GARANTISMO PENAL: O CAMINHO PARA A DEFESA DOS GRUPOS MINORITÁRIOS

THE PENAL GARANTISM: A PATH TO THE DEFENSE OF MINORITY GROUPS

EL GARANTISMO PENAL: EL CAMINO PARA LA DEFENSA DE LOS GRUPOS MINORITARIOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202501132311


Denis Alves Pinho1


Resumo:

A teoria garantista penal, porquanto determina uma limitação ao decisionismo e substancialismo na sociedade, permitindo a aplicação de uma lei penal, em acordo com o disposto em sede da Constituição, sobre os direitos fundamentais, é de suma importância para a proteção dos cidadãos. Nesse ínterim, o artigo propõe, por intermédio do uso de artigos, livros e dados recentes sobre o tema, a delimitar o garantismo penal, em seu papel de proteção, “seria o garantismo penal um caminho para a defesa das minorias sociais na sociedade?”. Isso, pois ao considerar a maior presença de pessoas de classes minoritárias em sujeição ao sistema penitenciário e aos seus possíveis abusos, o garantismo, uma vez que é uma política de proteção aos cidadãos, desempenha um papel especial aos grupos mais vulneráveis. Nesse contexto, passa-se a análise com o presente estudo das possíveis interpretações advindas da aplicabilidade do garantismo penal na sociedade, sua eficácia na garantia da justiça e relação com a proteção das minorias sociais.

Palavras-chave: Garantismo penal. Minorias sociais. Perfil carcerário.

Abstract:

The penal guarantor theory, as it imposes a limitation on decisionism and substantialism in society, allows for the application of criminal law in accordance with constitutional provisions regarding fundamental rights. This makes it crucial for the protection of citizens. In this context, the article proposes, through the use of articles, books, and recent data on the subject, to delineate penal guarantorism in its protective role by posing the question: “Could penal guarantorism be a path to defending social minorities in society?” This question arises from the significant presence of individuals from minority classes subjected to the penitentiary system and its potential abuses. Since guarantorism operates as a policy for the protection of citizens, it assumes a particularly significant role for the most vulnerable groups. Within this framework, the present study analyzes possible interpretations of the applicability of penal guarantorism in society, its effectiveness in ensuring justice, and its relationship with the protection of social minorities. 

Keywords: Penal garantism. Social minorities. Incarceration profile.

Metodologia De Pesquisa: 

O artigo foi desenvolvido, por intermédio da revisão de leitura de artigos científicos, livros, reportagens e relatórios levantados pelo governo, a exemplo do GRIPEN 2023 e 2024, todos filtrados com uma delimitação temporal de até 20 anos. Além disso, ressalta-se que os artigos e demais leituras utilizadas para a análise temática possuíam uma abordagem ampla dos temas debatidos, com base no filtro de pesquisa: garantismo penal, análise de perfil carcerário e garantismo como proteção. Com intuito de evitar, risco de viés foram utilizadas produções originais.

Discussão:

A partir da compreensão do garantismo penal, como princípio de defesa contra o uso desmedido da tutela penal, se baseando em princípios como o contraditório, o devido processo legal e a presunção de inocência (MARTINS RIEGER, M. R. O., 2024), é possível enxergar as suas implicações na sociedade.

Nesse contexto, ao se considerar as tendências sociais demonstradas por diferentes autores, ao longo de inúmeras obras, fica perceptível a presença marcante de grupos vulneráveis no perfil carcerário, de modo que resta em questão a sua maior suscetibilidade ao sistema carcerário e seus possíveis excessos.

É nessa perspectiva que pesquisadores da área, chegam à conclusão da existência de uma seletividade penal, de modo que fatores como etnia, classe social e escolaridade são os principais considerados para configurar o perfil majoritariamente encarcerado. Portanto, concluindo que o sistema penal atinge não necessariamente todos os criminosos, mas principalmente aqueles com perfis sociais mais estigmatizados (DA SILVA, A. A. G., 2023).

