FEMINICÍDIO: A EFETIVIDADE DAS LEGISLAÇÕES DE PROTEÇÃO À MULHER NO BRASIL 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10982874


Marnei Marques de Lima1
Pedro Henrique Oliveira2


RESUMO

Este estudo teve por objetivo aprofundar a análise sobre a eficácia das legislações voltadas para a proteção da mulher no Brasil, especialmente no que se refere ao combate ao feminicídio, ao examinar a Lei Maria da Penha e sua interseção com a tipificação do feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio, busca-se compreender a relação entre a legislação e a efetiva salvaguarda das mulheres em situações de violência de gênero. O trabalho não apenas investiga a aplicação prática dessas leis, mas também explora as causas subjacentes da violência contra a mulher e destaca a necessidade premente de políticas públicas que não se limitem apenas à punição dos agressores, mas que também atuem na desconstrução de estereótipos de gênero e na promoção da igualdade de direitos. O estudo visou contribuir para o aprimoramento das políticas de proteção à mulher e para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, a metodologia aqui empregada foi qualitativa, por meio de uma revisão bibliográfica, ao final, observa-se que ainda há muito o que ser feito para garantir e resguardar a vida das mulheres.

Palavras-chave: Feminicídio; Justa e igualitária; Conscientização.

ABSTRACT

This study aimed to deepen the analysis of the effectiveness of legislation aimed at protecting women in Brazil, especially concerning the fight against femicide, by examining the Maria da Penha Law and its intersection with the classification of femicide as a qualifying circumstance for homicide. The goal was to understand the relationship between legislation and the effective safeguarding of women in situations of gender-based violence. The work not only investigated the practical application of these laws but also explored the underlying causes of violence against women and highlighted the pressing need for public policies that go beyond merely punishing aggressors. It advocated for initiatives that also address the deconstruction of gender stereotypes and the promotion of equal rights. The study aimed to contribute to the improvement of policies for women’s protection and to the construction of a fairer and more egalitarian society. The methodology employed was qualitative, through a bibliographic review. In conclusion, it is observed that there is still much to be done to ensure and safeguard the lives of women.

Keywords: Femicide; Just and egalitarian; Awareness.

1.INTRODUÇÃO 

O feminicídio é um fenômeno social que afeta todas as camadas da sociedade, independente de classe ou raça, apesar de sua complexidade, que transcende os números oficiais e revela informações cruciais sobre as vítimas, o tema desperta grande interesse, especialmente diante dos discursos que buscam desqualificar as mulheres vítimas, evidenciando os desafios na aplicação da legislação pertinente, nesse contexto, este estudo se propõe a abordar o feminicídio, focando especificamente nas políticas públicas de proteção à mulher.

Atualmente, o feminicídio figura como um dos crimes mais violentos em vários estados, apresentando índices alarmantes em comparação com outros crimes, diante desse cenário, o Estado tem buscado implementar medidas para combater o feminicídio, contudo, diante dos altos índices de violência contra a mulher, questiona-se a efetividade das políticas públicas no combate a esse crime, tendo como problemática, a seguinte pergunta: Qual a efetividade das políticas públicas no combate ao feminicídio?

Apesar dos avanços legislativos na proteção da mulher e na tipificação dos crimes de violência de gênero, ainda existem lacunas que precisam ser compreendidas, especialmente no que diz respeito à naturalização da violência de gênero, desde a promulgação da Lei Maria da Penha e da Lei 13.104/2015, a violência contra a mulher, especialmente a doméstica, passou a ser combatida e punida com mais rigor.

O feminicídio é descrito como um crime de ódio cometido contra mulheres de todas as idades, vitimadas por sua condição feminina, com isso, este estudo se justifica pela necessidade de aprofundamento, tanto do ponto de vista social quanto jurídico, visando fornecer à sociedade aspectos relevantes sobre a temática, que ainda carece de maior investigação.

Além disso, a importância do estudo sobre feminicídio reside na necessidade de trazer uma abordagem científica para a academia, servindo de base para estudos jurídicos e interessando tanto à sociedade em geral quanto aos profissionais do direito de forma mais específica.

Com esta pesquisa, espera-se esclarecer questões relacionadas à ineficácia das políticas públicas na proteção das mulheres contra o feminicídio e contribuir legitimamente para a ciência jurídica.

