FATORES DE RISCO PARA (RE)VITIMIZAÇÃO SEXUAL¹

RISK FACTORS FOR SEXUAL (RE)VICTIMIZATION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7921085


Ana Clara Calegari2
Márcia Maria dos Santos3


RESUMO

O abuso sexual infantil é um problema de saúde pública e social em diversos países, o que traz consequências graves, inclusive para vitimização sexual em fases posteriores. O objetivo desta revisão consiste em identificar na literatura os fatores de risco envolvidos no fenômeno da revitimização sexual. Para este propósito, foi realizada revisão narrativa da literatura utilizando as bases de dados SciELO, LILACS, Pepsic, Google Scholar e capítulos de livros, considerando os períodos de publicação entre 2018 e 2022. Além de outros modelos e teorias apresentados, os resultados sugerem que maus tratos em casa, comportamentos de risco como o uso indevido de substâncias e comportamento sexual de risco, esquemas desadaptativos, falta de assertividade sexual, estratégias de enfrentamento desadaptativas, desregulação emocional, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), raiva/agressão, dissociação e percepção de risco prejudicada consistem em fatores de risco para revitimização sexual. O investimento constante em mais pesquisas torna-se necessário, de forma a considerar avanços metodológicos, instrumentais e teóricos abrangendo a complexidade e a atualidade deste tema.

Palavras-chave: Abuso sexual; Revitimização; Fatores de risco; Infância; Adultez.

ABSTRACT

Child sexual abuse is a public and social health problem in several countries, which has serious consequences, including sexual victimization in later stages. The objective of this review, therefore, is to identify in the literature the risk factors involved in the phenomenon of sexual revictimization. For this purpose, a narrative review of the literature was carried out using the SciELO, LILACS, Pepsic, Google Scholar and book chapters databases, considering the publication periods between 2018 and 2022. In addition to other models and theories presented, the results suggest that maltreatment at home, risky behaviors such as substance misuse and sexual risky behavior, maladaptive schemas, lack of sexual assertiveness, maladaptive coping strategies, dysregulation emotional distress, post-traumatic stress disorder (PTSD), anger/aggression, dissociation and impaired risk perception are risk factors for sexual revictimization. Constant investment in further research becomes necessary in order to consider methodological, instrumental, and theoretical advances covering the complexity and actuality of this theme.

Keywords: “sexual abuse”, “revictimization”; “risk factors”; “childhood”; “adulthood”.

INTRODUÇÃO

Diferentes áreas do conhecimento têm se debruçado sobre o tema violência, que ocorre de distintas formas, em vários setores da vida humana e com potencial para graves consequências ao indivíduo. Compreendê-la, portanto, pode ser uma importante estratégia para preveni-la por meio de intervenções. Devido à sua condição física, social e familiar de dependência e vulnerabilidade (Florentino, 2015), as crianças configuram-se como as principais vítimas, em que a violência sexual contra elas pode ser considerada uma das formas de maus-tratos mais frequentes (Rovinski & Pelisoli, 2019). O abuso sexual infantil, precisamente, é considerado um grave problema social e de saúde em todos os países, gerando prejuízos significativos ao longo da vida (Scoglio et al., 2021). 

No Brasil, a Lei 13.431 (2017) define, em seu Art. 4º, o abuso sexual infantil como “toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro” (Brasil, 2017). A Organização Mundial da Saúde – OMS (2022), afirma que uma em cada cinco mulheres e um em cada treze homens relataram ter sido abusados sexualmente quando na idade de 0 a 17 anos, e 120 milhões de meninas e mulheres jovens com menos de 20 anos de idade já sofreram algum tipo de contato sexual forçado. 

O abuso sexual na infância pode desencadear consequências graves a curto e longo prazos, causando prejuízos para a saúde e o bem-estar mental, físico, sexual e reprodutivo, como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ansiedade, depressão, distúrbios do sono, automutilação, sexo sem proteção, risco de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e gravidez (OMS, 2017). Sobreviventes de abuso sexual infantil enfrentam maior risco de vitimização posterior do que a população em geral, apresentando prevalência de 47,9%, o que indica que quase 50% destes serão sexualmente vitimizados no futuro (Walker et al., 2019). Esta vulnerabilidade e suscetibilidade aumentada à vitimização futura é compreendida como revitimização e ocorre quando um sobrevivente de abuso sexual ou estupro durante a infância é vitimizado novamente durante a vida adulta (Messman & Long, 1996; Messman-Moore et al., 2000). Estudos sugerem que o impacto cumulativo geralmente proporciona efeitos mais graves e crônicos se comparados a um único episódio (Finkelhor et al., 2011; Messman-Moore et al., 2000). 

Os danos, por conseguinte, podem variar a depender dos fatores que mediam a experiência de abuso sexual – como idade, gênero, funcionamento psicológico, recursos de enfrentamento, gravidade, duração e cronicidade, uso de violência física, ameaças, apoio social após a revelação, entre outros (Rovinski & Pelisoli, 2019; Gobierno de Chile, 2010). 

