GENGIVOESTOMATITE HERPÉTICA: DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E PREVENÇÃO NO CONTEXTO ODONTOLÓGICO
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202509271214
RAHAL, Diana Awad 1
CARDOSO, Monik de Souza 1
KRAEMER, Alexandre2
RESUMO: A gengivoestomatite herpética (GEH) é a manifestação clínica mais comum da infecção primária pelo vírus herpes simplex tipo 1 (HSV-1), com grande relevância para a odontologia devido à sua prevalência, impacto sintomático e risco de complicações, especialmente em crianças e pacientes imunocomprometidos. O presente estudo teve como objetivo revisar os principais aspectos relacionados à GEH, abordando diagnóstico, tratamento e medidas de prevenção no contexto odontológico. Trata-se de uma revisão narrativa, realizada a partir da análise crítica de artigos científicos publicados em bases como PubMed, Web of Science e Biblioteca Virtual em Saúde, sem restrição de ano de publicação, priorizando estudos que abordassem o manejo clínico, a terapêutica antiviral e estratégias preventivas. Os achados indicam que o diagnóstico da GEH é predominantemente clínico, devendo ser cuidadosamente diferenciado de outras estomatites. O manejo inclui medidas de suporte, como controle da dor, hidratação adequada e manutenção da higiene oral, sendo o uso de antivirais eficaz quando iniciado precocemente. No contexto odontológico, é essencial adiar procedimentos eletivos durante a fase ativa da doença e orientar pacientes e familiares sobre higiene, biossegurança e sinais de alerta. Apesar dos avanços, permanecem lacunas quanto à eficácia de terapias adjuvantes e à avaliação de resultados em longo prazo, destacando a necessidade de estudos clínicos robustos.
Palavras-chave: Gengivoestomatite herpética, Herpes simples tipo 1, Odontologia preventiva
ABSTRACT: Herpetic gingivostomatitis (HGS) is the most common clinical manifestation of primary infection by herpes simplex virus type 1 (HSV-1), with significant relevance to dentistry due to its prevalence, symptomatic impact, and potential complications, particularly in children and immunocompromised patients. This study aimed to review the main aspects of HGS, focusing on diagnosis, treatment, and preventive measures in the dental context. A narrative review was conducted through critical analysis of scientific articles published in databases such as PubMed, Web of Science, and Virtual Health Library, without restrictions on publication year, prioritizing studies addressing clinical management, antiviral therapy, and preventive strategies. Findings indicate that the diagnosis of HGS is predominantly clinical, requiring careful differentiation from other types of stomatitis. Management includes supportive measures such as pain control, adequate hydration, and maintenance of oral hygiene, with antiviral therapy being effective when initiated early. In the dental setting, elective procedures should be postponed during the active phase of the disease, and patients and caregivers should receive guidance on hygiene, biosafety, and warning signs. Despite advances, gaps remain regarding the effectiveness of adjuvant therapies and long-term outcome evaluation, highlighting the need for robust clinical studies.
Keywords: Herpetic gingivostomatitis, Herpes simplex virus type 1, Preventive dentistry
INTRODUÇÃO
A gengivoestomatite herpética (GEH) é considerada a manifestação clínica mais comum da infecção primária pelo vírus herpes simples tipo 1 (HSV-1), sendo um agravo de grande relevância para a odontologia devido à sua frequência, impacto sintomático e implicações na saúde bucal e sistêmica. Trata-se de uma condição aguda, geralmente autolimitada, mas que pode gerar intenso desconforto, febre, dor e dificuldade de alimentação, especialmente em crianças e pacientes imunocomprometidos (Silva; Oliveira, 2020).
A literatura aponta que a infecção primária pelo HSV-1 costuma ocorrer na infância, entre 1 e 5 anos de idade, sendo que aproximadamente 80% dos indivíduos entram em contato com o vírus nessa faixa etária, embora apenas 10 a 20% desenvolvam a forma sintomática da doença (Carrara et al., 2019). A transmissão se dá por meio do contato direto com secreções orais, gotículas ou objetos contaminados, o que reforça a importância da prevenção em ambientes coletivos, como escolas e serviços de saúde (Reis et al., 2021).
