FRAUDE CONJUGAL NA PARTILHA DE BENS E INSTRUMENTOS DE COMBATE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7888403


Ana Mônica Brito de Carvalho Luz¹
Karine Alves Gonçalves Mota²


RESUMO

Este artigo aborda as fraudes mais recorrentes na partilha de bens conjugais, bem como os instrumentos jurídicos utilizados em seu combate. Por meio do método dedutivo, a partir de revisão bibliográfica, aponta-se a desconsideração da personalidade jurídica inversa e a responsabilidade civil como meios mais utilizados. Depreende-se do estudo que, para comprovar as fraudes no direito de família, depende muitas vezes de uma postura ativa das partes e do acolhimento do poder judiciário. Contudo, infere-se que as normas existentes de combate à fraude no Direito de Família ainda apresentam fragilidades, sendo observada a necessidade de penalidades mais rígida e especificas.

Palavras-chave: Direito de família; Dissolução conjugal; Fraude patrimonial; Instrumentos de combate

INTRODUÇÃO

A dissolução da sociedade conjugal perpassa pela partilha do patrimônio, considerando o regime de bens adotado. Igualmente ocorre na dissolução da união estável no que se refere aos bens adquiridos pelos companheiros em sua constância. Nesse contexto, verifica-se de forma recorrente comportamentos fraudulentos que visam prejudicar o direito à meação. A partir dessa realidade, por meio de revisão da bibliografia, o objetivo deste artigo é abordar as práticas fraudulentas mais recorrentes, bem como os instrumentos utilizados em seu combate.

O casamento, em termos legais, é visto como um contrato entre uma sociedade conjugal, visto que as obrigações são empreendidas de forma semelhante pelos cônjuges. Com o Código Civil de 2002, o Direito de Família tornou-se mais contratualista, dando mais liberdade aos integrantes da sociedade conjugal, levando em consideração as transformações sociais das últimas décadas. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, devendo estabelecer o regime de bens escolhido no requerimento de habilitação para o casamento.  

Na legislação estão previstas quatro modalidades de regimes de bens: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, participação final nos aquestos e separação de bens. Caso os cônjuges não se manifestem sobre o regime adotado, automaticamente será estabelecida a comunhão parcial de bens tendo vista o disposto no Código Civil.

O Código Civil (2002) também traz as diferenças e consequências de cada regime na dissolução conjugal.  No regime de comunhão parcial de bens, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento, transformando-se em bens comuns a serem repartidos na dissolução conjugal.  O regime de comunhão universal de bens implica a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, ou seja, os bens relativos a ambos são comunicáveis. Na separação de bens, cada cônjuge administrará a totalidade do seu patrimônio pessoal, podendo livremente aliená-lo ou gravá-lo. No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, na dissolução da sociedade conjugal cabe a eles, o direito à metade dos bens adquiridos, a título oneroso, na constância do casamento.

No direito de família, a dissolução do vínculo conjugal encerra-se pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação judicial ou decretação do divórcio, ou pela morte de um dos cônjuges. É importante ressaltar que o tipo de regime de casamento é determinante para a forma como será feita a partilha de bens ou mesmo para a sua ausência.

Quanto a união estável, ela é reconhecida pelo ordenamento jurídico como entidade familiar digna de proteção do Estado que igualmente ao casamento é considerada base da sociedade.

No entanto, para ser convertida em casamento deverá os companheiros solicitar o pedido ao juiz e assento no registro civil competente, gerando efeitos retroativo. Quanto ao regime de bens, a união estável tem como padrão o regime de comunhão parcial, no entanto, caso o casal tenha interesse de definir outro regime para a união, é possível a formalização de contrato em cartório entre as partes. Observa-se, que na falta de contrato escrito entre os companheiros, aplica-se as regras do regime da comunhão parcial de bens para efeitos patrimoniais quanto à partilha dos bens.

A dissolução da união estável se dá por dissolução consensual, amigável extrajudicial, quando sem filho ou maiores incapazes ou dissolução contenciosa, não amigável ou por razão de terem filhos menores ou maiores incapazes, sendo esta mesma regra aplicada a dissolução do casamento.

Todavia, com o fim da união conjugal, percebe-se que é cada vez mais comum contemplar o desrespeito ao direito de meação, quando um dos cônjuges ou companheiros, por pensamentos individualistas e egoístas, utilizam artimanhas para interferir no patrimônio comunicável, diminuindo ao máximo possível o patrimônio a ser partilhado.

Baseado nisso, o presente artigo tem o intuito dialogar com os principais pesquisadores e dispositivos que estabelecem argumentos científicos e legais sobre a fraude em partilha de bens. Tendo como objetivo geral abordar as fraudes mais recorrentes na partilha de bens por ocasião do divórcio e da dissolução da união estável, bem como os instrumentos de combate. O estudo visa apresentar e descrever a percepção dos pesquisadores sobre fraudes em processo de partilha de bens, caracterizando as modalidades mais praticadas; expor instrumentos jurídicos de combate à fraude na partilha de bens conjugais; e discorrer sobre as penalidades existentes no ordenamento jurídico para responsabilizar o fraudador.

Portanto, inicialmente, o texto trata sobre os tipos de fraudes patrimoniais mais recorrentes e os apontamentos da legislação brasileira. O segundo momento relata os instrumentos jurídicos de combate que visam impedir/dificultar a prática de fraude no processo de partilha, e, por fim, trata das consequências e das formas de responsabilizar o fraudador.