2.A MULHER NA HISTÓRIA DA SOCIEDADE DURANTE A IDADE MÉDIA E SUA CONSTANTE EVOLUÇÃO NA BUSCA PELA IGUALDADE DE DIREITOS

A história das mulheres no mundo é marcada por uma longa jornada de lutas, desafios e conquistas. Por muitos séculos, as mulheres foram sistematicamente marginalizadas e privadas de direitos básicos, relegadas a papéis secundários na sociedade (VIEGAS, 2019).

Essa narrativa de desigualdade de gênero é profundamente enraizada na cultura e nas estruturas sociais em todo o mundo. Ao longo dos anos, no entanto, as mulheres têm demonstrado uma notável resiliência e determinação na busca por igualdade, e suas conquistas têm transformado profundamente o curso da história (VÁSQUEZ, 2015).

Durante a Idade Média, a visão predominante da mulher era a de pecadora e tentadora, seu papel primordial estava ligado à maternidade e ao casamento. No entanto, o Renascimento trouxe avanços na educação das mulheres, permitindo que algumas participassem de círculos intelectuais, embora em número reduzido (SOUZA, 2016).

O século XVIII trouxe o Iluminismo e discussões sobre direitos naturais, mas as mulheres ainda enfrentavam discriminação generalizada, tanto legal quanto socialmente. Foi apenas no final do século XIX e início do século XX que movimentos sufragistas em países como os EUA e o Reino Unido começaram a lutar pelo direito das mulheres ao voto, um marco importante na busca pela igualdade de gênero (SOUZA, 2021).

As duas guerras mundiais também tiveram um papel crucial na transformação da percepção das mulheres na sociedade. Durante esses períodos, as mulheres desempenharam papéis vitais na força de trabalho, fortalecendo a demanda por igualdade de direitos (SOUZA, 2016).

Nos anos 1960 e 1970, a segunda onda do feminismo ganhou força em todo o mundo. Esse movimento não se limitou apenas à busca por direitos políticos, mas também buscou igualdade no local de trabalho e nas relações pessoais. A luta pelos direitos reprodutivos e a legalização do aborto também se tornaram pontos centrais no ativismo feminista dessa época.

Avanços legais, como a Lei de Direitos Iguais dos EUA (1963) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher da ONU (1979), marcaram importantes progressos na busca pela igualdade de gênero. A participação das mulheres na política e em cargos de liderança aumentou substancialmente nas últimas décadas, demonstrando uma mudança significativa na sociedade (VIEGAS, 2019).

No entanto, desafios contemporâneos persistem. A disparidade salarial, a violência de gênero e a desigualdade ainda são questões urgentes em muitos lugares do mundo. Movimentos globais como o #MeToo e o #NiUnaMenos destacaram a necessidade de enfrentar o assédio sexual e a violência de gênero (VÁSQUEZ, 2015).

A luta das mulheres por igualdade continua evoluindo para abordar questões de diversidade, raça, orientação sexual e identidade de gênero. A pandemia de COVID-19 trouxe desafios adicionais, como o aumento da carga de trabalho não remunerado das mulheres. 

2.1.EVOLUÇÃO DAS LEIS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL

A história das leis de proteção à mulher no Brasil reflete uma jornada complexa de transformações sociais e políticas ao longo dos anos. Essas mudanças refletiram a evolução da sociedade brasileira em relação às questões de gênero e à busca por igualdade e justiça para as mulheres (SOUZA, 2016).

Até o início do século XX, o Brasil estava imerso em uma estrutura patriarcal profundamente enraizada. O Código Civil de 1916, baseado nas leis portuguesas, estabeleceu a mulher casada como legalmente subordinada ao marido, privando-a de muitos direitos civis, incluindo o direito de voto. Esse código manteve uma visão antiquada e discriminatória da mulher por muitas décadas (GRECO, 2017).

No entanto, as décadas de 1960 e 1970 marcaram um período de agitação social no Brasil e no mundo. Foi nesse contexto que a Lei do Divórcio foi promulgada em 1977. Essa lei permitiu que as mulheres se divorciassem legalmente, libertando-as de casamentos abusivos ou infelizes. Essa mudança foi fundamental para empoderar as mulheres e proporcionar-lhes maior autonomia em suas vidas pessoais (GRECO, 2017).