Do ponto de vista clínico, a GEH caracteriza-se por um conjunto de sinais e sintomas que incluem febre, irritabilidade, linfadenopatia cervical, gengiva edemaciada e hiperemiada, além de múltiplas vesículas que rapidamente evoluem para úlceras dolorosas em mucosa oral, lábios, língua e palato (Costa; Farias; Santos, 2018). Tais manifestações dificultam a alimentação, a deglutição e a higienização oral, podendo levar a quadros de desidratação e perda de peso, principalmente em pacientes pediátricos (Amir et al., 1997).
O diagnóstico da gengivoestomatite herpética é predominantemente clínico, baseado na anamnese detalhada e no exame físico, sendo fundamental o diagnóstico diferencial com outras patologias orais de apresentação semelhante, como estomatite aftosa recorrente, doença mão-pé-boca, candidíase pseudomembranosa e lesões traumáticas (Carrara et al., 2019).
No que diz respeito ao tratamento, a abordagem terapêutica da GEH envolve, em grande parte, medidas de suporte, como o controle da febre e da dor com analgésicos e antitérmicos, incentivo à ingestão de líquidos e alimentos pastosos, além da manutenção da higiene oral (Silva; Oliveira, 2020). Em casos mais graves ou quando o paciente busca atendimento nos primeiros dias do quadro, o uso do antiviral aciclovir pode reduzir a intensidade dos sintomas e a duração da doença, sendo especialmente indicado em crianças pequenas e imunodeprimidos (National Center For Biotechnology Information, 2022).
Além disso, a atuação do cirurgião-dentista vai além do tratamento, englobando medidas preventivas e educativas. A prevenção da GEH baseia-se no controle da transmissão do vírus, orientação sobre higiene das mãos, cuidados com objetos compartilhados e reconhecimento precoce dos sintomas. Também cabe ao profissional de odontologia orientar os familiares sobre a evolução natural da doença, a importância da hidratação e a necessidade de procurar atendimento médico em casos de complicações (Reis et al., 2021).
No contexto odontológico, a compreensão da gengivoestomatite herpética é indispensável, não apenas pelo impacto clínico imediato, mas também pelo fato de que o HSV-1, após a infecção primária, permanece em estado latente nos gânglios nervosos, podendo ser reativado ao longo da vida e originar recorrências, como o herpes labial (Costa; Farias; Santos, 2018).
Dessa forma, estudar a gengivoestomatite herpética sob a ótica do diagnóstico, do tratamento e da prevenção no contexto odontológico é fundamental para aprimorar a prática clínica e ampliar o conhecimento científico acerca de uma das infecções virais mais prevalentes na cavidade oral. Este trabalho, portanto, tem como objetivo revisar os principais aspectos relacionados à GEH, fornecendo subsídios teóricos para a atuação profissional baseada em evidências científicas.
REVISÃO DA LITERATURA
A gengivoestomatite herpética (GEH) constitui a apresentação clínica mais comum da infecção primária pelo vírus herpes simplex tipo 1 (HSV-1), configurando-se como uma condição relevante para a odontologia devido à sua frequência, intensidade sintomática e impacto na saúde geral dos pacientes (Ageeb et al., 2024; World Health Organization, 2025). Trata-se de um quadro agudo, autolimitado na maioria dos casos, mas que pode acarretar intenso desconforto, febre, dor orofacial e dificuldade de alimentação, particularmente em crianças e indivíduos imunocomprometidos (Heliotis; Whatling, 2021).
Estudos epidemiológicos indicam que aproximadamente 80% da população mundial tem contato com o HSV-1 ainda na infância, embora apenas 10 a 20% desenvolvam formas sintomáticas da doença (Ageeb et al., 2024). A transmissão ocorre por meio do contato direto com secreções orais, gotículas respiratórias ou objetos contaminados, o que reforça a importância de medidas preventivas em ambientes coletivos, como escolas, creches e serviços de saúde (World Health Organization, 2025).
Do ponto de vista clínico, a GEH caracteriza-se por um conjunto de sinais e sintomas iniciais inespecíficos, como febre, irritabilidade e linfadenopatia cervical, seguidos pela presença de gengiva edemaciada, hiperemiada e dolorosa, além de múltiplas vesículas que rapidamente evoluem para úlceras em mucosa oral, língua, lábios e palato (Heliotis; Whatling, 2021; Khalifa et al., 2022). Tais manifestações dificultam a alimentação e a higienização oral, podendo levar à desidratação e perda ponderal, sobretudo em crianças pequenas (Klotz; Kronke, 2021).