1 FRAUDES PATRIMONIAIS EM PARTILHA DE BENS CONJUGAIS

O divórcio é o instrumento jurídico que põe fim ao casamento, encerrando as obrigações matrimoniais. Este é o momento em que os bens conjugais são partilhados em conformidade com o regime de casamento estabelecido. No entanto, alguns artifícios são comumente utilizados como forma de angariar vantagem sobre o patrimônio comunicável do ex-cônjuge ou ex-convivente.

O ordenamento jurídico brasileiro é adverso à prática de fraudes em todos os âmbitos. De acordo com Venosa (2011, p. 213), “a fraude, no âmbito do direito civil, pode ser definida como o uso de ardis procedimentos com o intuito de burlar norma pública ou convenção privada”. No entanto, é notório que os deveres prescritos pela legislação eventualmente não são guardados e observados, sobretudo quando se trata de desacordos patrimoniais decorrentes de conflitos nas relações. O que pode contribuir com o aumento da prática de fraude na partilha de bens comunicáveis tornando-os mais recorrente. 

Conforme Mamede (2022, p. 11), “é assustadoramente comum ver-se que a partilha dos bens é maculada pela iniciativa de um dos cônjuges ou conviventes, que se preparam com antecedência para a separação e criam mecanismos para fraudar a partilha dos bens”. Diante dessa perspectiva, observa-se como as pessoas encaram as normas jurídicas de maneiras diversas. As leis, o direito, a justiça e outros espaço cheios de balizas são vistos como meios para obter vantagens.

Para Mamede (2022, p. 7), “Os cenários das fraudes são desconfortáveis, pois implicam lidar com o que parece ser regular, embora não seja: parece ser, mas não é”. Em vista disso, faz-se necessário uma postura proativa da parte lesada e do judiciário para que a verdade sobre os fatos efetivamente possa ser descoberta.

No que concerne ao patrimônio, é importante frisar que patrimônio econômico é um conjunto de bens de uma pessoa ou ente despersonalizado. Em termo técnico-jurídico, patrimônio é o conjunto de relações jurídicas, ativas e passivas, de uma pessoa ou ente despersonalizado. Consoante Mamede (2022, p. 7),

No patrimônio ativo, estão seus bens, imóveis e móveis incluindo direitos pessoais com expressividade econômica como quotas, ações etc. Em oposição, o patrimônio passivo é composto pelas relações jurídicas com expressividade econômica nas quais ocupa a posição de obrigado, de devedor. A combinação dessas duas dimensões do patrimônio conduz ao chamado patrimônio líquido: toma-se o valor do patrimônio ativo e dele se subtrai o valor do patrimônio passivo (MAMEDE, 2022, P. 7).

O campo de estudo baseia-se na ideia de patrimônio econômico comum, quando duas pessoas podem ser titulares de um mesmo patrimônio construído como resultado de uma relação, o patrimônio adquirido na constância do casamento torna-se comum e é repartido entre os cônjuges na dissolução conjugal. O casamento é uma relação jurídica que tem reflexos diretos no patrimônio comum.

O casamento é uma relação jurídica que tem reflexos diretos no patrimônio comum. Conforme o regime de bens adotado, deve haver partilha deles quando o relacionamento é finalizado. Lamentavelmente, não é raro verificar esforços e tentativas de um ou mesmo ambos os litigantes de fugir da partilha justa, e adotar táticas ilícitas para obter uma vantagem maior na divisão dos bens. Diante disso, neste estudo serão abordadas as estratégias mais recorrentes, a fim de compreender e atuar de forma eficaz na aplicação do direito “a missão do direito é dar a cada um o que é seu […]. Viver honestamente, não é lesar a outrem, dar a cada um o que lhe é devido” (MAMEDE, 2022, p. 4).

No Direito de Família são frequentes as situações de efetivação de atos lesivos de fraudes que afetam o direito à meação do cônjuge no ensejo do divórcio. Venosa (2011 p. 457) conceitua a fraude latu sensu como “todo o artifício malicioso que uma pessoa emprega com intenção de transgredir o direito ou prejudicar interesses de terceiros”. No caso da partilha decorrente da dissolução da união, nota-se que as fraudes são as artimanhas que objetivam diminuir a meação do cônjuge. Considerando que são várias as formas utilizadas, o estudo tratará dos casos mais recorrentes no âmbito do direito de família, sendo eles: ocultação de bens, conduta dolosa de má-fé, operações simuladas, manipulação societária, simulação empresarial; omissão e manipulação de transações no livro diário, e esvaziamento do patrimônio societário.

Uma das principais e mais recorrente fraude à partilha de bens conjugais se dá pela ocultação de bens. Rolf Madaleno, ex-diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, (2021 s/p) afirma que a fraude ocorre quando “oculta-se, sonega-se, esconde-se e destrói-se para evitar que o outro receba a sua meação ou pelo menos a parte mais valiosa dela”

Esconder bens e valores costuma fazer parte dos preparativos do divórcio para quem não quer agir com a boa-fé necessária quando da partilha de bens. Os bens desaparecem e uma terceira pessoa física ou jurídica, denominada “laranja”, torna-se proprietária dos bens comunicáveis do casal, visando o ganho próprio ou de terceiros.

