HARMONIAS INVISÍVEIS: NO CONTEXTO HISTÓRICO HOUVE TECNOLOGIA EMPREGADA NO ENSINO DE MÚSICA PARA BENEFICIAR PESSOAS SURDAS?

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8346114


Cristiano da Silva Benites1
Ismar Frango Silveira2


RESUMO

Esta pesquisa visa identificar estudos científicos sobre educação musical de crianças surdas entre 1952 e 2023. Os trabalhos serão analisados para avaliar a integração de tecnologia no ensino. Com base nesses achados, será proposta uma nova abordagem utilizando inteligência artificial para reconhecimento de gestos musicais. Isso visa atender às necessidades das crianças surdas e facilitar seu aprendizado musical de forma independente e divertida. Apesar da controvérsia, pesquisas anteriores mostram a eficácia da educação musical para surdos, e a tecnologia, como demonstrado por aplicativos de IA para aprendizado musical, pode enriquecer essa experiência. A tecnologia é um complemento auxiliar aos métodos tradicionais, removendo barreiras para o ensino de crianças surdas.

Palavras-chave: educação musical de surdos, os surdos e a música, música e inteligência artificial.

1 – Introdução
1.1.Contextualização: Música e Surdez

A relação entre música e surdez é bastante complexa e envolve questões físicas, cognitivas e culturais. Por um lado, a surdez pode dificultar ou impossibilitar a percepção de sons e, consequentemente, a apreciação e compreensão da música de forma convencional. Por outro lado, há muitas pessoas surdas que têm interesse e/ou talento para a música e encontram na música uma forma de se expressar e se conectar com o mundo (MURRAY, 2019).

A percepção musical envolve não apenas o sentido da audição, mas também outros sentidos, como a visão e o tato. Pessoas surdas podem ter uma percepção musical diferente, baseada em vibrações, visualizações e outras formas de interação sensorial. Há muitas tecnologias e técnicas de ensino que visam tornar a música mais acessível para pessoas surdas, como o mapeamento de frequências, o uso de vibrações e o ensino de música através da linguagem de sinais (BROUGHTON, 2016).

Além disso, a música é uma parte importante da cultura e da identidade de muitas comunidades surdas, especialmente aquelas que utilizam línguas de sinais como meio de comunicação. A música pode desempenhar um papel importante na preservação e transmissão da cultura e das tradições dessas comunidades (BAKER-SHENK, 2018).

Em resumo, embora a surdez possa apresentar desafios para a percepção e compreensão da música, há muitas possibilidades e tecnologias que permitem que pessoas surdas tenham acesso à música e possam se expressar e se conectar através dela. A relação entre música e surdez é multifacetada e continua sendo objeto de estudo e exploração por parte de pesquisadores, músicos e educadores (LEPCHA & WASON, 2020).

1.2.  Objetivos

Verificar na literatura trabalhos desenvolvidos nesse contexto e saber os caminhos que foram utilizados para apoiar a experiência musical das crianças surdas e entender como a inteligência artificial pode apoiar na educação musical de crianças surdas.

2 – Fundamentação Teórica
2.1. Música e Cérebro

A música é uma forma de arte que pode ter um impacto significativo no cérebro humano. A pesquisa mostra que a música pode afetar várias áreas do cérebro, incluindo a área de processamento auditivo, o córtex motor e áreas envolvidas no processamento emocional e na memória (KOELSCH, 2014).

O processamento auditivo é responsável por detectar e interpretar os sons que ouvimos, e a música é uma forma complexa de som que envolve várias camadas de padrões sonoros e ritmos. A pesquisa mostra que o cérebro tem uma capacidade inata para detectar padrões musicais e que a prática da música pode aprimorar essa capacidade. Por exemplo, estudos mostram que músicos treinados têm um processamento mais eficiente e preciso de padrões musicais do que pessoas não-musicistas (STRAIT & KRAUS, 2011).

Além disso, a música pode ter um impacto no córtex motor, que é responsável por controlar os movimentos do corpo. Estudos mostram que a prática de um instrumento musical pode levar a mudanças estruturais e funcionais no cérebro, incluindo o aumento da densidade de matéria cinzenta no córtex motor (PANTEV & HERHOLZ, 2011).

A música também pode afetar áreas do cérebro envolvidas no processamento emocional e na memória. A pesquisa mostra que a música pode ativar o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina e levando a sensações de prazer e bem-estar. Além disso, a música pode ajudar na formação e retenção de memórias, especialmente quando as emoções estão envolvidas (SALIMPOOR et al., 2011).