A década de 1970 também testemunhou o surgimento do movimento feminista no Brasil, que lutou por igualdade de gênero e direitos das mulheres. O feminismo desempenhou um papel crucial na conscientização da sociedade sobre a importância de se abordar questões de violência doméstica e discriminação de gênero (VÁSQUEZ, 2015).

Um marco significativo na história das leis de proteção à mulher no Brasil foi a promulgação da Lei Maria da Penha em 2006. Esta lei é um dos principais instrumentos legais do país para combater a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Ela foi nomeada em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, uma vítima de violência doméstica que lutou incansavelmente por justiça. A Lei Maria da Penha estabelece medidas protetivas, promove a educação sobre a violência de gênero e torna mais rigorosa a punição para agressores (VIEGAS, 2019).

Além disso, o Brasil também ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) em 1984, comprometendo-se a tomar medidas para eliminar a discriminação de gênero em todas as esferas da vida. Isso demonstrou um compromisso internacional em prol dos direitos das mulheres (GRECO, 2017).

Apesar dos avanços legais, desafios persistentes ainda enfrentam as mulheres brasileiras. A violência de gênero, incluindo o feminicídio, é uma preocupação significativa. Além disso, as mulheres continuam a lutar por igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e uma representação mais equitativa na política.

2.1.2. Marcos Legais: Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio à cerca da proteção da mulher

A Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio representam marcos cruciais na luta pelo combate à violência de gênero no Brasil. Ambas as leis têm suas origens em circunstâncias específicas e abordam diferentes aspectos da proteção das mulheres (SOUZA, 2016).

A Lei Maria da Penha, oficialmente conhecida como Lei nº 11.340/2006, é uma das legislações mais importantes no contexto do combate à violência doméstica no Brasil. Ela recebeu esse nome em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, uma farmacêutica cearense que sobreviveu a duas tentativas de homicídio perpetradas por seu então marido, em 1983 e 1986 (GRECO, 2017).

Maria da Penha se tornou um símbolo de resiliência e luta, e sua história inspirou o movimento pela criação de uma legislação mais eficaz para combater a violência contra as mulheres.

A trajetória da Lei Maria da Penha começou a se desenhar no final da década de 1990, quando organizações de mulheres e ativistas começaram a pressionar por mudanças nas políticas de combate à violência doméstica. O Projeto de Lei que deu origem à legislação foi apresentado em 2002 e, após longos debates e revisões, foi finalmente sancionado em 7 de agosto de 2006, entrando em vigor em setembro do mesmo ano (SOUZA, 2016).

Essa lei estabeleceu medidas protetivas para as vítimas, criou juizados especializados, previu penas mais rigorosas para agressores, e promoveu a conscientização sobre a violência de gênero. Além disso, a Lei Maria da Penha representou uma mudança significativa na forma como a sociedade e o sistema de justiça brasileiro encaravam a violência contra as mulheres, reconhecendo-a como um problema grave que merece atenção especial (GRECO, 2017).

A Lei do Feminicídio, por outro lado, é uma legislação mais recente. Ela foi sancionada em 2015 (Lei nº 13.104/2015) e introduziu o conceito de feminicídio no Código Penal Brasileiro. O feminicídio refere-se ao assassinato de mulheres em razão de seu gênero, demonstrando a intenção de eliminar, controlar ou punir a mulher por sua condição de gênero. Esta lei foi uma resposta à crescente preocupação com o alto número de homicídios de mulheres no Brasil e a necessidade de ações legais específicas para enfrentar esse problema (VIEGAS, 2019).

A origem da Lei do Feminicídio está ligada a pressões e mobilizações de organizações feministas, pesquisadores e ativistas de direitos humanos que identificaram a necessidade de abordar de forma mais específica os assassinatos de mulheres devido à discriminação de gênero (SOUZA, 2016).

 A legislação atualiza o Código Penal para garantir que os homicídios de mulheres sejam tratados com a devida gravidade, considerando o contexto de desigualdade de gênero que frequentemente permeia esses crimes (VIEGAS, 2019).

A Lei do Feminicídio classifica o assassinato de mulheres em circunstâncias de violência doméstica ou discriminação de gênero como crime hediondo, o que implica em penas mais severas para os agressores.

