.
Maria, finda a sua entrevista com a seguinte frase: Os profissionais da área de limpeza deveriam ser mais valorizados pelos superiores. Somos tratados com muita insignificância. A gente é tratada como se fosse nada. A gente ouve: sujo porque tem quem limpe. Sobre isso Pinheiro (2023) faz a seguinte pergunta: onde estão as pessoas negras? Elas ocupam os cargos de direção, coordenação, psicologia, financeiro, administração ou estão apenas nos espaços subalternizados, limpando o chão, abrindo o portão e servindo cafezinho?
Os questionamentos de Maria do Rosário, vão ao encontro dos relatos de todas as entrevistadas. Qual o lugar da limpeza e da cozinha na pirâmide social? Qual o valor que essas profissionais têm perante as pessoas as quais elas “servem”? A questão de raça não teve destaque nas falas como um elemento que dificultasse as suas vidas, porém o gênero se apresentou como algo que ainda representa um segregador de tarefas. A função da limpeza, continua sendo algo de pouco valor e, consequentemente desvaloriza quem realiza.
A pesquisa não finaliza, pelo contrário, abre possibilidades para desdobramentos que poderão investigar outras nuances de trabalho e gênero, liderança e gênero, formação e gênero. Porém, se faz necessário ter conclusões preliminares, que chamaremos de considerações finais, trazendo a metáfora do infinito , onde não sabemos qual o começo ou o fim das coisas. Entretanto, temos uma certeza, a história ligada a gênero, escravidão, discriminação e exclusão, não deixa de existir, apenas se reconfigura, assumindo novos nomes e modalidades.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciamos a nossa pesquisa com uma pergunta de investigação que tinha como objetivo: compreender como se constituiu historicamente o processo formativo das mulheres que atuam como merendeiras e auxiliares de limpeza do Colégio Estadual da Bahia- Central. A investigação trilhou caminhos em torno do gênero e da raça, com o recorte da mulher negra. A pesquisa que se seguiu em busca dos caminhos formativos das mulheres negras na história, apresentou que hierarquicamente o gênero é o primeiro a ser identificado como o limitador para a formação do sujeito e, em seguida a raça. Os dados históricos da discriminação dos povos negros e, aqui o olhar foi para a mulher, revela um grau de exclusão, crueldade e discriminação.
Os resquícios da colonização associado a ausência de letramento racial, fazem com que os oprimidos se sintam responsáveis pela negação que o Estado lhes proporcionou, gerando uma condição de se culparem por não terem estudado. Sem ter a consciência crítica das ausências de políticas públicas voltadas para as minorias sociais. O caminho trançado e traçado também apresentou que a discriminação pela função ocupada é o ponto mais forte nos seus relatos, um sentimento de exclusão e desvalorização. E, ao mesmo tempo, uma consciência da diferença que faz o papel delas nos espaços, ao afirmarem que sem a sua atuação os demais profissionais não fariam a atividade necessária para manter o ambiente limpo e organizado.
A pesquisa tem o cunho de gerar um produto, e este será um livro digital, com elementos históricos sobre a oferta de educação pública, as negações sociais, as políticas públicas vigentes, colonialismo e letramento racial. Com uma linguagem informal, associada a cores e formas, objetivando uma comunicação fluida com todas as pessoas, sejam elas letradas ou não. A pesquisa revelou que o modelo excludente de colônia ainda permanece e as práticas discriminatórias, também. Porém, do ponto de vista de políticas públicas, houve um grande avanço.
A pergunta inicial foi respondida, os caminhos formativos delas foi atravessado pela maternidade e pelo trabalho. Todas concluíram o ensino médio, porém dar seguimento aos estudos é um passo que demanda outras questões que interferem nas suas crenças e valores. A formação em trabalho foi algo que se apresentou como uma lacuna para vida profissional delas, me levando a pensar na crença de que limpar é algo inato e que toda mulher sabe fazer, entretanto os relatos revelaram que a formação se faz necessária, não pelo viés da limpeza e sim, pela valorização social do papel que elas desempenham.
A pesquisa revelou que mais do que dar voz, se trata de escutar o que essas vozes silenciadas revelam nas suas ações e reflexões e com isso, repensar o lugar da mulher negra, trabalhadora, nos diversos espaços sociais.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro ; Pólen, 2019.
ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e educação: a paixão pelo possível. São Paulo: Editora UNESP, 1998. – (Prismas).
