FAKE NEWS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO: CONFLITOS E TENSÕES NO CONTEXTO JURÍDICO

FAKE NEWS AND FREEDOM OF EXPRESSION: CONFLICTS AND TENSIONS IN THE LEGAL CONTEXT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11661709


Jabes Giliades Rodrigues da Mota1
Delner do Carmo Azevedo2


Resumo: O presente artigo acadêmico aborda os conflitos e as tensões no que tange a disseminação de notícias falsas em contraposição ao direito à liberdade de expressão, destacando seus problemas, como a colisão de direitos fundamentais constitucionais e uma possível utilização de censura velada em decisões do Supremo Tribunal Federal como no inquérito 4.781/DF, resultando em insegurança jurídica e ato atentatório à democracia. Tem como objetivo geral analisar como as chamadas “fake news” interferem no exercício da liberdade de expressão e quais são as consequências desse fenômeno em crescente debate na sociedade. A metodologia utilizada é a bibliográfica exploratória, amparada no método dedutivo, que auxilia no resultado demonstrando como se pode frear a disseminação de falsas notícias sem que ocorra a colisão de direitos constitucionais. Destarte, conclui-se que as tensões e conflitos acerca do tema fake news e liberdade de expressão ocasionam transtornos imediatos na democracia brasileira, que consequentemente infringe direitos básicos e causa insegurança jurídica.

Palavras-chaves: Fake News, Liberdade de Expressão, Democracia, Colisão de Direitos.

Abstract: The present academic article addresses the conflicts and tensions regarding the dissemination of fake news and, in contrast, the right to freedom of expression, highlighting its issues such as the collision of constitutional fundamental rights and a potential employment of veiled censorship in decisions of higher instances courts in the inquiry 4.781/DF, resulting in legal uncertainty and an act detrimental to democracy. Its general objective is to analyze how the so-called “fake news” interfere with the exercise of freedom of expression and what are the consequences of this phenomenon in the growing societal debate. The methodology used is exploratory bibliographic research, supported by the deductive method, which helps in the outcome by demonstrating how the dissemination of false news can be curbed without a collision of constitutional rights. Therefore, it is concluded that the tensions and conflicts regarding the fake news and freedom of expression topic cause immediate disruptions in Brazilian democracy, which consequently invalidates basic rights and creates legal uncertainty.

Keywords: Fake News, Freedom of Expression, Democracy, Collision of Rights.

1 INTRODUÇÃO

No contexto contemporâneo, a disseminação de informações falsas, popularmente denominadas como fake news, emerge como um desafio crucial para as sociedades democráticas em âmbito global, pois, tal fenômeno não apenas compromete a integridade do espaço público, mas também suscita questões complexas e sensíveis no que concerne à interseção entre a liberdade de expressão e o enfrentamento da desinformação frente aos direitos fundamentais da sociedade.

A liberdade de expressão configura-se como um dos fundamentos primordiais das democracias modernas, uma vez que assegura aos indivíduos o direito de manifestarem suas opiniões e concepções de forma livre, sem receio de censura ou coibição, conforme o art. 5º,

V da Constituição Federal, que trata sobre o direito de resposta, dentre outros artigos correlatos. Entretanto, a disseminação em larga escala de fake news vem representando uma ameaça significativa a esse princípio, pondo em risco a confiança pública, a integridade do processo democrático e, inclusive, a segurança de indivíduos e comunidades visto que o conflito de direitos abriga valores diversos e igualmente relevantes.

Ademais, o presente estudo se propõe a explorar os conflitos e as tensões inerentes à relação entre fake news e a liberdade de expressão, sob uma ótica jurídica, visto que a disseminação de informações falsas compromete a integridade do espaço público e desafia a proteção da liberdade de expressão ao mesmo tempo em que exige o enfrentamento da desinformação prejudicial. Esse cenário coloca tribunais, legisladores e a sociedade civil diante do complexo desafio de encontrar um equilíbrio entre a proteção da liberdade de expressão e a necessidade de combater a desinformação.

Além dos conflitos com relação à liberdade de expressão, serão analisados posicionamentos do Supremo Tribunal Federal em casos concretos, com o intuito de ressaltar a necessidade da estipulação de parâmetros precisos quando da restrição ao referido direito fundamental, sem que haja a nefasta prática da censura. Conforme será demonstrado em capítulo próprio, tais restrições, embasadas no ordenamento jurídico, constituem ferramentas necessárias ao combate dos danos causados pela proliferação desenfreada de notícias inverídicas.

A partir de uma análise multidisciplinar, serão examinados os desafios enfrentados por tribunais, legisladores e pela sociedade civil na busca por um equilíbrio entre a proteção da liberdade de expressão e a necessidade de combater a desinformação no mundo digital. No transcurso desta pesquisa, serão investigados os distintos enfoques jurisdicionais para enfrentar o problema das fake news e os conflitos de direito, desde a instituição de arcabouços normativos até a implementação de iniciativas de educação midiática e promoção do pensamento crítico.

