REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504031335
Eryck Batalha¹
Orientadora: Prof.ª Dra. Simaia Sales das Mercês.
RESUMO: Neste artigo objetivamos a compreensão da atuação do movimento hip hop enquanto uma política de rua que aponta horizontes de luta e resistência pelo acesso à cidadania na cidade de Belém, Pará. Justificamos sua realização pela necessidade de explicitar estratégias, avanços e limitações do hip hop, enquanto um movimento que faz da rua o seu principal local de ação política e de conquistas relacionadas às demandas de seus sujeitos. Foi realizado um levantamento bibliográfico acerca do tema, assim como trabalhos de campo de cunho etnográfico, o que permitiu perceber que o hip hop, enquanto um movimento social, é uma entidade que contribui para a luta por cidadania, não apenas do ponto de vista do protesto e da visibilização de demandas, mas do esforço em possibilitar que os sujeitos sejam capazes de romper as barreiras impostas sobre si e conquistar novos espaços de afirmação, vivência e luta.
Palavras-chave: Hip hop; Cidadania; Movimentos sociais.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo compreender a atuação de grupos ligados ao hip hop, na cidade de Belém, no Pará, em prol de demandas socialmente construídas a partir de experiências periféricas, por meio de eventos culturais e uma agenda abrangente e diversa de uma política de rua que aponta horizontes de luta e resistência pelo acesso à cidadania de forma plena.
O hip hop está presente em vários locais ao redor do mundo, incorporando premissas locais e globais em distintas realidades por aqueles que o constroem, mas ainda assim partilhando características que as aproximam, como a violência, a discriminação e a segregação, agregando demandas que podem representar cidades, bairros e comunidades. O estilo partilhado por aqueles que constroem o hip hop é a linguagem comum que permite o diálogo entre diferenças e discursos que estes carregam.
É importante compreendermos que esses grupos constroem relações identitárias entre si, em seus lugares, de modo que se ligam às realidades locais de forma intrínseca, carregando dificuldades, demandas e lutas comuns aos seus iguais, que serão explicitadas a partir do contato com o outro, o diferente. É justamente a partir do forte caráter identitário do hip hop que buscamos compreendê-lo enquanto um movimento social, inserido no paradigma dos Novos Movimentos Sociais (NMS), agindo sobre a realidade urbana, alterando e sendo alterado pelas particularidades locais.
A produção do movimento hip hop reflete condições sócioespaciais em que os sujeitos se inserem. Seu cotidiano, suas lutas, coletivas e o anseio por condições de vida melhores baseiam suas ações. Sua linguagem, tão característica, se mescla com a política e vice-e-versa, de forma que quando somada aos temas relacionados com o aprendizado sobre suas realidades, suas histórias pessoais, acontecimentos históricos e a própria cultura da região, forma-se um conjunto que captura o interesse dos sujeitos que compõem o movimento.
Neste trabalho focamos na ação do movimento em algumas batalhas de rap, o tipo de evento que, de forma mais incisiva, ocupa espaços públicos da cidade, que apesar de não serem o foco da análise feita aqui, representa o espaço de encontros entre diferenças que é tão importante para compreender essa política, feita na rua (BATALHA, 2019).
Justificamos a realização deste trabalho na necessidade de compreendermos estratégias, avanços e limitações do hip hop na luta pela cidadania, enquanto um movimento que faz da rua o seu principal local de ação política e de conquistas relacionadas às demandas de seus sujeitos. Acreditamos, ainda, que em um contexto de intensos saques aos direitos básicos de parte da população, extrema violência contra minorias, especialmente pretos marginalizados em espaços periféricos e crescente vulnerabilidade e segregação socioespacial, um movimento como o descrito seja essencial tanto como referência para estudos ou propostas de intervenção na sociedade, quanto como meio para tal.
Este artigo é parte da dissertação de mestrado defendida em 2019, cujo título e autoria serão inclusos na versão final do texto. No momento desejo informar sobre os procedimentos metodológicos seguidos na construção da mesma e, portanto, de onde decorre a própria construção deste texto.
Os resultados apresentados decorrem de um amplo levantamento sobre os temas abordados, entrevistas com sujeitos do movimentos e observações em campo, durante eventos do movimento hip hop em Belém.
Utilizamos uma perspectiva qualitativa, de caráter emergente (CRESSWEL, 2007), de modo que os procedimentos não foram imutáveis ao longo do seu desenvolvimento, se adequando ás necessidades apresentadas pelo campo em um processo de troca constante entre o pesquisador e os sujeitos de pesquisa. Nos posicionamos em campo como um participante enquanto observador (GOLD, 1958), onde assumimos uma postura em que a relação estabelecida, a de um campo de pesquisa, é de amplo conhecimento dos participantes, permitindo o desenvolvimento de relações duradouras de confiança mútuas.
Para os trabalhos em campo tomamos como referência as propostas de uma etnografia urbana em Magnani (2002). A proposição do autor, de uma etnografia “de perto e de dentro”, tem como objetivo se aproximar de um urbanismo socialmente includente que consiga enxergar grupos e práticas que geralmente são ocultados. Assim, o autor propõe o resgate de um olhar próximo e participante capaz de identificar, descrever e refletir sobre os aspectos negligenciados na perspectiva daqueles enfoques que ele qualifica como “de fora e de longe” (MAGNANI, 2002).
