REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202505152338
Felipe Leal Dantas Vasconcelos
História do direito brasileiro – O Direito na Ditadura Militar
Inicialmente, a fim de se poder comentar acerca do direito durante a ditadura militar no Brasil, faz-se pertinente compreender como se deu esse período da história brasileira. Com isso, será possível analisá-lo com relação ao aspecto jurídico.
A ditadura militar foi instalada no Brasil num momento em que o comunismo ganhava força no mundo, além de que o país estava sendo governado por um presidente tipicamente esquerdista. Toda a situação, portanto, levou a sociedade brasileira a temer um golpe por parte da esquerda, um golpe comunista. Com isso, havia um desejo de derrubar o então presidente João Goulart, o que leva a população a apoiar a deposição realizada pelos militares.
Chegando ao poder, os militares tomaram uma série de medidas que reforçavam o poder executivo. O governo foi exercido de forma bastante autoritária e repressiva, com alguns momentos em que isso era mais forte e outros em que era menos, sem, porém, deixar de apresentar essas duas características ao longo de toda a sua duração. Entretanto, os militares não reconheciam formalmente que o governo era totalitário, tanto que, de acordo com o historiador Boris Fausto, embora o poder real se deslocasse para outras esferas e os princípios básicos da democracia fossem violados, o regime quase nunca assumiu expressamente sua feição autoritária.1
É válido ressaltar que ao longo da ditadura militar, a repressão foi enorme, com diversas pessoas presas e torturadas, com o bipartidarismo instalado, eleições indiretas, enfim, não havia liberdade alguma para a população brasileira. Todas as regras eram estabelecidas de maneira arbitrária e as pessoas eram obrigadas a aceitá-las sem contestar, a menos que quisessem ser punidas. Houve muitos presos políticos na época, a tortura era muito forte. O golpe militar ocorreu em 1964 e a abertura, ou seja, a volta à democracia só começa a ocorrer, de acordo com Boris Fausto, em 1974, durante o governo do general Geisel, que definiu a abertura como lenta, gradual e segura.2 Na prática, isso significava que até mesmo a volta à democracia seria controlada pelos militares, o que representa mais uma manifestação da repressão exercida pelos militares durante o período da ditadura militar. Além disso, a ditadura só acabou de fato em 1985, ou seja, de fato a volta à democracia ocorreu de forma bastante lenta e vale destacar o papel da população brasileira, principalmente através do movimento das Diretas Já, que exigia a volta das eleições diretas e fim do regime militar.
Após essa breve contextualização, é necessário tratar do conceito de direito. Antes de tudo, é importante afirmar que o direito não é algo de fácil definição, há concepções variadas. Há, por exemplo, quem coloque o direito como um instrumento a serviço do poder, a fim de reafirmar este. Entretanto, essa não é uma visão muito adequada, pois o direito não serve apenas àqueles que estão no poder, é uma visão que restringe muito os horizontes do direito, o qual, em verdade, está a serviço de todos e atua de maneira importantíssima na estruturação das sociedades, garantindo a cada um o que é seu. É verdade que a desigualdade se faz presente no mundo. No entanto, isso não nega o caráter “universal” do direito, que se presta a atender tanto os mais favorecidos quanto os menos favorecidos, tanto os mais poderosos quanto aqueles que não têm tanto poder; não é algo unilateral, funciona, inclusive, como um defensor das contradições, na medida em que existe para ambos os lados. Em segundo lugar, é pertinente tratar de uma das várias dicotomias existentes no direito, sendo essa a existente entre direito positivo e direito natural. Este pode ser compreendido como um conjunto de normas intrínsecas à natureza humana, normas comuns a todos os homens, enquanto que aquele é o direito estabelecido numa sociedade, o direito presente no ordenamento. Por vezes, o direito natural pode se fazer presente no ordenamento, o que caracteriza, de acordo, com Tércio Ferraz, a positivação do direito natural, o estabelecimento do direito natural na forma de normas postas na constituição.3 Isso é algo bastante comum na maior parte dos países da contemporaneidade, inclusive no Brasil, onde se vive o Estado Democrático de Direito, nos quais as constituições apresentam uma série de direitos fundamentais, por exemplo, que são expressão do direito natural, pertencentes a todos os homens.