Ademais, serão analisados casos emblemáticos, jurisprudências relevantes e debates acadêmicos, com vistas a compreender as complexidades subjacentes a esta problemática e identificar possíveis estratégias para mitigar seus impactos negativos. Por derradeiro, almeja-se que este trabalho contribua para o entendimento acerca das tensões entre fake news e liberdade de expressão, fornecendo subsídios valiosos para a formulação de políticas públicas e estratégias eficazes de enfrentamento à desinformação, resguardando, simultaneamente, o ambiente democrático e os direitos individuais dos cidadãos.

2 O QUE É FAKE NEWS

Conforme designa o Conselho da Europa, em relatório realizado acerca do tema “Relatório sobre a Desinformação e a Propaganda”, entende-se por Fake News todas aquelas informações criadas ou alteradas muitas vezes partindo de uma premissa verdadeira mais que possui algum ponto específico que quando alterado muda o contexto podendo gerar uma interpretação diversa de forma que engane pessoas ou induza a erro, uma vez que são apresentadas como notícias genuínas com o intuito manipular ou influenciar a opinião pública, inclusive fomentando o cometimento de condutas ilícitas. Esses conteúdos tendem a se espalhar rapidamente, especialmente por meio das plataformas de redes sociais, causando danos significativos à sociedade ao distorcer a percepção da realidade e minar a confiança nas instituições democráticas. A disseminação de fake news pode ser motivada por diversos interesses, como ganhos financeiros, influências políticas ou a intenção de criar caos e confusão (Conselho da Europa, 2017, s/p).

Essa disseminação de desinformação, não constitui um fenômeno recente. Contudo, em estágios atuais do desenvolvimento da sociedade, sua nocividade se acentua, uma vez que sua contenção implica, inevitavelmente, a abordagem dos direitos fundamentais. Este fenômeno vem se propagando rapidamente, especialmente em um contexto de fragilidade das mídias tradicionais, situação particularmente evidente no Brasil por conta da atual situação inflamada por conflitos políticos e de direitos individuais.

A legislação brasileira aborda fake news sob várias perspectivas. A Lei nº 13.834, sancionada em 2019, introduziu no Código Eleitoral o artigo 326-A, que criminaliza a divulgação de informações falsas com fins eleitorais. Além disso, a Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, estabelece diretrizes sobre o uso da internet no Brasil, incluindo a responsabilidade dos provedores de internet em remover conteúdo ilegal, embora não trate diretamente de fake news.

O declínio da credibilidade dessas mídias perante certos segmentos da população levou muitos indivíduos a buscarem informações em blogs que se alinham com suas perspectivas, os quais não possuem o compromisso com a veracidade e frequentemente buscam gerar cliques para lucrar através da monetização de suas plataformas digitais. Nesse cenário, o sensacionalismo tende a ser diretamente proporcional ao ganho financeiro.

Nota-se que se trata de um problema complexo e multifacetado não só para a sociedade em um contexto geral mas também para a esfera jurídica. Essas informações, muitas vezes produzidas ou deliberadamente enganosas, são entregues como notícias genuínas com o objetivo de enganar, manipular ou influenciar a opinião pública. Fato é que tal fenômeno não é apenas uma questão de erro informativo, mas em suma maioria de uma manipulação intencional que visa a atingir certos objetivos, que podem ser financeiros, políticos ou simplesmente a criação da desordem e de conflitos nos grupos sociais envolvidos diretamente nessas notícias fake.

Conforme entende Menezes (2020) sobre as fake news e sua propagação:

Para esta vertente conceptiva, não basta a propagação de uma mensagem nem a possibilidade de espalhar juízos de valor com poder de influência social. A teleologia das fake news tem a intenção específica de entusiasmar e instruir o corpo social para uma finalidade pré-determinada e definida. Enquanto não ocorre a confusão social específica, atingindo-se apenas um controle genérico, a teleologia não produz efeitos (MENEZES (2020, s/p).

Neste contexto, a propagação de fake news não é um fim em si mesma, mas um meio para um objetivo mais profundo: gerar uma confusão social específica que facilite o controle direcional do corpo social. A eficácia dessa estratégia, segundo Menezes (2020), depende da capacidade das fake news de criar uma desordem específica que vá além do controle genérico da opinião pública. Isso implica que a verdadeira potência das fake news reside na sua capacidade de incitar reações e comportamentos que sirvam a uma agenda definida, transformando-as em ferramentas poderosas de manipulação social.