A música pode ter um impacto significativo no cérebro humano, afetando áreas envolvidas no processamento auditivo, no controle motor, no processamento emocional e na memória. A pesquisa nesta área é importante para compreender melhor como a música pode ser utilizada para melhorar a saúde e o bem-estar das pessoas (FORNASARI, DEMONTIS, and GIORGI, 2017).

2.2. A Surdez e a Percepção Musical

A surdez pode afetar significativamente a percepção musical de uma pessoa. A música é uma experiência auditiva, e a perda de audição pode tornar difícil ou impossível a percepção de certos sons e frequências musicais (LEPCHA & WASON, 2020).

No entanto, a percepção musical não se limita apenas à audição. Muitas pessoas surdas relatam sentir vibrações e outras sensações físicas que podem ser usadas para perceber a música. Além disso, a percepção musical também pode ser influenciada pela experiência visual, como assistir a performances musicais ou observar a notação musical (Beedie & Williams).

Para pessoas surdas que desejam aprender música, existem várias técnicas e tecnologias disponíveis que podem ajudar a tornar a música mais acessível. Uma técnica comum é a utilização de vibrações para ajudar a sentir o ritmo da música. Isso pode ser feito por meio de um dispositivo chamado metrônomo vibratório, que emite vibrações que acompanham o ritmo da música (THOMPSON & STEWART, 2010).

Além disso, existem tecnologias de mapeamento de frequência que podem ajudar a traduzir as frequências musicais em vibrações ou luzes. Essas tecnologias podem ser particularmente úteis para pessoas que perderam a audição após aprender música, permitindo que eles continuem a tocar e apreciar a música (PARK, J., LEE, H., & LEE, J., 2018).

Também é possível aprender música por meio da linguagem de sinais. A linguagem de sinais pode ser usada para descrever os elementos musicais, como o ritmo, a melodia e a harmonia. Existem vários recursos disponíveis para aprender a linguagem de sinais musical (SMITH, M. D., 2014).

A surdez pode afetar a percepção musical, mas existem várias técnicas e tecnologias que podem tornar a música mais acessível para pessoas surdas. A percepção musical também pode ser influenciada pela experiência visual e pela linguagem de sinais musical (SMITH, M. D., 2014).

2.3. A Inteligência Artificial e a Música

A inteligência artificial (IA) está transformando a maneira como a música é criada, produzida e consumida. A IA pode ajudar a criar música original, analisar e classificar músicas existentes, melhorar a qualidade do som e personalizar recomendações musicais para os usuários (HUANG, R., LIU, Y., & ZHANG, Y., 2020).

Uma das formas mais comuns de uso da IA na música é a criação de música gerada por computador. As redes neurais podem ser treinadas em grandes conjuntos de dados musicais para gerar música original que pode ser usada em produções musicais, trilhas sonoras de filmes e videogames e em outras aplicações (DONG, HSIAO E YANG, 2019).

A IA também pode ajudar a analisar e classificar músicas existentes com base em elementos como o ritmo, a melodia e a harmonia. Isso pode ser útil para profissionais da música, como produtores e compositores, que desejam entender melhor como as músicas são construídas e quais elementos musicais são mais populares entre o público (HUANG, LIU E ZHANG, 2020).

A IA também pode ser usada para melhorar a qualidade do som em produções musicais. As redes neurais podem ser treinadas em conjuntos de dados de áudio para remover ruídos e melhorar a qualidade geral do som. Isso pode ajudar a melhorar a experiência do ouvinte e garantir que a música seja ouvida da melhor maneira possível (GONZÁLEZ-DÍAZ & TORRES-GUIJARRO, 2021).

Finalmente, a IA pode personalizar as recomendações musicais para os usuários com base em seus gostos musicais e histórico de audição. Isso pode ser feito usando algoritmos de aprendizado de máquina que analisam o comportamento do usuário e usam essas informações para recomendar músicas e artistas que o usuário possa gostar (KAMINSKAS & RICCI, 2018).

A IA está transformando a maneira como a música é criada, produzida e consumida. A IA pode ajudar a criar música original, analisar e classificar músicas existentes, melhorar a qualidade do som e personalizar recomendações musicais para os usuários (HUANG, LIU E ZHANG, 2020).