Desse modo, após analisado o perfil carcerário e demonstrado, com o auxílio dos dados coletados e divulgados pelo governo, a maior presença de minorias sociais no sistema carcerário brasileiro fica evidente, mesmo antes do seu devido julgamento, conforme os relatórios apresentados pelo RELIPEN 2023 e 2024. Questiona-se, por fim, se o garantismo, para além de um mecanismo de defesa contra os excessos dos estados, é em destaque um mecanismo de defesa das minorias sociais.

Assim, diante dessas perspectivas, o artigo se propõe a responder à pergunta sobre a relação do garantismo penal com a proteção do direito das minorias sociais, mais suscetíveis ao sistema penal.

Introdução:

O Iluminismo, no século XVIII, proporcionou uma revolução nos pensamentos da sociedade, principalmente em relação aos abusos de poder, advindos do sistema autoritarista. Nesse contexto, surge a teoria do garantismo penal, propondo a limitação do exercício da tutela penal limitadora da liberdade, com o uso dos diversos princípios penais. Todos esses princípios partiram da tentativa de determinação de uma codificação da lei penal, com uma humanização e racionalização da pena, determinadas em conformidade com os direitos humanos, inerentes a todos os seres humanos (RIEGER, M. R. O. M., 2024).

Desse modo, a teoria garantista surge com o intuito de determinar princípios racionais na intervenção penal, conforme os ideais de defesa social, protegendo contra a irracionalidade dos poderes, na tutela penal (RIEGER, M. R. O. M., 2024).

Ao analisar a sociedade, autores e sociólogos, expõe as mazelas decorrentes da ausência de um critério de proteção penal, seguindo as leis processuais, na garantia da promoção da justiça na sociedade. Porquanto, permite a perpetuação de desrespeito aos direitos fundamentais. 

Assim, considerando essa proteção dos direitos fundamentais, em meio ao processo penal, a análise sobre as pessoas que mais dependem desse sistema é indispensável, porquanto se torna um instrumento de defesa desse grupo.

Nesse ínterim, tendo em vista a predominância no perfil carcerário de pessoas de grupos de minorias sociais nas prisões, o garantismo penal é um mecanismo de defesa contra a manutenção de novas formas de agressões aos seus direitos. E isso, se respalda ao considerar a maior suscetibilidade, por exemplo, de jovens negros à violência policial, de modo que a polícia em alguns casos, ultrapassa os limites de seu poder e promove uma forma de punição com as próprias mãos, mesmo que de maneira improposital, sendo marcante a presença de políticas garantistas voltadas à superação dessas agressões aos direitos desses jovens, carentes, diante do devido processo legal, o direito à ampla defesa e outros (JÚNIOR, A. B. 2024).

Em suma, o garantismo penal, ao determinar princípios de proteção aos direitos fundamentais, diante do processo penal, é um caminho de proteção a mais aos direitos das minorias sociais na sociedade, porque são os grupos mais expostos ao sistema penal.

O Garantismo Penal Em Si:

Em uma sociedade repleta de injustiças a busca por justiça deve ser regida por parâmetros claros. Nesse sentido, ao considerar as normas que delimitam a organização do processo em geral, percebe-se a sua indispensabilidade para que a decisão tomada siga o caminho mais justo possível, conciliando não apenas a justiça em termos de lei, mas também, a justiça em termos de moral social.

Seguindo um caminho primeiramente fictício, advindo de análises da sociedade, para demonstrar a importância do acontecimento do processo seguindo os devidos parâmetros legais pré-estabelecidos, tem-se a literatura premiada, O Sol É Para Todos, da renomada autora, Harper Lee, na qual se aborda a dificuldade de concretização das normas processuais penais em uma sociedade dotada de uma moral controladora das instituições estaduais.