O diagnóstico da GEH é predominantemente clínico, baseado em anamnese detalhada e exame físico do paciente. A confirmação laboratorial, por meio de técnicas como reação em cadeia da polimerase (PCR), cultura viral ou sorologia, pode ser necessária em casos atípicos ou em pacientes imunossuprimidos, embora raramente seja requerida na prática odontológica de rotina (Khalifa et al., 2022; Statpearls, 2023). É fundamental realizar o diagnóstico diferencial com outras patologias orais, como estomatite aftosa recorrente, doença mão-pé-boca, candidíase pseudomembranosa e lesões traumáticas (Heliotis; Whatling, 2021).
No que se refere ao tratamento, a literatura destaca que a maioria dos casos de GEH pode ser manejada com medidas de suporte, que incluem controle da febre e da dor com analgésicos e antitérmicos, estímulo à ingestão de líquidos e alimentos pastosos, além da manutenção de uma higiene oral adequada e não traumática (Coppola et al., 2023). O uso de agentes tópicos, como anestésicos locais em gel ou enxaguatórios antissépticos, pode contribuir para o alívio sintomático e a prevenção de infecções secundárias (National Center For Biotechnology Information, 2022).
Em casos mais graves, particularmente em crianças pequenas, imunodeprimidos ou quando o paciente busca atendimento nos primeiros dias do quadro clínico, a prescrição de aciclovir sistêmico é recomendada. O antiviral tem demonstrado reduzir a intensidade dos sintomas, o tempo de evolução da doença e o risco de complicações, especialmente quando iniciado nas primeiras 48 a 72 horas após o surgimento das lesões (Goldman, 2016; Perth Children’s Hospital, 2023). A posologia varia conforme idade e peso, devendo seguir protocolos atualizados de saúde infantil (Goldman, 2016).
Pesquisas recentes têm investigado a eficácia de terapias complementares, como o uso de ácido hialurônico em enxaguatórios, agentes antivirais tópicos e a fototerapia antimicrobiana. Embora alguns estudos relatem resultados promissores, a literatura aponta limitações metodológicas e amostras reduzidas, não havendo consenso quanto à sua aplicabilidade rotineira (Coppola et al., 2023). Assim, o tratamento de suporte associado ao aciclovir, quando indicado, permanece como a conduta mais segura e respaldada por evidências.
No contexto odontológico, a atuação do cirurgião-dentista vai além do diagnóstico e tratamento. A prevenção e a educação em saúde desempenham papel central no controle da transmissão viral e na redução de complicações. Recomenda-se orientar familiares e cuidadores sobre a evolução natural da doença, a importância da hidratação e os sinais de alarme que exigem atenção médica, como recusa alimentar persistente, letargia ou sinais de desidratação (Reis et al., 2021). Além disso, deve-se reforçar medidas preventivas, como higienização frequente das mãos, não compartilhamento de utensílios e uso de equipamentos de proteção em consultórios odontológicos (Statpearls, 2023).
Outro aspecto relevante para a prática odontológica é compreender a natureza recorrente do HSV-1. Após a infecção primária, o vírus permanece em estado de latência nos gânglios trigeminais, podendo ser reativado ao longo da vida e originar quadros de herpes labial. Essa característica reforça a necessidade de acompanhamento contínuo e de educação em saúde sobre fatores desencadeantes, como estresse, imunossupressão e exposição solar (Heliotis; Whatling, 2021; Costa; Farias; Santos, 2018).
Por fim, a literatura destaca lacunas importantes que precisam ser preenchidas. Ainda são escassos os ensaios clínicos randomizados que avaliem a eficácia comparativa entre diferentes regimes antivirais, o impacto de terapias adjuvantes e a estabilidade dos resultados em longo prazo. Também há necessidade de estudos longitudinais que investiguem fatores preditivos para recorrências e complicações (Coppola et al., 2023). Assim, recomenda-se que a prática clínica seja guiada pelas melhores evidências disponíveis, com foco no diagnóstico precoce, tratamento de suporte adequado, uso criterioso de antivirais e medidas preventivas.
MATERIAIS E MÉTODOS
O presente estudo trata-se de uma revisão narrativa da literatura, cuja finalidade foi reunir, descrever e discutir os principais aspectos relacionados à gengivoestomatite herpética (GEH) no contexto odontológico, com ênfase em diagnóstico, tratamento e prevenção. Diferentemente das revisões sistemáticas, as revisões narrativas não seguem um protocolo rígido de busca e seleção de artigos, permitindo maior flexibilidade na análise crítica e na integração de evidências (Rother, 2007).