Inobstante a falta de atenção acadêmica sobre o tema, sobretudo na literatura nacional, hoje é possível encontrar revisões e pesquisas no campo da Psicologia sobre fatores de riscos para a vitimização sexual na vida adulta (Walker & Wamser-Nanney, 2022; Scoglio et al 2021; Breitenbecher, 2001; Messman & Long, 1996; Messman-Moore & Brown, 2004).  Este estudo, portanto, torna-se relevante pois fornece uma visão atual sobre a temática e possibilidades de ampliação deste conhecimento, voltados à prevenção por meio da identificação na literatura dos fatores de risco envolvidos no fenômeno da vitimização sexual.

MÉTODO

Este é um estudo de revisão narrativa de literatura, em que foram consultadas as bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), LILACS, Pepsi, Google Scholar e capítulos de livros, considerando as publicações entre 2018 e 2022. Os descritores utilizados na busca foram “abuso sexual”, “revitimização”; “fatores de risco”; “infância”; “vida adulta”, em conjunto com o operador booleano “AND”. Em função de escassa produção científica sobre o tema revitimização sexual, para maior abrangência, buscaram-se materiais utilizando os descritores em inglês: “sexual abuse”, “revictimization”; “risk factors“; “childhood“; “adulthood“, em que foram identificados 221 artigos. 

Foram incluídos na pesquisa artigos de revisão na íntegra de modo a sintetizar o conhecimento atual sobre o tema de pesquisa, em qualquer idioma, que versavam sobre o tema no período, como já dito, entre 2018 e 2022. A prioridade se voltou à busca de publicações que respondessem ao objetivo especificamente e, visto a escassez de artigos científicos sobre a temática em literatura nacional, foram considerados e incluídos apontamentos de livros para a discussão. Foram excluídos periódicos que não apresentaram conteúdo concernente com o tema estudado – como revitimização institucional, ciclos intergeracionais e revitimização como fator de risco para outros transtornos. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com os critérios aplicados, foram selecionados três artigos, os quais foram: “Childhood Sexual Abuse, Sexual Behavior, and Revictimization in Adolescence and Youth: A Mini Review4; “Systematic Review of Risk and Protective Factors for Revictimization After Child Sexual Abuse5; e “Revictimization Risk Factors Following Childhood Maltreatment: A Literature Review6. Todos foram identificados na base de dados de circulação Google Scholar, tendo em vista que em outras plataformas não foram localizados estudos que envolvessem a temática.

A literatura apresenta evidências consistentes de que os sobreviventes de abuso sexual infantil correm maior risco de vitimização sexual em outras fases desenvolvimentais do que a maioria da população em geral (Walker et al., 2019). Este conceito de revitimização sexual, foco deste trabalho, não foi identificado em literatura nacional, entretanto, há neste cenário, como foco de análise, outros contextos. Embora não seja alvo deste estudo, no Brasil, o conceito de revitimização geralmente é compreendido no contexto institucional. Santos (2010, p. 47) destaca a concepção de revitimização neste âmbito apresentada pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Criança e o Adolescente (2007), que descreve a revitimização institucional como o “processo de ampliação do trauma vivido pela vítima de violência, em função de procedimentos inadequados realizados sobretudo nas instituições oficiais, durante o atendimento da violência notificada. ” Ou seja, ocorre quando os profissionais da rede de atendimento que recebem as vítimas de violência sexual – Hospitais, Delegacia, Conselho de Assistência Social (CREAS), Judiciário – solicitam que o evento vivenciado seja contado e recontado várias vezes e, dependendo do modo como estas perguntas são realizadas, suscitam a revivência do trauma repetidamente. Este tipo de revitimização pode ir além do âmbito legal, desdobrando-se para outros contextos, como na família ou amigos. Deve-se observar, ainda que não sejam alvo deste estudo, que a revitimização também pode ser compreendida como ciclos intergeracionais e agressões múltiplas na mesma fase da vida (infância, por exemplo) (Walker et al., 2019). 

No contexto de análise deste estudo, Castro et al. (2019) revisaram em síntese o comportamento sexual de risco derivado do abuso sexual infantil como fator para revitimização na adolescência e juventude, apresentando dois modelos teóricos que podem contribuir para compreensão de como ocorre esta relação, que são eles: modelo de Dinâmica Traumatogênica (Finkelhor & Browne, 1985) e modelo de Informação-Motivação e Competências Comportamentais (Fisher & Fisher, 1992). 

De maneira sistemática, Scoglio et al. (2021) revisaram 25 estudos a respeito dos fatores de risco e proteção para revitimização após abuso sexual infantil, que estabelecem o vínculo entre este e futuras vitimizações. Os fatores de risco identificados foram maus-tratos frequentes em casa, comportamento sexual de risco (particularmente na adolescência), TEPT, desregulação emocional e outras estratégias de enfrentamento desadaptativas. Dentre eles, comportamentos sexuais de risco e maus tratos frequentes em casa foram os preditores mais fortes de revitimização após abuso sexual infantil. 