No ambiente familiar, tais como no casamento e na união estável, os cônjuges devem ser informados dos princípios da ética e da boa-fé objetiva que presumem uma atuação refletida, sem abuso ou obstrução em relação ao direito alheio. Todavia, na contramão disso, existe a má-fé, que configura um ambiente oposto ao esperado e se caracteriza como uma conduta dolosa da parte. A prática de má-fé está presente nos processos de família quando um cônjuge, fraudador, tem a intenção de diminuir os direitos do outro no momento da partilha, escondendo os bens e agindo com malícia ou esperteza.

De acordo com o Miguel Reale (1998), idealizador do Código Civil de 2002, a boa-fé é o tripé dos princípios do direito civil, quais sejam: socialidade, operabilidade e eticidade. Sendo que a socialidade passa a ser analisada dentro de uma concepção social, enquanto a operabilidade busca a simplicidade de um direito civil para que tenha relevância prática, material e real. Já a eticidade permeia a lei civil com a ótica da boa-fé objetiva, importa conduta honesta, leal e correta, que está inscrita no Código Civil em seus artigos 113, 187 e 422.

Código Civil (BRASIL, 2002), especificamente em seu artigo 422, faz referência ao princípio basilar da boa-fé objetiva: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Como o Direito Civil trata de assuntos da vida das pessoas, ele rege a negociação, o contrato e as demais obrigações civis, onde busca-se a igualdade de condição, sendo que a boa-fé também exerce sua função em casos que abrangem o Direito de Família. Nesse sentido, Tartuce (2008, p. 5) desta que

Se percorrermos outro caminho por três premissas ou justificativas, também podemos afirmar que o art. 422 do novo Código Civil pode ser perfeitamente aplicável aos institutos familiares, particularmente ao casamento e à união estável. Primeiro, porque, como vimos, os baluartes do novo Código Civil são a eticidade, a socialidade e a operabilidade, princípios com os quais a boa-fé objetiva mantém relação. Dessa forma, a referida cláusula geral deveria ser aplicada a todos os institutos de Direito Privado. Segundo, porque seria inconcebível aplicar os arts. 113 e 187 da atual codificação aos institutos de Direito de Família, afastando a aplicação do art. 422 diante de um óbice formal. Vale repetir que a nova codificação privada não se apega ao formalismo, sendo essa a melhor expressão do princípio da operabilidade, da simplicidade. Entender que, no Direito de Família, a boa-fé teria dupla e não tripla função é, para nós, totalmente inconcebível. Terceiro, por fim, lembramos que a principal função da boa-fé é justamente suprir e corrigir os negócios jurídicos em geral (TARTUCE, 2008, p. 5).

Portanto, vale ressaltar que o importante papel exercido pela boa-fé objetiva no direito também compreende os liames privados familiar, pois seu verdadeiro papel é garantir e arguir os negócios lícitos em geral.

Outro recorrente meio de fraude, refere-se à simulação, que se caracteriza pelo desvio de patrimônio, simulação de perdas e danos, celebração de contrato fictício conhecido como “testa de ferro”, ou interposta pessoa com a finalidade de diminuir a parte partilhável. A fraude pode ocorrer com a assistência de um intermediário, entidade ou indivíduo. Geralmente um terceiro em relacionamento próximo com o cônjuge infiel empresta seu nome para ajudar na mentira ardilosa em troca de favor.

Nesse sentido, Madaleno (2020, p. 1435)

[…] também encontra larga prática pela interposição de terceiros, pessoas físicas arregimentadas ordinariamente entre amigos próximos do cônjuge, seus parentes, ou subalternos, que se prestam para servir como interpostas pessoas ou como testas de ferro, e concederem solidariedade à fraude, ao conferirem com seu despropositado auxílio aura de legalidade aos atos de disposição para com ela efetivar na prática fraudulenta a diminuição da meação conjugal. Operações fictícias ocorrem com frequência com a interposição de parentes simulando negociações ou domínio de bens que deveriam integrar a partilha conjugal (MADALENO. 2020, p. 1435).

Portanto, as práticas de fraude por simulações na área do Direito de Família são recorrentes e visam macular o direito do parceiro à meação. Nas palavras de Iturraspe (2001 apud MADALENO, 2005, p. 284/285)

Na interposição fictícia o sujeito que apenas emprestou seu nome não adquire realmente direito e nem obrigações, porque somente atua para encobrir o verdadeiro contratante, sendo papel do Judiciário desvendar a simulação para eliminar a pessoa interposta e reconhecer o devedor ou meeiro conjugal como o verdadeiro e ostensivo interveniente, destinatário do contrato desconstituído”.

Conforme Mamede (2022, p. 151), uma das melhores formas de aferir as distorções é a análise do estilo de vida dos envolvidos no fato. É um mecanismo amplamente utilizado pois, se o estilo de vida é incompatível com a remuneração do agente, fortalece-se a acusação de prática de ato ilícito.

É cada vez mais comum que os cônjuges ou conviventes atuem como empresários ou sócios de sociedades, onde a parte mais relevante do conjunto de bens comum é representada pela atividade negocial. Diante deste contexto, as fraudes mais recorrentes e habituais estão na manipulação societária praticada por meio da transformação do tipo societário, que permite a entrada e saída de sócios, a transmissão de quotas, a liquidação de bens, o aumento de dívidas societárias ou falsos passivos em vésperas de dissolução do casamento, tudo às escondidas sem a vênia conjugal.