Na referida literatura, um homem pobre e negro é levado à corte penal americana da época, sob a acusação de uma jovem branca de família humilde, a qual alegava ter sido abusada física e sexualmente por esse. Desse modo, ao se passar em um contexto de elevado racismo na sociedade americana, retrata-se que os negros eram vistos como a escória da comunidade, de modo que a sua palavra em contraposição a de uma pessoa branca não seria aos olhos de todos, a de maior valor, iniciando, desde o momento da denúncia, uma luta para se fazer enxergar a sua versão dos fatos. Sendo assim, o Réu encontra diversas barreiras para efetuar sua defesa, desde a contratação de um advogado, até mesmo a simples sobrevivência em um sistema carcerário precário, retratando a dificuldade de manutenção de garantias básicas para a realização de um julgamento justo no presente caso e ainda, a indispensabilidade de determinação de parâmetros mínimos para o processo legal.

Diante disso, todo o julgamento do caso é rodeado de muita comoção popular, criando uma grande polarização na sociedade entre negros e brancos, de modo que inclusive a vida do Réu chega a ser veladamente ameaçada, porquanto diante da possibilidade de comprovação da inocência do Réu, a família da Autora forma um motim para tentar assassiná-lo antes do dia do julgamento, na tentativa de garantir que apenas o seu lado da história prevalecesse no fim. Atitude que afetaria drasticamente a realização de uma “justiça”, porque impediria o acontecimento do devido processo legal, do direito de defesa e do contraditório.

Apesar de se tratar de uma narrativa fictícia, o livro apresenta uma história que condiz em vários pontos com realidades muitas vezes vivenciadas no cotidiano da sociedade brasileira, principalmente em se tratando de julgamento no âmbito do direito penal, haja vista que muitas vezes, a expectativa do público, detentor de poder e influência, gera um grande obstáculo na apreciação mais justa da matéria, dado a pressão realizada na corte. 

Nesse sentido, pensando no contexto da atualidade, essa influência do pensamento dos dominadores (detentores de poder e influência) sobre as tomadas de decisões, tem-se hoje exemplificada nas mídias, como instrumento dotado de elevado poder, formador de opiniões e promotor de uma condenação antecipada dos Réus, antecedente até mesmo ao devido processo legal, portanto depreendendo grave ameaça ao princípio do contraditório e à ampla defesa (CARNEIRO, M. T., 2018).

A definição de parâmetros legais para a realização de processos penais mais justos é, dessa forma, indispensável na sociedade, porquanto, a simples realização de um processo com base em preceitos morais de justiça e injustiça, além da vontade das massas, pode ao fim revelar um grave desrespeito injustificado de bens jurídicos basilares e inerentes a todos na sociedade, os direitos humanos. Conforme disserta Salo de Carvalho:

Se a ausência de critérios legais ou o seu desrespeito erodem qualquer possibilidade de decisão judicial democrática, a história da luta pelos direitos fundamentais é, sobretudo, a história da luta pela definição de regras do jogo para a contenção do poder punitivo, ou seja, o estabelecimento de parâmetros que foram identificados como garantias penais e processuais.

Assim, a consideração da estipulação de princípios básicos na organização e realização de um processo penal é basilar, para garantir que a justiça seja mais bem promovida, com um equilíbrio entre norma, moral e poder. Desse modo, o garantismo penal, desenvolvido por Luís Ferrajoli, é uma política de contenção às barbáries, a partir de um direito baseado inicialmente em normas constitucionais e não na simples submissão cega à lei (DA SILVA, A. P. P., 2011).

A partir dessa perspectiva, o garantismo é na sociedade ponto indispensável na luta pela concretização das garantias fundamentais e da justiça, de modo que incumbe, para melhor compreendê-lo, analisar as principais teorias sobre sua organização e preceitos estruturais.

O garantismo penal, uma vez que é compreendido como a determinação da tutela dos direitos fundamentais, visa a limitação do poder estatal em prol da manutenção de direitos básicos e indispensáveis à pessoa humana, assim, culmina na formação de um Estado real de direitos (DA SILVA, A. P. P., 2011). 