UM MOVIMENTO PELA CIDADANIA
Incialmente, acredito que seja importante ressaltar uma distinção básica entre o Cultura hip hop e a Movimento hip hop, ambas dimensões objetivas e interpretativas da mesma coisa, ideias que para além de divergências, tem caráter qualificativo.
Segundo Borda (2016), a Cultura hip hop diz respeito à componentes que configuram uma totalidade: rap, break e grafite, incorporados localmente e definidos a partir da ação de sujeitos que os praticam sem, necessariamente, constituírem o corpo de alguma reinvindicação explícita (e diríamos implícita, como em casos de indivíduos que preferem fazer uso do ritmo e estilo sem tecer relações com as bases políticas fundantes a que estão relacionados). A Cultura hip hop pode ser consumida por pessoas alheias à mesma, os “de fora”, enquanto entretenimento.
Sobre o Movimento hip hop, Borda nos diz que “(…) se caracteriza pela organização e aglutinação de pessoas ligadas, direta ou indiretamente, a Cultura hip hop em torno de objetivos político-sociais específicos” (BORDA, 2016, p. 28). Se trata, portanto, de sujeitos inseridos na Cultura hip hop com objetivos coletivamente definidos a partir de posturas politicamente explícitas e organizados em torno e a partir da cultura em questão. As teias de relação construídas nesse meio seriam forjadas na direção de demandas que ultrapassam a produção e consumo do hip hop do ponto de vista mercadológico. O Movimento hip hop está inserido na Cultura hip hop, podendo ser compreendido enquanto uma qualificação desta, não antagônica, mas componente.
Este trabalho se concentra no Movimento hip hop, por acreditar que sua potencialidade transformadora advém, de forma mais explícita, dessa atuação junto às demandas sociais que incorpora, sob uma ótima de estudos que parte do paradigma dos Novos Movimentos Sociais (NMS).
Gohn (1997) indica cinco características que nos ajudam a definir os NMS a partir de suas particularidades dentro do campo de estudos sobre movimentos e ativismos sociais. A primeira se refere à construção e um modelo de teórico que se baseia na cultura sob bases marxistas, primeiramente, que está intimamente ligada à ideia de ideologia, que por sua vez se relaciona com o conceito de consciência de classe sem, no entanto, se limitar a essa abordagem. A segunda característica trata disso: a negação de que o marxismo poderia dar conta da explicação da ação de indivíduos e, portanto, da ação coletiva em uma sociedade. A terceira característica trata do sujeito desta ação, não enquanto aquele histórico, que reduz a humanidade, alguém predeterminado e criado pelas contradições do capitalismo, mas aquele que é difuso, que se opõe às discriminações e barreiras de acesso aos bens da modernidade ao mesmo tempo que se orna critico desta. Sujeitos descentralizado, participantes de ações coletivas como verdadeiros atores sociais A quarta característica apresentada diz respeito à centralidade da política nas análises sobre os NMS. Aqui ela não é vista como um nível em uma estrutura hierárquica, mas como uma dimensão da vida social que abarca as práticas sociais, não apenas em um nível macro, das instituições, mas principalmente as relações microssociais e culturais, abrindo espaço para pensar o poder na esfera pública da sociedade civil. A quinta, por sua vez, é que os sujeitos, ou atores sociais, são analisados sob dois aspectos: pelas ações coletivas e pela identidade coletiva criada no processo. Aqui falamos de uma identidade coletiva criada a partir de diversos grupos, não pelas estruturas sociais que seriam responsáveis pela criação de características ou predefinições destes indivíduos, mas por um processo não hierárquico, não linear, de interações constantes. Nos NMS a identidade é um elemento central, intrínseco à formação e reprodução de um movimento, definindo e alimentando membros, fronteiras e ações de determinado grupo.
Para Stuart Hall (1996), a identidade se desenvolve de duas maneiras: no sentido de uma cultura compartilhada, em que indivíduos compõem quadros de referência e enquanto fruto de histórias, experiências e dinâmicas diversas que fazem com que ocorram constantes modificações em suas estruturas. Tomamos, portanto, o conceito, do mesmo autor, de identidades culturais, entendidas enquanto pontos instáveis de identificação, feitos no interior de discursos da história e da cultura, aspectos de um pertencimento que não se encerra em si, mas que indica um posicionamento momentâneo sem garantias em leis absolutas ou transcendentais.
A identidade cultural não é autorreferencial, mas relacional. Afirmações de grupos identitários são possíveis apenas por meio do contato com o outro, de modo que se diferencia e se evidencia por meio da alteridade, criando uma correlação indissociável entre identidade e diferença (HALL, 1996). Neste trabalho nos interessa saber que o processo de formação identitário é fluido e constante, não cristaliza relações sociais e, portanto, transforma-se à medida que se se adquirem novos sentidos e mudam-se as relações.
