FEMINISMO, GÊNERO E PEDAGOGIA QUEER: DEBATES IMPORTANTES NA E PARA A EDUCAÇÃO 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7756520


José Ariosvaldo Alixandrino1
Luciane Silva de Souza2


RESUMO

Dentre as pautas contemporâneas que abrangem os caminhos para a desconstrução do patriarcado e da monocultura no ensino, bem como, a cultura antirracista, tem-se a necessária inovação das práticas educacionais, desfazendo estereótipos que mantém a dominação de classe, de raça e gênero, ampliando as desigualdades e injustiças sociais. O objetivo do artigo foi identificar as ações que contribuem para a promoção da educação emancipadora antirracista e contra as discriminações de gênero. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, realizada pelo procedimento metodológico da revisão bibliográfica em consulta a teóricos da educação, filósofos e sociólogos que elucidam a teoria feminista e pedagogia queer. Ficou compreendido que por mais avanços das lutas feministas que impactaram em todas as esferas da vida social desconstruindo o patriarcado e a opressão exercida pela misoginia e patriarcado, a educação ainda parte de princípios excludentes atuando para manter o poder por meio da normatização de padrões que contribuem para a violência de gênero e marginalização das minorias vulneráveis. É por meio de mudanças nas práticas pedagógicas, tornando a escola um ambiente de diálogo e reconhecimento da diversidade é que a educação poderá se tornar emancipadora. A pedagogia queer atua para o rompimento da educação heteronormativa desmistificando o gênero e o questionável, favorecendo a valorização e naturalização das diversas realidades inseridas no contexto escolar.

Palavras-chave: Pedagogia Queer. Discriminação de Gênero. Feminismo.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil na atualidade, ainda carrega fundamentos e valores herdados de seu passado escravista e colonial, de dominação burguesa, patriarcal e subalterno em perspectiva internacional. Rummert, Algebaile e Ventura (2013) explicam que a perspectiva do capital-imperialismo se faz em três dimensões, sendo estas o impulso expropriador, o predomínio do capital monetário e a dominação da pura propriedade capitalista. 

É denominado de colonial as práticas opressivas que utilizam o gênero, a raça ou a etnia como critérios de inferioridade, como a exemplo a escravidão, a discriminação ou o patriarcalismo, reforçado nas práticas coloniais. Por meio de uma grande luta anti-racista e anti-machista, as mulheres se inseriram no mercado de trabalho e na educação, chegando aos bancos universitários. Entretanto, Hooks (2009) afirma que o machismo é um aspecto discriminatório que se apresenta com força maior que o racismo em Faculdades espalhadas pelo mundo. 

Na condição de feminista, Hooks (2009) denuncia e contesta todo o sistema de opressão inscrito na sociedade, refletidos na educação, lutando para a libertação humana, de classe, de gênero e de raça. Hollanda (2019), por sua vez, afirma que o feminismo é toda a forma de lutar contra a opressão, pela ampliação dos direitos civis da mulher e contra qualquer discriminação de gênero. 

Diante disso, o objetivo geral deste texto é identificar as ações que contribuem para a promoção da educação emancipadora antirracista e contra as discriminações de gênero. Os objetivos específicos foram: apresentar o cenário nacional da educação marcado pela exclusão e padronização que invisibiliza a diversidade; descrever a realidade da manutenção da discriminação de gênero pelos apelos machistas, misóginos e homofóbicos na sociedade e educação e refletir sobre a pedagogia queer como fonte de educação para a diversidade que contribui para a desconstrução das práticas discriminatórias.

O tema é relevante e emergente, pois, a educação é afirmada pela legislação brasileira como direito fundamental, de forma que deve promover a inclusão de todas as pessoas considerando suas necessidades e particularidades. Por meio da educação emancipadora pode-se construir a cultura democrática regida pela diversidade e combate a todas as formas de discriminação e preconceitos. Portanto, debater as questões de gênero é abrir caminhos para a reflexão de docentes, gestores e demais atores da educação sobre a importância de romper com a cultura machista que amplia as desigualdades e promove a opressão e violência.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva realizada pelo procedimento metodológico da revisão bibliográfica. Foram consultados teóricos da educação como Hollanda (2019), Bell Hooks (2013), Djamila Ribeiro (2019), entre outros. Foram também consultados artigos científicos encontrados nos repositórios digitais da Scientific Digital Library Online – Scielo, Capes e Google Scholar.