Baseado em alguns pilares fundamentais, como o princípio da retributividade; princípio da legalidade; princípio da economia processual; princípio da lesividade; princípio da materialidade; princípio da culpabilidade; princípio da jurisdicionalidade; princípio acusatório; princípio do ônus da prova e princípio do contraditório, o garantismo vai conter a aplicação do decisionismo e substancialismo penal (DA SILVA, A. P. P., 2011).

Ponto em que vale ressaltar o caráter infrator de direitos humanos do decisionismo e substancialismo. De modo que o primeiro é herança dos sistemas punitivos inquisitórios e se expressa através de um mero caráter potestativo de aplicação da pena pelo juiz, ignorante à esfera da cognição. E o segundo se expressa através de uma postura de mera análise qualitativa imoral ou antissocial do autor (FERRAJOLI, V. 1998 apud DE CARVALHO, S., 2022). O conjunto dessas duas características determinam na sociedade o direcionamento ao julgamento moral, em detrimento das estruturas do devido processo legal (DE CARVALHO, S., 2022).

O entendimento dessa desvirtuação do sistema legal derivado do decisionismo e substancialismo, vai ser majoritariamente contraposto pelo garantismo, principalmente com a concepção da ideia de jurisdicionalidade (impossibilidade de acusação, se não com base em tutelas legais); princípio do acusatório (determinação do papel do juiz não como acusador do Réu e apenas o julgador); o ônus da prova (a obrigação de provar as alegações suscitadas) e o contraditório e a ampla defesa (obrigação da oferta do direito de defesa ao Réu, devendo ser cientificado, a qual se efetiva com outros princípios como a paridade de armas) (DA SILVA, A. P. P., 2011).

De modo que o garantismo pensa na garantia do processo penal, sem o desrespeito aos direitos fundamentais, devendo o processo ocorrer mediante a aplicação conjunta de todos esses princípios, sem fugir do necessário, mas garantindo que nenhum direito fundamental, a exemplo do direito de resposta e da não aplicação de pena para crimes não definidos em lei. 

Portanto, o garantismo se fundamenta na ideia de defesa dos direitos humanos, contra a aplicação do decisionismo e substancialismo no direito penal, promovendo uma estabilização de expectativas quanto à promoção de justiça, com o devido equilíbrio entre a cognição dos fatos circundantes da comunidade e a aplicação dos pressupostos legais. Assim, a obra epistolar, O Sol É Para Todos, funciona como um claro exemplo da importância do combate a tomada de decisões que se baseiam em um único desses parâmetros e não no conjunto, porquanto abre portas para a perpetuação de barbáries, como a punição de um inocente, pelos detentores do poder.

As Minorias No Sistema Penal, Protegidas Pelo Garantismo Penal:

A concepção de que as pessoas em uma situação de menor renda e acesso limitado a recursos monetários na sociedade são as que mais sofrem com o sistema penal, é fato muito discutido, em diversos momentos e áreas. Nesse sentido, o livro do sociólogo, Marcelino Freire, “Contos Negreiros” traz em seu compilado de contos, inspirado em realidades vivenciadas no Brasil, uma crítica a organização desigual da sociedade, expondo a maior suscetibilidade das minorias sociais ao sistema punitivo, o qual mais parece perpetuar as desigualdades sociais, reforçando essa estrutura em um ciclo infinito.

A partir dessa concepção, o Relatório de Informações Penais, RELIPEN 2023 e 2024, ao apresentar os dados atualizados a respeito do perfil da população carcerária do Brasil no ano de 2023, reforçou essa percepção apontada por Freire, demonstrando que grupos em situação de fragilidade social são os mais presentes no sistema carcerário. A exemplo disso, destaca-se que há uma maior quantidade de pessoas com baixa escolaridade e de pretos e pardos no sistema, grupos esses reconhecidos como minorias sociais. Portanto, respaldando essa concepção de uma maior sujeição das minorias sociais ao sistema penal.

