REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410071907
Leonardo Sampaio Baleeiro Santana[1]
Neila Barbosa Osório[2]
Luiz Sinésio Silva Neto[3]
Djanires Lageano Neto de Jesus[4]
Edite Smikidi da Mata de Brito[5]
Gabriela Fernanda do Carmo[6]
Luciano Paulo de Almeida Souza[7]
Samuel Marques Borges[8]
Simone de Jesus Silva[9]
Juscimar Arruda Silva[10]
Geandro Richard da Silva Gomes Batista[11]
Karoline de Souza Fonseca[12]
João Antônio da Silva Neto[13]
Andreia Firmino de Sousa Brito[14]
Railane Nonata dos Santos[15]
RESUMO
Este artigo investiga o protagonismo das mulheres Akwē-Xerente na gestão comunitária e na preservação da língua materna, evidenciando a relevância de sua atuação como guardiãs da cultura e agentes de resistência. A partir de uma abordagem qualitativa e exploratória, baseada em análise documental e revisão bibliográfica, o estudo busca compreender como essas lideranças femininas se articulam para enfrentar desafios sociais e culturais, assegurando a continuidade dos saberes ancestrais em um contexto de intensas transformações. O problema central examina de que forma as mulheres Akwē-Xerente constroem e exercem sua liderança em meio a intersecções de gênero, raça e etnia, contribuindo para a manutenção da identidade e da língua coletiva. Os resultados indicam que essas mulheres não apenas preservam a língua materna, mas também inovam na criação de espaços de diálogo e aprendizagem, fortalecendo a coesão comunitária e a valorização cultural. A conclusão destaca a importância dessas lideranças na construção de novas formas de resistência e de afirmação identitária, reafirmando o papel essencial das mulheres na perpetuação cultural dos Akwē-Xerente.
Palavras-chave: Protagonismo, Cultura, Liderança.
ABSTRACT
This article investigates the leading role of Akwē-Xerente women in community management and the preservation of the mother tongue, highlighting the relevance of their role as guardians of culture and agents of resistance. Using a qualitative and exploratory approach, based on documentary analysis and bibliographical review, the study seeks to understand how these female leaders work together to face social and cultural challenges, ensuring the continuity of ancestral knowledge in a context of intense transformations. The central problem examines how Akwē-Xerente women construct and exercise their leadership amid intersections of gender, race and ethnicity, contributing to the maintenance of collective identity and language. The results indicate that these women not only preserve their mother tongue, but also innovate in creating spaces for dialogue and learning, strengthening community cohesion and cultural appreciation. The conclusion highlights the importance of these leaders in building new forms of resistance and identity affirmation, reaffirming the essential role of women in the cultural perpetuation of the Akwē-Xerente.
Keywords: Protagonism, Culture, Leadership.
1. INTRODUÇÃO
se alguém ‘é’ uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é; […] porque o gênero nem sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece intersecções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas. Resulta que se tornou impossível separar a noção de ‘gênero’ das intersecções políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida (Butler, 2003, p. 20).
A compreensão do papel das mulheres como guardiãs da cultura e da língua ancestral nas comunidades indígenas, como os Akwē-Xerente, demanda uma análise profunda das intersecções entre gênero, identidade e poder. Como aponta Butler (2003, p. 20), “se alguém ‘é’ uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é”, pois o gênero não se constitui de maneira uniforme em contextos históricos distintos. Essa perspectiva é essencial para entender como as mulheres Akwē-Xerente articulam suas práticas de liderança e preservação cultural em meio a múltiplas camadas de opressão e resistência, que englobam não apenas questões de gênero, mas também de raça, classe e etnia. Diante dessa complexidade, o presente artigo busca explorar de que maneira essas mulheres se tornam protagonistas na gestão comunitária e na manutenção da língua materna, desafiando as normas sociais e culturais que tradicionalmente delimitam suas posições.
O objetivo do artigo é investigar o protagonismo feminino na comunidade Akwē-Xerente, especialmente no que tange à preservação da língua e dos saberes ancestrais, destacando as estratégias que essas mulheres utilizam para assegurar a continuidade cultural em um contexto de intensas transformações sociais. Para isso, serão analisados os processos pelos quais as lideranças femininas consolidam sua autoridade e influência, tanto dentro quanto fora das aldeias, e como essas práticas se relacionam com a manutenção da identidade coletiva e da língua materna.