 Ela também reconhece a importância de investigar os casos de feminicídio de forma mais detalhada, buscando identificar as motivações relacionadas ao gênero e, assim, contribuir para a prevenção desses crimes (GRECO, 2017).

Ambas as leis representam avanços significativos na proteção das mulheres no Brasil. A Lei Maria da Penha foca na prevenção e combate à violência doméstica, enquanto a Lei do Feminicídio trata especificamente dos assassinatos de mulheres em um contexto de discriminação de gênero (VIEGAS, 2019).

3. A REALIDADE BRASILEIRA: ANÁLISE DE DADOS ACERCA DA VIOLÊNCIA E DESIGUALDADE DE GÊNERO CONTRA A MULHER NO BRASIL

Os dados revelam uma preocupante tendência no cenário de violência contra as mulheres no Brasil, entre os anos de 2021 e 2022, observou-se um aumento alarmante de 9,3% nas tentativas de homicídios direcionadas a mulheres, os registros passaram de 6.975 para 7.660 casos, refletindo uma realidade que demanda atenção e ação imediata (PAIVA E HONÓRIO, 2023).

Essa elevação nos números de tentativas de homicídio sugere um ambiente crescentemente perigoso para as mulheres, destacando a necessidade de medidas eficazes para prevenir e enfrentar a violência de gênero, é crucial compreender as raízes profundas desse fenômeno e desenvolver estratégias abrangentes que abordem fatores como desigualdade de gênero, acesso a armas, educação e conscientização (PAIVA E HONÓRIO, 2023).

Nesse sentido, 7 em cada 10 vítimas de feminicídio foram mortas dentro de casa evidencia uma preocupante interseção entre violência de gênero e espaço doméstico, essa estatística ressalta a necessidade urgente de abordar não apenas a violência em si, mas também as dinâmicas de poder e controle que muitas vezes ocorrem no ambiente familiar (MARANHÃO, 2020).

O lar, que deveria ser um refúgio seguro, muitas vezes torna-se o cenário trágico de feminicídios, o que sublinha a complexidade da violência contra as mulheres, fatores como relacionamentos abusivos, controle coercitivo, e a persistência de normas culturais prejudiciais podem contribuir para a perpetuação desse fenômeno dentro das quatro paredes (MARANHÃO, 2020).

O fato de mais da metade dos casos envolverem parceiros íntimos destaca como as relações pessoais muitas vezes se tornam espaços onde o controle e a violência são perpetuados, isso está enraizado em padrões de poder desiguais que historicamente deram aos homens uma posição dominante nas relações, criando um terreno fértil para a perpetuação da violência (SUNDE e ESTEVES, 2021).

A presença significativa de ex-parceiros como agressores ressalta a dificuldade que as mulheres enfrentam mesmo após o término de relacionamentos, tal dinâmica sugere que, mesmo quando as mulheres buscam romper com relações abusivas, o patriarcado ainda exerce influência, muitas vezes resultando em hostilidade e perigo continuados.

A inclusão de familiares como agressores reforça a triste realidade de que o ambiente doméstico, considerado um espaço seguro, muitas vezes é permeado por dinâmicas patriarcais prejudiciais, na qual, o controle e a violência podem ocorrer em um contexto mais amplo de relações familiares (SUNDE e ESTEVES, 2021).

Além disso, a presença de agressores conhecidos destaca como as normas culturais e sociais contribuem para a perpetuação da violência, em uma sociedade onde as expectativas de gênero muitas vezes são moldadas por ideias patriarcais, a violência pode ser tolerada ou ignorada, especialmente quando perpetrada por indivíduos conhecidos.

As agressões por violência doméstica não são apenas eventos isolados, mas reflexos de relações abusivas e desequilíbrios de poder, a cifra expressa na imagem sublinha a urgência de implementar estratégias preventivas e educacionais para interromper esse ciclo de violência, promovendo relações saudáveis e respeitosas (BRASIL, 2021).

Outro indicador preocupante é de que são 613.529 ameaças relacionadas à violência doméstica em 2022, essas ameaças representam um tipo de violência psicológica que pode ser igualmente danosa, deixando marcas profundas nas vítimas, o alto número de ameaças destaca a necessidade de abordar não apenas a violência física, mas também as formas sutis de abuso que muitas vezes passam despercebidas (AGÊNCIA BRASIL, 2020).