3 – Inteligência Artificial e Aprendizagem Musical
3.1. Aprendizado de Máquina na Educação Musical para Surdos

O aprendizado de máquina é uma tecnologia que pode ser aplicada na educação musical para pessoas surdas (LIU & YANG, 2020). Através da análise de dados e do reconhecimento de padrões, os algoritmos de aprendizado de máquina podem ajudar a identificar e interpretar informações musicais de maneira mais precisa e eficiente (STURM, 2014). Aqui estão algumas maneiras como o aprendizado de máquina pode ser usado na educação musical para surdos:

Reconhecimento de gestos – Algoritmos de aprendizado de máquina podem ser usados para reconhecer e interpretar gestos musicais, como a batida do pé, o movimento dos braços e o balanço do corpo. Isso pode permitir que as pessoas surdas interajam com a música de maneiras mais significativas e explorem suas próprias formas de expressão musical (LOPES & MARIANO, 2021).

Tradução de linguagem de sinais para música – O aprendizado de máquina pode ser usado para traduzir a linguagem de sinais em música, permitindo que as pessoas surdas criem e interpretem música de maneiras mais intuitivas. Isso pode ajudar a tornar a música mais acessível para as pessoas surdas e permitir que elas se expressem de maneiras criativas (LOPES & MARIANO, 2021).

Adaptação de partituras – Algoritmos de aprendizado de máquina podem ser usados para adaptar partituras musicais para pessoas surdas, traduzindo informações sonoras em informações visuais. Isso pode ajudar a tornar a música mais acessível para as pessoas surdas e permitir que elas aprendam e pratiquem habilidades musicais com mais facilidade (KAKUYA & TAKEDA, 2018).

Composição musical assistida por computador – O aprendizado de máquina pode ser usado para ajudar as pessoas surdas a comporem música, sugerindo padrões musicais e harmonias com base em suas preferências musicais. Isso pode permitir que as pessoas surdas explorem sua criatividade musical de maneiras mais eficientes e personalizadas (KAKUYA & TAKEDA, 2018).

O aprendizado de máquina pode ser aplicado na educação musical para pessoas surdas de várias maneiras. Desde o reconhecimento de gestos e a tradução de linguagem de sinais em música até a adaptação de partituras e a composição musical assistida por computador, o aprendizado de máquina pode ajudar a tornar a música mais acessível e inclusiva para as pessoas surdas.

3.2. Algoritmos de Processamento de Sinais e a Percepção Musical de Surdos

Os algoritmos de processamento de sinais são uma ferramenta importante na pesquisa sobre a percepção musical de pessoas surdas. Esses algoritmos podem ser usados para analisar a música e transformá-la em uma representação visual ou tátil que pode ser acessada por pessoas surdas (BATES, GANLEY & GANNON, 2018).

Uma das aplicações dos algoritmos de processamento de sinais na música para surdos é a visualização da música através de gráficos ou desenhos. Por exemplo, um algoritmo pode ser usado para analisar a música e representar a melodia, ritmo e harmonia através de gráficos que mostram a altura, duração e intensidade do som. Esses gráficos podem ser úteis para pessoas surdas que podem não ser capazes de ouvir a música, mas podem entender a música através de uma representação visual (KIM & CLAYTON, 2019).

Outra aplicação dos algoritmos de processamento de sinais na música para surdos é a tradução da música em vibrações ou movimentos. Por exemplo, um algoritmo pode ser usado para analisar a música e traduzi-la em uma sequência de vibrações que podem ser sentidas por pessoas surdas. Essas vibrações podem ser transmitidas através de um dispositivo tátil, como uma pulseira ou um colete, permitindo que as pessoas surdas possam sentir a música em vez de apenas ouvi-la (HUANG, LIU & ZHANG, 2020).

Além disso, os algoritmos de processamento de sinais também podem ser usados para melhorar a qualidade do som para pessoas surdas que usam aparelhos auditivos ou implantes cocleares. Esses dispositivos eletrônicos são projetados para estimular o nervo auditivo com sinais elétricos que representam o som. No entanto, o processamento desses sinais pode ser melhorado usando algoritmos de processamento de sinais que podem filtrar o ruído e melhorar a qualidade do som para uma percepção mais clara da música (BATES, GANLEY & GANNON, 2018).