Ressalta Mamede (2022, p. 160) que, a alteração societária é bastante utilizada para evitar a partilha, devido à sociedade limitada anônima ter um capital blindado, ficando mais dificultoso para partilhar. Alterar o tipo societário ou modificar o ato constitutivo visando lesar os direitos do meeiro são práticas com finalidades ilícitas que, se comprovadas, podem caracterizar-se fraude, conforme art. 166 do Código Civil (2002), ou abuso de direito, de acordo com o art. 186 do mesmo código.

 Madaleno (2020, p. 1432) argumenta que

Empresas familiares são comuns na economia brasileira e quando algum de seus integrantes enfrenta processo de divórcio e põe em pauta de discussão judicial a partilha do seu capital social, repentinamente estas empresas de responsabilidade limitada alteram o seu tipo societário para uma sociedade anônima que gera maior dificuldade para a futura partilha e a apuração de haveres (MADALENO, 2020, p. 1432).

É possível observar que os efeitos se tornam ainda maiores quando, durante a vigência da união, as partes optam por colocar os bens do patrimônio comum em nome da sociedade, ou seja, a incorporação de bens comunicáveis à pessoa jurídica.

A simulação empresarial utiliza cada vez mais, de diversos recursos sofisticados para lesar o ex-cônjuge ou ex-convivente na partilha dos bens. Mamede (2022, p. 160) relata que “geralmente, pela via da simulação ou da fraude, um cônjuge ou convivente procura prejudicar o outro e encontra nas figuras societárias com seus variados câmbios sofisticados recursos orquestrados para prejudicar seu meeiro”. Portanto, os prejuízos advindos dessas operações constituem danos àquele que tem direito sobre o patrimônio.

Outra fraude frequente no ambiente empresarial ocorre por meio da omissão e manipulação de transações no livro diário da empresa, conhecidas como “caixa dois”, que visam ocultar/alterar os benefícios e encenar perdas, para reduzir o valor a ser recebido. Considerando que a escrituração contábil é um relatório formal, construído atento à forma e requisitos dispostos em lei, trazendo informações sobre toda atividade negocial e registrando toda evolução patrimonial e relações jurídicas, o artigo 1.179 do Código Civil (2002) diz que

O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico (BRASIL, 2002, s/p).

Para Mamede (2022, p. 131), a omissão ou manipulação de lançamentos contábeis pode produzir efeitos diversos, conforme a natureza do que se omitiu ou manipulou. Tais medidas alteram o balanço da empresa, reduzindo seus lucros e aumentando seus prejuízos.

Outro meio utilizado se dá pelo esvaziamento do patrimônio da empresa, tática que visa à apropriação do valor da empresa, desviado em benefício dos dirigentes, ou seja, apropriação do valor da empresa pelo cônjuge. No direito societário existe uma distinção entre a pessoas dos sócios e a pessoa da sociedade, assim como são distintos os patrimônios dos sócios e os da sociedade. Dessa maneira, os bens da empresa pertencem à sociedade e não aos sócios.

              De acordo com Mamede (2022, p. 146)

A licença para que o administrador societário pratique atos em nome da sociedade, desde que respeite os limites formais dos poderes a si atribuídos, constitui uma via para a prática de fraudes, mesmo que apresentem formalmente como práticas de atos regulares (MAMEDE, 2022, p. 146).

Esses mecanismos são utilizados como estratégia de esvaziamento do patrimônio societário, favorecendo-se do período preciso para o percurso dos procedimentos judiciário de partilha.

Diante desses cenários de fraude, uma estratégia, portanto, seria reunir o maior número possível de elementos que fortaleçam a demonstração da tese de fraude para, assim, forçar o reconhecimento da falsa atitude, com elementos comprobatórios mais robustos dos fatos calçando a tese da ação.

É importante ressaltar que o fraudador não deverá ficar impune dos prejuízos causados ao ex-cônjuge ou ex-convivente. É imprescindível que o lesado tenha meios legais para serem reparados os danos sofridos, sendo fundamental a adoção de medidas de caráter administrativo e judicial que visam evitar ou impedir a prática lesiva, a fim de resguardar o patrimônio para uma partilha justa.

2 INSTRUMENTOS LEGAIS DE COMBATE À FRAUDE NA PARTILHA DE BENS

É notório que existe esforço em desvendar fraude ou efetuar uma prova de tal ato, tendo em vista que os meios utilizados para tal possuem uma aparência correta ou são ocultadas as verdadeiras razões de terem sido realizados. Consoante Mamede (2022, p. 5), “outra grande dificuldade é convencer o aparelho judiciário que há razões que justifiquem que vale a pena esforçar-se na instrução em busca do que está escondido pelas aparências”.

À vista disso, existe o desafio de convencer o Poder Judiciário, a observar o direito da parte mais vulnerável que precisa ser protegida processualmente por meio de mecanismos legais. Ressalta Madaleno, que é preciso uma Justiça que esteja mais atenta aos interesses dos credores do que preocupada com o bem-estar e o sigilo dos devedores. Dando continuidade, relata Madaleno, (2021, s/p) que

Existe fraude em todos os segmentos, com a diferença que a fraude criminal tem a polícia que anda atrás. Em Direito de Família e Sucessões, não há mecanismos de sancionamento contra quem frauda. A ausência de sanção é um prato cheio para o fraudador, que não sofre nenhuma penalidade. Se descoberta, o máximo será ter que dividir o que ele não queria dividir ou pagar o que ele não queria pagar (MADALENO, 2021, s/p).