A metodologia utilizada para este estudo é de caráter qualitativo e exploratório, com base em análise documental e revisão bibliográfica. O problema central que orienta a pesquisa é compreender como as mulheres Akwē-Xerente constroem e exercem suas lideranças em um contexto de múltiplas intersecções de opressão, e como essas práticas contribuem para a preservação da língua e da cultura ancestral. A pesquisa pretende, portanto, revelar as complexidades e os desafios enfrentados por essas mulheres ao se posicionarem como agentes de transformação e resistência cultural.
1.1. PROPOSIÇÃO
A proposição deste artigo é demonstrar que o protagonismo das mulheres Akwē-Xerente na gestão comunitária e na preservação da língua materna não apenas reflete uma liderança cultural significativa, mas também desafia as tradicionais concepções de gênero e poder em contextos indígenas.
Conforme Butler (2003) aponta, o gênero é constituído por intersecções que envolvem identidades complexas, sendo fundamental compreender como essas mulheres, a partir de suas especificidades culturais, se articulam para preservar e revitalizar a língua e a cultura de seu povo.
Cruz (2005) destaca que a atuação feminina na esfera pública, especialmente em contextos de preservação cultural, é um elemento-chave para a construção de novas formas de cidadania e resistência. Assim, este estudo busca evidenciar como essas lideranças femininas emergem e se consolidam, exercendo um papel crucial na sustentação e perpetuação da identidade coletiva dos Akwē-Xerente.
2. A Liderança Feminina na Preservação da Língua Akwē-Xerente: Desafios e Conquistas
As mulheres desempenham um papel relevante na transmissão de conhecimentos e tradições linguísticas, assegurando que as novas gerações possam se comunicar e se identificar com sua própria cultura. Essa responsabilidade recai sobre elas não apenas como guardiãs da língua, mas também como educadoras e líderes que mantêm vivo o patrimônio cultural de seu povo (Oliveira Reis, 2001).
O papel das mulheres Akwē-Xerente na preservação da língua materna envolve uma dinâmica complexa de resistência cultural, na qual elas equilibram suas funções públicas e privadas.
Podemos encontrar nesses arranjos uma forma de operação da oposição, público x privado, cerimonial x doméstico. O mundo masculino encarregasse de apresentar o todo, completo e unificado. O mundo feminino, onde são determinantes as relações privadas, domésticas, encarrega-se de dar uma contribuição parcelar dessa mesma unidade. (FARIAS, 1990, p.101).
Ao se posicionarem como líderes na preservação linguística, as mulheres Akwē-Xerente enfrentam desafios que vão além da simples transmissão de palavras. Elas lidam com a influência crescente da língua portuguesa e a pressão para assimilar práticas culturais dominantes, o que muitas vezes resulta em uma diminuição do uso do idioma nativo no cotidiano das aldeias. Nesse contexto, a liderança feminina se torna uma forma de resistência cultural, atuando contra a erosão de sua identidade linguística (Melo, 2010).
A importância da preservação da língua materna se reflete na luta das mulheres Akwē-Xerente por um espaço onde possam exercer essa liderança de forma efetiva. A resistência cultural e linguística que elas representam é também um ato político, desafiando as estruturas de poder que historicamente tentaram silenciar suas vozes. Esse movimento revela a força das mulheres como protagonistas na manutenção e valorização de sua cultura, ao mesmo tempo em que enfrentam as tensões geradas pela modernidade e pela integração com a sociedade nacional (Sifuentes, 2007).
A liderança feminina no contexto Akwē-Xerente também se configura como uma construção identitária que desafia as normas de gênero impostas tanto pela sociedade indígena quanto pela sociedade envolvente. A atuação dessas mulheres na preservação da língua materna demonstra a complexidade e a força de suas identidades, que não se restringem a papéis tradicionais, mas se expandem para abarcar novas formas de ser e de agir no mundo. Esse processo de redefinição do papel feminino é essencial para a resistência cultural e para a preservação das tradições linguísticas (Butler, 2003).