Nos dados apresentados sobre o perfil carcerário, na classificação de perfil étnico e racial, o RELIPEN 2024 pontuou uma quantidade maior de presos pretos e pardos, correspondendo à aproximadamente 64% do perfil étnico carcerário, chegando ao total de 424.620 presos pretos ou pardos. Além disso, a mesma pesquisa aponta que a população carcerária possui majoritariamente um menor grau de escolaridade, de modo que 44% dos presos possuem apenas o ensino fundamental incompleto, mais precisamente 290.754 presos. Desse modo, ao levar em consideração esses dados apresentados pelo governo, respalda-se o conhecimento de que na sociedade os negros e os mais pobres (os quais correspondem majoritariamente com pessoas de menor escolaridade, porquanto enfrentam maiores dificuldades no acesso à educação), considerados minorias sociais, estão mais sujeitos ao sistema penal.

O movimento Lei e Ordem, dos Estados Unidos, o qual visava uma diminuição da criminalidade, com a adesão de políticas policiais e judiciárias mais punitivas, engendrou críticas sociais com relação ao público que mais sofria com esse acirramento legal, no caso as minorias sociais, étnicas e de baixa renda, porquanto resolvia apenas a criminalidade após concretizada e não os principais fatores que engendram a prática de delitos, como as desigualdades sociais (JÚNIOR, A. B., 2024).

Diante dessa realidade foram fundadas as mais diversas escolas de pensamento, a respeito da análise dos sistemas penais, a sua influência e disposição no meio social, a exemplo, tem-se a Nova Defesa Social; a escola Técnico-jurídica e a política criminal alternativa, as quais encararam e propuseram formas de como enfrentar a criminalidade, não apenas a partir de um ponto de punição, mas também, do ponto de entender as injustiças sociais, como ponto inicial da prática de delitos, de modo que o enfrentamento dessas é mais assertivo, do que meras políticas excessivas de punição (JÚNIOR, A. B., 2024).

Quando simplesmente submetemos um indivíduo autor de uma conduta criminosa a uma prisão de condições sub-humanas – como a grande maioria das prisões brasileiras – não estamos resolvendo a raiz do problema, pois a preocupação com o indivíduo não está no cerne da questão. Se é fato que a violência é inerente e intrínseca a qualquer sociedade, devemos então aprender a lidar com esse fenômeno, não com a pretensão de minimizá-lo. E essa minimização não exsurgir se utilizarmos também de violência, isolando o indivíduo da sociedade, sobretudo do convívio familiar, pois temos visto que esse reducionismo, o somente é capaz de agravar o problema (NETO, Tapir Rocha e SCHMIDT, Andrei Zenkner 2022).

Assim, se reforça a compreensão da maior disposição de minorias sociais ao sistema penal, conforme se comprova com as teorias desenvolvidas justamente na análise desse sistema penal, que mais prejudicava grupos já vulnerabilizados e que, portanto, deveria ser alterado.

Dessa forma, considerando a presença marcante de minorias sociais no sistema penal, pressupõe-se a maior suscetibilidade desses a sofrerem prejuízos imensuráveis aos seus direitos fundamentais, em decorrência de possíveis falhas na aplicação das leis e no decurso correto do processo legal. Inclusive, ao se destacar o possível uso do sistema penal, como recurso de manutenção das vontades dos mais abastados, conforme Júnior interpreta Baratta: “Baratta entende que o direito penal possui seu processo de separação e proteção de uma classe mais abastada e arraigada nos moldes capitalistas em detrimento de outros.”, uso que infringe os limites legais, mas reforça a perpetuação de práticas prejudiciais no sistema penal contra os investigados.