2 A EDUCAÇÃO EXCLUDENTE DO BRASIL

O Brasil foi construído historicamente dentro da perspectiva de desigualdade social, e isso se reflete nas expressões culturais, nas ocupações, no acesso a oportunidades, nas relações sociais em forma de discriminação e na apropriação e alcance de bens e serviços. A educação, ao mesmo passo que é afirmada como instrumento social de inclusão e construção de equidade e valorização das diferenças, é praticada pela lógica elitista do poder e afirmação do sistema opressor e heteronormativo em favor do capitalismo excludente (RIBEIRO, 2019). 

Bourdieu (1998) afirma que a reprodução e a insistente dominação de gênero, dadas pelas construções sociais que remetem aos papéis biológicos, dos hábitos, dos esforços cognitivos e somáticos que levaram a divisão do gênero e seus papéis na sociedade, se deu por meio de uma educação informal. Dessa forma, é a subjetividade do gênero que ganha representação em posturas femininas e masculinas e são reafirmadas na construção objetiva e real de uma sociedade dividida por gêneros.

A construção da divisão de funções sociais e importância dos mesmos baseados no gênero é uma ação pedagógica, implícita de forma quase invisível, pois é automática, isto é, não se concretiza por meio de um agente. Ela acontece por meio das relações públicas e privadas impressas nas conjunções masculinas que regulam as relações físicas e sociais, em que a mulher deve portar-se de determinado modo em atribuição de suas tarefas peculiares que são as mais mesquinhas e inferiores em comparação às nobres atividades exercidas pelo homem (BOURDIEU, 1998).

O trabalho pedagógico de domínio do homem sobre a mulher, mostra-se incessante na análise da história das reproduções da estrutura que partem de princípios objetivos e subjetivos que tomam corpo com a Instituição do Estado, da Igreja, da Escola e principalmente da Família. Ribeiro (2019) explica que o discurso hegemônico é mantido se não houver a construção identitária do sujeito, se autoafirmando em oposição às normativas impostas pelas elites excludentes.

2.1 Discriminação de Gênero

O conceito de gênero é baseado na distinção entre sexo, fator biológico, e a construção social, cultural e histórica dos papéis representativos que a divisão por gênero exerce nas relações em sociedade. Siqueira e Samparo (2017), explicam que foram os sexólogos Anke Ehrhardt e John Money, que no ano de 1972, fizeram a separação de sexo e gênero, na mesma década de 1970 grupos feministas também partiram da mesma concepção da divisão entre sexo e gênero. Dessa forma, o sexo está ligado estreitamente aos aspectos biológicos inerentes a todos os seres humanos enquanto o gênero permeia a construção identitária, não dependendo do sexo para as suas associações.

A construção da divisão de gêneros na sociedade é feita desde os conceitos da filosofia clássica, em que Aristóteles demonstrava em suas teorias que a mulher seria matéria passiva até mesmo na concepção fetal, o que gerou na filosofia de Hipócrates a divisão do ser humano entre fraco (feminino) e forte (masculino).

O gênero implica quatro elementos relacionados entre si. 1) símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações múltiplas; 2) conceitos normativos que colocam em evidência interpretações do sentido dos símbolos que tentam limitar e conter as suas possibilidades metafóricas; 3) as relações de poder e dominação presentes nas instituições e organizações sociais; 4) a identidade subjetiva (SCOTT, 1998 apud ARAÚJO, 2011, p.36).

Essa relação implica em uma estruturação hierárquica, que está intimamente ligada à política, o poder, confirmando a construção dos papeis sociais, tão somente, nas relações históricas estabelecidas com base na dominação masculina. Somente muito tempo depois, que por meio dos estudos de Sigmund Freud e Jean Paul Sartre que o fenômeno de gênero foi atribuído à sexualidade, de forma que o ser humano irá associar sua identidade e representação social a partir do seu sexo (SIQUEIRA, SAMPARO, 2017).