A transmissão da língua Akwē-Xerente pelas mães não é apenas uma prática linguística, mas também uma forma de manter viva a memória e a história do povo. A cada palavra ensinada, elas reconstroem narrativas ancestrais, fortalecendo o vínculo das crianças com suas raízes. Esse papel de guardiãs da língua e da cultura coloca as mulheres, em especiais as mães em uma posição central na estrutura social da comunidade, reafirmando a importância de seu protagonismo na dinâmica cultural (Fagundes, 2003).
Além de preservarem a língua, as mulheres Akwē-Xerente utilizam-na como ferramenta de resistência contra as políticas de assimilação cultural que visam integrar os povos indígenas à sociedade majoritária. Elas se tornam líderes não apenas em suas comunidades, mas também em espaços de debate e reivindicação por direitos, promovendo a valorização e o reconhecimento de sua língua como patrimônio cultural a ser protegido e promovido (Castells, 1999).
No processo de preservação da língua, as mulheres Akwē-Xerente enfrentam o desafio de conciliar as tradições com as exigências da modernidade. A inserção de seus filhos no sistema educacional formal, onde o português predomina, coloca em risco a continuidade do uso da língua materna. No entanto, essas líderes encontram maneiras de incorporar a educação formal sem abandonar suas práticas culturais, buscando um equilíbrio que permita a coexistência dos dois mundos (Cruz, 2005).
A liderança feminina na preservação linguística também reflete a importância da maternidade como espaço de transmissão cultural. As mulheres, ao ensinarem a língua Akwē-Xerente a seus filhos, estão assegurando que esses jovens cresçam com um senso de identidade e pertencimento à sua comunidade. Esse papel de educadoras dentro do lar é uma das formas mais eficazes de resistência cultural, pois garante que a língua e os valores do povo sejam perpetuados no cotidiano (Del Priori, 1993).
Muitas vezes, a sociedade as vê apenas como coadjuvantes nas decisões comunitárias, subestimando a importância de sua atuação na preservação cultural. No entanto, ao assumirem a responsabilidade pela transmissão da língua, essas mulheres desafiam as noções tradicionais de poder e autoridade, mostrando que a preservação da cultura depende de seu protagonismo (Cruz, 2008).
A resistência das mulheres Akwē-Xerente à perda da língua materna também se manifesta na criação de novos espaços de aprendizado e troca de conhecimento dentro da comunidade. A organização de encontros e oficinas para ensinar a língua às novas gerações é uma estratégia que reforça a importância de manter viva a comunicação na língua nativa, ao mesmo tempo em que fortalece os laços comunitários e a identidade coletiva (Farias, 1990).
A preservação da língua Akwē-Xerente pelas mulheres vai além do uso cotidiano do idioma; ela envolve a criação de contextos nos quais a língua possa ser vivenciada em toda a sua plenitude. Isso inclui o uso da língua em rituais, celebrações e em momentos de tomada de decisão comunitária, demonstrando que o idioma é parte integrante de todos os aspectos da vida social e cultural da comunidade (Cuche, 2002).
A liderança feminina também se destaca na articulação de políticas de valorização da língua Akwē-Xerente, tanto dentro quanto fora das comunidades. As mulheres atuam como mediadoras entre a comunidade e as instituições externas, lutando por programas e projetos que garantam o ensino e a preservação do idioma. Essa atuação demonstra a capacidade de adaptação e inovação dessas líderes, que buscam formas de manter a língua viva mesmo diante de adversidades (Melo, 2010).
O reconhecimento da importância das mulheres na preservação da língua Akwē-Xerente também é fundamental para a construção de uma narrativa mais inclusiva e justa sobre o papel feminino nas comunidades indígenas. Elas não apenas mantêm o idioma, mas também contribuem para a redefinição dos valores e das práticas culturais, inserindo novas perspectivas e fortalecendo a identidade coletiva do povo Akwē-Xerente (Castells, 1999).
Em sua atuação, as mulheres Akwē-Xerente desenvolvem estratégias para integrar a preservação da língua às práticas educacionais formais, garantindo que as crianças possam aprender o idioma nativo juntamente com o português. Esse esforço é essencial para evitar que a língua Akwē-Xerente seja relegada ao esquecimento, ao mesmo tempo em que promove um ambiente educacional mais inclusivo e respeitoso com a diversidade cultural (Sifuentes, 2007).
A liderança feminina na preservação da língua também se reflete na criação de materiais didáticos e na adaptação de conteúdos pedagógicos para o contexto cultural Akwē-Xerente. As mulheres, ao desenvolverem esses recursos, não apenas asseguram o aprendizado da língua, mas também promovem o reconhecimento e a valorização da identidade cultural dentro e fora das escolas (Fagundes, 2003).