A ausência de sanção específica contribui para a continuidade da prática da fraude, partindo da premissa que as penalidades existentes são consideradas brandas em relação a outras áreas do direito, ou seja, a carência de normas mais opressivas e especiais, favorece a existência e permanência da prática de fraude no direito de família, o que torna essencial a implantação de instrumentos jurídicos que dificultem e combatam com efetividade a fraude no direito à meação.

Contudo, diante falta de lei mais específica para combater e responsabilizar o fraudador, é essencial que o ato que busca tornar mais clara e concreta a partilha de bens na ação de divórcio, mereça acolhimento do poder judiciário, pois são vastos os casos e os prejuízos causados em virtude de da fraude em processo de partilha dos bens conjugais.

Portanto, infere-se da carência de instrumentos legais de combate mais efetivo e rigoroso para proteger o direito dos meeiros.  Conforme Rolf Madaleno, ex-diretor nacional do IBDFAM (2021) as coisas começaram a melhorar a partir das teses da desconsideração inversa da personalidade jurídica e da desconsideração da personalidade física. Com a primeira transformada em lei, e segunda tratada por analogia de acordo com a norma que regula a primeira, ou seja, atinge o patrimônio da pessoa jurídica quando o sócio a utiliza para simular negócios jurídicos ou praticar fraudes com abuso da personalidade jurídica, a partir de então surgiu à possibilidade de quebra do sigilo bancário e dos bens dos fraudadores.

O CPC/2015 no seu art. 133, § 2º, prevê que se aplica o disposto neste capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica, ou seja, nas ações de divórcio para a partilha, cujo sócio cônjuge agiu fraudulentamente, escondendo-se atrás da pessoa jurídica para omitir seus rendimentos e bens, que deveriam ser partilhados com o cônjuge/companheiro.

A desconsideração reversa da pessoa jurídica caracteriza-se pela retirada da autonomia patrimonial da sociedade às pessoas coletivas e seu patrimônio social, tornando a pessoa jurídica responsável pelas obrigações de seus sócios. Trata-se de medida excepcional que se aplica a pessoas físicas que comprovem o uso indevido de pessoa jurídica para proteger o patrimônio e o valor de seu acervo comum para evitar o compartilhamento. Neste cenário, autoriza o juiz atingir a personalidade da pessoa jurídica para que o ressarcimento de danos, caracterizados por desvio de finalidade ou confusão entre os bens do cônjuge e da sociedade, possa ser alcançado.

Quando se trata de ocultação, com a descoberta e comprovação do bem ocultado, esse pode ser objeto de sobrepartilha. De acordo com o art. 669 do CC (2002), são sujeitos à sobrepartilha os bens: I – sonegados. Entende-se por sobrepartilha a nova partilha dos bens que por algum motivo não foram partilhados no processo de inventário ou dissolução da sociedade conjugal, seja por terem sido ocultados, sonegados ou esquecidos à época da partilha, por dolo ou culpa das partes envolvidas.

É importante frisar que no Código Civil (2002), na partilha por herança, a prática de omissão dolosa de bens está sujeita a penalidade. Caso um dos herdeiros sabendo da existência de um bem o tenha sonegado, entre outras práticas dolosas, perderá o direito que sobre eles lhe cabia, conforme estabelece o art. 1.992 do CC (2002).

O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia (BRASIL, 2002, s/p).

No entanto, no direito de família, na partilha de bens conjugais com base em divórcio, inexiste no ordenamento jurídico remédio legal tão eficaz que iniba tais comportamentos, como perda do direito sobre o bem.  Todavia, essa questão pode ser sanada, pois tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 2452/19 (BRASIL, 2019) prevendo o acréscimo de dois parágrafos ao artigo 1575 do Código Civil Brasileiro, que dificultarão sobremodo a vida daquele que mantiver intenção de lesar o cônjuge na partilha de bens por ocasião do divórcio. Conforme a responsável pela apresentação do Projeto no Senado Federal, a senadora Soraya Thronicke (2019) o projeto prevê que:

O cônjuge que sonegar bens da partilha, buscando apropriar-se de bens comuns que estejam em seu poder ou sob sua administração e, assim, lesar economicamente a parte adversa, perderá o direito que sobre eles lhe caiba”. Isso significa dizer, portanto, que aquele que sonegar bens comuns quando   do divórcio perderá o direito que mantinha sobre o bem escamoteado.

Posto isto, a aprovação do PL 2452/19 (SENADO, 2019) possibilitaria uma penalidade mais vigorosa, como forma de inibir a prática dolosa de fraude na partilha de bens por ocasião de divórcio. Desse modo, caso seja comprovada a existência dos bens omitidos, entre outras práticas dolosas, perderá o fraudador direito sobre eles.

No Direito de Família existem circunstâncias nas quais é possível o ajuizamento de ações cautelares, previstas no Código de Processo Civil, com o objetivo de assegurar uma futura partilha dos bens por ocasião do fim matrimonial. Caso um dos cônjuges esteja dilapidando os bens do casal, como forma de frustrar a futura partilha no divórcio, o bloqueio de bens é disciplinado como tutela de urgência com natureza cautelar.