Nesse contexto, surge o conceito de “fake news”, uma expressão que pode ser compreendida como ‘notícia falsa’, mas que, na verdade, se refere a uma mentira apresentada no formato de notícia. Declarações ambíguas, tendenciosas ou resultantes de equívocos são frequentemente tratadas como mentiras fabricadas por diversos motivos (BALEM, 2017, p.3).

Ao destacar que fake news não são apenas notícias falsas, mas sim mentiras disfarçadas de notícias, ressalta-se a vontade ou objetivo por trás da manipulação da informação. Ademais, ao mencionar que declarações ambíguas, tendenciosas ou equivocadas são muitas vezes equiparadas a produção de conteúdo falso, a disseminação de desinformação não se limita apenas a casos óbvios de produção de notícias, mas pode envolver também distorções sutis ou enganos deliberados. Em suma, há a necessidade de estar atento não apenas às informações que são claramente falsas, mas também às formas mais sutis de manipulação da verdade que podem ocorrer no cenário midiático atual.

De acordo com uma pesquisa conduzida pela IDEIA Big Data e divulgada em maio de 2019, mais de dois terços dos entrevistados relataram ter recebido notícias falsas via WhatsApp durante a campanha eleitoral brasileira no ano de 2018. No âmbito eleitoral, a disseminação de fake news pode distorcer o debate público, manipular a opinião dos eleitores e, em última análise, comprometer a legitimidade do resultado eleitoral. A pesquisa destaca a importância de regulamentar o uso de plataformas digitais durante as eleições e a necessidade de campanhas de educação midiática para ajudar os eleitores a identificar e resistir a informações falsas (MELLO, 2019).

Com o livre acesso às informações a todo tempo por meio das mídias sociais, ficou cada vez mais fácil moldá-las da maneira que é convincente e que vai agradar um grande número de pessoas. Portanto, no contexto atual do jornalismo, destacam-se as fake news, ou notícias falsas, disseminadas através das redes sociais. Anteriormente, essas informações talvez fossem classificadas como rumores, sátiras ou até mesmo propaganda, porém as denominadas fake news exercem um impacto significativo devido à sua ampla disseminação e à disposição dos receptores em aceitá-las sem questionamentos. A credibilidade e o alcance dessas notícias falsas são moldados pelos indivíduos que as compartilham e sua influência na rede (QUIROS, 2017, p. 37).

3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SUAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

A liberdade de expressão é um direito fundamental garantido em muitas constituições ao redor do mundo, entre elas, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Mostra-se instrumento que permite aos indivíduos que expressem suas opiniões, ideias e crenças sem interferência governamental. No que concerne à liberdade de expressão, é consagrada como um direito fundamental na Constituição Federal, encontrando-se no artigo 5º, ao lado de outras garantias constitucionais, como o direito à informação e a dignidade da pessoa humana. O inciso IV assegura o direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento, enquanto o inciso IX garante esse direito para o emissor da mensagem. Por outro lado, o inciso XIV do mesmo artigo estabelece a proteção constitucional em favor do receptor da mensagem, garantindo a todos o direito de serem informados, com a ressalva do sigilo da fonte da notícia, quando necessário ao exercício profissional.

Sobre liberdade de expressão, Marmelstein (2013, p.121), conceitua:

É um instrumento essencial para democracia, na medida que permite que a vontade popular seja formada a partir do confronto de opiniões, em que todos os cidadãos, dos mais variados grupos sociais, devem poder participar, falando, ouvindo, escrevendo, desenhando, encenando, enfim, colaborando da melhor forma que entenderem (MARMELSTEIN, 2013, p. 121).

Para Sarlet (2001, s/p), a liberdade de expressão é um direito fundamental garantido em muitas constituições ao redor do mundo, sendo essencial para o funcionamento de sociedades democráticas, permitindo com que os indivíduos expressem suas opiniões, ideias e crenças sem interferência do Estado.

Pode-se inferir, com propriedade, que a liberdade de expressão constitui o direito inalienável de expressar livremente qualquer opinião, ideia ou pensamento acerca de questões políticas ou temas correlatos à existência, sem temor de sofrer perseguições políticas ou censura, desde que sejam respeitadas as restrições legais previstas na legislação, como crimes contra a honra. As liberdades individuais não estão sujeitas à concessão estatal para sua efetivação, representando um pilar essencial do Estado Democrático de Direito.

Conforme afirmado pelo jurista José Afonso da Silva (2013), uma das principais características do Estado Democrático de Direito consiste no respeito à liberdade de manifestação de opiniões diversas:

Importa mencionar, ainda, que as principais características do Estado Democrático de Direito é o convívio social de forma livre e justa, com igualdade. Para uma sociedade permeada pelo convívio de opiniões distintas, com a garantia do pluralismo político, não basta sua mera existência ou previsão, assim mecanismos devem ser criados para o seu efetivo exercício. Nesse contexto, o princípio da legalidade ganha destaque e notoriedade, despindo-se de seu conceito clássico, indo além da simples previsão legal. O princípio da legalidade paira sobre o Estado com a função de se adequar a realidade, preocupado com a igualdade e justiça social, com condições de intervir nas desigualdades dos socialmente desiguais, indo, desta feita, além de um preceito normativo geral, abstrato, modificador da ordem jurídica atual (SILVA, 2013, pp. 122-123).