Esses indicadores ressaltam a complexidade da violência doméstica, que vai além das agressões físicas visíveis, envolvendo nesse sentido dinâmicas emocionais e psicológicas que requerem uma abordagem holística para a prevenção e o suporte às vítimas (SUNDE e ESTEVES, 2021).

O perfil das vítimas de feminicídio no Brasil, conforme indicado, revela padrões preocupantes que destacam a interseção de fatores como idade e raça. O fato de 70% das vítimas estarem na faixa etária entre 18 e 44 anos sugere que mulheres jovens e em plena fase produtiva da vida estão particularmente vulneráveis à violência de gênero, esse dado levanta questões sobre a segurança e o bem-estar das mulheres em uma fase crucial de suas vidas, demandando uma atenção especial para a proteção dessa faixa etária (AGÊNCIA PATRICIA GALVÃO, 2023).

Além disso, o dado de que 60% das vítimas de feminicídio são negras destaca a dimensão racial desse fenômeno, isso aponta para a sobreposição de formas de discriminação, indicando que mulheres negras enfrentam uma carga desproporcional de violência de gênero (BRASIL, 2021).

A concentração desses números em determinados grupos demográficos reflete desigualdades sistêmicas e estruturais que permeiam a sociedade, refletindo a importância de políticas públicas e ações específicas voltadas para a proteção e promoção dos direitos das mulheres, especialmente aquelas que enfrentam múltiplas formas de discriminação.

4.EFICÁCIA DAS LEGISLAÇÕES DA LEI DO FEMINICÍDIO NO ÂMBITO DA SOCIEDADE BRASILEIRA

O direito penal é considerado a última medida a ser aplicada na sociedade e deve ser reservado para casos graves, como a prática de crimes, não é adequado, por exemplo, que uma simples dívida comercial resulte na prisão de um indivíduo, a visão predominante na sociedade em relação a esse ramo do direito é que ele visa garantir a segurança social, e a punição é vista como um meio coercitivo para dissuadir a prática de atos criminosos (LOPES e MOREIRA, 2019).

Esse conceito na sociedade é conhecido como coação psicológica e foi desenvolvido por Paul Johann Anselm Ritter Von Feuerbach, um filósofo que acreditava que o temor das penalidades seria suficiente para dissuadir as pessoas de violarem a lei, ele também foi responsável pela formulação do princípio da legalidade das penas, que ainda é uma base importante na legislação penal moderna (FONTES e THOMASI, 2018).

A prevenção penal é dividida em duas categorias principais: prevenção específica e prevenção geral, a prevenção específica visa a ressocialização do infrator, buscando aplicar uma pena que corresponda ao delito cometido, com o objetivo de evitar a reincidência e preparar o indivíduo para sua reintegração na sociedade, já a prevenção geral, apoiada por Feuerbach, tem como objetivo dissuadir as pessoas de cometerem crimes, utilizando a pena como forma de coerção (LOPES e MOREIRA, 2019).

Beccaria, em sua obra “Dos delitos e das penas”, concorda com o pensamento de Feuerbach, mas ressalta que a coação psicológica só seria eficaz se as penalidades fossem realmente aplicadas e executadas, para ele, a certeza da punição é mais importante do que a severidade da pena como um meio de dissuasão (FONTES e THOMASI, 2018).

No entanto, em alguns casos, a punição no sistema penal é utilizada de maneira excessiva, tornando-se um tipo de terrorismo estatal, além disso, há crimes impulsivos, como homicídios e crimes sexuais, que muitas vezes não são efetivamente registrados, contribuindo para a sensação de insegurança na sociedade (ACOSTA e GASPAROTO, 2018).

Assim, embora haja uma tendência de endurecimento das leis e uma maior presença de autoridades policiais e judiciais, isso nem sempre se traduz em uma redução efetiva da criminalidade, em muitos casos, as mudanças legislativas são uma resposta à pressão popular e aos apelos dos meios de comunicação, mas acabam sendo mais simbólicas do que eficazes na prevenção do crime, dando origem ao que é chamado de direito penal simbólico (OLIVEIRA, 2019).