ARRAES, Jarid. Heroínas Negras Brasileiras: em 15 cordéis. Editora Seguinte, 2020.
ARROYO, Miguel G. Passageiros da Noite: do trabalho para a EJA: itinerários pelo direito a uma via justa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021.
______. Juventude, produção cultural e Educação de Jovens e Adultos. In: Leôncio (org.) Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Agência IBGE notícia. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37089-em-2022-analfabetismo-cai-mas-continua-mais-alto-entre-idosos-pretos-e-pardos-e-no-nordeste. Acesso em 18 de jun.2023.
______. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38542-um-em-cada-cinco-brasileiros-com-15-a-29-anos-nao-estudava-e-nem-estava-ocupado-em-2022. Acesso em 17 de dez. 2023.
______.Disponível em: https://acesse.one/mhhea. Acesso em 22 de abr. 2024.
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. Mulher negra. Disponível em: https://shre.ink/DYtR. Acesso em 31 mai. 2024
______. Formação. Disponível em: https://shre.ink/DYLV. Acesso 31 mai. 2024.
______. Inclusão social. Disponível em :https://shre.ink/DY37. Acesso em 31 mai. 2024.
______. Trabalhadora. Disponível em: :https://shre.ink/DY78. Acesso 31 mai. 2024
Bibliotecas do Maranhão. Disponível em: https://bibliotecasma.org/trancas-nago/ . Acesso em 14 de dez 2023
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://acesse.one/XaBI6 .Acesso em 05 de jun. 2023.
BURKE, P. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.
______. A revolução francesa da historiografia: a Escola dos Annales (1929-1989). São Paulo: Unesp, 1991.
CONGADAR. Tranças Nagô. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dgrd0C_ji54. Acesso em 29 de jun. 2024.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação. Mulher negra. Disponível em: https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/. Acesso em 31 mai. 2024.
Ensinar História. Disponível em: https://ensinarhistoria.com.br/esperanca-garcia-a-escrava-que-escreveu-uma-peticao-ao-governador. Acesso em 05 out. 2024
______. Formação. Disponível em: Catálogo de Teses & Dissertações – CAPES. Acessado em 31 mai. 2024
______. Inclusão social. Catálogo de Teses & Dissertações – CAPES Disponível em: Acessado em 31 mai. 2024
______. Trabalhadora. Disponível em: Catálogo de Teses & Dissertações – CAPES. Acesso em 31 mai. 2024.
DAVIS, Ângela Y. et al. Abolicionismo. Feminismo. Já. São Paulo: Companhia das Letras, 2023.
DI PIERRO, M. C. Notas sobre a redefinição da identidade e das políticas públicas de Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Educação. Social, Campinas, v. 26, n. 92, p. 11151139, Especial – Out. 2005. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em 21 mai. 2024.
DUARTE, Constância Lima; NUNES, Isabela Rosado(org). Escrevivência a escrita de nós : reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo.1.ed. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 51.ed. São Paulo: Cortez, 2011.
______. Educação como prática da liberdade. 52.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022.
______. Extensão ou comunicação: Paz e Terra, Rio de janeiro, 1992.
Informe MIR- Monitoramento e avaliação- nº 2- Edição Mulheres Negras. Brasília-DF- setembro de 2023. Disponível em: https://l1nk.dev/zrmSQ. Acesso em 31 mar 2024
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm?msclkid=e03ca915a93011eca55b7de3600188ab. Acesso em 15 set 2024.
Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus. Nº 5.692, DE 11 DE AGOSTO DE 1971 – Disponível em:https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 31 mai. 2024.
BENTO, Leonardo et al. Manual para escolas antirracistas. Disponível em: Manual Para Escolas Antirracistas (caminoschool.com.br). Acesso em 15 set 2024.
História – O destino dos negros após a Abolição. IPEA.gov.br, 2011. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28. Acesso em 19 out.2024.
Mapa do Analfabetismo no Brasil. Disponível em: https://acesse.one/Rfzo8 .Acesso em 31 mai. 2024.
MELO, Josimeire Medeiros Silveira de. História da Educação no Brasil, 2 ed. Fortaleza: UAB/IFCE, 2012.