Sendo assim, estudos de feministas como os de Simone Beauvoir, concluíram que a humanidade, até então, havia pensado na mulher como um complemento do homem, um ser incompleto e de tendências duvidosas pela sua própria natureza feminina. É recapitulando o que pensam os filósofos e estudiosos da antiguidade clássica e período medievo que a autora se depara com a afirmativa de que a mulher estava sendo subjugada simplesmente por ser mulher! Dessa forma, Beauvoir afirma: 

A mulher tem ovários, um útero; eis as condições singulares que a encerram na sua subjetividade; diz-se de bom grado que ela pensa com suas glândulas. O homem esquece soberbamente que sua anatomia também comporta hormônios e testículos. Encara o corpo como uma relação direta e normal com o mundo que acredita apreender na sua objetividade, ao passo que considera o corpo da mulher sobrecarregado por tudo o que a especifica: um obstáculo, uma prisão. “A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades”, diz Aristóteles. “Devemos considerar o caráter das mulheres como vítimas de certa deficiência natural”. E Sto. Tomás, depois dele, decreta que a mulher é um homem incompleto, um ser “ocasional”. É o que simboliza a história do Gênese em que Eva aparece como extraída, segundo Bossuet, de um “osso supranumerário” de Adão. A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a êle; ela não é considerada um ser autônomo. “A mulher, o ser relativo…”, diz Michelet. E é por isso que Benda afirma em Rapport d’Uriel: “O corpo do homem tem um sentido em si, abstração feita do da mulher, ao passo que este parece destituído de significação se não se evoca o macho… O homem é pensável sem a mulher. Ela não, sem o homem”. Ela não é senão o que o homem decide que seja; daí dizer-se o “sexo” para dizer que ela se apresenta diante do macho como um ser sexuado: para êle, a fêmea é sexo, logo ela o é absolutamente. A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro (BEAUVOIR, 1970, p.10).

É pelos conceitos da filosofia que a história se construiu a partir do ponto de vista da dominação do masculino sobre o feminino, expressa nas relações patriarcais verificadas ao longo da história, como elucida o materialismo histórico. Engels, em 1884, em sua obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” afirma que a discriminação nas relações de gênero se deu a partir das divisões de classe (ENGELS, 1984). 

Durante a Idade Média, com a ascensão das ideias católicas a mulher ficou estritamente marginalizada aos afazeres do lar, devendo obediência ao seu pai e depois ao seu marido (SIQUEIRA; SAMPARO, 2017). As mulheres começam a exigir uma maior liberdade e participação ativa a partir do Renascimento, sendo assim iniciaram-se as atividades femininas, como escrivã, médica e principalmente professoras, porém essas atividades eram marcadas pela inferioridade de salários recebidos em relação ao trabalho masculino.

Na Revolução Francesa, as mulheres lutaram pela igualdade. Porém, acerca da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Rousseau afirmava que era impossível equiparar as mulheres aos homens. Siqueira e Samparo (2017), explica que para Rousseau as mulheres deveriam servir aos homens pela naturalidade de sua inferioridade. A inferioridade de gênero nas relações patriarcais fora, durante certo período, compensada pelas discriminações raciais.

Hooks (2013) elucida que as mulheres brancas atuavam com superioridade em relação às mulheres negras, mesmo as pertencentes às mais baixas classes sociais, dada as normas sexistas que eram compensadas pelas relações sociais por vínculos de poder. As mulheres negras guardavam um ressentimento sobre a opressão social, o que abarca, também, as mágoas quanto a falta de compaixão das mulheres brancas quando as mulheres negras sofriam abusos sexuais e violências físicas, bem como, tinham seus filhos levados para longe de si, pois, as mulheres brancas conheciam o sofrimento da violência e o amor das mães com os filhos:

Apesar da opressão brutal das escravas negras, muitas mulheres brancas tinham medo delas. Talvez acreditassem que, mais que qualquer outra coisa, as negras queriam trocar de lugar com elas, adquirir o status social delas, casar-se com seus maridos (HOOKS, 2013, p. 132). 

Nota-se, que a relação patriarcal de opressão do homem sobre a mulher, reforçou, também, as estruturas do racismo, pois, como explica Hooks (2013) mesmo após a abolição da escravatura, os tabus sociais impunham a superioridade racial branca sobre a negra perpetuando estereótipos degradantes para a feminilidade negra na história. 

Foi a partir dos movimentos feministas surgidos no contexto da Revolução Francesa de 1798 que houve a manifestação pública da mulher em busca por direitos. Porém, Hooks (2013) afirma que, mesmo os estudos feministas, ainda impõem opressão às mulheres negras, pois diversos estudos sobre elas são publicados por mulheres brancas, sem, contudo, contemplarem os aspectos da teoria feminista por uma perspectiva inclusiva:

Houve tantas ocasiões feministas que afloraram as diferenças, e com elas, expressões de dor, fúria e hostilidade! Em vez de lidarmos com essas emoções e continuarmos nossa sondagem intelectual em busca de intuições e estratégias de confrontação, todas as vias de discussão se bloqueiam e nenhum diálogo ocorre. (HOOKS, 2013, p. 147-148)

As reflexões expressas pela autora rememoram os desafios que são apresentados em suas da valorização das diferenças e equidade social, com discriminações que se entrecruzam e, se não trabalhadas, servem de aporte ao patriarcalismo e colonialismo das relações epistemológicas e sociais. 