Assim sendo, o sistema penal, porquanto se direciona mais arduamente às classes minoritárias, quando não impossibilita a ocorrência de falhas na sua aplicação, promove mais uma forma de agressão social às classes já fragilizadas na sociedade. Portanto, o garantismo penal, haja vista ser política de proteção aos direitos fundamentais em meio ao processo penal, funciona indiretamente como instrumento de proteção às minorias sociais, contra abusos do judiciário e demais órgãos da segurança pública.

Isso, ao se considerar o garantismo penal como mecanismo controle do poder de limitação da liberdade dos cidadãos, pelo Estado, se baseando nos preceitos Constitucionais (DIMOULIS, 2013 apud JÚNIOR, A. B., 2024).

Portanto, ao passo que figura o garantismo penal, como garantidor de defesa dos cidadãos a possíveis abusos nas decisões de cunho penal, a sua função para com os grupos minoritários socialmente – grande representatividade no perfil carcerário – é explícita, principalmente a considerar os dados apresentados pelo Relatório Anual de Segurança Pública, os quais pontuaram que em 2023 se tinha 852.010 pessoas privadas de liberdade provisoriamente, ou seja, sem terem sido propriamente condenadas.

Dados que, ao fazer uma breve consideração em contraponto com o proposto pela teoria garantista, parece excessivo por parte do estado, haja vista que por vezes mantém uma pessoa, ainda não condenada, privada de um dos principais direitos fundamentais, o direito de liberdade.

Outrossim, há a consideração de uma possível fragilização do direito fundamental de acesso à justiça, de defesa e do devido processo legal, porquanto em muitos casos essas pessoas, principalmente ao se tratarem de classes minoritárias, não conseguem arcar com os custos demandados no decorrer do processo e nem de um advogado, ou seja, apesar de existir a garantia de assessoria estatal e da gratuidade de justiça aos necessitados, por vezes essa fragilidade social protela mais o andamento processual, uma vez que as defensorias públicas possuem elevada demanda.

Diante disso, as próprias considerações, a respeito da importância da existência de um Defensoria Pública, atuam em consonância à compreensão da importância do garantismo penal e dos princípios que ele relaciona para a defesa dos direitos constitucionais dos necessitados, veja:

“E é a própria história brasileira, erigida sobre desigualdades sedimentadas, que legitima a previsão constitucional de uma instituição pública voltada à promoção dos direitos humanos, bem como à orientação e defesa jurídica dos necessitados” (DA COSTA, D. B. e DE GODOY, A. E. apud CONSALTER, R., 2024).

A Defensoria Pública, segundo a ordem constitucional, promove a defesa técnica do vulnerável, do organizacional e do hipossuficiente, garantindo a efetividade do binômio autodefesa e defesa técnica (GRINOVER, 2008 apud CONSALTER, R., 2024).

Assim, porquanto os dados apontam a grande quantidade de encarcerados sem condenação, relacionando isso com a ideia de uma maior percentagem dos presos de grupos em situação de vulnerabilidade social – seja por questões étnicas, seja por questões monetárias – o garantismo penal, porquanto visa justamente a garantia da defesa dos direitos fundamentais em meio ao processo penal, é fator essencial para a proteção das minorias em especial, as quais estão mais sujeitas ao sistema. 

Dessarte, a garantia da efetivação dos direitos fundamentais destacados pela ideia de acesso à justiça; defesa última em frente a privação de liberdade e devido processo legal, somente se dá por concreta na sociedade, quando garantida a todos, principalmente ao se considerar a definição de igualdade na Constituição. Logo, o judiciário para garantir a defesa dos preceitos fundamentais citados, também, deve se atentar às implicações das desigualdades sociais no acesso à justiça, para assim, promover os meios necessários no saneamento das problemáticas decorrentes. Portanto, utilizando de procedimentos considerando as posições sociais dos réus, não para propor uma diferenciação, mas um atendimento que promova a equidade, sem desrespeitar a igualdade (OLIVERI, R. A., 2022).