Diante disso, o arrolamento de bens, conforme Benedito Silvério Ribeiro (2009 p. 107), “é utilizado como medida conservativa dos bens do casal, a fim de ser evitada a dilapidação ou dissipação pelo outro cônjuge de bens de fácil liquidação, cuja venda independe de vênia conjugal, como veículos ou joias”. Dessa forma, a medida cautelar reforça a importância de conservar e proteger os bens comunicáveis durante o processo de patilha.

Com base em indícios, provas e circunstância é possível solicitar bloqueio dos bens quando ficar claro o risco do esvaziamento patrimonial, como forma de assegurar o resultado útil e eficaz do processo, tendo por finalidade preservar os bens a serem objeto de partilha na ação de divórcio e evitar qualquer espécie de dilapidação patrimonial.

No que se refere a operações fictícias, os chamados “testas de ferro” que se apresentam enganosamente como empresários, prepostos ou empregados; ou que alteram o volume de negócios, do valor dos ativos, da composição de gastos e custos, dos níveis de endividamento e lucratividades, entres outros, muitas vezes são atitudes que deixam rastro. De acordo Mamede (2022, p.150) o mais simples mecanismo para sua percepção é o estudo da evolução quantitativa da atividade negocial.

Tais posturas costumam deixar indícios que podem ser evidenciados. Ressalta Mamede (2022, p.152), que o mecanismo mais simples para sua percepção é o estudo da evolução quantitativa da atividade negocial, levando em consideração as eventuais alterações do volume de negócios, valores ativos, valor e composição dos gastos, níveis de endividamento e nível de lucratividade.

Para o autor uma das melhores formas de aferir as distorções é a análise do estilo de vida dos envolvidos no fato. É um mecanismo amplamente utilizado, pois o estilo de vida incompatível com a remuneração do agente é uma situação que fortalece a acusação de prática de ato ilícito.

Um dos fatores que dificulta a comprovação da fraude no caso de bens em comum na empresa é a possibilidade de os bens negociáveis ​​do cônjuge saírem legalmente de seu patrimônio. Porém, se for analisada a reincidência de atos, pode indicar que a transação é simulada ou, ainda que real, que o vendedor pretende prejudicar a outra parte.

De acordo Mamede (2022, p. 165.), “um instrumento de combate à fraude quando existem bens comuns na empresa é solicitar antes da partilha uma ação de medida antecedente de arrolamento de bens”. Neste caso, o bem que foi ocultado na partilha continua sendo bem dos cônjuges. Caso esse bem gere frutos, é possível eventualmente solicitá-los como também requisitar danos morais, comprovando as perdas.

Na omissão e manipulação de transações contábeis “livro diário” o grande desafio, contudo, é provar a prática de atos de desvio de dinheiro, desvio de bens, ocultação de operações documentadas, inserção de operações fictícias, manipulação de resultados, para assim conseguir uma intervenção judiciária. Para Mamede (2022, p. 129), o principal instrumento para demonstrar a prática de fraude é a determinação de uma minuciosa auditoria contábil, realizada por profissional gabaritado, com condições de descobrir utilizando de uma compreensão flexível da realidade contábil, a fim de aferir ocorrência.

Para tanto, para investigar e combater qualquer prática de fraude é imprescindível, que a vítima disponha do maior número de informações sobre a situação dos bens do casal, incluindo todos os bens móveis e imóveis adquiridos na constância da união, como forma de comprovar os indícios de autorias ilícitas e ser processualmente protegida pelos mecanismos legais.

Diante da diversidade de fraudes e da complexidade para comprovação dos atos praticados, urge a necessidade de novos instrumentos jurídicos para combater, dificultar e impedir a prática de fraude no direito de família. É explícito que as provas e os indícios de autorias nem sempre são de fácil obtenção, razão pela qual é fundamental que o poder judiciário reconheça essas fragilidades e acolha as provas e indícios existente como forma de investigar, e de resguardar uma partilha igualitária.

3 CONSEQUÊNCIAS E RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSGRESSOR

No que tange à responsabilidade civil do fraudador na partilha de bens conjugais, nota-se que não são tão exploradas quanto as demais áreas da responsabilidade civil, o que possibilita muitas vezes que o lesado permaneça como vítima de um sistema que não se preparou para tais situações, tendo a necessidade de criação e aprovação de leis mais específica e rigorosas a fim de responsabilizar e inibir a prática de fraude de partilha de bens por ocasião do divórcio.

O direito reconhece o ato de fraude como um enriquecimento ilícito, sendo que neste caso cabe ao Poder Judiciário coibir tais ações abusivas. Cahali (2013, p. 52) destaca que a fraude pode ser provada por indícios e circunstâncias, valorando a vida pregressa e o modo de agir do parceiro, a fim de garantir igualdade da partilha de bens, repelindo a má-fé e a ilicitude.

Segundo Tartuce (2008), os pressupostos do dever de indenizar, ou seja, da responsabilidade civil, são a conduta humana, a culpa genérica, o nexo de causalidade e o dano ou prejuízo.

Em vista disso, com comprovação da fraude é possível responsabilizar o fraudador da partilha como forma de restabelecer o equilíbrio econômico, como também de indenizar o dano moral, com caráter compensatório ao abalo sofrido, por meio das demandas ressarcitória e compensatória, respectivamente.  