Carvalho (2012) afirma que os debates sobre os papéis exercidos com base na classificação de sexo, tem gerado a reflexão sobre a fundamentação funcionalista dessa divisão, impactando na reconstrução objetiva e simbólica das representações femininas e masculinas na sociedade. A concepção de gênero ainda está em construção e requer uma prática reflexiva constante para que os papéis masculino e feminino ganhem uma nova percepção social e concorram para a igualdade nas funções e relações da vida em sociedade.

Paulo Freire (2013) revela que os oprimidos são aqueles que foram silenciados pelos processos de domínio, da prática colonial, oprimidos de todos os gêneros e classes sociais. A luta de Paulo Freire é associada ao verdadeiro rompimento com a opressão em cada nuance e processo social, incluindo a linguagem autoritária, opressora, machista modelada pela reflexão da organização social. Diante disso, Hooks (2020) defende a desobediência das normas que afirmam a supremacia branca e patriarcal, bem como, da cultura homogênea no Ocidente para que sejam ampliados os olhares e criadas, pela criticidade, alternativas para as representações, em todos os seus âmbitos.  

2.2 Lutas feministas e educação

Com a inserção da mulher no mercado de trabalho e maior participação na vida social e acadêmica, foi notado que a mulher era, também, protagonista de conhecimentos científicos, sendo necessário desconstruir a visão de limitação no raciocínio lógico, que a ela foi atribuída, para que houvesse a sua valorização. Ressalta-se, porém, que mesmo comprovando sua capacidade de aprendizado e produção de conhecimentos, é nas relações de gênero que os poderes são afirmados, por isso, na História das Ciências há, ainda, a invisibilidade da mulher (LOURO, 1997).

As mulheres foram responsáveis por reivindicar a educação de qualidade e de acesso a todos como uma das prioritárias pautas para a nova Constituição, pois era compreendido que a educação, além de garantidora de direitos e acesso à condições de vida melhores, ainda era instrumento de conscientização sobre as questões étnico-raciais. Lélia Gonçalvez foi um dos influentes nomes do feminismo negro no Brasil do Século XX, que deixou inúmeras contribuições para a educação antirracista e decolonial (ANDRADE, 2018). 

O Movimento Negro Unificado, fundado por Lélia Gonçalvez aliado ao Partido dos Trabalhadores, esteve em atividade ativa política na década de 1980, anos antes da proclamação da nova Constituição de 1988, conhecida como Carta Cidadã. Safiotti (2015) afirma que as hierarquias sociais, parte da história, atuam para que haja privilégios de classe para a apropriação de bens a partir de técnicas de dominação, verificada na quebra no tratamento de igualdade no acesso de oportunidades apresentado na esfera pública. 

Monteiro (2019) afirma que a temática de gênero nos livros didáticos passou por um processo evolutivo, com maior representação e visibilização das minorias, entretanto, tal movimento deve se fortalecer e atuar para a transmissão de inúmeras mensagens emergentes que estimulem debates e reflexões em sala de aula, retirando o silenciamento de grupos historicamente excluídos. 

A mulher no mercado de trabalho deve ser apresentada com relação de igualdade, inserida nas mais diversas profissões e cargos, refletindo as vitórias dos movimentos feministas e conquistas até aqui realizadas, bem como, problematizando as relações de desigualdade salarial, de discriminação, de assédio, para que, criticamente, os estudantes conheçam tal realidade e possam atuar em sentido de transformação, para uma sociedade mais justa e igualitária. Louro (1997) afirma que o movimento de visibilização da atuação da mulher nas ciências e no trabalho não pode ser interrompido ou reduzido, mas sim, intensificado e enriquecido, trazendo inúmeras questões que perpassam tal realidade para o cotidiano dos jovens inseridos em sala de aula.

2.3 Pedagogia Queer

A escola se faz como um espaço privilegiado de transmissão de conhecimentos histórico-culturais para os estudantes. Atuando por meio e com intencionalidade política, a educação escolar é norteada por parâmetros políticos, culturais e sociais do local em que se insere, de forma a servir de instrumento de manutenção do poder ou como agente de transformações. 