Dito isso podemos compreender que os NMS se relacionam de forma intima com a questão identitária, visto que as particularidades dos grupos que representam estão pautadas em processos de construção de identidades que se ligam às realidades, costumes e necessidades, comuns.
Alguns autores como Alves, Oliveira, Chaves (2016) e Barbio (2011) oferecem alguns caminhos para a compreensão sobre os modos pelos quais o hip hop pode ser um recurso estratégico para a criação de identidades dentre jovens de periferias inseridos no movimento, que age como catalisador de conscientização, participação e inclusão social. Ambos os trabalhos veem o hip hop como catalisador de consciência crítica nos jovens que passam a viver o movimento, podendo ser utilizado enquanto um meio para o engajamento de grupos de determinadas comunidades ou bairros, que encontram aí uma forma de lidar com a vulnerabilidade social e se dediquem a uma participação social mais ativa. Cuenca (2016), por sua vez, trabalha a identidade a partir do hip hop, mas com o foco na marginalização a que o jovem da periferia é submetido. O autor critica o forte estigma social que reduz esses jovens a delinquentes, drogados e figuras violentas, ressaltando em seu trabalho suas produções artísticas e a complexidade de suas existências.
Dutra (2007) e Simões (2013) se preocupam com a identidade dos jovens no hip hop a partir da relação entre o caráter global do movimento e a particularidade local que ele incorpora quando ganha o mundo. Dutra (2007), partindo de uma abordagem qualitativa e realizando uma análise da produção musical, defende que o rap, dimensão musical do hip hop, não é somente uma reprodução de algo importado, mas que ele é produzido localmente, incorporando particularidades, sendo expressão de uma identidade local.
Simões (2013) também se preocupa em entender de que forma o hip hop é adotado a nível local, criando identidades. O autor busca explicar de que forma o movimento cria convergência e divergência cultural em seus sujeitos, utilizando três dimensões da realidade destes como base para compreender essa construção e o conflito entre o local e o global: a etnicidade, a classe e o gênero. Chegou à conclusão de que a classe e o gênero são dimensões onde existe menos segregação, mas que as mulheres ainda representam minorias na produção do movimento hip hop.
Percebeu-se que o contato entre a dimensão global e local do movimento é responsável por criar particularidades que vão diferenciar o hip hop em suas várias manifestações em diferentes regiões, ao mesmo tempo que garante um reconhecimento dentre eles, através das bases em comum que partilham, como o ritmo, a linguagem e a preocupação com temas relacionados ao cotidiano de seus protagonistas e uma luta explícita pelo direito à cidadania.
Um tema que se destaca quando tratamos do hip hop é justamente o da cidadania, principalmente quando engloba aspectos das demandas e lutas que estão presentes no núcleo das discussões do movimento. Para compreender a complexidades dessa relação julgamos ser necessário discutir, mesmo que de maneira breve, a cidadania enquanto uma forma de viver politicamente, de maneira ativa.
Guarinello nos fornece uma ampla e eficaz, reflexão acerca da ideia de cidadania:
A essência da cidadania, se pudéssemos defini-la, residiria precisamente nesse caráter público, impessoal, nesse meio neutro no qual se confrontam, nos limites de uma comunidade, situações sociais, aspirações, desejos e interesses conflitantes. Há, certamente, na história, comunidades sem cidadania, mas só há cidadania efetiva no seio de uma comunidade concreta(…) (GUARINELLO, 2013, p. 46).
Aqui nos preocuparemos com uma noção de cidadania inerente à vida pública, em uma sociedade que se ocupe com a construção de relações que apontem para a garantia de direitos a indivíduos, ativos politicamente para este e outros fins: os cidadãos.
Milton Santos tece algumas reflexões acerca da prática de uma cidadania no Brasil. O autor nos diz que “nos países subdesenvolvidos, de forma geral, há cidadãos de classes diversas; há os que são mais cidadãos, os que são menos cidadãos e os que nem mesmo ainda os são” (SANTOS, 2002, p. 24). Isso é compreensível quando tomamos conhecimento que os processos pelos quais a cidadania se funda são diferentes em países com maior ou menor grau de desenvolvimento ou dependência.
Sob essa perspectiva o autor nos diz que
Em nenhum outro país foram assim contemporâneos e concomitantes processos como a desruralização, as migrações brutais desenraizadoras, a urbanização galopante e concentradora, a expansão do consumo de massa, o crescimento econômico delirante, a concentração da mídia escrita, falada e televisionada, a degradação das escolas, a instalação de um regime repressivo com a supressão dos direitos elementares dos indivíduos, a substituição rápida e brutal, o triunfo, ainda que superficial, de uma filosofia de vida que privilegia os meios materiais e se despreocupa com os aspectos finalistas da existência e entroniza o egoísmo como lei superior, porque é o instrumento da buscada ascensão social. Em lugar do cidadão formou-se um consumidor, que aceita ser chamado de usuário. (SANTOS, 2002, p. 25)
Através da transformação do indivíduo em consumidor, por meio de processos baseados na produção de uma cultura de massas que enquadra as expressões populares, limitando-as como forma de alienação da sociedade, se estabelece um mercado que nunca atenderá totalmente a população. As desigualdades ditam o alcance do poder aquisitivo de diferentes classes sociais, enraizando um sentimento de descontentamento e constante busca por mais. “Em lugar do cidadão surge o consumidor insatisfeito e, por isso, votado a permanecer consumidor” (SANTOS, 2002, p. 29).