O papel das mulheres na preservação da língua Akwē-Xerente é um exemplo de como as práticas culturais e linguísticas estão intrinsecamente ligadas às questões de poder e identidade. Ao reivindicarem esse espaço de liderança, elas desafiam as estruturas sociais que tradicionalmente as excluíram dos processos de tomada de decisão, mostrando que a preservação da língua é também uma forma de resistência política (Butler, 2003).
A preservação da língua Akwē-Xerente pelas mulheres é uma prática que exige coragem e resiliência, especialmente diante das pressões externas e internas para a assimilação cultural. Ao se posicionarem como líderes nesse processo, elas reafirmam seu compromisso com a continuidade de sua cultura, demonstrando que a preservação linguística é uma responsabilidade coletiva que depende do engajamento de toda a comunidade (Cruz, 2005).
2.1. O Protagonismo das Mulheres na Gestão Comunitária e Manutenção da Língua Materna Akwē-Xerente
O protagonismo das mulheres Akwē-Xerente na gestão comunitária e na manutenção da língua materna é um exemplo significativo de resistência cultural e inovação social. Elas desempenham um papel vital na organização das atividades comunitárias, nas tomadas de decisão e na transmissão de conhecimentos ancestrais, especialmente no que diz respeito à preservação da língua. Esse protagonismo vai além de uma simples responsabilidade doméstica ou educacional; trata-se de uma liderança que influencia diretamente a estrutura social e cultural da comunidade (Oliveira Reis, 2001).
Dentro das comunidades Akwē-Xerente, as mulheres se destacam como guardiãs da língua materna, utilizando o idioma em diversas esferas do cotidiano, desde a comunicação familiar até os rituais tradicionais. Elas assumem a responsabilidade de ensinar o idioma às novas gerações, assegurando que a língua se mantenha viva e relevante. Esse processo de ensino não se restringe às crianças, mas também se estende a adultos que, por diferentes motivos, não tiveram a oportunidade de aprender ou praticar o idioma na infância. Dessa forma, as mulheres promovem a revitalização linguística em toda a comunidade, criando um ambiente de aprendizado contínuo e intergeracional (Sifuentes, 2007).
Além de serem educadoras no sentido tradicional, as mulheres Akwē-Xerente também ocupam posições de liderança na gestão comunitária. Elas estão presentes em conselhos e comitês, onde suas vozes são essenciais para a implementação de políticas e práticas que assegurem a preservação da cultura e da língua. Ao fazer isso, essas líderes desafiam a visão estereotipada de que as mulheres indígenas estão confinadas a papéis subalternos, mostrando que suas contribuições são fundamentais para o bem-estar e a sustentabilidade de suas comunidades (Melo, 2010). Elas atuam como intermediárias, levando as demandas e necessidades de suas comunidades para esses espaços e negociando projetos e recursos que possam beneficiar o grupo como um todo. Essa atuação é crucial para garantir que as políticas públicas e os programas voltados para os povos indígenas respeitem as especificidades culturais e linguísticas dos Akwē-Xerente (Cruz, 2005).
A manutenção da língua materna está intrinsicamente ligada ao reconhecimento e à valorização da identidade cultural do povo Akwē-Xerente. As mulheres, ao promoverem a preservação do idioma, estão também reforçando a importância de práticas culturais que são transmitidas através dele, como cantos, narrativas e rituais. Esse processo de preservação cultural, mediado pela língua, fortalece o sentimento de pertencimento e continuidade histórica, aspectos fundamentais para a coesão e a resiliência comunitária (Castells, 1999).
O protagonismo feminino se manifesta, ainda, na adaptação de práticas educacionais formais ao contexto cultural Akwē-Xerente. As mulheres atuam na criação de materiais didáticos bilíngues e na formação de professores que compreendam a importância de ensinar o português sem negligenciar a língua materna. Esse trabalho é essencial para garantir que as crianças Akwē-Xerente possam navegar entre os dois mundos linguísticos e culturais sem perder sua identidade. Elas buscam, assim, uma educação que respeite e valorize suas raízes, promovendo uma integração harmoniosa entre os conhecimentos tradicionais e os conteúdos acadêmicos (Cruz, 2008).