O texto de lei presente na Constituição Federal de 1988, em seu artigo duzentos e vinte, reflete a um princípio fundamental para a garantia da liberdade de expressão em uma sociedade democrática, onde diz que: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Ao afirmar que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não devem sofrer restrições, exceto as previstas na Constituição, ele estabelece uma base sólida para a proteção desse direito fundamental constitucional.

Além disso, essa garantia constitucional, juntamente com outros direitos fundamentais presentes naquela, asseguram que os indivíduos tenham o direito de expressar suas opiniões, ideias e informações livremente e a liberdade de pensamento como um todo sem que se tenha interferência arbitrária do Estado ou de terceiros; essenciais para o funcionamento saudável de uma democracia, pois permite o debate aberto, o livre fluxo de informações e a diversidade de perspectivas.

Para Ferreira Filho (2022) a liberdade de pensamento:

Enquanto não manifesta, é condicionável por meios variados, mas é livre sempre, já que ninguém pode ser obrigado a pensar deste ou daquele modo. I…] As manifestações, estas sim, pelo seu caráter social valioso, é que devem ser protegidas, ao mesmo tempo que impedidas de destruir ou prejudicar a sociedade. (FERREIRA FILHO, 2022, p. 261)

De acordo com o autor, evidencia-se uma visão sagaz das nuances entre a esfera individual e a social no contexto da liberdade de expressão, ressaltando a inviolabilidade do pensamento individual, uma vez que sublinha a sacralidade da liberdade cognitiva, subjetiva e inalienável de cada indivíduo.

Destaca-se ainda a Constituição da República Portuguesa de 1977, a qual serviu como referência para determinadas deliberações da Assembleia Constituinte do Brasil. Entre os elementos a serem considerados, destaca-se o seu artigo 37:

  1. Todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
  2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
  3. As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
  4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (PORTUGAL, 1977).

Contudo, ao ponderar sobre as manifestações sociais, há de se falar sobre sua relevância, ao mesmo tempo que pressupõe possíveis danos que possam advir delas, evidenciando – portanto – a complexidade inerente à proteção dos direitos individuais dentro de uma sociedade organizada, em que a garantia da liberdade é acompanhada pela responsabilidade de preservar a ordem e a coesão social.

Desse modo, é importante ressaltar que esse direito, bem como os demais direitos fundamentais previstos pela Constituição Federal de 1988, não é absoluto e pode estar sujeito a limitações em determinadas circunstâncias, por exemplo, na hipótese de a liberdade de expressão ser exercida de forma a violar os direitos de outras pessoas. Isso significa que a disseminação de discursos de ódio, difamação, calúnia, incitação à violência, ou as denominadas fake news, não estão protegidos pelo arcabouço constitucional e infraconstitucional, podendo estar sujeitos a restrições legais.

Conforme Koatz (2011, p. 401), a liberdade de expressão não é considerada um direito absoluto ou ilimitado, assim como nenhum outro direito fundamental. Como ilustrado pela citação de Justice Oliver Wendell Holmes, a liberdade de expressão não concede proteção àquele que proclama falsamente “fogo!” no interior de um teatro lotado. Portanto, em situações de conflito, é possível que a liberdade de expressão seja eventualmente restringida em favor de outros valores e interesses constitucionalmente protegidos.

Destarte, a liberdade de expressão também pode ser limitada para proteger outros valores e interesses legítimos da sociedade, como a segurança nacional, a ordem pública, a saúde pública e os direitos das crianças, em situações que esses valores entrem em conflito com a liberdade de expressão, levando o Estado a impor restrições proporcionais para equilibrar esses interesses concorrentes.

Conforme entende Toffoli (2019, p. 18):

A sociedade como um todo – poderes públicos, instituições essenciais à Justiça, comunidade acadêmica, imprensa, jornalistas, provedores de internet, plataformas digitais e verificadores de notícias – deve estar engajada no enfrentamento à desinformação. Precisamos manter o diálogo e cooperar na busca por soluções que, a um só tempo, privilegiem o debate democrático, a verdade e a liberdade de expressão (TOFFOLI, 2019, p. 18).

Há de fato complexidade no que tange a problemática da desinformação, havendo a necessidade de resposta abrangente e colaborativa, pois há por trás de tudo isso a importância de preservar valores fundamentais, ao mesmo tempo em que se deve combater a disseminação de informações falsas.