É importante ter em mente que o mais adequado para um país é justamente isso, uma junção entre direito natural e direito positivo, ou seja, o direito positivado deve levar em consideração aquilo de que trata o direito natural, buscando o real estabelecimento da justiça. É dessa forma que torna-se possível a efetivação de uma sociedade, de fato, justa. Como já visto, no Estado Democrático de Direito, isso ocorre. Entretanto, não é cabível afirmar que tal relação existia ao longo da ditadura militar no Brasil, aliás, essa relação é inexistente em qualquer forma de governo que se paute na repressão e no autoritarismo.
No período da ditadura, o direito era positivado de maneira arbitrária, sem levar em conta o direito natural, totalmente deixado de lado na época. Nesse caso, o direito era apenas um mero instrumento do poder, isso é evidente, era uma confusão quanto ao real significado do direito. Vários eram os atos institucionais, aumentando cada vez mais o poder do executivo, ou seja, o direito era sempre alterado, tudo em favor dos militares, que estavam no poder e não desejavam sair. Todas as alterações no ordenamento jurídico (se é que assim poderia ser chamado) se destinavam à garantia dos militares no poder. É como afirma Paulo Bonavides:
“O recurso aos atos institucionais não só aniquilou as bases jurídicas do poder constituinte como institucionalizou politicamente a sua usurpação, visto que os governantes podiam dele valer-se, a cada passo, qual instrumento de mudança casuística das instituições, sem audiência à vontade dos governados, com inteiro menosprezo do princípio da soberania popular e sua legitimidade.”4
Com isso, é trazido mais um aspecto importante para a discussão, o da soberania popular. Há quem diga que houve apoio popular à ditadura e, portanto, isso afastaria o caráter de desrespeito ao direito. Entretanto, o autor Boris Fausto afirma que:
“O movimento de 31 de Março de 1964 tinha sido lançado aparentemente para livrar o país da corrupção e do comunismo e para restaurar a democracia, mas o novo regime começou a mudar as instituições do país através de decretos, chamados de Atos Institucionais (AI). Eles eram justificados como decorrência do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções”.5
Dessa maneira, observa-se que o apoio popular não se verifica ao longo de todo o governo, esse apoio apenas existiu na retirada do antigo governo, por medo de um golpe comunista. Assim, essa justificativa não pode ser adotada e o período da ditadura deve ser visto como um período de traição ao povo, de traição ao direito. Os militares simplesmente se aproveitaram do medo da população com relação ao comunismo para exercer um governo repressivo, no qual o poder executivo era o centro, controlava tudo, sem abrir espaço para um legislativo e um judiciário independentes.
É até permitido falar que não havia direito durante a ditadura militar. Isso ocorre porque tratava-se de mera imposição. É óbvio que a coerção faz parte do direito, no entanto, a razão também, talvez possuindo até um papel mais importante para o conceito de direito. Nesse sentido, a coerção deve estar a serviço da razão para que, dessa forma, haja direito. Não era isso que havia na ditadura, quando a força era utilizada apenas para reprimir e, dessa forma, garantir a continuidade dos militares no poder. É como se a ordem dita jurídica fosse determinava pelos militares sem grandes justificações, sem levar em consideração os anseios da população.
É nesse sentido que se fala em falta de razão ao longo desse período e, portanto, ausência de direito. Nesse diapasão, chega-se à conclusão de que a ditadura militar foi um período sombrio da história brasileira, um período em que o direito foi traído, a força se colocou a serviço do poder, não da razão. Esse período não deve ser esquecido, muito pelo contrário, é importante sempre que seja recordado, a fim de que não se repita, possibilitando que o direito seja respeitado e desempenhe seu papel na sociedade, qual seja, o de pacificação, de defesa de todos aqueles que tenham a razão.
1 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2ª edição; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, P. 465.
2 Idem, ibidem. P. 489.
3 FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 8ª edição, São Paulo: Edutora Atlas, P. 135.
4 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Apud: SOARES, Rodrigo da Silva. Perspectiva histórica da ditadura cívico-militar brasileira e a construção da Lei de Anistia nº. 6683/79. Disponível em: WWW.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15408. Acesso em: 24 de dezembro de 2015.
5 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2ª edição; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, P. 465.
BIBLIOGRAFIA
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Apud: SOARES, Rodrigo da Silva. Perspectiva histórica da ditadura cívico-militar brasileira e a construção da Lei de Anistia nº. 6683/79. Disponível em: WWW.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15408. Acesso em: 24 de dezembro de 2015.
FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 8ª edição, São Paulo: Edutora Atlas.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2ª edição; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.