Os algoritmos de processamento de sinais são uma ferramenta valiosa na pesquisa sobre a percepção musical de pessoas surdas. Esses algoritmos podem ser usados para transformar a música em uma representação visual ou tátil, melhorar a qualidade do som para pessoas que usam aparelhos auditivos ou implantes cocleares, e tornar a música mais acessível e inclusiva para todos (KIM & CLAYTON, 2019).

 4 – Revisão de literatura

Como procedimento metodológico, foi utilizada a análise bibliométrica, cuja validade se justifica pela identificação de tendências de investigação de uma forma quantitativa e pela medição de indicadores do crescimento da produção científica numa determinada área temática (CIL, 2017).

As bases de dados utilizadas neste estudo foram Web of Sciense, ieeeXplore, portal de periódicos da CAPES e Scielo, tendo em vista o seu reconhecimento acadêmico como sendo as bases de dados de revistas mais completas em termos de áreas de conhecimento. Do mesmo modo, a facilidade de recuperação de dados sobre indicadores tais como literatura, autores, instituições e países (MOURA, 2017) foi também tida em conta para permitir a análise desenvolvida neste estudo.

4.1. Avaliação dos Resultados Obtidos com as Tecnologias e Softwares de Aprendizagem Musical para Surdos

O procedimento de seleção dos trabalhos utilizou os períodos de investigação disponíveis nas bases de dados e buscou na história até o ano de 2022, uma vez que encontramos uma das primeiras abordagens a este assunto numa pesquisa de 1956, onde o pesquisador Helmer R. Myklebust da Universidade Northwestern, trouxe para a época o argumento de que a formação linguística das crianças surdas deveria ser diferente da de outras crianças sem esta deficiência, onde o trabalho também trazia o contexto da educação musical por causa da linguagem expressiva. Para este fim, foram definidos os seguintes termos chaves para a pesquisa: “deaf music education”, “the deaf and the music” e “teaching theme”. Estes termos foram incluídos nos títulos dos artigos e pesquisados para criar uma colecção.

Após a pesquisa, os artigos selecionados foram reduzidos através da aplicação dos filtros fornecidos pelas plataformas de pesquisa que foram utilizadas. O primeiro refinamento foi o tipo de documento, selecionando “artigo” onde só recuperaria os artigos publicados em revistas, excluindo artigos publicados em capítulos de livros. O segundo critério era o campo do conhecimento, com ênfase na educação musical e na aprendizagem musical para surdos.

Isto refere-se a áreas como a educação especial e a investigação em educação musical, que incluem conteúdos específicos para o campo científico da educação musical para surdos e deficientes auditivos. Assim as palavras chaves para esse momento foram: “special education ou music education research”, que são conteúdos considerados inerentes ao que buscamos nesse trabalho.

Foi também aplicado um filtro linguístico para recuperar artigos em inglês, português e espanhol, assumindo que os artigos foram escritos em inglês, português e espanhol. Como resultado, 212 artigos foram extraídos e utilizados como um conjunto de artigos para a análise bibliométrica proposta no presente estudo. Após ter os artigos analisados e lidos, a fim de organizar a informação e facilitar a avaliação do material bibliográfico, foi feita uma análise onde verificou-se autores com o maior número de publicações, o número de artigos distribuídos por país de origem do autor e os artigos mais citados nas plataformas utilizadas.

4.2. Análise dos Resultados Obtidos com a Utilização de Inteligência Artificial no Ensino de Música para Surdos

Após a realização do levantamento bibliométrico nas plataformas Web of Sciense, ieeeXplore, portal de periódicos da CAPES e Scielo, foram identificados ao final 212 artigos acerca da educação musical de surdos que seriam casos de estudo para esse trabalho. A contextualização dos artigos forneceu informações importantes sobre a história do assunto, cujos resultados são apresentados na Tabela 4.

TABELA 4: RESULTADOS DOS LEVANTAMENTOS

Desde os primeiros artigos publicados em meados de 1950 até aos publicados em 2022, os tópicos de interesse são distribuídos por várias áreas de estudo e classificados como em declínio. O auge dos artigos foi em 1974, quando a maioria dos estudos foram realizados em crianças e abordaram a etiologia da perda de audição, perda de audição congénita devido à rubéola, múltiplas causas de perda de audição, múltiplas desvantagens da perda de audição, avaliação da perda de audição e prevenção da perda de audição.