Dentre todas as implicações deste processo podemos apontar aquele que talvez seja o mais evidente: a ameaça à cidadania brasileira decorre da alienação do indivíduo, levado a acreditar que sua função é o consumo, através do qual ele pode alcançar o status de cidadão e fazer parte de uma comunidade. Ao adotar a capacidade de consumo como forma de medir o grau de cidadania alcançada por um indivíduo, através da possibilidade de adquirir bens materiais e imateriais que teoricamente seriam de alcance universal, as diferenças de classe se transformam, também, em indícios de que alguns são mais cidadãos que outros, logo, detém mais direitos (ou mesmo a possibilidade de execução desses direitos) do que outros.
Outro ponto que gostaríamos de destacar é que quanto maior for a capacidade de consumo de um indivíduo maior será o grau de alienação exercido sobre ele. Se há a possibilidade de adquirir o bem desejado, o indivíduo se entrelaça em uma teia de comodidades, de modo que “o consumo escraviza as classes médias (de um modo geral, mas felizmente não absoluto) e suprime os élans de rebeldia, a vontade de se ser outro, amesquinhando a personalidade” (SANTOS, 2002, p. 85).
A insatisfação decorrente desse sistema fica sob tutela de outras classes, menos favorecidas, inclusas de forma precária no sistema de consumo, como nos diz Santos,
Os que vivem em nossas casas improvisadas nas pontas de rua ou se acotovelam nos cortiços, os que vivem o dia-a-dia da ocupação provisória ou mal paga, os que não tem um amanhã programado, são, afinal, os que têm direito à esperança como direito e ao sonho como dever. (SANTOS, 2002, p. 85)
Segundo o autor é através da impossibilidade de acesso a esse mínimo essencial para uma vida digna que as classes desfavorecidas por esse sistema descobrem seu lugar na cidade e no mundo (SANTOS, 2002).
Acreditamos que é através dessa indignação que alguns indivíduos ou grupos passam a tomar consciência da sua importância em ações que se posicionam de forma contrária a esse movimento. Nos termos deste trabalho, podemos entender que através de um acesso precário à cidadania, esses grupos e indivíduos vão tomar consciência das contradições que permeiam sua existência e abandonar a inércia alienante a que forma sujeitos para ir em busca de uma existência cidadã plena.
O conceito de cidadania abordado neste trabalho é aquele que compreende os indivíduos em uma existência social ativa, comprometida com as questões referentes ao atendimento das demandas básicas, relacionadas aos seus direitos sociais, como moradia, saúde e educação, que garantem a participação dos sujeitos na vida coletiva, nas decisões políticas e no exercício de sua liberdade.
Se são os que menos se beneficiam da lógica do consumo aqueles que mais dificilmente se verão alienados pela mesma, então é na periferia que veremos a insatisfação de forma mais contundente diante dos problemas enfrentados por quem se vê cotidianamente prejudicado por essa lógica. O fato de o hip hop ser considerado uma voz da periferia tem, logo, todo o sentido, visto que desde seu nascimento ele tem sido uma forma de expressão dessa insatisfação e das demandas decorrentes dela.
A relação do hip hop com a cidadania é estreita e acompanha a trajetória do movimento desde seu surgimento, nos guetos estadunidenses, até suas manifestações em cidades do mundo inteiro. A necessidade dos jovens de classes baixas, que protagonizaram a ascendência dessa expressão, de se imporem enquanto cidadãos em busca de reconhecimento enquanto tal, exaltando suas particularidades frente a uma lógica que sempre os oprimiu, figura enquanto seu horizonte ideológico mais amplo (RODRIGUES, 2009), adaptando suas formas de ação de acordo com as demandas locais que se apresentam nos lugares em que se faz presente.
O engajamento social de classes baixas, segundo Honnet (HONNET apud ECHAVARRÍA; LINHARES; RINCÓN, 2011) não advém de uma orientação de princípios e moral formulados de maneira positiva, mas sim da violação de ideias de justiça concebidas de maneira intuitiva. Logo, se os jovens, moradores de periferias, buscam alcançar uma igualdade de acesso à cidadania, isso decorre principalmente da denúncia do acesso desigual a direitos básicos, furtados por um processo de agravamento de desigualdades e aprofundamentos da pobreza (NETO, 2009).
Echavarría, Linhares e Rincón nos apresentam três categorias que, segundo os autores, sintetizam os conceitos de cidadania e exercício cidadão deste grupo: se reconhecer enquanto hip hop para se reconhecer cidadão; se diferenciar para garantir a pluralidade cultural; persuadir aqueles que se excluem a construírem a diferença (2011).
Com relação à primeira categoria, ser “hopper” significaria, portanto, ser cidadão. Ser um cidadão que se manifesta a partir de seu lugar, o lugar da diferença, de onde é estigmatizado por suas ações e julgado pela sua postura. Atores estratégicos a partir do momento que assumem um compromisso perante a cidade, seus diferentes (XAVIER, 2005; ECHAVARRÍA; LINHARES; RINCÓN, 2011).