Consoante, Sarlet (2001, s/p), há conflitos complexos quando a liberdade de expressão colide com os direitos da personalidade, especialmente em casos de divulgação de informações prejudiciais à reputação ou integridade moral de um indivíduo. Conclui-se que essa liberdade não é absoluta e pode colidir com os direitos, tais como a da personalidade em determinadas situações.

3.1 Liberdade de Expressão Sob o Viés Político

Assim como a liberdade de expressão, o direito à expressão política e seu ramo ideológico deve ser visto como um direito inalienável dos cidadãos em uma democracia, pois é ferramenta essencial para garantir a prestação de contas e a transparência no governo.

Sabe-se que a liberdade de expressão e política vêm sendo atreladas a séculos. A chamada Primeira República (1889-1930) era exemplo disso, visto que o Estado buscava controlar a liberdade de expressão e reprimir oposições políticas e, após o ano de 1930, ocorreu uma transformação social durante os períodos políticos, que influenciou diretamente a liberdade de expressão, resultando em um dos períodos de clara censura nua e crua, que ocorreu nos períodos da Ditadura do Estado-Novo (1937-1945) e da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), onde a liberdade de expressão era inexistente, e somente havia destaque ao que os governos militares achavam correto e que não atentassem contra a chamada ordem pública (MENDES, 2023, s/p).

Ocorre que, se tem o argumento de que a liberdade de expressão não deve ser absoluta e que certas restrições podem ser necessárias para proteger outros direitos fundamentais, como a dignidade humana e a igualdade. Essa visão sustenta que discursos de ódio, incitação à violência e difamação não devem ser protegidos pela liberdade de expressão, pois podem causar danos reais e tangíveis às pessoas e às comunidades e que nem tudo pode ser considerado liberdade de expressão ou liberdade de imprensa.

Em um contexto político, a liberdade de expressão muitas vezes se torna um campo de conflito, onde diferentes grupos e interesses tentam utilizar dessa liberdade para promover suas agendas e suprimir as vozes da oposição. Isso pode levar a debates acalorados sobre a necessidade de limitar ou regular notícias, especialmente aquelas que são consideradas prejudiciais ou perigosas para a sociedade como um todo.

Conforme entende Mendes (2023, s/p):

“É necessário estabelecer limites para a tolerância e ser intolerante com aqueles que promovem discursos de ódio, preconceito, intolerância e subversão da própria democracia. Nesse sentido, políticos considerados “antissistema” que estimulam golpes de Estado e desacreditam o sistema eleitoral sem provas seriam inimigos da democracia e deveriam sofrer restrições” (MENDES, 2023, s/p).

Nota-se, portanto, a extrema necessidade de estabelecer limites para tolerância de uma premissa fundamental na manutenção de uma sociedade democrática e justa uma vez que a tolerância irrestrita pode paradoxalmente levar à sua própria destruição, caso permita a proliferação de discursos de ódio, preconceito, intolerância e atos que visem subverter a ordem democrática.

Neste sentido, a proteção dos valores democráticos exige que sejam impostas barreiras contra aqueles que promovem tais ideias e atitudes, assegurando que a liberdade de expressão não seja utilizada como um escudo para ameaçar a coesão social e os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.

Outrora, o que se vê na atualidade são políticos autointitulados “anti golpistas” que ao contrário do que dizem são eles os responsáveis por incentivos a diversos tipos de violações ao Estado Democrático de Direito, assim como manipulações de uma parcela da sociedade, através das famosas propagações de notícias falsas, o que gera uma guerra de opinião sem fim, na qual quem geralmente sai na frente são os que possuem mais recursos financeiros, bem como a máquina pública, e a grande mídia. Diante disso, de posse desses aliados, tudo que o indivíduo A disser será verdade, ainda que violando a legislação, pois, mais importa o que está passando na TV do que a própria norma, o que representa um risco a democracia e ao Estado Democrático de Direito, pois é uma forma clara de erradicar o pluralismo político e o debate de opiniões divergentes.

A propagação de informações falsas e infundadas sobre a integridade dos processos eleitorais mina a confiança pública nas instituições e pode fomentar instabilidade política e social. Nesse contexto, é imperativo que o Estado adote medidas firmes para restringir essas ações, preservando assim o ambiente democrático e evitando a erosão dos pilares que sustentam o estado de direito.

Portanto, a adoção de restrições contra esses inimigos da democracia não é apenas uma questão de manutenção da ordem, mas um dever constitucional de proteção dos princípios democráticos. A defesa da democracia requer uma vigilância contínua e a disposição para ser intolerante com a intolerância, garantindo que a liberdade e a justiça prevaleçam. As medidas restritivas, quando justificadas e proporcionais, são instrumentos legítimos e necessários para salvaguardar a sociedade contra aqueles que, sob o pretexto de liberdade, buscam subverter o próprio sistema que garante essa liberdade.