Quanto à competência para processamento e julgamento da demanda do cônjuge ou companheiro vítima de fraude na partilha, Stolze e Pamplona (2019, p. 777) disseram:

[…] não temos a menor sombra de dúvida em afirmar que a competência para as questões de responsabilidade civil nas relações familiares deve ser, quando existente, da Vara de Família’, pois a análise das peculiaridades e características da família devem ser levadas em conta, quando do julgamento das pretensões (STOLZE e PAMPLONA, 2019, p. 777). 

Ou seja, as questões de responsabilidade civil podem ser cumuladas com a ação de divórcio litigioso ou de dissolução de união estável quando necessário. A fraude à partilha é um ato ilícito gerador de responsabilidade civil ao fraudador, em que o lesado pode demandar visando o ressarcimento por danos materiais e a compensação por danos morais. Uma vez verificada a ocorrência de fraude, faz-se o uso dos dispositivos jurídicos disponíveis para ação, a fim de responsabilizar o fraudador e assegurar que a partilha dos bens conjugais ocorra de forma lícita e igualitária.

Compreende-se que a fraude gera perda patrimonial e que o dano ou prejuízo é um elemento importante da responsabilidade civil, pois determina o dever de indenizar e restabelecer o equilíbrio econômico e jurídico rompido pela conduta do ofensor. Da leitura do art. 927, caput, do Código Civil (2002) é possível observar a essencialidade do dano ou prejuízo com obrigação de reparar “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. A propósito, Silva (2007, p. 184) destaca que

A prática de ato ilícito pelo cônjuge, que descumpre dever conjugal e acarreta dano ao consorte, ensejando a dissolução culposa da sociedade conjugal, gera a responsabilidade civil e impõe a reparação dos prejuízos, com o caráter ressarcitório ou compensatório, consoante o dano seja de ordem material ou moral. ’ O princípio da reparação civil de danos também se aplica à ‘separação-remédio’, em face do descumprimento de dever de assistência do sadio para com o enfermo mental, após a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal. ‘Por ser o casamento um contrato, embora especial e de Direito de Família, a responsabilidade civil nas relações conjugais é contratual, de forma que a culpa do infrator emerge do descumprimento do dever assumido, bastando ao ofendido demonstrar a infração e os danos oriundos para que se estabeleça o efeito, que é responsabilidade do faltoso (SILVA, 2007, p 184). 

Assim, pode considerar-se que o ex-cônjuge ou ex-companheiro que viola os direitos patrimoniais da outra parte por meio de esquemas de fraudulentos com o objetivo de proteger os bens contra a partilha, exerce atos ilícitos e cria a obrigação de indenizar.

Infere-se que a responsabilização por dano material consiste na perda patrimonial, no entanto, é possível também vislumbrar o desprazer, o abalo emocional ou a tristeza decorrente da violação do direito de meação pelo fraudador que possibilita o dever de reparar o dano moral suportado, atribuindo-se à indenização um caráter compensatório, que visa minimizar da melhor forma a dor sofrida.

Nesta perspectiva,Reis (2000 p.79/80.) Discorre que:

No caso dos danos extrapatrimoniais é indiscutível que o valor da indenização, representado em dinheiro, não tem função reparadora, própria dos danos materiais. Aliás, este exercício aritmético é impossível quando se trata de danos imateriais, porque a tese predominante, entre todas as objeções ao dano moral, a que experimentou a maior fortuna foi a da impossibilidade de estabelecer equivalência entre o dano e o ressarcimento. Neste caso, a função será meramente satisfativa, ou ainda, uma forma de compensar o lesado pelos sofrimentos ocasionados pelo agente do ato ilícito. Mesmo porque não haverá meios de se aquilatar o prejuízo decorrente da dor, pois o sofrimento é insuscetível de ser mensurado (REIS, 2000, p. 79/80).

  Neste sentido, consagra-se a tese da compensação, e não do ressarcimento, ou seja, a função da reparação é meramente compensatória, visto que a finalidade não é reestabelecer o estado anterior e sim suavizar o sofrimento com o dano extrapatrimonial.

Quando comprovados atos fraudulentos de má-fé, é possível impugná-los por meio de ação revogatória, quando os bens não estiverem mais incluídos no patrimônio original, uma vez que a fraude envolveu atos jurídicos aperfeiçoados, esta ação visa declarar ineficazes atos e negociações enganadoras. A função da revocatória é declarar ineficaz determinados atos, tornando-os sem efeito, possibilitando a volta ao acervo do casal os bens desviados.

Por outro lado, quando os atos estão relacionados à partilha viciada, a defeito do negócio jurídico, a desproporção severa poderá destinar-se a uma ação de anulatória, desconstitutiva, retroagindo e desfazendo os efeitos abatidos. O art. 182 do Código Civil (2002) ressalta que, anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.

Atentando para um bem adquirido na constância do casamento ou união estável que foi ocultado e o descobrimento se deu posteriormente à homologação da partilha, poderá o lesado solicitar a sobrepartilha, ou seja, uma nova divisão é realizada quando uma das partes não tem conhecimento de determinado (s) bem (ns), seja por ato de má-fé da outra parte ou porque descobriu só depois que os bens ficaram de fora na divisão. 