A liderança das mulheres Akwē-Xerente na gestão comunitária e na preservação da língua também se destaca pela criação de espaços de diálogo e troca de experiências dentro e fora das comunidades. Elas organizam encontros, seminários e oficinas voltados para a capacitação de outras mulheres e para a conscientização sobre a importância da preservação cultural. Essas iniciativas fortalecem a rede de apoio mútuo entre as mulheres, criando um senso de coletividade e empoderamento que se reflete em toda a comunidade (Fagundes, 2003).
Ao mesmo tempo, as mulheres enfrentam desafios significativos em sua atuação. O preconceito e a discriminação, tanto dentro das próprias comunidades quanto fora delas, muitas vezes limitam seu acesso a posições de poder e a recursos necessários para a implementação de suas iniciativas. No entanto, elas persistem, utilizando sua criatividade e resiliência para superar esses obstáculos e garantir que suas vozes sejam ouvidas e respeitadas (Del Priori, 1993).
O uso da língua materna como ferramenta de resistência é uma estratégia que as mulheres Akwē-Xerente empregam para combater a invisibilização de suas culturas. Em um contexto em que a língua portuguesa predomina e a globalização impõe novos padrões culturais, a preservação do idioma nativo se torna um ato político e identitário. As mulheres lideram essa resistência, utilizando o idioma em contextos formais e informais, reforçando seu valor como patrimônio imaterial e símbolo de luta e sobrevivência (Butler, 2003).
A atuação das mulheres na manutenção da língua e na gestão comunitária é também uma forma de assegurar que as gerações futuras possam ter uma relação positiva com sua identidade cultural. Ao transmitir o idioma e suas nuances culturais, as mulheres estão preparando os jovens para enfrentar os desafios de um mundo em constante transformação, sem que isso signifique abrir mão de suas raízes. Essa preparação é essencial para que os jovens Akwē-Xerente possam se posicionar com segurança e orgulho em diferentes esferas sociais, como a educação, o mercado de trabalho e a política (Farias, 1990).
Para tanto, o protagonismo das mulheres Akwē-Xerente na gestão comunitária e na preservação da língua materna é um processo dinâmico e multifacetado, que envolve ensino, liderança, resistência e inovação. Elas atuam como pilares fundamentais na construção e manutenção da identidade cultural de suas comunidades, enfrentando desafios e conquistando espaços em um cenário que historicamente as marginalizou. Ao fazer isso, essas mulheres não apenas garantem a sobrevivência de sua língua e cultura, mas também redefinem o papel da mulher indígena na sociedade contemporânea (Cuche, 2002).
O protagonismo feminino na gestão comunitária também se manifesta em sua capacidade de mobilização para a criação de políticas locais que assegurem a preservação da língua materna. As mulheres estão na linha de frente dessas ações, incentivando a implementação de programas educacionais e culturais que valorizem a diversidade linguística e promovam o ensino do idioma Akwē-Xerente desde a primeira infância (Cruz, 2005).
Ademais, as mulheres Akwē-Xerente contribuem significativamente para a construção de uma identidade coletiva que resista à homogeneização cultural. Por meio de suas práticas e discursos, elas articulam formas de resistência que valorizam não apenas a língua, mas também os saberes tradicionais que ela carrega. Essa resistência cultural é uma forma de reafirmar a presença e a relevância do povo Akwē-Xerente em um contexto de constante transformação social (Castells, 1999).
A criação de espaços de aprendizagem informal dentro das comunidades é outra estratégia utilizada pelas mulheres para manter a língua materna viva. Elas organizam encontros e atividades voltadas para a prática do idioma em contextos cotidianos, fortalecendo o uso da língua em momentos de convivência e troca cultural. Essa abordagem complementa o ensino formal e cria uma atmosfera propícia para a vivência plena do idioma (Melo, 2010).