3.2 Censura Versus Liberdade de Expressão no Âmbito das Fake News

A dinâmica entre censura, liberdade de expressão e fake news é uma questão complexa que aborda desafios significativos na era da informação digital. A censura, que pode ser definida como a limitação ou controle da livre manifestação de ideias, pode ser impulsionada por uma variedade de motivos, incluindo preocupações legítimas ou ilegítimas relacionadas à disseminação de desinformação.

Por um lado, a censura direcionada à disseminação de fake news pode ser vista como uma tentativa de combater a desinformação e proteger a sociedade de informações enganosas ou prejudiciais. Em muitos casos, governos, plataformas de mídia social e outros atores podem tomar medidas para remover ou limitar a circulação de conteúdo falso, com o objetivo de proteger a integridade do debate público e da democracia (SUNSTEIN, 2012, p. 123-146).

Fato é que ao remover ou limitar a circulação de conteúdo falso, governos e plataformas de mídia social podem tentar mitigar os efeitos prejudiciais da desinformação na sociedade, o que pode atentar contra a liberdade de expressão, direito fundamental da carta magna garantista.

É importante considerar cuidadosamente as implicações dessa abordagem, incluindo o risco de censura excessiva e a preservação da liberdade de expressão, garantindo-se que as medidas adotadas sejam proporcionais e respeitem os direitos individuais, pois assim como as fake news muitas vezes podem ser instrumentos de manipulação, ao “censurar” o acesso a informações comprovadas verídicas porém adotadas como fake news por atentar contra algo específico, a liberdade de expressão é ferida.

Conforme destaca Ferreira Filho (2020, p. 261):

A manifestação mais comum do pensamento é a palavra falada, pela qual alguém se dirige a uma pessoa ou pessoas presentes para expor o que pensa. Essa liberdade é consagrada pelo art. 5º, IV e V. Na verdade, é ela uma das principais de todas as liberdades humanas, por ser a palavra uma das características fundamentais do homem, o meio por que este transmite e recebe as lições da civilização. (…) Outra forma de manifestação do pensamento é a pela palavra escrita, destinada a pessoas indeterminadas, divulgada por meio de livros, jornais e revistas. (…) A Constituição brasileira (art. 5º, IX) veda a censura da palavra escrita. Declara independente de censura ou licença do poder público a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Proíbe, todavia, o anonimato (não o pseudônimo) (FERREIRA FILHO, 2020, p. 261).

A censura também pode ser utilizada de forma abusiva para restringir a liberdade de expressão legítima e silenciar vozes dissidentes. Quando governos ou outras autoridades utilizam sob o pretexto da luta contra as fake news para suprimir opiniões divergentes, isso pode resultar em um ambiente de repressão e falta de transparência, infringindo os princípios fundamentais.

Conforme estabelecido no art. 5°, inciso IX, em correlação com o art. 220, caput e seu respectivo §2°, todos da Constituição Federal, previamente mencionados, é proibida qualquer forma de censura à expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Isso significa que a Constituição Federal veda qualquer tipo de controle prévio do conteúdo a ser divulgado pela imprensa ou por qualquer outro cidadão que esteja exercendo seu direito à liberdade de expressão e informação.

Sobre esse tipo de censura, importante destacar as lições do Ministro Alexandre de Moraes:

“A censura prévia significa o controle, o exame, a necessidade de permissão a que se submete, previamente e com caráter vinculativo, qualquer texto ou programa que pretende ser exibido ao público em geral.

O caráter preventivo e vinculante é o traço marcante da censura prévia, sendo a restrição à livre manifestação de pensamento sua finalidade antidemocrática” (MORAIS, 2015, P. 53).

Além disso, a censura direcionada à desinformação pode levantar questões sobre quem decide o que constitui fake news e como essas decisões são tomadas. Em muitos casos, as definições de fake news podem ser subjetivas e sujeitas a interpretações políticas, o que pode resultar em arbitrariedade e viés ideológico na aplicação da censura.

Portanto, é essencial encontrar um equilíbrio adequado entre o combate à desinformação e a proteção da liberdade de expressão. Isso pode envolver a implementação de políticas e medidas que visam a promoção da alfabetização digital, o fortalecimento do jornalismo de qualidade, o estímulo ao pensamento crítico e a promoção da transparência nas plataformas de mídia social, ao invés de uma abordagem baseada na censura direta.

3.3 Conflitos e Colisões de Direito

Segundo o dicionário Michaelis (2022), colisão é “Ato ou efeito de colidir, luta entre facções, ideologias, partidos, conflito, embate. Situação que apresenta problemas de difícil solução, com opções conflitantes para a tomada de uma decisão; aperto, indecisão”

Na atual situação que se encontra o Brasil, diante diversos conflitos e colisões de direito, o que mais chama a atenção são os conflitos entre liberdade de expressão e fake news que representam um desafio que coloca em evidência a tensão entre a proteção da livre manifestação de ideias e a necessidade de combater a disseminação de informações falsas e enganosas.