A busca bibliográfica foi realizada entre os meses de julho e agosto de 2025 nas bases de dados PubMed/MEDLINE, SciELO, LILACS e Web of Science, além de documentos institucionais de organizações de saúde, como a World Health Organization (WHO) e o National Center for Biotechnology Information (NCBI). Foram utilizados os seguintes descritores e suas combinações em português e inglês: “gengivoestomatite herpética”, “herpes simplex virus type 1”, “diagnóstico”, “tratamento”, “prevenção” e “odontologia”.
Os critérios de inclusão abrangeram artigos originais, revisões, relatos de caso, diretrizes clínicas e documentos técnicos publicados nos idiomas português e inglês, sem delimitação temporal, uma vez que a condição é amplamente descrita na literatura desde décadas anteriores. Foram excluídos estudos que não abordavam diretamente a GEH no contexto clínico-odontológico ou que apresentavam informações duplicadas em diferentes fontes.
A seleção inicial considerou os títulos e resumos dos estudos. Em seguida, foi realizada a leitura na íntegra dos textos elegíveis, com extração e análise crítica das informações relevantes. Os resultados foram organizados em três eixos temáticos: diagnóstico clínico e diferencial, estratégias terapêuticas e medidas preventivas no âmbito odontológico.
Por tratar-se de uma revisão da literatura, sem envolvimento direto de seres humanos, não houve necessidade de submissão do trabalho ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise da literatura evidenciou que a gengivoestomatite herpética (GEH) permanece como uma condição de grande relevância clínica, sobretudo em crianças, devido ao seu impacto sintomático, potencial de complicações e importância no contexto odontológico. Em primeiro lugar, destaca-se que a maioria dos estudos confirmam que a infecção primária pelo vírus herpes simples tipo 1 (HSV-1) apresenta caráter autolimitado, mas pode gerar intenso desconforto, com febre, dor, dificuldade de alimentação e, em casos mais graves, risco de desidratação (Silva; Oliveira, 2020; Freitas et al., 2022). Esses aspectos reforçam a importância da atuação multiprofissional, incluindo o cirurgião-dentista, na detecção precoce, manejo adequado dos sintomas e orientação aos familiares.
No que se refere ao tratamento, verificou-se que o aciclovir é a principal opção terapêutica antiviral estudada para a GEH. Amir et al. (1997), em um dos primeiros ensaios clínicos randomizados conduzidos com crianças, demonstraram que a administração oral precoce do medicamento reduziu significativamente a duração da febre, a dificuldade de alimentação e o tempo de cicatrização das lesões. Os autores observaram que o benefício foi mais evidente quando o antiviral foi iniciado nas primeiras 72 horas do início dos sintomas. Esse achado foi corroborado por Goldman (2016), que também destacou melhora significativa na evolução clínica e redução da dor em pacientes pediátricos submetidos à terapêutica com aciclovir em fase inicial da doença.
Entretanto, a eficácia do fármaco não é consenso em todos os estudos. Huang et al. (2020), em análise retrospectiva de casos hospitalares, observaram que a administração tardia de aciclovir não promoveu diferenças significativas quanto à duração da febre ou ao tempo de internação, sugerindo que o efeito positivo do antiviral está condicionado ao início precoce da terapia. Essa divergência foi discutida também por Rahimi et al. (2012), que, em revisão sistemática, identificaram evidências de eficácia moderada do aciclovir, mas destacaram limitações metodológicas e heterogeneidade entre os estudos, além da necessidade de investigações longitudinais para avaliar a estabilidade dos resultados.
Além do aciclovir, outras abordagens vêm sendo exploradas como alternativas ou complementos ao tratamento convencional. Ogan Awad et al. (2018) relataram que a associação de aciclovir com mel promoveu melhora mais rápida dos sintomas e da cicatrização em crianças, sugerindo efeito adjuvante do mel devido às suas propriedades antivirais e cicatrizantes. Essa proposta reforça o potencial de terapias combinadas, embora os dados ainda sejam limitados a estudos de pequeno porte. No mesmo sentido, Scheidt et al. (2023) ressaltam que antissépticos orais, como a povidona-iodo, apresentam atividade in vitro contra o HSV-1, podendo representar alternativas promissoras em protocolos de biossegurança odontológica, ainda que faltem ensaios clínicos robustos que confirmem sua eficácia em pacientes.