2.2. Guardiãs da Cultura e da Língua Ancestral
Em um contexto marcado pela pressão homogeneizante do contato com a sociedade envolvente, elas se erguem como defensoras de um patrimônio imaterial que, sem sua intervenção, poderia desaparecer. A manutenção da língua materna, carregada de significados e memórias, torna-se uma estratégia para preservar a identidade coletiva, reafirmando a importância das tradições em um mundo que frequentemente as desvaloriza (Oliveira Reis, 2001). Nesse papel de guardiãs, as mulheres exercem uma liderança que não se restringe a espaços privados ou domésticos, mas que se expande para a esfera pública e comunitária. Elas promovem a língua não apenas em contextos cotidianos, mas também em práticas formais, como na educação e em eventos culturais. Essa atuação demonstra uma compreensão profunda de que a preservação da língua está intrinsicamente ligada à resistência contra a desintegração cultural promovida por políticas históricas de assimilação e marginalização dos povos indígenas (Castells, 1999).
Ao assumir a responsabilidade pela continuidade da língua e dos rituais tradicionais, essas mulheres não apenas reproduzem conhecimentos, mas também inovam, adaptando as práticas culturais às novas realidades enfrentadas pela comunidade. Elas criam espaços de diálogo e aprendizagem onde a língua ancestral pode ser vivida de forma plena, integrando aspectos modernos e tradicionais. Essa habilidade de articular passado e presente, muitas vezes com recursos limitados e em condições adversas, revela uma inteligência estratégica que desafia estereótipos de fragilidade e passividade feminina (Cruz, 2008).
A resistência cultural que essas mulheres encarnam também desafia as noções ocidentais de poder e autoridade, que costumam marginalizar vozes indígenas e femininas. Elas se posicionam como interlocutoras principais na defesa de seus direitos culturais, atuando em fóruns nacionais e internacionais e reivindicando políticas públicas que reconheçam e respeitem suas práticas linguísticas e culturais. Ao fazer isso, demonstram que a luta pela preservação da língua é, ao mesmo tempo, uma luta por reconhecimento e justiça social (Butler, 2003).
A manutenção da língua materna se torna uma linha de frente de um campo de batalha simbólico, onde cada palavra transmitida representa um ato de resistência contra a erradicação cultural. O cenário de desigualdade socioeconômica e o preconceito, muitas vezes internalizado dentro da própria comunidade, tornam esse papel ainda mais desafiador (Fagundes, 2003). Para além de serem apenas reprodutoras de uma herança cultural, as mulheres Akwē-Xerente operam como agentes transformadoras que redefinem o que significa ser indígena em um mundo globalizado. Elas questionam e reconstroem identidades, articulando as tradições às demandas contemporâneas. Esse processo, longe de ser uma mera conservação do passado, envolve uma reinvenção constante que permite que a língua e a cultura evoluam sem perder a conexão com suas raízes (Cuche, 2002).
A crítica à invisibilidade do papel feminino na história dos povos indígenas é urgente e necessária, e as mulheres Akwē-Xerente exemplificam como a ação feminina sempre esteve presente, embora muitas vezes silenciada. Elas desafiam a historiografia tradicional que frequentemente privilegia os homens como protagonistas dos processos culturais e sociais, mostrando que a preservação cultural é, em grande parte, fruto do trabalho invisível e cotidiano realizado por mulheres em suas comunidades (Melo, 2010).
Além disso, a atuação dessas guardiãs não se limita à transmissão passiva de conhecimentos. Elas exercem uma pedagogia ativa que questiona e subverte estruturas de poder, criando novas formas de ensinar e aprender que priorizam a coletividade e a reciprocidade. Ao recusarem modelos educacionais que hierarquizam o conhecimento e marginalizam as culturas indígenas, as mulheres Akwē-Xerente estabelecem um paradigma educativo que valoriza o saber tradicional e a experiência vivida (Farias, 1990).
O protagonismo dessas mulheres na preservação da língua e da cultura ancestral é, portanto, uma afirmação contundente de que a identidade indígena é um campo de disputa constante, onde a língua se torna um instrumento de luta. Elas não apenas preservam, mas também expandem e renovam as possibilidades de expressão e comunicação da cultura Akwē-Xerente, contribuindo para a construção de uma memória coletiva que resiste ao esquecimento e à opressão. Cada ato de fala, cada palavra ensinada, é um testemunho da resistência e da força dessas guardiãs (Sifuentes, 2007).
3. CONCLUSÃO
O protagonismo das mulheres Akwē-Xerente como guardiãs da língua e da cultura ancestral não é apenas um reflexo de sua resiliência, mas também uma demonstração da força transformadora que possuem dentro de suas comunidades. Elas enfrentam desafios internos e externos para assegurar que suas tradições permaneçam vivas, navegando entre os conflitos e tensões que surgem na interseção entre a modernidade e a preservação de suas raízes. Ao fazer isso, elas se posicionam como agentes fundamentais na construção e manutenção de uma identidade coletiva que se fortalece frente às adversidades.