No que diz respeito à segunda categoria, determinar seus espaços, demarcar suas diferenças frente a outros grupos da cidade e apoiar-se na sua capacidade de lidar com essas diferenças é visto enquanto essencial para que o hip hop possa se posicionar social e culturalmente na história da comunidade e em relação à totalidade urbana (ECHAVARRÍA; LINHARES; RINCÓN, 2011; LEITE, 2008; GOMES, 2014).
A terceira categoria apresentada pelos autores diz respeito à capacidade de estender a pluralidade àqueles que a negam ou ignoram. O princípio deste esforço é buscar maior respeito pelas diferenças, a cultura hip hop, suas manifestações estéticas e práticas sociais. (ECHAVARRÍA; LINHARES; RINCÓN, 2011).
Rodrigues (2009) ressalta que será a partir da construção de uma subjetividade coletiva, pautada na negritude, na classe e no espaço de referência subjetiva (seus lugares) que esses protagonistas, em sua maioria, estabelecerão suas redes. É no espaço, inclusive, que se faz possível “uma experiência integrada e simultânea desses componentes, onde a questão étnica e de classe perpassam uma pela outra” (RODRIGUES, 2009, p. 106).
Stoppa, por sua vez, nos diz que as resistências, frutos da violência banal, cotidiano de periferias no Brasil, permitem o nascimento de um sentimento de partilha destas mesmas dificuldades, “seja através do lazer, das greves, das manifestações políticas, das festas” (STOPPA, 2005, p. 67).
Considerar o hip hop enquanto um movimento social sob o paradigma dos NMS, portanto, nos permite pensa-lo em relação ao momento político em que se vive, já que esta modalidade de ativismo se caracteriza pela busca de reinvindicações que vão além de mudanças nas instituições, mas no cotidiano, no bem-estar (GONZÁLEZ; NAVARRO, 2005)
A produção do hip hop está diretamente relacionada, portanto, com as condições socioespaciais dos seus sujeitos, as particularidades de existência que serão responsáveis pela criação de identidades e aglutinação de demandas comuns que guiarão as manifestações dessa cultura. Se trata de um reconhecimento do seu lugar no mundo em partilha com seu semelhante, dar vida à quebrada e se fazer ouvir para além dela.
O HIP HOP EM BELÉM
Segundo Silva (2009) a gênese do movimento em Belém está ligada ao bairro da Terra Firme, localizado em uma zona periférica da cidade. O break, elemento ligado à dança, foi o primeiro a ser praticado, ainda no início da década de 90 (BORDA, 2016), mas que, assim como em outros pontos do país, o break não possuía, nesse momento, a consciência política que iria figurar mais tarde.
Os b.boys e b.girls se reuniam em espaços da cidade (a praça Floriano Peixoto, no bairro de São Brás, centro da cidade, é indicada, como nos disse uma MC em entrevista realizada em janeiro de 2017, o solo sagrado do hip hop em Belém por conta de ser o palco das primeiras manifestações do break) para praticar e exibir seus passos, em disputas que, na maioria das vezes, era uma atividade de lazer. O encontro de pessoas que praticavam essa atividade com outras, que consumiam outras dimensões do movimento, vai alterar essa dinâmica.
Silva (2009) nos diz que a partir da organização de grupos de jovens que consumiam o rap, que possuíam o interesse em criar suas próprias composições, relações com o break foram estabelecidas e a relação destas manifestações do movimento com seus lugares foi o pontapé inicial para que se percebesse que se tratava de um movimento cultural e político. Nesse período ainda se sofria com a falta de informações veiculadas na mídia sobre o break ou o rap, que quando citados eram esvaziados de seu conteúdo político.
Segundo Silva
A formação dos grupos de rap cujas letras passavam a retratar a realidade do contexto onde jovens moradores da periferia estavam inseridos deu um grande passo para a legitimação do Hip hop enquanto movimento de origens periférica, bem como para a consolidação do seu território na cidade, à medida que os jovens passaram a divulgar o discurso do Hip hop e fazer dele um projeto de atuação política e intervenção artística na paisagem urbana. Deste modo, o movimento vai construindo seus territórios na metrópole, influenciando os modos de ser, ressignificando a baixada, tornando-se visível (SILVA, 2009, p. 7).