Diversos estudos e diretrizes clínicas descrevem esquemas terapêuticos com aciclovir para o manejo da gengivoestomatite herpética, porém ainda não existe consenso absoluto quanto à posologia ideal em diferentes faixas etárias e condições clínicas. A Tabela 1 apresenta as recomendações de dosagem padronizadas de acordo com idade, peso e estado imunológico do paciente, conforme evidências disponíveis na literatura.”
Tabela 1: Posologias do aciclovir para gengivoestomatite herpética segundo faixa etária, peso e condição clínica
Faixa etária / situação | Dose (base) | Via | Freq. | Duração típica | Critério / indicação (quando prescrever) | Fonte principal |
Recém-nascido / neonatos (< 1 mês) | Não há posologia oral padrão univers. se quadro complicado → aciclovir IV 10 mg/kg | IV | a cada 8 h (ou 3x/dia) | 7–14 dias conforme severidade | Complicado, risco de disseminação, incapacidade de hidratar, suspeita de SEM (skin/eye/mouth) ou encefalite. | NIH / Red Book. (ClinicalInfo) |
Bebês / crianças 1 mês – <1 ano | Em caso de necessidade e se indicado por pediatra: 10 mg/kg PO (algumas diretrizes usam 10–15 mg/kg) | VO (suspensão) | 5x/dia (ou conforme guia local) | 5–7 dias | Dor intensa, recusa alimentar, desidratação, imunossupressão, início ≤72–96 h. Evidência limitada; avaliar risco/benefício. | RCH / Einstein / Amir. (Hospital Infantil Real) |
Crianças 1–6 anos (e maioria das crianças) | 15 mg/kg por dose (suspensão) | VO (suspensão) | 5 vezes ao dia | 5–7 dias (Amir: 7 dias; outras fontes 5 dias) | Indicar se dentro de 72h do início e/ou dor intensa, recusa alimentar, desidratação, imunossupressão. Evidência clínica (RCT) mostrou < duração de sintomas. | AMIR et al., BMJ (1997). (PubMed) |
Crianças >6 anos / adolescentes | 10–15 mg/kg/dose PO (ou 200 mg por dose em adolescentes maiores) | VO | 4–5x/dia (muitos guias: 5x/dia para GEH) | 5 dias (varia 5–7 dias) | Como acima; avaliar tolerância e peso. | RCH; Hospital Albert Einstein; bulas. (Hospital Infantil Real) |
Adultos (imunocompetentes) | 200 mg por dose | VO (comprimido) | 5 vezes ao dia | 5 dias (algumas fontes 5–10 dias) | Casos sintomáticos com dor significativa ou para reduzir duração se iniciado precocemente; maior evidência em episódios iniciais/recorrentes. | Bula / monografias e revisão clínica. (Portal Novartis) |
Imunocomprometidos / formas graves (qualquer idade) | Aciclovir IV 5–10 mg/kg | IV | a cada 8 h (3x/dia) | 7–14 dias (ou até resolução clínica) | Indicação clara: imunossupressão, sinais de disseminação, incapacidade de hidratar, complicações (encefalite, pneumonite, etc.). | RCH; NIH/Red Book. (Hospital Infantil Real) |
Fonte: Autor, 2025
O ensaio clínico randomizado de Amir et al. (BMJ, 1997) evidenciou benefício clínico significativo do aciclovir oral (15 mg/kg, cinco vezes ao dia) quando iniciado nas primeiras 72 horas, embora tenha ressaltado a necessidade de estudos adicionais para definir dose e duração ideais.
Guias pediátricos, como os do Royal Children’s Hospital, e protocolos hospitalares nacionais (Einstein, Sírio-Libanês) adotam esquemas semelhantes (10–15 mg/kg por dose, administrados quatro a cinco vezes ao dia), com variações na escolha da dose (10 mg/kg versus 15 mg/kg) e na duração do tratamento (5 ou 7 dias). Em situações graves ou em pacientes imunossuprimidos, recomenda-se o uso de aciclovir intravenoso (5–10 mg/kg a cada 8 horas), com extensão do tratamento de acordo com a resposta clínica.”