Observou-se que o foco das investigações tem sido os problemas dos surdos e não a aprendizagem musical dos deficientes auditivos. Já nos últimos cinco anos, perspectivas mais atuais foram agora assumidas sobre o papel da educação musical na aquisição de competências básicas em crianças surdas (DURAN; CASTELL, 2012), a interseção da surdez hereditária e da deficiência auditiva e o seu impacto na aprendizagem musical (FORDYCE et al, 2015; NYST, 2015), a deficiência auditiva, a música e a diversidade (JACKSON; AMMERMAN; TRAUTWEIN, 2015; GUARDINO; CANNON, 2016), e preconceito contra a música e os surdos (Neto; Pinto; Mullet, 2016).

6.3 Autores e países em destaque na temática

Após análise dos periódicos, os autores com mais registos de publicações foram identificados nesta seleção de estudos bibliométricos e constatou-se que o principal periódico na área é o American Annals of the Deaf. Como resultado, o autor com o maior número de publicações foi McCay Vernon. A tabela 2 fornece uma lista destes autores com os seus nomes, filiações institucionais e país de origem. Foram selecionados os autores com o maior número de registos, é notar que a maioria das obras são produzidas nos EUA.

TABELA 5: AUTORES, INSTITUIÇÕES E PAÍSES

A fim de visualizar a representatividade dos países de origem das instituições relevantes dos autores das obras mapeadas neste estudo bibliométrico, foram identificados os 10 países com maior produção científica no campo da educação musical surda, como se pode ver na Tabela 3. A lista dos principais países inclui também os Estados Unidos da América, que publicaram um grande número de trabalhos sobre o tema.

TABELA 6: ARTIGOS PUBLICADOS POR PAÍSES

Uma análise dos principais artigos mais citados nas bases de pesquisas utilizadas para este estudo bibliométrico revelou características, barreiras e melhores práticas no ensino da música surda, como se pode ver na tabela 7.

TABELA 7: CARACTERÍSTICAS NA EDUCAÇÃO MUSICAL DE SURDOS

            Essa tabela apresenta um resumo de algumas informações sobre trabalhos de pesquisa relacionados ao ensino de música para pessoas surdas. Cada linha apresenta uma característica específica, as barreiras associadas a essa característica, as práticas utilizadas para abordar essas barreiras e os autores do estudo. Segue detalhamento:

  • A primeira linha destaca a importância de abordar as habilidades vocais separadamente do treinamento musical para pessoas surdas. A principal barreira associada a essa característica é a dificuldade na conversão do tom pelo ouvido, o que pode dificultar o alcance dos alvos vocais. No entanto, não são apresentadas práticas específicas para lidar com essa barreira.
  • Na segunda linha, destaca-se a importância do envolvimento familiar e como isso pode afetar a linguagem das pessoas surdas. A principal barreira é a linguagem insatisfatória, associada à ausência da identificação do grau de perda auditiva. Para abordar essa barreira, é recomendada a utilização de inventários, testes de vocabulário por imagens, avaliação clínica da capacidade cognitiva e do envolvimento da família.
  • Na terceira linha, não há uma característica específica, mas destaca-se a importância do treino de atitudes de escuta. A principal barreira associada a isso é a ausência de atitudes de escuta, e a prática recomendada é a utilização de autorrelato de experiências musicais, habilidades, treinamento e interesse.
  • Na quarta linha, destaca-se a dificuldade de comunicação das pessoas surdas e como isso pode afetar a confiança para a aprendizagem musical. A prática recomendada é o desenvolvimento da sensibilização musical, o que pode levar a uma mudança na crença de que a pessoa surda não tem a possibilidade de aprender música.

            Feita a análise de todos os trabalhos, foi possível identificar que a área educacional tem se destacado com as principais iniciativas e discussões sobre o tema de música para educação de pessoas surdas. Poucos trabalhos apresentaram ferramentas tecnológicas para auxiliar no aprendizado dessas pessoas.

Por fim, após toda análise, dos artigos selecionados é perceptível a ausência de uso de tecnologia em muitos, sendo que a inteligência artificial não foi encontrada em uso nenhum dos trabalhos, abrindo assim uma oportunidade para atuação e expansão da temática em projetos futuros.

 5 – Considerações Finais

Como resultado preliminar conseguimos identificar pesquisas relacionadas com a educação musical para pessoas surdas e com dificuldades de audição, encontramos publicações relacionadas com as características, barreiras e sucessos deste tipo de educação, que abordaram os nossos objetivos de investigação.