Apresentando maior abrangência,  Walker & Wamser-Nanney (2022) dedicaram-se à revisão de 228 estudos para compreender a revitimização do trauma de maneira mais geral, não apenas relacionando o abuso sexual infantil à agressão sexual adulta, como faz a maioria das pesquisas relacionadas à revitimização, mas também outros tipos de maus tratos, como abuso físico infantil, testemunhar violência por parceiro íntimo e vitimização adulta subsequente, como agressão sexual adulta e violência por parceiro íntimo. 

Muitas teorias relacionam a revitimização aos efeitos a longo prazo do abuso sexual infantil (Breitenbecher, 2001) e esses efeitos podem ser compreendidos em seis categorias (Sanderson, 2005), envolvendo sinais e sintomas emocionais (sentimentos de vergonha, culpa, raiva e hostilidade, medo etc.); efeitos interpessoais (redução das habilidades de comunicação, medo da intimidade, erotização da proximidade,  falta de confiança em si, timidez, isolamento etc.); efeitos comportamentais (brincadeira sexualizada, comportamento regressivo, perigoso e/ou autodestrutivo, distúrbios de conduta,  mudanças nos padrões de sono e alimentação, promiscuidade etc.);  efeitos cognitivos (baixa concentração e atenção, dissociação, transtornos de memória, negação, distorções cognitivas etc.); efeitos físicos (traumas nas regiões oral, genital, retal, seios, nádegas, coxas e baixo ventre, hematomas e sangramento, DSTs, presença de sêmen, gravidez, dores e doenças psicossomáticas,  desconforto em relação ao corpo,  distúrbios do sono etc.) e efeitos sexuais (comportamentos sexuais inadequados e persistentes com adultos, crianças ou brinquedos, masturbação compulsiva,  exibicionismo,  promiscuidade, prostituição,  problemas menstruais, gravidez na adolescência etc.).

No que se refere a fatores de risco, parte-se do princípio de que estes se relacionam a acontecimentos negativos de vida, de modo que, estando presentes, a probabilidade de problemas físicos, sociais ou emocionais se apresentarem é aumentada (Poletto & Koller, 2008). Além disso, é necessário se ter uma visão ampla que envolva todos os fatores que influenciam o curso do desenvolvimento, considerando que o evento estressor é apenas um dos fatores de vida, e outros fatores também devem ser considerados (Rovinski & Pelisoli, 2019). Isso se aplica não apenas ao abuso sexual infantil, mas também à revitimização. 

A visão ecológica do desenvolvimento humano proposta por Bronfenbrenner (1979; 1996) propõe um modelo ecológico que analisa o comportamento com base em cinco domínios relacionais envolvendo tanto o indivíduo, quanto seu contexto: desenvolvimento ontogenético; microssistema; mesossistema, exossistema e macrossistema. O domínio ontogenético incluiu características da criança anteriores ao abuso, levando em conta idade, gênero, fatores intrauterinos e epigenéticos, culpa, autoestima e autoconceito, coeficiente intelectual, escolaridade, entre outros; o microssistema envolve o ambiente familiar e as relações com “outros significativos”. Neste domínio, o contexto pode tanto servir como fator de risco, como de proteção; o mesossistema, por outro lado, depende da inter-relações entre dois ou mais ambientes onde a pessoa participa ativamente, como as relações entre os familiares e membros da igreja, relação família e escola, entre outros; já no exossistema, as influências do contexto da vizinhança mais próxima e da comunidade de modo geral é identificada. Pode-se conjecturar, nesse sentido, as ausências de recursos da comunidade para tratamento, ausência de conselhos, apoio emergencial e permanente, pobreza, desemprego, rede de apoio precária, falta de infraestrutura em saneamento básico, educação, segurança, entre outros; por último, o macrossistema envolve a cultura, valores e crenças que perpassam as relações interpessoais nos diversos contextos, como conhecimento sobre direitos, crenças e aceitação cultural a respeito da punição e posse da criança ou mulher, banalização da violência, ausência de políticas sociais que promovem saúde, educação, trabalho e habitação, entre outros (Rovinski & Pelisoli, 2019). 

O mesmo modelo é utilizado por Messman-Moore e Long (2003) para explicar a revitimização (Walker & Wamser-Nanney, 2022). Elas propõem que múltiplos fatores estão presentes neste fenômeno, como percepções sobre si mesmo, conflito com os outros, situação socioeconômica, comportamentos de risco e gênero. Em vez de ocupar-se apenas com as variáveis individuais, a análise é ampliada para as interações de vários fatores de risco. 