Em conformidade com o Código Civil (2002), o prazo para se entrar com pedido de sobrepartilha é de 10 anos, e dos frutos dos bens sonegados por atos ilícitos cabe ação de indenização.

Considerando o fato de que a finalidade do legislador é garantir uma partilha justa e equilibrada, a pena de sonegados prevista no art. 1992 do Código Civil (2002) – situada no Livro do Direito Sucessório, que diz que

O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-lo, perderá o direito que sobre eles lhe caiba (BRASIL, 2002, s/p).

Existes entendimentos doutrinários no sentido de que este artigo poderia ser plenamente aplicável ao Direito de Família, pois trata de norma jurídica de produto social e cultural, que busca a real finalidade de servir a sociedade. Além de punir o fraudador, ela tem caráter pedagógico e social, pois desestimula aquele que tem intenção de fraudar, diante do risco da perda do patrimônio omitido.

Contudo, diante da resistência de alguns juízes na aplicação da pena de sonegados, a solução plausível seria a aprovação do Projeto de Lei 2452/19, que acrescenta os § 2º e § 3º ao art. 1.575 do Código Civil (2002), para também dispor sobre a fraude na partilha de bens na ocasião da dissolução do casamento. Sendo que a perda do patrimônio associada às demais sanções seria uma excelente forma de inibir a prática de fraude e responsabilizar o fraudador, como também daria aos sujeitos operadores jurídicos os meios para efetivar partilhas justas e eficientes.

Portanto, ter disponível uma legislação mais rigorosa, que visa maior respaldo e enfretamento para preservar e resguardar o patrimônio comum do casal principalmente da parte mais vulnerável que precisa ser protegida processualmente por meio de mecanismos legais, é seria uma das formas de garantir uma partilha igualitária e justa.

Todavia, o PL 2452/19, que trata da perda dos bens sonegado no direito de família por divórcio, encontra-se atualmente em processo de tramitação no Senado Federal, com isso reforça ainda mais a necessidade de uma postura proativa da parte, da advocacia e do judiciário para proteger os bens conjugais.

Desse modo, faz se necessário o uso das normas legais disponíveis para inibir e responsabilizar o fraudador utilizando todos os meios de prova com o propósito de buscar a verdade dos fatos. A finalidade é desvendar o momento efetivo em que a fraude foi perpetrada, responsabilizar o fraudador, evitar a ocorrência de atos fraudulentos e inibi-los progressivamente na partilha de bens conjugais

4 CONCLUSÃO

No contexto abordado, nota-se que a fraude na partilha de bens é recorrente no direito de família e que a legislação existente ainda é frágil no que tange a impedir a execução de fraude e responsabilizar o fraudador.

Com base no estudo, é possível perceber que a fraude está muitas vezes motivada por pensamentos individualistas e egoístas de prejudicar materialmente o ex-cônjuge ou ex-convivente, não estando o fraudador disposto a agir com a boa-fé necessária na partilha de bens.

Se constatou que entre as fraudes mais comuns estão, a ocultação de bens, a conduta dolosa de má-fé, as operações simuladas, a manipulação societária, a simulação empresarial; a omissão e manipulação de transações no livro diário, e o esvaziamento do patrimônio societário.

Dentre os principais instrumentos de combate estão, a desconsideração inversa da personalidade jurídica, a desconsideração da personalidade física; a sobrepartilha quanto aos bens ocultados, o ajuizamento de ações cautelares para bloqueio de bens, a ação de medida cautelar para arrolamento de bens; a auditoria contábil, a análise do estilo de vida dos envolvidos no fato e a importância  do ofendido ter conhecimento da situação dos bens do casal, como forma de colaborar com os indícios de autorias ilícitas.

 Todavia, mesmo diante desses instrumentos de combate, nota-se casos frequentes de fraude em partilhas de bens. Ocasião que se tornou evidente com base nos estudos que o ordenamento jurídico brasileiro carece de remédio legal e eficaz que iniba tais comportamentos, como forma de proteger os bens conjugais e evitar possível favorecimento de um dos cônjuges na dissolução do casamento. Havendo assim, a necessidade de sanção civil específica e mais rigorosa àquele que tira o patrimônio comum no processo de divórcio.

A aprovação do PL 2452/19, que atualmente tramita no Senado Federal, seria um grande marco no direito de família, visto que possibilitaria responsabilizar o fraudador com sanções mais rígidas, como a perda do direito sobre os bens sonegados. Tendo como resultado a repressão da prática de fraude na partilha de bens por ocasião de divórcio.

Todavia, considerando que o projeto de lei ainda não foi aprovado e diante da existência de recorrentes práticas de fraude que prejudicam a meação, uma das principais estratégias para buscar uma partilha justa e lícita é o conhecimento prévio das possíveis fraudes, com a finalidade de detectá-las e então saná-las em tempo hábil, sendo necessária uma postura proativa da parte eventualmente lesada e da advocacia, utilizando das ações legais disponíveis no ordenamento jurídico.

Do judiciário, espera-se que acolha os indícios apresentados a fim de possibilitar uma investigação que busque a verdade dos fatos, permitindo a restauração dos bens e a transparência na partilha de bens conjugais, para assim propiciar uma partilha lícita e justa.

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¹Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS.E-mail: ana.mb@unitins.br
²Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela UNIMAR. Professora do Curso de Direito da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS. Advogada. E-mail: karine.ag@unitins.br