Para Arroyo (2006), é parte integrante do direito fundamental à educação, o acesso aos conhecimentos que circundam os diferentes espaços sociais. Nesse ínterim, os estudantes são sujeitos de direitos, de forma que ao constituírem o espaço escolar com suas múltiplas identidades devem ter acesso ao conhecimento desconstruído da lógica mercantilista para que estejam preparados para os desafios do novo Século, com plena formação, em que sejam desenvolvidas todas as dimensões humanas e não treinadas habilidades e competências que reproduza a lógica da catalogação por padronização de aceitável ou não na manutenção do status quo social.

Como resultado do esforço de educadores para a formulação de práticas não normativas no espaço escolar, surgiu a pedagogia queer. Louro (1887) explica o conceito de queer: 

[…] Queer é tudo isso: é estranho, é raro, esquisito. Queer é também o sujeito da sexualidade desviante – homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, drags. É o excêntrico que não deseja ser ‘integrado’ e muito menos ‘tolerado’. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o quer como referência; um jeito de pensar e de ser que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do “entre lugares”, do indecidível. Queer é um corpo estranho, que incomoda, perturba, provoca e fascina. (LOURO, 2007, p. 08).

A teoria foi iniciada sob forte influência de autores como Jacques Derridá, Michael Foucault, Jacques Lacan e, na atualidade, tem como representante Judith Butler. A teoria queer está relacionada aos termos da binaridade, de gêneros, pois a teoria busca repensar os gêneros, desconstruindo o que é tradicional e seus princípios norteadores e orientadores, que durante algum tempo parecia ser impossível, sendo assim um conjunto de pluralidade de vivências de gênero e sexualidades (LISBOA, 2016).

Cavalcanti e Ferreira (2017) defendem que pela pedagogia queer tem-se a esperança de desconstruir os discursos normatizadores de sexualidade e gênero. Por tal concepção considera-se as múltiplas identidades e seus respectivos conflitos com a sociedade contemporânea. É nesse sentido que por uma nova ótica pedagógica pode-se notar e evidenciar as contradições da modernidade para além das desigualdades socioeconômicas, mas também, pelas diferentes identidades assumidas pelos sujeitos. 

Direcionando sua abordagem para a crítica da oposição homossexual/heterossexual deslocando a dúvida do campo repulsivo e desconfortável para a estimulação e produtividade. Propõe-se, então, a discutir a lógica de construção dos regimes de normalização social, elevando o patamar do conhecimento ao nível interminável, cheio de possibilidades que desafiam as lógicas das legitimações e legitimações construídas historicamente (LOURO, 2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os negros, pobres e as mulheres chegaram à exclusão total do processo educativo, sendo, aos poucos inseridos às instruções primárias, porém, com diversas restrições de acesso. Apenas no Século XX, com o avanço das reivindicações de movimentos sociais populares, é que puderam ter acesso a todos os níveis de ensino. O principal avanço desse período, abrindo um amplo campo de debate sobre as formas de dominação, foi a afirmação Constitucional dos Direitos Fundamentais respaldados nos Direitos Humanos, que garantiu a oportunidade de acesso à todas as pessoas ao Sistema de Ensino, em todos os níveis, sem discriminação de gênero, raça, etnia, classe social ou qualquer outra especificidade. 

Porém, constata-se um abismo entre as proposições legais frutos de reivindicações sociais e lutas feministas e a realidade prática das escolas. Visto que na contemporaneidade os conflitos englobam as múltiplas identidades assumidas pelos sujeitos além das desigualdades econômicas-sociais, é necessário pensar em inovações pedagógicas que rompam com o pensamento heteronormativo e patriarcal para a educação. 

A pedagogia queer é capaz de atuar por uma nova ótica do conhecimento, questionando a sua construção e funcionalidade para a manutenção do poder que oprime, aprisiona e promove a discriminação de gênero. Compreende-se que a pedagogia queer auxilia os sujeitos no rompimento da normatização, caminhando pela emancipação na educação por meio do reconhecimento e valorização da diversidade no ambiente escolar. 

REFERÊNCIAS

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1Mestre em Educação, Linguagem e Tecnologias pela Universidade Estadual de Goiás. Graduado em Letras e Pedagogia. Professor efetivo na Rede Municipal de Ensino da Prefeitura de Goiânia e também na Prefeitura Municipal de Aparecida de Goiânia. E-mail: jose.alixandrino@outlook,com
2Doutora em Educação. Mestra em Letras e Linguística. Graduada em Letras, Pedagogia e Direito. Docente efetiva da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: souza.luciane@uft.edu.br