Por conseguinte, conforme se percebe a maior sujeição de grupos vulneráveis socialmente ao sistema penal, tanto por intermédio de dados levantados por relatórios governamentais, quanto por leituras adjacentes sobre análises sociais, o garantismo penal – política de segurança dos cidadãos, contra excessos do Estado – (DIMOULIS, 2013 apud JÚNIOR, A. B., 2024) é política de suma importância na garantia da defesa das minorias sociais contra a manutenção de novas agressões aos seus direitos fundamentais.

Resultados:

O estudo dos artigos analisados e usados como base para a elaboração do presente artigo, confluíram para delimitar os aspectos propostos. De modo que se conclui inicialmente, a teoria garantista, como elemento de proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos, em face da tutela penal estatal, controlando o autoritarismo.

Além disso, os dados analisados das pesquisas governamentais, RELIPEN e do Relatório Anual de Segurança Pública, permitiram compreender o perfil carcerário brasileiro, confirmando as teses principais sobre a maior suscetibilidade das minorias sociais ao sistema prisional. Portanto, definindo a maior sujeição das minorias sociais ao sistema penal e por consequência às mazelas desse.

Outrossim, a partir da determinação dos dois pontos anteriores delimitados, ou seja, o garantismo penal, como política de proteção aos direitos dos cidadãos e a maior disposição de minorias sociais ao sistema carcerário, permite-se a compreensão do garantismo penal, como política de proteção contra a manutenção de mais agressões aos direitos dos grupos minoritários.

Conclusão:

O garantismo penal, é teoria que visa determinar a defesa dos direitos humanos, dispostos em sede da Constituição, contra possíveis excessos estatais no uso da tutela punitiva, a qual se baseia principalmente na permissão da limitação de um dos principais direitos básicos do homem, a liberdade.

Desse modo, o garantismo surge em oposição ao decisionismo e ao substancialismo, teorias que permitem um absolutismo decisório por parte do Estado, o qual passa a promover decisões baseadas unicamente em preceitos morais subjetivos ou pela aplicação seca da lei, ao invés de fazer a devida conjunção dessas duas análises para tomar a decisão de cunho penal, a fim de determinar a culpabilidade do sujeito.

Inclusive, a importância da conjunção da análise cognitiva e legal, fica ressaltada, mesmo em obras que descrevem realidades vivenciadas ao longo da história, porque se apresenta os malefícios e a injustiça promovida por um julgamento de análise simplista e que não permite a devida defesa e presunção de inocência do Réu, perpetuando lesões a direitos fundamentais, como a liberdade, justiça e devido processo legal, ao exemplo das duas obras literárias supracitadas. 

Ainda, ao considerar esse papel de protetor, do garantismo penal, o qual concilia os principais princípios processuais, como princípio jurisdicional; princípio do contraditório; princípio do acusatório e entre outros, para defender a tutela de direitos fundamentais é possível, analisando as pessoas mais sujeitas ao sistema penal, definir a sua consequente proteção decorrida do garantismo.

Nesse sentido, analisando o perfil carcerário brasileiro, é possível determinar a política do garantismo penal, como essencial na defesa das minorias sociais, contra a manutenção de novas agressões aos seus direitos, de maneira injusta. 

Isso, pois as pesquisas demonstram que os presos são majoritariamente de classes sociais vulneráveis e de etnias vulnerabilizadas na sociedade, de modo que mesmo o acesso a uma concreta defesa, lhes é um processo penoso, logo, ao se ter um sistema que preza pela garantia do acesso aos mínimos legais no decorrer do processo penal, antes da privação da liberdade, permite-se consequentemente a defesa de seus direitos fundamentais.

Por fim, o garantismo penal, é para além de um sistema de proteção dos cidadãos, principalmente, um sistema de proteção das minorias sociais, as quais estão mais facilmente sujeitas aos possíveis abusos na tutela penal do estado.

Referências:

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1Formação Acadêmica: Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal, Graduado em Direito.
E-mail: cadetepinho@gmail.com