Tal símbolo, além de gerar nos indivíduos um sentimento de segurança, faz com que estes acreditem que quando o Estado cria tipos penais incriminadores e sanções para quem cometer delitos estaria proporcionando uma maior segurança real, pois acreditam que nestes casos quem cometer um delito será punido, afastado da sociedade e não mais voltará a delinquir. Também gera nas pessoas um sentimento de medo; desta forma os indivíduos não cometeriam mais crime algum em razão do temor de que as cominações prometidas pelo Direito Penal sejam realmente efetivadas (OLIVEIRA, 2019, p. 47).

Quando a imprensa começa a abordar incessantemente uma determinada questão, a população ganha força, aumentando a pressão sobre os políticos para que tomem medidas imediatas, nesse contexto, os políticos frequentemente prometem investir no sistema penal como uma solução rápida para resolver o problema.

No entanto, é importante notar que essa resposta imediata muitas vezes não é eficaz, a sociedade tende a acreditar que a criação de novas leis penais, impulsionadas pela pressão popular e midiática, resolverá os conflitos sociais decorrentes dos delitos, no entanto, na prática, essas leis muitas vezes não desempenham um papel significativo na redução da criminalidade, em vez disso, podem servir mais para acalmar os ânimos públicos do que para abordar efetivamente os problemas subjacentes (OLIVEIRA, 2019).

Alguns exemplos de leis que foram criadas sob essa pressão incluem:

1) O recrudescimento dos casos de embriaguez ao volante – com a lei 13.281/16, que cria o art. 156-A no Código de Trânsito Brasileiro- e homicídio causado por motorista embriagado – com a edição da Lei 13.546/17, que adiciona ao art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro o § 3º, prevendo pena de reclusão, de 5 a 8 anos;

2) A lei 13.497/17, que alterou o parágrafo único do art. 1º da lei 8.072/90 para ampliar o rol de crimes hediondos e incluir a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da lei 10.826/03);

3) A chamada lei “Carolina Dieckmann”, que fora aprovada nas casas legislativas no mesmo ano de ocorrência do vazamento de mídia digital da atriz nacionalmente conhecida (VIEIRA, 2019, p. 147).

É importante ressaltar que, na época, havia projetos de lei em andamento para uma análise mais aprofundada da questão, buscando uma aplicação mais subsidiária e eficaz do direito penal, no entanto, devido à pressão para que o Estado desse uma resposta rápida à população, essas leis foram criadas imediatamente, visando acalmar os ânimos da sociedade, mas sem resolver efetivamente a problemática em questão (MASSON, 2016).

O crime de Feminicídio é um exemplo de delito que foi tipificado em meio à aclamação popular, pressão midiática e mobilização de movimentos feministas e organizações como a ONU Mulheres, embora seja necessário que o Estado intervenha nos casos de violência doméstica e homicídio contra a mulher, simplesmente pelo fato de ser mulher, alguns estudiosos argumentam que a lei penal teve apenas um papel simbólico e não abordou efetivamente o problema subjacente (MASSON, 2016).

Após a entrada em vigor da lei 13.104/15, que trata do Feminicídio, os casos aumentaram em 62,7%, de acordo com os números registrados pelas autoridades de segurança pública, isso sugere que, mesmo com a legislação em vigor, o crime não diminuiu nem se estabilizou, pelo contrário, houve um aumento significativo entre 2016 e 2018 (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2018).

Outro dado relevante é que em 88,8% dos casos de Feminicídio, o agressor foi o companheiro ou ex-companheiro da vítima, além disso, 65,6% dos casos ocorreram no local de residência da vítima, é notável que muitos casos de Feminicídio poderiam ser evitados se houvesse uma abordagem mais eficaz da violência doméstica em estágios anteriores, a violência psicológica, moral, coercitiva ou física dentro do ambiente doméstico muitas vezes serve como precursora para futuros casos de Feminicídio (CAPEZ, 2016).

Portanto, em vez de simplesmente agir de forma punitiva após a ocorrência do crime, é fundamental implementar políticas públicas efetivas para o acolhimento das vítimas de violência doméstica e para o afastamento seguro dos agressores (NABUCO FILHO, 2016).