A partir da revisão geral acima, os fatores de risco identificados serão apresentados e agrupados com base na literatura dos três estudos supracitados (Castro et al., 2019; Scoglio, et al. 2021; Walker & Wamser-Nanney, 2022), com adição do tópico/fator de risco: “Esquemas Desadaptativos”, acrescentado a partir de outras contribuições literárias. Além disso, estes fatores serão articulados a referências nacionais, que se dedicam à temática da violência sexual contra crianças e adolescentes, bem como, prezam pela prevenção destes fenômenos e seus efeitos. Os tópicos a seguir apresentam a descrição dos doze fatores de risco para revitimização sexual identificados na literatura, seguidos das principais lacunas e limitações apontadas pelos artigos consultados e fatores de proteção, tratamento e proteção. 

1. Maus tratos frequentes em casa

A estimativa é de que 24% a 90% dos sobreviventes de vários tipos de maus-tratos em casa possam sofrer revitimização. Os maus-tratos infantis são considerados em todo o mundo um problema de saúde pública generalizado, que produz consequências graves ao longo da vida (Organização Mundial da Saúde, 2022). Destacam-se, entre elas, prejuízos biológicos, funcionamento cognitivo, neurológico e psicológico a curto e longo prazos (Walker & Wamser-Nanney, 2022; Gerhard, 2017) e podem também ser responsáveis por outros fatores de risco, como dificuldade em avaliar o perigo e a segurança, envolvimento em comportamentos arriscados, como uso de substâncias e comportamentos sexuais, falta de assertividade, desenvolvimento de TEPT, problemas comportamentais, entre outros (Walker & Wamser-Nanney, 2022). 

O ambiente infantil pode incluir abuso físico, negligência, testemunho de violência doméstica, uso de drogas pelos pais etc. (Scoglio, et al. 2021), que podem ocorrer de forma simultânea. O abuso sexual infantil geralmente coocorre com outros tipos de maus tratos, ou seja, se sobrepõem em vez de acontecerem de modo singular, o que resulta em danos mais graves e crônicos, chamados de polivitimização (Scoglio et al., 2021; Finkelhor et al., 2011).

Observa-se ainda que cuidadores que cometem maus-tratos podem também ser sobreviventes deles, pois as crianças abusadas apresentam maior probabilidade de abusar de outras quando adultas, de modo que a violência pode ser transmitida de geração em geração. Encerrar o ciclo de violência é essencial também em função dos impactos positivos multigeracionais (Organização Mundial da Saúde, 2022; Walker & Wamser-Nanney, 2022; Castro et al., 2019).

2. Comportamentos de risco

Os comportamentos de risco são aqueles potencialmente capazes de ameaçar a saúde física ou mental do indivíduo, tanto no presente como no futuro, e estão significativamente relacionados às principais causas de morte, invalidez e problemas sociais (Zappe; Alvez; Dell’Aglio, 2018). Por exemplo, comportamentos que contribuem para lesões acidentais e violência, uso de tabaco, álcool e outras drogas, comportamentos sexuais que contribuem para gravidez indesejada e DSTs, entre outros (Zappe; Alvez; Dell’Aglio, 2018). O desenvolvimento de comportamentos de risco é provável em crianças que sofreram maus-tratos, em relação àquelas que não os vivenciaram, de modo que traços de impulsividade apresentados pelos sobreviventes podem contribuir por exemplo, para o uso indevido de substâncias e comportamentos sexuais de risco (Walker & Wamser-Nanney, 2022), aumentando assim a probabilidade de episódios de revitimização. Esses comportamentos de risco muitas vezes são descritos como estratégias de enfrentamento que tendem a não ser adaptativos ao sujeito, pelo contrário, o colocam em perigo (Antoniazzi et al., 1998).

3. Uso indevido de substâncias 

O uso indevido de substâncias refere-se ao comportamento abusivo e/ou problemático de tabaco, álcool e outras drogas. Ainda que seja um comportamento característico da adolescência mesmo na ausência do trauma (Castro et al., 2019), os sobreviventes de maus-tratos são aqueles mais propensos a se envolverem em comportamentos de risco do que os que não os vivenciaram (Walker & Wamser-Nanney, 2022). 

Nesse sentido, é imprescindível que em qualquer circunstância de desconfiança ou de denúncia de abuso sexual, seja considerada a complexidade deste fenômeno e as características normais de cada fase do desenvolvimento. É necessário compreender como ocorreu a mudança de comportamento e como os adultos a explicam, considerando sempre as alternativas, e não exclusivamente a denúncia em si, de modo a evitar inferências e interpretações errôneas de causa-efeito para justificar comportamentos e sinais (Rovinski & Pelisoli, 2019).

Observa-se ainda que é após a apresentação de sintomas de estresse pós-traumático que o uso indevido de substâncias geralmente se inicia (Walker & Wamser-Nanney, 2022). O fato de não se apresentarem antes ou simultaneamente a eles pode indicar que este comportamento pode ajudar o sujeito a lidar com o sofrimento do trauma, ou seja, serve como uma estratégia de enfrentamento, embora desadaptativa. O uso indevido de substâncias também é relacionado a alterações na percepção de vulnerabilidade e com o déficit de comportamentos de autoproteção, o que contribui para a revitimização (Walker & Wamser-Nanney, 2022). 