A apropriação da cidade enquanto palco e inspiração para estes grupos vai se desenvolver para que o caráter reivindicatório do hip hop seja reconhecido e fortalecido pelo surgimento de eventos, artistas relacionados ao estilo e a divulgação massiva que meios como a internet passam a possibilitar. Surge uma cena forte do hip hop em Belém. Antes de prosseguirmos é interessante dizer o que entendemos por cena, segundo Neto (2019, p. 58-59), se trata do
Estabelecimento de fronteiras identitárias, ligadas a estilos, constituídos de certo tipo de música, visual e comportamento. Essas fronteiras delimitam, além de espaços virtuais, espaços de encontro e manifestação na cidade, que são pontos de conexão, permanentes e/ou temporários, da rede de sociabilidade tramada em torno do estilo. Espaços que resultam de negociação com outros grupos sociais, na cidade, e que dizem muito sobre as possibilidades reais de territorialização dos estilos globais, nos contextos urbanos concretos
Tais fronteiras identitárias definem perfis, que formarão grupos com forma de pensar e agir que, apesar de não padronizadas, se aproximam o suficiente para que se constituam como tal. No hip hop, ao falar de cena nos referimos à capacidade de definir uma identidade e reproduzi-la através de interações e afirmações de práticas espaciais. Algumas características do hip hop em Belém nos permitem concebê-lo em suas características gerais, em contato com o hip hop produzido no mundo, assim como nas suas particularidades locais, como é o caso de batidas regionais, vindas do Carimbó (ritmo considerado patrimônio imaterial do estado), referências às particularidades de periferias belenenses, menções ao folclore local, etc.
Segundo os relatos de Borda (2016) e Silva (2009) podemos perceber que a própria trajetória do hip hop em Belém é marcada por processos conflituosos que vão definir sua atuação. Partindo do respeito às diferenças, umas das principais demandas do movimento, o hip hop vai se descentralizar de organizações fundadoras para se expandir em outras, tão numerosas quanto as demandas que ele incorpora, e apesar de não termos aqui a intenção de enumerá-las reconhecemos que um estudo que se aprofunde detalhadamente na história seria bem-vindo. Agora, no entanto, julgo ser necessário tomar como referência para a compreensão do movimento os seus objetivos, avanços e limitações.
OBJETIVOS E AVANÇOS
Talvez um dos objetivos do hip hop mais explicitamente expostos nas rodas culturais, batalhas e demais reuniões é o do crescimento do movimento. Para que se possa galgar horizontes maiores e atender as demandas que alicerçam suas atividades é necessário que as bases da cena local sejam firmes. Com esse intuito é, de certa forma, lógico que a divulgação do hip hop e a atração de novas pessoas para o movimento seja prioridade na maioria dos casos,
Vito Frade, MC organizador da Batalha da Batista, realizada na praça Batista Campos, em bairro nobre de mesmo nome, quando indagado sobre suas motivações nos disse que
É trazer, né, essa cena, mostrar essa cena do hip hop. Lá [na praça Batista Campos] é um local que é bem movimentado, né, bem no centro, então muitas pessoas não conhecem esse hip hop lá, tá ligado? Naquela área. É um local perto, onde todo mundo frequenta, é uma praça normal onde tem criança, famílias, entendeu? E tem famílias que gostam, inclusive, entendeu? Tipo, é mostrar um pouco da nossa arte, mostrar que o hip hop não é só música, entendeu? É batalha! Essa conexão, tá ligado? (Informação verbal)²
Notamos nesta fala uma preocupação básica aos protagonistas do movimento. Eles sabem, talvez até por experiência própria, que a maioria das percepções enraizadas no senso comum com relação ao hip hop é a de que se trata apenas de um movimento artístico que possui fim em si mesmo. A necessidade de levar informações que desmistifiquem o movimento é o primeiro passo para que esses protagonismos sejam valorizados em um contexto amplo. Essa tarefa, árdua, é dos próprios sujeitos que compõem a cena.
No caso estudado aqui essa tarefa é apreendida através do contato direto entre as batalhas de MCs e os outros grupos que frequentam os espaços, permitindo que a convivência, mesmo que limitada, sirva como agente de conscientização. O espaço público é o local em que esse tipo de interação é possível, permitindo que essas diferenças sejam evidenciadas (SERPA, 2007).
Outro objetivo do movimento galgado nas batalhas de rap é o lazer. Não podemos ignorar que a cultura hip hop nasceu enquanto uma opção de lazer para pessoas que tinham poucas opções para se divertir e mesmo agora, depois de um amadurecimento político consistente do movimento, ainda ocupa esse papel importantíssimo na vida desses jovens.
Das pessoas que conhecemos e conversamos durante das batalhas nenhuma teve o primeiro contato com o rap por preocupações políticas, apenas. O contato com o rap nas rádios, tv ou internet geralmente é o primeiro “chamado” de alguns desses jovens, assim como o contato por amigos ou na própria rua, bairro ou escola.
Meu primeiro contato foi através de um programa que passou uns 6 anos atrás na MTV sobre batalha de rima, Duelo Sangue. No final do ano passado que eu comecei a rimar na escola, e de tanto rimar lá deu vontade de ir em alguma batalha de verdade até que na mesma época, surgiu a Batalha da Batista. Eu tinha um amigo em comum do criador da batalha de lá e ele me sugeriu ir (Informação verbal)³.
Casos como o de Arlei exemplificam boa parte dos relatos que recebemos nas batalhas, em que a presença ali era a culminância de um flerte já existente com o hip hop e o ponto de entrada no universo do mesmo.
A consciência política do movimento costuma vir depois, após convivência com MCs já experientes e que buscam elucidar os menos experientes da riqueza do hip hop, sua história e a responsabilidade que é representa-lo. Isso está diretamente relacionado com o terceiro grande objetivo reconhecível nas batalhas de rap e no movimento como um todo, o de formar.