Fontes e Thomasi (2018) destacam a necessidade de políticas públicas voltadas para o acolhimento das mulheres em situações de violência doméstica como uma forma de prevenção do Feminicídio, eles argumentam que a tipificação do Feminicídio obrigaria o Estado a criar tais políticas, facilitando o acesso à justiça para as mulheres vítimas de violência de gênero e promovendo uma abordagem mais holística na prática jurídica (FONTES e THOMASI, 2018).

No entanto, apesar da criação da lei do Feminicídio, os casos continuaram a aumentar, isso sugere que a mera tipificação do crime não resolveu efetivamente a problemática subjacente, a mulher ainda é vista como objeto de posse e controle masculino, e o Feminicídio permanece como um fenômeno simbólico, sem abordar adequadamente as causas reais da violência de gênero (NABUCO FILHO, 2016).

Alguns juristas argumentam que a abordagem diferenciada do Feminicídio pode ser injusta e redundante, pois punir um crime cometido contra uma mulher de forma mais rigorosa do que um crime similar contra um homem seria uma forma de discriminação de gênero, além disso, eles apontam que as políticas públicas devem ser direcionadas para a prevenção da violência doméstica em vez de focar apenas na punição após o ocorrido (BIANCHINI, 2016).

Um caso emblemático que ilustra a falta de suporte para as mulheres vítimas de violência doméstica é o de Jacqueline Pereira dos Santos, morta por seu ex-companheiro mesmo após ter registrado duas ocorrências e recebido duas medidas protetivas, isso evidencia a ineficácia das políticas existentes e a necessidade de uma abordagem mais preventiva e eficaz (NUCCI, 2016).

Portanto, é evidente que a simples criação e aplicação da lei do Feminicídio não é suficiente para promover mudanças sociais significativas, é crucial que o problema seja abordado na raiz, com políticas públicas efetivas que visem prevenir a violência doméstica e proteger as mulheres antes que o Feminicídio ocorra, até então, o Feminicídio tem sido mais simbólico do que efetivo na resolução da problemática da violência de gênero na sociedade (BIANCHINI, 2016).

1.CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A pesquisa abordou a ineficácia do combate ao feminicídio, evidenciando que simplesmente aprovar leis mais rígidas não é suficiente para erradicar o problema subjacente, o aumento contínuo nos casos de feminicídio revela que, mesmo diante de legislações mais rigorosas, muitos homens não são dissuadidos pelo medo do sistema prisional, o que evidencia a persistência do ódio e da raiva em relação ao gênero feminino.

Ao invés de clamarem por penas mais severas, a população deve exigir políticas públicas de qualidade, focadas na prevenção e no apoio às mulheres em situação de violência, é fundamental oferecer atendimento especializado a essas mulheres, tanto no âmbito da saúde física quanto mental, além de orientação jurídica e suporte para a construção de autonomia e independência.

Investir em educação é crucial para combater o machismo arraigado na sociedade, é necessário promover congressos, seminários e programas educacionais que abordem a temática da violência de gênero em todas as faixas etárias, a educação sobre igualdade de gênero e o respeito mútuo deve ser incentivada desde a infância até a idade adulta, desconstruindo ideias de posse sobre o corpo e a vida das mulheres.

Conforme evidenciado pela pesquisa, a aplicação da legislação de feminicídio tem sido, em grande parte, simbólica, os números alarmantes de mulheres assassinadas diariamente demonstram que a resposta atual não está sendo eficaz, portanto, é fundamental reavaliar as estratégias de combate ao feminicídio, priorizando abordagens preventivas e de apoio às vítimas, além de investir maciçamente em educação e conscientização sobre a igualdade de gênero.

Neste consorte, evidencia-se que a pesquisa investigou a ineficácia das abordagens existentes no combate ao feminicídio, destacando que a mera promulgação de leis mais rigorosas não tem sido suficiente para erradicar a violência de gênero, o aumento contínuo no número de casos evidencia que a simples imposição de penas mais severas não dissuade os agressores, que parecem desconsiderar as consequências legais de seus atos diante do ódio e da misoginia arraigada na sociedade, é crucial reconhecer que a legislação, por si só, não resolve o problema fundamental, requerendo abordagens mais holísticas e preventivas.

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1Discente do Curso Superior de Direito da Instituição Universidade Evangélica de Goiás – Ceres.
2Docente do Curso Superior de Direito da Instituição Universidade Evangélica de Goiás – Ceres.