4. Comportamento sexual de risco 

Assim como o abuso indevido de substâncias, os comportamentos sexuais de risco também são mais propensos em sobreviventes de maus-tratos e igualmente podem servir como forma de amortecer o impacto, como estratégia de enfrentamento (Walker & Wamser-Nanney, 2022; Antoniazzi et al., 1998). A fase da adolescência é geralmente em que se iniciam as atividades sexuais. Mesmo que elas façam parte do desenvolvimento normal desta fase, considera-se um período crítico, pois naturalmente está associada à vulnerabilidade, que quando somada ao fato de o adolescente ter passado pelo abuso sexual infantil, é intensificada (Castro et al., 2019). 

As diferentes manifestações comportamentais de características sexuais apresentadas por sobreviventes de abuso sexual infantil também podem ser compreendidas em um referencial ecológico envolvendo fatores biológicos, da família, econômicos e culturais (Rovinski & Pelisoli, 2019). Os comportamentos de risco podem incluir início precoce do sexo consensual com penetração, mais parceiros sexuais, uso mais inconsciente do preservativo ou aumento do uso de drogas nas relações sexuais, o que implica na vulnerabilidade para revitimização e para DSTs (Castro et al., 2019). Além de comportamentos sexuais de risco, o oposto também pode ser observado, como é o caso de evitar relacionamentos por medo de possível revitimização (Castro et al., 2019; Homma et al., 2012). 

Dois modelos são apresentados para compreensão da relação entre abuso sexual infantil- comportamentos sexuais de risco- e a agressão sexual adulta (Castro et al., 2019). O modelo proposto por Finkelhor e Browne (1985), da Dinâmica Traumatogênica, foi apresentado em dois dos artigos revisados (Castro et al., 2019; Walker & Wamser-Nanney, 2022). Neles, o abuso sexual infantil pode ter quatro consequências negativas: a sexualização traumática (mais parceiros sexuais, sexo em troca de recompensas etc.); sentimento de traição (dificuldade em confiar nos outros, rejeição a relacionamentos estáveis em favor de relacionamentos múltiplos e esporádicos etc.); estigmatização (indivíduo sente-se sexualmente diferente, tem sentimentos de culpa e vergonha etc.) e perda de poder nos relacionamentos (sentem que não conseguem controlar suas interações sexuais e são incapazes de rejeitar sexo ou relacionamentos de risco) (Castro et al., 2019; Walker & Wamser-Nanney, 2022; Finkelhor & Browne, 1985). 

No modelo de Informação-Motivação e Competências Comportamentais desenvolvido por Fisher e Fisher (1992), o comportamento sexual de risco consiste em três elementos: informação, motivação e competências comportamentais. As informações podem ser comprometidas por tendências dissociativas geradas a partir do abuso sexual infantil, o que interfere no processamento e codificação de conhecimentos relacionados à sexualidade, como transmissão, prevenção e consequências de DSTs. A motivação para se proteger ou praticar sexo seguro pode ser afetada, pois dentre seus efeitos, o abuso sexual infantil pode desencadear dificuldades em distinguir a realidade da fantasia, tendo em vista que os agressores distorcem e manipulam o fato. Além disso, a baixa percepção de risco derivada do abuso pode interferir na motivação de se ter práticas seguras, pois exige-se para isso a compreensão de risco. Por último, as competências comportamentais se referem ao aprendizado de comportamentos passivos, em que se tem a sensação de que não se pode controlar o que acontece, derivando em baixo repertório comportamental de habilidades para negociar sexo seguro e baixa autoeficácia (Castro et al., 2019; Fisher et al., 2014).

5. Esquemas Desadaptativos

É possível afirmar que o prejuízo nas relações interpessoais e na sexualidade gerados pelo trauma (Castro et al., 2019) influenciam na capacidade de uma criança desenvolver regulação emocional saudável e habilidades interpessoais, bem como a experiência traumática pode alterar crenças e suposições centrais que o indivíduo tem a respeito de si, dos outros, do mundo e de seu futuro (Walker & Wamser-Nanney, 2022; Beck, 2013). 

Nesse sentido, os esquemas interpessoais disfuncionais consistem também em uma das teorias para a vitimização (Breitenbecher, 2001). Segundo Clarke e Llewelyn (1994), as primeiras relações significativas servem como modelo para as relações posteriores. A escolha por parceiros sexuais abusivos na vida adulta pode ocorrer em mulheres abusadas sexualmente na infância, pelo fato de que embora as consequências sejam negativas, soam ao menos familiares (Clarke & Llewelyn, 1994). Esquemas interpessoais disfuncionais aprendidos durante uma infância abusiva podem orientar um sobrevivente para a repetição de atividades, que são desadaptativas na vida adulta (Cloitre et al., 2002).

A teoria do esquema interpessoal surge a partir dos conceitos da teoria do apego de Bowlby (Cloitre et al., 2002), e reforça que o afeto é essencial para a construção de conexões, sendo base para o desenvolvimento do cérebro nos anos iniciais da vida, de modo que estas interações, ou a falta delas, podem gerar consequências duradouras sobre a saúde física e emocional futura (Gerhardt, 2017). 