Para auxiliar nossa compreensão desse objetivo vamos recorrer a uma entrevista realizada por nós com Everton MC, um dos criadores da batalha de São Brás.
Cara, eu acho que um dos maiores objetivos que a gente tem no momento é acabar conseguindo formar novos cidadãos através do hip hop. Acho que os cidadãos precisam ter acesso a cultura, precisam ter acesso à educação e ali a gente acaba fazendo esse processo. Ele é devagar, ele é lento, mas eu acho que esse é um papel nosso, sabe? (Informação verbal)4.
Tomar a responsabilidade para si, como podemos notar aqui, demonstra uma consciência construída através tanto de uma experiência pessoal quanto da troca de experiências que esses espaços promovem: compreender o hip hop como um movimento que possui um caráter político e tornar isso um objetivo para a ação.
Ele continua
Então a nossa grande missão na batalha é essa: promover a cultura, sabe? Promover o hip hop e mostrar o quanto que ele é importante não só pro moleque que tá pegando o microfone e rimar, mas pra ele se conhecer como cidadão, pra ele se conhecer enquanto pessoa periférica, pra ele se conhecer como uma pessoa que é negra, pra ele se conhecer como uma pessoas que veio de uma classe bastarda, de que ele pode conseguir tudo aquilo que ele quer através de qualquer meio, não importa se isso seja cultura, educação, se ele vai ser professor, médico, advogado, grafiteiro, MC, enfim. Porque na batalha a gente discute vários assuntos (Informação verbal)5.
A partir do momento em que, diante de um espaço que permita o autoconhecimento através da cultura e da arte, com auxílio de pessoas que sirvam como inspiração na cena local enquanto MCs de sucesso e que alcançaram metas com as quais os mais jovens apenas sonham, e cientes da complexidade do movimento do qual fazem parte, essas pessoas assumem militâncias que respondem aos anseios que carregam consigo. O trecho abaixo, da música Rap com Farinha, de Pelé do Manifesto e Everton MC, fala um pouco sobre a preocupação de repassar para os mais jovens um pouco dessa riqueza acumulada nos seus anos de hip hop.
Mataram meus ancestrais e na rima a gente se vinga
Então bota um tambor no rap que eu vou sem dó
Alquimista da quebrada no beat de carimbó
Então chama Verequete, Pinduca e Laurentino
Música é coração eu ensino pra esses menino
Sou cabano moderno, poeta e freestaleiro
Mistura de Malcom X com Antônio conselheiro6
No trecho da música abaixo, de Pelé do Manifesto, notamos um pouco da luta contra o racismo que caracteriza a maioria das suas produções.
[…]
Sou neguinho sim sou preto com muito amor
Daqueles que olha no espelho e acha foda sua cor
Eu não nasci pra tá chamando ninguém de doutor
A minha meta levantar cada irmão que tombou
[…]
Ser duas vezes melhor? Não! Cansei dessa parada
Casei de ser o preto no estilo ‘homem na estrada”
De ver as tia atravessando a rua apavorada
De provar que o celular é meu pra não levar porrada
Não é frescura não me diz ai quem consegue
Toda vez que entro no shopping o segurança me segue
Todo mundo percebe todo mundo repara
As câmera me persegue a polícia sempre me para
Não vem de caô dizendo que num é preconceito
Acha que preto é ladrão desde que mama no peito
É o x da questão ninguém explica direito
Porra, minha descrição sempre bate com a do suspeito7
Fica evidente a indignação do autor com o preconceito sofrido ao longo de sua vida. Quando essa música toca em algum baile, show ou mesmo nas rodas de conversa antes ou depois de batalhas, no celular ou em caixinhas de música, todos vibram. Não somente por conta do ritmo ou das batidas, mas por conseguirem se enxergar nela. Perceberem que outras pessoas também vivem as mesmas dificuldades e que isso não é normal, que existem pessoas denunciando o racismo e se opondo a ele.
Importante indicar que o que foi dito até então sobre os percursos galgados pelos MCs citados não constituem regras definitivas no hip hop. Primeiro porque esses contatos com as militâncias são sempre plurais, abrangendo a complexidade dos preconceitos sofridos e das demandas que essas pessoas carregam. Dificilmente alguém irá militar apenas pela causa negra ou pela causa feminista, na verdade o mais comum é que essas motivações se entrelacem e dialoguem entre si. Nesse sentido, concordamos com Roberto Oliveira, quando este diz que
A concepção de engajamento forjada pelos rappers e para os rappers desmonta qualquer possibilidade de enquadrar o sujeito engajado como defensor de uma causa clara, bem definida, em um tempo e lugar bem delimitados. Assim, designa um vasto leque de produções com alcance político (não exclusivamente devotadas ao combate ou com a finalidade de promover controvérsias), fazendo com que toda obra seja portadora de um mínimo de compromisso com os desafios do seu tempo, e propondo uma leitura que, sob vários aspectos, dá forma e sentido à realidade (OLIVEIRA, 2011, p. 69).