A atuação dessas mulheres transcende a simples perpetuação de práticas culturais, envolvendo uma capacidade de liderança e inovação que desafia as narrativas hegemônicas sobre os papéis femininos. Elas criam novos espaços de resistência e diálogo, articulando o saber tradicional com as exigências contemporâneas. Esse movimento não só preserva a memória e a identidade do povo Akwē-Xerente, mas também possibilita uma reinterpretação contínua de sua cultura, adaptando-a sem perder de vista seus valores e significados profundos.
Ao se posicionarem como defensoras ativas de sua língua e cultura, as mulheres Akwē-Xerente não apenas garantem a continuidade de suas tradições, mas também estabelecem novas formas de ser e existir no mundo. Seu papel como guardiãs é, assim, um exemplo poderoso de como a preservação cultural pode ser um ato de resistência e renovação, onde o passado e o presente se encontram para moldar um futuro em que a diversidade e a riqueza de suas práticas continuem a florescer.
REFERÊNCIAS
Butler, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. / tradução, Renato Aguiar – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Hucitec, 1999.
CRUZ, Maria Helena Santana. Trabalho, gênero, cidadania: tradição e modernização. Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2005, p. 390.
CRUZ, Maria Helena Santana (Org). Múltiplos Enfoques e Espaços Plurais da Pesquisa no Campo da Educação. São Cristóvão: Editora UFS, 2008.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 2002. p 240.
DEL PRIORI, M. Ao sul do corpo: Condição feminina, maternidade e mentalidades no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: José Olímpio. 1993.
OLIVEIRA REIS, Francisco Carlos de. Aspectos do contato e Formas Socioculturais da Sociedade Akwē-Xerente. 120 f. Dissertação (mestrado) – Departamento de Antropologia do Instituto de Ciências Socais, Universidade de Brasília, 2001.
FAGUNDES, T. C. P. (Org) Identidade feminina: uma construção histórico- cultural. In: Ensaios sobre identidade e Gênero. Salvador: Editora Helvécia, 2003 p. 63- 89.
FARIAS, Agenor T. P. Fluxos Sociais Xerente: organização social e dinâmica das relações entre as aldeias. Dissertação de Mestrado apresentada à FFLCH/USP. 1990.
MELO Valéria M. C. de. Diversidade, Meio Ambiente e Educação: uma reflexão a partir da sociedade Xerente. 2010. 114 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente) – Universidade Federal do Tocantins, Palmas, 2010.
SIFUENTES, Thirza Reis. Mulheres Indígenas Akwē-Xerentes: Narrativas Culturais e construção dialógica da identidade. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia/UNB. 2007.
[1] Mestre em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: leonardosbsantana@gmail.com
[2] Pós-Doutora em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: neilaosorio@uft.edu.br
[3] Pós-Doutor em Ciências da Saúde. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: luizneto@uft.edu.br
[4] Pós-Doutor em Educação. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. E-mail: netoms@uems.br
[5] Mestre em Educação Escolar Indígena. Universidade Federal de Goiás. E-mail:editesmikidi@gmail.com
[6] Mestre em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: gabrielacarmo@seduc.to.gov.br
[7] Mestrando em Educação. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. E-mail: lucianocoordenador26@gmail.com
[8] Mestrando em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: samuelbiologo11@gmail.com
[9] Mestranda em Formação de Professores. FUNIBER-UNNI. E-mail: simonejsilva23@gmail.com
[10] Especialista em Docência na Educação Profissional e Tecnológica. Universidade Federal do Tocantins. e-mail: juscimarads@gmail.com
[11] Especialista em Docência na Educação Profissional e Tecnológica. Universidade Federal do Tocantins. e-mail: geandro.richard@mail.uft.edu.br
[12] Especialista em Coordenação Pedagógica. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: coelhokaroline617@gmail.com
[13] Bacharel em Psicologia. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: joaonetosat@gmail.com
[14] Graduada em Letras. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: andreiafirminof@gmail.com
[15] Graduada em Educação Física. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: ranesantos.com@gmail.com