MELO, Maria de Nazaré Santos; SANTOS, Maysa Leite Serra. Sabinada: o conflito regencial na Bahia. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.3, p. 23707-23724, 10 mar 2021
MEMÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL DA BAHIA – CENTRAL: TRAJETÓRIA DE EXCELÊNCIA, DECLÍNIO E DESCASO. Disponível em: https://tinyurl.com/23eh9sud. Acesso em 19 set. 2024
NASCIMENTO, Beatriz. Narrativas transatlânticas de mulheres negras, 1 ed. Salvador: Ed. Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras, 2022.
Novembro Negro: conheça algumas expressões racistas e seus significados. Disponível em: https://sedh.es.gov.br/Not%C3%ADcia/novembro-negro-conheca-algumas-expressoes-racistas-e-seus-significados. Acesso em 19 nov. 2024
PEREIRA, Antonio. Pesquisa de intervenção em educação. Salvador: Eduneb, 2019.
PEREIRA, Ariovaldo Lopes; LACERDA, Simei Silva Pereira de. Letramento racial crítico: uma narrativa autobiográfica. Travessias, Cascavel, v. 13, n. 3, p. 90-106, set./dez. 2019.
PINHEIRO, Bárbara Carine Soares. Como ser um educador antirracista. São Paulo: Planeta Brasil, 2023.
RIBEIRO, Djamila. O que é: lugar de fala? Belo Horizonte (MG): Letramento: Justificando, 2017.
SANTOS, Carla Liane Nascimento dos, DANTAS, Tânia Regina. Processos de Afrobetização e Letramento de (Re)Existências na Educação de Jovens e Adultos. Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 45, n. 1. 2020. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/96659. Acesso em 02 de jul. 2022.
SANTOS, Marcos Ferreira dos. Ancestralidade e convivência no processo identitário: a dor do espinho e a arte da paixão entre Karabá e Kiriku. Educação antirracista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03, Brasília, p. 205-229, 2005. Disponível em: http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_volume2_educacao_anti_racista_caminhos_abertos_pela_lei_federal_10639_2003.pdf. Acesso em 09 de set. 2024
SILVA, Ana Célia. Branqueamento e branquitude: conceitos básicos na formação para a alteridade. Disponível em: https://books.scielo.org/id/f5jk5/pdf/nascimento-9788523209186-06.pdf . Acesso em 20 mai de 2024
SILVA, Maria Nilza da. A Mulher Negra. Revista Espaço Acadêmico. Ano II, nº 22. mar de 2003. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/022/22csilva.htm. Acesso em 02 jul. 2022.
SISTEMA ESCOLAR. Disponível em: https://tinyurl.com/2nnrc3c3. Acesso em 19 set. 2024
THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ação.14ª.ed. São Paulo: Cortez, 2005.
ZANELLO, Valeska, SILVA, René Marc Costa e. Saúde mental, gênero e violência estrutural. Disponível em: https://revistabioetica.cfm.org.br/revista_bioetica/article/view/745/776. Acesso em 19 out. 20224
[1] “(…)barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, (…)” (LBI, 2015).
[2] “[…] corrente dos letramentos que se propõe a estudar e entender como as relações de poder são engendradas para modelar as identidades de raça e como essas identidades atuam no seio das sociedades” (PEREIRA & LACERDA, 2019, p. 95).
[3] “Foi um sistema implantado pelas potências europeias em territórios como Américas, África e Ásia, que se manifestou de diferentes formas e em diferentes períodos, mas que, basicamente, tinha como pilar, o domínio territorial, a exploração de matérias primas, a exclusividade nas transações comerciais, bem como uma marcante imposição cultural externa sobre os povos desses territórios, resultando em sua inferiorização.” (Bento, 2022, p.44).
[4] A ideologia do branqueamento além de causar a inferiorização e a autorejeição, a não aceitação do outro assemelhado étnico e a busca do branqueamento, internaliza nas pessoas de pele clara uma imagem negativa do
[5] “Mulata, na língua espanhola, referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua. A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz “mulata tipo exportação”, reiterando a visão do corpo da mulher negra como mercadoria. A palavra remete à ideia de sedução, sensualidade.” (BORGES, 2020)
[6] Peço licença aos leitores para falar na primeira pessoa por se tratar de um texto personalíssimo
[7] “A Sabinada foi um movimento ocorrido no período regencial no Brasil na província da Bahia entre os anos de 1837 e 1838. O grande motivo de todo o combate foi a insatisfação das classes soteropolitanas que estavam insatisfeitas com a forma de Governo presente no Rio de Janeiro e com o enfraquecimento das ideias federalistas as quais possuíam muitos admiradores.” (MELO,2021)