Conforme ensinamentos de Canotilho (1999, p. 135), a concorrência de direitos fundamentais pode manifestar-se de duas maneiras distintas: a) por meio do cruzamento de direitos fundamentais, onde um mesmo comportamento de um titular é abrangido pela proteção de diversos direitos, liberdades e garantias, como é o caso da interseção entre o direito à liberdade de expressão e informação com o direito à liberdade de imprensa; b) através da acumulação de direitos, em que um determinado “bem jurídico” resulta na acumulação, na mesma pessoa, de diversos direitos fundamentais. O referido autor português exemplifica a segunda forma de concorrência de direitos fundamentais com o artigo 112 da Constituição da República Portuguesa de 1976, que estabelece que a “participação na vida pública” constitui um “instrumento de consolidação do regime democrático”.

Fato é que a liberdade de expressão é um direito fundamental constitucional, que garante o livre debate de ideias, a diversidade de opiniões e o acesso à informação, como outrora mencionado. No entanto, o aumento das fake news pode prejudicar este direito de ser exercido em sua plenitude sem que cause problemas para a sociedade, distorcendo a verdade, manipulando a opinião pública e prejudicando o funcionamento saudável da democracia.

De acordo com o entendimento de Morais (2022, p. 42):

Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5° da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito (MORAES, 2022, p.42).

Portanto, os esforços para combater as fake news na atualidade muitas vezes envolvem medidas que podem restringir a liberdade de expressão, como a remoção de conteúdo falso de plataformas online, a implementação de políticas de verificação de fatos e a aplicação de sanções legais contra a disseminação deliberada de desinformação.

Conforme observado por Barroso (2004, p. 4), os princípios e direitos estabelecidos na Constituição frequentemente se encontram em conflito, uma vez que abrigam valores opostos e igualmente relevantes. Isso pode ser ilustrado por exemplos como a livre iniciativa e a proteção do consumidor, o direito de propriedade e a função social da propriedade, a segurança pública e as liberdades individuais, assim como os direitos da personalidade e a liberdade de expressão. Nessas situações, caracterizadas por conflitos jurídicos, a falta de uma solução pré-definida é evidente, uma vez que não há uma resposta abstrata fornecida pelas normas aplicáveis.

Há portanto de se falar da teoria dos “Limites dos Limites”, onde, segundo essa teoria, proposta por Alexy (2008), a proteção dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, não é absoluta e pode ser limitada em determinadas circunstâncias. Essas restrições devem ser justificadas pela necessidade de proteger outros direitos igualmente fundamentais ou bens jurídicos essenciais para a coletividade.

Nesse sentido, a liberdade de expressão pode ser limitada para prevenir danos à reputação de terceiros, proteger a segurança nacional, garantir a ordem pública ou combater a disseminação de informações falsas que possam prejudicar o bem-estar da sociedade. No entanto, tais restrições devem ser proporcionais, necessárias e justificadas em uma sociedade democrática, respeitando sempre o núcleo essencial do direito em questão e buscando um equilíbrio adequado entre os diferentes valores em conflito.

Em relação a tese dos limites dos limites, explica Gilmar Mendes (2012):

Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou “limites dos limites” (Schranken-Scharanken), que balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas (…) (MENDES, 2012, s/p).

No entanto, é crucial encontrar um equilíbrio adequado entre a proteção da liberdade de expressão e a mitigação dos danos causados pelas fake news. Restrições excessivas à liberdade de expressão podem abrir espaço para abusos de poder e cerceamento da livre circulação de informações legítimas. Para Maia (2015, p. 187), o exercício do direito fundamental à liberdade de expressão frequentemente conduz à eventual colisão com outros direitos de igual natureza.

Portanto, é necessário desenvolver abordagens que ataquem as fake news sem comprometer os direitos individuais e a diversidade de opiniões. Em última análise, a solução para os conflitos entre liberdade de expressão e fake news exige uma abordagem multifacetada que inclua a educação para a mídia, o fortalecimento do jornalismo de qualidade, a promoção da alfabetização digital e o engajamento ativo da sociedade civil na identificação e combate à desinformação. Essas medidas podem ajudar a preservar os valores democráticos enquanto enfrentam os desafios impostos pelo fenômeno das fake news na era digital.