Nota-se nos últimos anos uma aproximação entre a teoria do apego de Bowlby e a terapia do esquema de Young et al. (2008), em que muitos estudos publicados já demonstram a conexão e a relação direta entre esquemas e apego, inclusive para o entendimento de Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs). A terapia do esquema de Young et al. (2008) também demonstra comprovadamente eficácia na promoção da qualidade de vida, diminuindo efeitos do apego inseguro e desorganizado (Halperin & Carneiro, 2016).

Vale ressaltar que os esquemas na terapia cognitiva comportamental (TCC) podem ser descritos como matrizes ou regras fundamentais para o processamento de informações, que estão abaixo da camada mais superficial dos pensamentos automáticos. Constituem-se, portanto, como princípios duradouros de pensamentos, que se formam na infância e são influenciados por experiências de vida, incluindo experiências socioculturais, traumas, sucessos, entre outros (Wright et al., 2019). 

A Terapia do Esquema (TE), desenvolvida por Young et al.  (2008), consiste em uma modalidade avançada e integrativa de TCC, que compartilha as mesmas premissas básicas no que se refere à ênfase terapêutica e aos conteúdos de processos mentais disfuncionais (Wainer & Rijo, 2016). Um esquema pode ser caracterizado como adaptativo ou desadaptativo e pode ser formado na infância ou em momentos posteriores da vida (Young et al., 2008). 

Assim como Cloitre et al. (2002) e Clarke e Llewelyn (1994), a teoria de esquemas também busca compreender relacionamentos e seus padrões negativos. Segundo Paim e Cardoso (2022), as primeiras relações no início da vida, os padrões aprendidos nas relações com cuidadores e outras figuras de referência e o meio em que crescemos pautam nosso modo de perceber o mundo. Ao vivenciar situações marcadas por altos níveis de estresse e/ou privações nas fases de infância e adolescência, as informações são processadas e contribuem para a construção de esquemas disfuncionais ou desadaptáveis. Pode-se compreendê-los como modelos mentais de vulnerabilidade, que carregam informações como emoções e sensações físicas negativas, que foram apreendidas nas fases iniciais e que são constituídas também por um conjunto de crenças e regras que suportam a maneira de interpretação das situações cotidianas e modos de funcionamento em situações específicas. 

Ao passar por situações no dia a dia que contenham alguma informação que resgate situações estressoras do passado, armazenadas cognitiva e emocionalmente, o sobrevivente pode ativar um modo de funcionar mais primitivo, no sentido de busca de coerência pelos eventos já vivenciados no seu passado. Esta “química esquemática” tende a aproximar as pessoas de relações que se inclinam à evocação de experiências emocionais comuns na sua história (Paim & Cardoso, 2022). 

Persiste, portanto, o não atendimento de necessidades emocionais importantes para o desenvolvimento, de modo a reforçar a capacidade de generalizar o conhecimento armazenado para futuras experiências, tornando-os recorrentes durante toda a história de vida de uma pessoa (Paim & Cardoso, 2022). Nesse sentido, entende-se que os esquemas desadaptativos configuram-se como fator de risco para a revitimização sexual.

6. Falta de assertividade sexual

Walker e Wamser-Nanney (2022) demonstram que muitos dos sobreviventes de abuso sexual infantil foram socializados no papel de vítima desde o início da vida, tendendo a apresentar maior passividade por medo da violência ou perda de afeto/status de relacionamento, o que propicia a baixa assertividade quando confrontados com potenciais situações ameaçadoras. 

A falta de assertividade também pode estar relacionada a outros fatores de risco, como reconhecimento de risco prejudicado, dificuldades com o processamento emocional após o abuso sexual infantil (Brassard et al., 2020; Noll et al., 2003) e visões inadequadas sobre sexo e sexualidade, desde a tenra idade (Jouriles et al., 2014).

7. Estratégias de enfrentamento desadaptativas

O conjunto de estratégias utilizado pelas pessoas para adaptação a circunstâncias adversas ou estressantes é denominado coping (Antoniazzi et al., 1998). Os comportamentos de risco citados anteriormente, como uso indevido de substâncias e comportamentos sexuais de risco são considerados por pesquisadores como estratégias de enfrentamento desadaptativas, que embora proporcionem alívio temporário do sofrimento psicológico, como sintomas de estresse pós-traumático e a desregulação emocional, não são efetivos e adaptativos ao sujeito  (Littleton & Ullman, 2013; Messman-Moore et al., 2010; Miron & Orcutt, 2014; Orcutt et al., 2005), bem como apontam para a revitimização (Walker & Wamser-Nanney, 2022).