Outro ponto central identificado na literatura é a importância do diagnóstico diferencial. Os sintomas da GEH podem ser confundidos com diversas condições orais, como estomatite aftosa recorrente, doença mão-pé-boca, candidíase pseudomembranosa e lesões traumáticas. Huang et al. (2020) observaram que cerca de 20% das crianças avaliadas permaneceram febris por mais de sete dias, fator que pode levar à suspeita de infecções bacterianas e, consequentemente, à prescrição desnecessária de antibióticos. Essa prática, além de não trazer benefícios para a evolução clínica, aumenta os riscos relacionados à resistência antimicrobiana e ao desenvolvimento de efeitos adversos. Nesse contexto, o papel do cirurgião-dentista é fundamental, uma vez que a anamnese detalhada e o exame clínico criterioso permitem a diferenciação entre a GEH e outras patologias orais de apresentação semelhante (Carrara et al., 2019).
No âmbito da odontologia, a literatura é clara quanto à necessidade de suspender procedimentos eletivos durante a fase ativa da doença, evitando-se o risco de disseminação viral entre pacientes e profissionais de saúde. Porter et al. (2008) e Goldman (2016) enfatizam que, além da abordagem medicamentosa, devem ser priorizadas medidas de biossegurança, incluindo o uso de equipamentos de proteção individual, higienização rigorosa das mãos, desinfecção de superfícies e esterilização adequada de instrumentais odontológicos. Essas estratégias são especialmente relevantes em ambientes de ensino e serviços de saúde coletiva, nos quais o risco de transmissão do HSV-1 é potencializado pelo compartilhamento de espaços e objetos (Reis et al., 2021).
Outro aspecto relevante discutido na literatura diz respeito ao caráter recorrente da infecção pelo HSV-1. Após o episódio primário de GEH, o vírus permanece em estado de latência nos gânglios nervosos, podendo ser reativado por fatores como estresse, exposição solar, febre ou imunossupressão, resultando em manifestações como o herpes labial (Whitley; Roizman, 2001). Essa característica viral amplia a importância do acompanhamento odontológico não apenas no manejo da infecção primária, mas também na orientação preventiva a respeito dos episódios recorrentes.
Por fim, cabe destacar que a maioria dos estudos revisados reforça que a prevenção da transmissão do HSV-1 constitui pilar essencial no manejo da GEH, principalmente em ambientes coletivos como escolas e creches. Orientações quanto à higiene adequada das mãos, ao não compartilhamento de utensílios e à identificação precoce dos sintomas são medidas fundamentais (Reis et al., 2021). Além disso, o cirurgião-dentista desempenha papel educativo junto aos familiares e cuidadores, devendo esclarecer sobre a evolução natural da doença, a importância da hidratação e os sinais de alerta que exigem encaminhamento médico, como desidratação grave, recusa alimentar persistente e comprometimento do estado geral (Silva; Oliveira, 2020).
De modo, o manejo da gengivoestomatite herpética deve contemplar uma abordagem multidimensional, que inclui diagnóstico clínico preciso, terapêutica baseada em evidências, medidas de suporte e estratégias de prevenção. Embora o aciclovir se configure como o principal recurso antiviral disponível, sua eficácia depende diretamente da administração precoce, e ainda há lacunas científicas quanto a terapias adjuvantes e protocolos de longo prazo. Dessa forma, torna-se necessária a realização de ensaios clínicos randomizados e estudos longitudinais que possibilitem estabelecer recomendações mais consistentes para a prática odontológica baseada em evidências.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gengivoestomatite herpética representa um desafio clínico frequente na prática odontológica, especialmente em crianças, devido ao intenso desconforto e ao risco de complicações. O diagnóstico é predominantemente clínico e exige atenção para evitar confusões com outras condições orais. O tratamento baseia-se em medidas de suporte, como controle da dor, manutenção da hidratação e higiene adequada. O uso de antivirais pode ser benéfico quando iniciado precocemente, mas sua indicação deve ser criteriosa. No ambiente odontológico, além do manejo clínico, é essencial orientar pacientes e familiares quanto às formas de prevenção e adotar medidas de biossegurança para evitar a disseminação do vírus. Apesar dos avanços, ainda existem lacunas de conhecimento quanto à eficácia de terapias complementares e à estabilidade dos resultados em longo prazo. Assim, o atendimento deve ser pautado no cuidado integral, na individualização das condutas e na atualização constante do profissional frente às novas evidências.
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1Acadêmica de odontologia do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas – UDC.
2Cirurgião-dentista, mestre e docente no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas -UDC