Dessa forma,
O rapper seria, então, não apenas um músico, mas um agente da transformação social que, por meio de beats e rimas, entrava em cena. Construíram, passo a passo, a imagem da cultura que resgata, da “verdade que liberta” (OLIVEIRA, 2011, p. 68)
A criação dessa forma de encarar sua produção artística estabeleceu um padrão que conferiu ao rap um status que passou a nortear a legitimidade de sua ação no movimento. Aqueles que se inseriam no mesmo e não se preocupavam com essas questões eram considerados “ilegítimos”.
Os que não se sintonizavam (ou que diziam não se sintonizar) ou não corroboravam explicitamente com a elaboração da ideia de uma cultura engajada não mereciam a chancela de qualidade e “autenticidade” que aos poucos ganhava corpo (OLIVEIRA, 2011, p. 64)
Essa autenticidade não necessariamente seria exposta de forma explícita, através de letras que denunciassem diretamente os abusos sociais, ou por uma postura declaradamente política. Seria no “proceder” do rapper que perceberíamos sua faceta politizada.
Mas isso nos leva a outro ponto importante diz respeito aos casos em que esse despertar de engajamento nas causas sociais simplesmente não ocorre. Diversas são as pessoas inseridas na cultura hip hop que não o veem como necessariamente político, mas “apenas” como uma expressão cultural ou uma forma de fazer música. Esses seriam, no contexto do hip hop enquanto movimento, excluídos dessa legitimidade abraçada por diversos rappers.
Seria para minimizar essa ação avessa aos interesses do hip hop politizado que esses espaços, nas batalhas, se direcionam a conscientização e formação de futuros rappers engajados em fortalecer a cena local.
Quanto ao atendimento desses objetivos, Everton MC oferece seu relato pessoal:
Cara, vou te falar por nós, pelo nosso grupo, sabe? Daniel ADR entrou na faculdade, passou na UFPA, Moraes passou na UFPA, eu também entrei na faculdade e me formei, sabe? Então ali a gente gerou bons frutos, sabe? Acabou formando vários MC’s ali, que saiu. MCs gravaram músicas a partir dali, lançaram videoclipes a partir dali. Cara, teve muito fruto bom! (Informação verbal)8.
Esse cenário de conquistas, pautado principalmente nos seis anos de atuação da Batalha de São Brás, demonstra o quão frutífero foram os esforços dos seus organizadores. Nesse caso podemos perceber avanços em dois níveis: o primeiro é na própria cultura hip hop, a partir do alcance de sucesso no rap, indicado pela gravação de músicas e videoclipes, e o segundo no rompimento das fronteiras do hip hop, para outros domínios da vida, como a educação. O ingresso de integrantes da Batalha de São Brás em Universidades demonstra que o fomento do evento serviu para que essas pessoas buscassem romper as barreiras em que foram postas, buscar melhorias de vida e conquistar novos espaços que permitissem não só seu crescimento pessoal, mas o fortalecimento da cena hip hop como um todo, seus objetivos, e a conquista de espaços perante a sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo buscamos compreender o movimento hip hop em um contexto de lutas pela cidadania, a partir de demandas socialmente construídas em espaços de socialização, debate e construção de estratégias que além de aglutinarem objetividades complexas, ressaltam identidades que vão guiar os horizontes ideológicos dos sujeitos.
Percebemos que a marginalização a que foram submetidos os sujeitos que compõem o movimento age como correntes que reforçam a vulnerabilidade social, a violência, a pobreza, a segregação e o preconceito. Os objetivos expressos pelos sujeitos entrevistados perpassam pela superação dessa mesma marginalização, não apenas perante o outro, o diferente, externo ao movimento ou a cultura hip hop, mas primeiramente entre os seus. Esse processo é possível graças aos espaços de debate, confronto e conscientização promovidos pelas batalhas de rap, cujos resultados apontam para participações políticas ativas, conquista de espaços e fortalecimento do movimento.
Compreendemos, portanto, que o hip hop, enquanto um movimento social, é uma entidade que contribui, de forma direta, para a lutar por uma cidadania plena, não apenas do ponto de vista do protesto e da visibilização de demandas vindas dos seus sujeitos, mas do esforço em possibilitar que estes mesmos sujeitos sejam capazes de romper as barreiras impostas sobre si e conquistar novos espaços de vivência e luta, conscientes politicamente e ativos socialmente.
²Vito Frade, organizador da Batalha da Batista. Entrevista concedida a Eryck Batalha, 2019.
³MC Arlei, frequentador da Batalha da Batista. Entrevista concedida a Eryck Batalha em 10 de fevereiro de 2019
4Everton MC, organizador da Batalha de São Brás. Entrevista concedida a Eryck Batalha, 2019.
5Everton MC, organizador da Batalha de São Brás. Entrevista concedida a Eryck Batalha, 2019.
6“Rap com Farinha”. Pelé do Manifesto e Everton MC. Belém: 2017.
7“Sou Neguinho”. Pelé do Manifesto. Belém: 2015.
8Everton MC, organizador da Batalha de São Brás. Entrevista concedida a Eryck Batalha, 2019
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¹Doutorando em Ciências – Desenvolvimento Socioambiental no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA/UFPA e bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
Filiação institucional: Universidade Federal do Pará E-mail: eryck_batalha@hotmail.com