8. Desregulação emocional 

As habilidades de regulação emocional que deveriam ser desenvolvidas na infância podem ser prejudicadas quando crianças são expostas precocemente ao trauma. A longo prazo, a desregulação emocional integra uma série de consequências negativas pelos maus-tratos (Walker, 2022). Pode atuar, inclusive, como um fator que interage entre o abuso sexual infantil e a revitimização sexual (Messman-Moore et al., 2010; Messman-Moore et al., 2013), bem como relaciona-se com sintomas de estresse pós-traumático, níveis elevados de raiva, impulsividade e maior envolvimento em comportamentos de risco (Walker & Wamser-Nanney, 2022). A relação entre a desregulação emocional e sintomas de estresse pós-traumático é destacada por Walker e Wamser-Nanney (2022), demonstrando-se bastante complexa. 

Diferentemente do uso indevido de substâncias psicoativas, que tende a ocorrer após a apresentação de sintomas de estresse pós-traumático, a literatura não deixa explícita se a desregulação emocional ocorre como causa, simultaneamente ou como consequência dos sintomas de estresse pós-traumático, sugerindo que estes fatores apresentam diversas interações (Walker & Wamser-Nanney, 2022).

9. Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Associação Americana de Psiquiatria, 2022) define transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) como a reação após exposição a um evento traumático ou estressante, caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais. Segundo Walker e Wamser-Nanney (2022), os sintomas de estresse pós-traumático apresentam destaque entre os fatores de risco e desempenham papel crítico na estrutura da revitimização, podendo explicar, mesmo que parcialmente, os papéis de outros fatores que expõem os sobreviventes de maus-tratos a novas vitimizações. Por demonstrar ligação direta aos outros fatores apresentados, um modelo de revitimização de sintomas de estresse pós-traumático é proposto pelas autoras para explicar este fenômeno da revitimização (Walker & Wamser-Nanney, 2022).

10. Raiva/agressão

Altos níveis de raiva estão associados à desregulação emocional e dificultam a identificação e reação do indivíduo em situações ameaçadoras, por isso, também compõem os fatores de risco para revitimização sexual, relacionando-se com o TEPT por se caracterizar como um de seus sintomas (Associação Americana de Psiquiatria, 2022; Walker & Wamser-Nanney, 2022).

Além disso, os achados de Walker e Wamser-Nanney (2022) a respeito da raiva demonstram que esta relaciona-se principalmente a amostras masculinas, sugerindo que os homens correm risco de enfrentar mais desafios para lidar com esta emoção e comportamentos agressivos, por estigmas e visões culturais de masculinidades que atravessam as experiências de vitimização (Walker & Wamser-Nanney, 2022). Ao serem expostos ao abuso sexual infantil, o medo do rótulo e de estigmas pelo sexo masculino resulta em desafios na revelação, subnotificações e diferença em termos de prevalência (Castro et al., 2019; Furniss, 2002; Hohendorff et al., 2012; Rovinski & Pelisoli, 2019). 

11. Dissociação

A dissociação ou distanciamento emocional está relacionada à revitimização sexual e à violência por parceiro íntimo e consiste em um dos sintomas de TEPT, podendo ocorrer a curto (logo após o evento) ou a longo prazo. Inclui alteração do estado de consciência, como devaneios, desapego, entorpecimento, sensação de estar “fora do corpo” e perda de percepção do ambiente ao redor (Associação Americana de Psiquiatria, 2022; Walker & Wamser-Nanney, 2022). Nesse sentido, a experiência de traumas interpessoais indica taxas maiores de TEPT com sintomas dissociativos, demonstrando menos comportamentos autoprotetores, dificuldades no processamento de informações e na percepção de risco (Walker & Wamser-Nanney, 2022).

12. Percepção de risco prejudicada

Como já exposto anteriormente, além dos sintomas dissociativos e entorpecentes do TEPT, o uso indevido de substâncias também é associado à baixa percepção de risco e vulnerabilidade, bem como ao déficit de comportamentos autoprotetivos (Walker & Wamser-Nanney, 2022). A revisão apresentada por Walker & Wamser-Nanney (2022) também indica que os prejuízos a longo prazo, decorrentes de maus-tratos, podem incluir deficiência do funcionamento cognitivo (baixo desempenho acadêmico, QI mais baixo, problemas de atenção, memória e linguagem) e alterações neurológicas (principalmente nas estruturas e funções de hipocampo, amígdala, córtex pré-frontal, cerebelo, tal como na disfunção do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal – HPA) (Gerhardt, 2017; Hart & Rubia, 2012). Essas alterações desencadeadas nos sobreviventes de maus-tratos contribuem para uma percepção de risco reduzida, logo, possibilitando a revitimização. 

Lacunas e limitações identificadas pela literatura

Os três estudos revisados (Castro et al., 2019; Scoglio, et al. 2021; Walker & Wamser-Nanney, 2022) indicam as limitações na literatura e apresentam perspectivas futuras. A primeira lacuna se refere à grande concentração de pesquisas acerca da revitimização sexual (abuso sexual infantil e agressão sexual adulta) e escassez de estudos que compreendam a revitimização de modo geral, envolvendo outros tipos de maus-tratos, seus fatores de risco, bem como a revitimização cumulativa, polivitimização, taxas de revitimização não sexual, entre outros (Walker & Wamser-Nanney, 2022). Nesse sentido, é possível afirmar que a necessidade de ampliar os tipos de eventos traumáticos examinados é algo essencial.