O estudo revelou um declínio nas publicações sobre educação musical para Surdos, o que sugere que há espaço para este assunto ser abordado dentro de recintos acadêmicos. Da mesma maneira identificamos, (1) o principal periódico na área é o American Annals of the Deaf; (2) o autor com maior recorrência de publicações sobre o assunto é McCay Vernon; (3) as principais publicações são de instituições norte-americanas; (4) O projeto de referência sobre o assunto é avaliado como tendo sido publicado por Cuddy, Balkwill, Peretz, Holden, Sloboda, Wise e Peretz em 2005 com grande número de citações. Foi também observado que as pesquisas desenvolvidas se centraram nos pais, crianças e adultos surdos, negligenciando o papel das escolas, dos professores e das infraestruturas educativas necessárias para a aprendizagem da música.

Como característica da educação musical para surdos, os principais manuscritos da área reconheceram que as capacidades vocais dos surdos devem ser abordadas separadamente da educação musical através de formação em atitudes auditivas. No que respeita à educação musical para surdos, a ênfase deve ser colocada na imitação de melodias em vez de criar novas melodias, e a importância da participação da família no processo de aprendizagem foi evidenciada.

Verificou-se também que a identificação do grau de perda auditiva e da capacidade cognitiva é necessária para que este tipo de educação contribua para um melhor desenvolvimento linguístico. A linguagem insatisfatória dos deficientes auditivos, a incapacidade de identificar o grau de perda de audição, a conversão defeituosa das notas pelo ouvido em alvos de pronúncia, a ataxia que causa problemas na percepção musical das melodias, as posturas auditivas e as dificuldades de comunicação estão intimamente relacionadas com as deficiências identificadas. Face a esta situação, os deficientes auditivos perdem a confiança na sua aprendizagem musical e decidem que não podem cantar sozinhos.

Em contraste, as práticas de sucesso incluem a utilização de autorrelatos da experiência musical, capacidade, formação e interesse em música das pessoas surdas; a realização de avaliações auditivas; sensibilização musical; fatores de mudança da crença de que as pessoas surdas não têm potencial para aprender música; a utilização de implantes cocleares para o desenvolvimento de competências auditivas, gravação para comparar o desenvolvimento auditivo de pessoas surdas com o de pessoas normais; medição de déficits para o planejamento da educação musical; realização de entrevistas para estabelecer padrões de educação musical e inventário do desenvolvimento; conclusão de testes de vocabulário baseados em imagens; avaliação clínica das capacidades cognitivas; e finalmente, sucesso na aprendizagem musical para pessoas surdas, o qual é melhorado quando as famílias, especialmente os pais estão envolvidos.

Através deste trabalho, descobriu-se também que o foco da investigação se deslocou da própria investigação sobre a questão da surdez para (1) o papel da educação musical na aquisição de competências básicas para pessoas surdas, (2) o cruzamento da surdez hereditária e da perda auditiva, e a ênfase no impacto destes cruzamentos na aprendizagem da música, e (3) a investigação sobre a diversidade e o preconceito contra as pessoas surdas.

Por meio da investigação de tecnologias foi possível identificar que a linguagem de programa Python é uma boa escolha para ensinar música para surdos por diversas razões: pois possui bibliotecas específicas para processamento de som e música, como PyAudio e Music21; tem uma sintaxe clara e concisa, facilitando o aprendizado; pode ser usado para criar gráficos e visualizações, auxiliando no entendimento de conceitos musicais; é multiplataforma, sendo compatível com diferentes sistemas operacionais e possui uma comunidade ativa de desenvolvedores e muitos recursos online disponíveis.

Como sugestão para investigações futuras, deve ser realizado um estudo empírico e longitudinal para avaliar se as características, barreiras e comportamentos bem-sucedidos documentados nos principais estudos nas áreas abordadas neste estudo são de fato confirmados.

Por fim foi atingindo o objetivo preliminar da pesquisa onde era identificar se houve uso de IA em algum momento para educação musical de surdos, o que pode se notar a ausência em todas as pesquisas realizadas até o momento, o que a torna proposta viável para novas implementações tecnológicas na temática.

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1ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1300-7944 Faculdade de Computação e Informática, Universidade Prebiteriana Mackenzie, Brasil E-mail: benites_silva@hotmal.com

2ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8029-072X Faculdade de Computação e Informática, Universidade Prebiteriana Mackenzie, Brasil E-mail: ismarfrango@gmail.com