Em relação à população investigada, há consenso de que o fenômeno da revitimização carece de generalização, uma vez que a amostra se limita às universitárias, predominantemente brancas. Fundamental, portanto, desenvolver estudos com as populações masculinas, LGBTQIA+, minorias raciais e étnicas (Walker & Wamser-Nanney, 2022; Scoglio et al., 2021). Ressalta-se, ainda, que muito do que se sabe hoje concentra-se apenas em países ocidentais, resultando em menos conhecimento generalizado sobre a prevalência desses traumas globalmente (Walker & Wamser-Nanney, 2022). Os estudos transversais predominantes na literatura destacam também a necessidade de estudos longitudinais que analisem estes fatores a longo prazo (Walker & Wamser-Nanney, 2022; Scoglio et al., 2022).

Outra limitação identificada refere-se à variabilidade de conceitos aplicados ao abuso sexual infantil (Pelisoli et al., 2016) e à revitimização, que resultam em divergências a partir de definições inconsistentes em aspectos como exposições e desfechos (comportamentos considerados sexualmente abusivos), idade e fases do desenvolvimento (limites de idade usados para definir a vitimização ao longo dos períodos de tempo e diferença de idade entre a “vítima” e perpetrador), força relativa dos fatores (forma e gravidade), forma como os dados foram coletados (abuso agudo ou crônico; número de exposições, evento singular, exposição cumulativa ou polivitimização) (Walker & Wamser-Nanney, 2022; Scoglio et al., 2022).

Fatores de Proteção, Tratamento e Prevenção 

Embora o foco deste estudo esteja centrado na identificação de fatores de risco para revitimização, fatores de proteção – como características individuais e/ou ambientais que reduzem os efeitos da situação de risco – também devem ser analisados em conjunto, pois contribuem para processos de resiliência (Poletto & Koller, 2008). O único fator de proteção para revitimização identificado por Scoglio et al. (2021) foi o cuidado parental percebido. Este resultado demonstra que os fatores de proteção não são investigados com tanta frequência como os fatores de risco, o que leva a pensar que ainda se está trabalhando mais em contingências do que em prevenção. 

Nesse sentido, é importante o papel que as redes de apoio e de proteção exercem neste cenário, envolvendo familiares, setores de saúde e educação.  Também pode-se pensar a partir da teoria de esquemas de Young et al. (2008), que os mecanismos adaptativos que ajudam o organismo a lidar com distintas situações ambientais, chamados de Esquemas Iniciais Adaptativos (EIAs) (Nabinger, 2016), podem servir como fatores de proteção ao serem desenvolvidos. 

  As técnicas em TCC também têm apresentado eficácia na redução de sintomas e em alterações psicológicas apresentadas por crianças e adolescentes em decorrência do abuso sexual infantil (Habigzang & Koller, 2011). Este fato aponta para a prevenção da revitimização, se for levado em conta que boa parte da literatura a relaciona aos efeitos a longo prazo do abuso sexual infantil. Esta abordagem também tem sido analisada em mulheres sobreviventes de abuso sexual infantil (Clarke & Llewelyn, 1994), bem como, outras teorias de coping (Macy, 2007). 

CONCLUSÃO

Este trabalho identifica na literatura doze fatores de risco envolvidos no fenômeno da revitimização sexual, e apresenta de forma unânime na literatura, o abuso sexual na infância como um fator de risco para vitimização sexual na vida adulta. Apresenta ainda os modelos teóricos utilizados na literatura para compreensão do trauma e reúne as principais lacunas e necessidades apontadas nas obras consultadas.  Já as limitações desta pesquisa derivam da escassez de estudos nacionais a respeito do tema, e variabilidade de conceitos, tanto em textos nacionais, quanto internacionais. Para futuras pesquisas, sugere-se investigação detalhada sobre cada um dos fatores de risco mencionados, análise com amostras nacionais e diversas, com especificidade na definição de conceitos utilizados.  Vale ressaltar ainda que este é um tema complexo e o foco deste estudo está nas possibilidades desencadeantes a partir de um fenômeno e não como um fator determinante ou reducionista.

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1Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso na graduação em Psicologia, como requisito parcial para obtenção do título de Psicóloga pela Universidade Sociedade Educacional de Santa Catarina – UNISOCIESC, 2022.
2Acadêmica do curso de bacharel em Psicologia na Universidade Sociedade Educacional de Santa Catarina- UNISOCIESC. Contato: calegarianaclara@gmail.com
3Docente do curso de Psicologia na Universidade Sociedade Educacional de Santa Catarina- UNISOCIESC. Psicóloga Policial Civil do Estado de Santa Catarina. Contato: marcia.delgobo.santos@gmail.com