4 INQUÉRITO 4.781/DF – INQUÉRITO DAS FAKE NEWS

O Inquérito 4.781/DF, também conhecido como “Inquérito das Fake News” ou “Inquérito do Fim do Mundo”, como já nomeado pelo ex- ministro Marco Aurélio Mello, é um inquérito que foi instaurado pelo presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, em março de 2019, com base no artigo 43 do Regimento Interno do STF, que permite a abertura de investigações para apurar infrações contra a Corte, in verbis:

Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.
§ 1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.
§ 2º O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal (BRASIL, 2023).

Na ocasião, a principal razão para a abertura do inquérito foi a crescente disseminação de fake news, ameaças e difamações dirigidas aos ministros do STF e seus familiares. Essas ações colocavam em risco a integridade dos magistrados e a credibilidade do Poder Judiciário, o que significava uma uma ameaça à ordem democrática brasileira. O auge do surgimento das fake news e disseminação que levaram a abertura de tal inquérito se deu em pleito de eleição no ano de 2018, onde a mesma foi contestada por inúmeros grupos, visto que foram utilizados meios considerados por eles ilegais. Liminarmente foram indeferidas algumas ações, pois baseavam-se em notícias de jornais, mas sem provas. Todavia, essa situação alterou-se com os recorrentes ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal, que iniciaram uma investigação sobre os ataques sofridos por eles e seus familiares. Com a dilação probatória, foram encontradas algumas situações que ensejaram a reabertura das ações no Tribunal Superior Eleitoral e o pedido de reunião dessas em uma única ação.

Contudo, as investigações tiveram como foco os indivíduos e grupos que disseminavam fake news e ofensas contra o STF e seus ministros, o que incluiu a análise de redes de desinformação e perfis em redes sociais envolvidos na propagação de ataques ao Judiciário da época. Ocorre que, durante a investigação do mesmo, excessos e arbitrariedades foram detectados e com isso, por conta das medidas adotadas, como buscas e apreensões e bloqueio de contas em redes sociais, foram levantadas questões e discussões a respeito dos direitos e garantias individuais constitucionais, uma vez abordada a liberdade de expressão e afins.

Ocorre que, tal inquérito não segue os moldes previstos no Código de Processo Penal, tampouco seus procedimentos, o que leva a trazer novamente à tona a censura como forma conflitante a liberdade de expressão, pois o livre pensamento e a expressão segundo a Constituição Federal é um direito garantido a todos sem distinção.

Sobre esse embate entre a liberdade de expressão e o inquérito 4781/2019 o relator ministro Alexandre de Moraes afirmou que:

“Não é isso que a Constituição consagra. Liberdade de expressão não é liberdade de agressão, não é liberdade de destruição da democracia, das instituições e da honra alheia. Reitero minha convicção de que não há democracia sem um Judiciário forte e não há Poder Judiciário forte sem juízes independentes, altivos e seguros.” (SAMPAIO, 2020, s/p).

De fato, conforme consagrado pela Constituição, o uso da liberdade de expressão não deve ser confundido com uma licença irrestrita para a agressão ou para atos que possam comprometer a democracia, as instituições ou a honra individual de cada cidadão independentemente de sua posição, visto que a liberdade de expressão é um pilar essencial das sociedades democráticas, todavia sua aplicação deve ser equilibrada com a proteção de outros direitos e valores igualmente importantes, e é nesse ponto que o inquérito é alvo de críticas.

No sistema de Justiça, é incomum que o Supremo Tribunal Federal (STF) inicie um inquérito, já que, habitualmente, as investigações são realizadas pela polícia ou pelo Ministério Público. Neste caso específico, o STF está responsável tanto pela condução das investigações quanto pelo julgamento das questões que surgem no decorrer do inquérito, como no caso da ação da Rede, o que gerou diversas dúvidas e questionamentos sobre essa prática (SAMPAIO, 2020, s/p).

Tal decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de instaurar um inquérito pode ser considerada equivocada pois, ao tomar o papel de acusador, investigador e julgador, representa uma grave violação dos direitos fundamentais, especialmente do julgamento da ligação entre liberdade de expressão e fake news. Dá-se que, tradicionalmente, as investigações devem ser conduzidas por órgãos específicos, como a polícia ou o Ministério Público, que possuem a expertise e a técnica necessárias para realizar esse tipo de trabalho de forma totalmente imparcial e respeitando os direitos fundamentais constitucionais de todos os indivíduos nele mencionados.

Quando o STF, que é a instância máxima de julgamento, assume o papel de investigador, ocorre uma concentração de poderes que contraria os princípios basilares de um sistema judicial justo e equilibrado, tomando-se esse tipo de atuação facilmente como uma forma de censura que limita o livre debate, o direito à crítica, fundamentais em uma sociedade democrática e o contraditório e a ampla defesa, havendo ainda manifesta violação ao princípio do juiz natural. Desse modo, quando uma ação é iniciada em uma corte superior como o STF, resta a dúvida com relação ao recurso, a quem recorrer se já está diante da última instância, essa certamente é uma das questões mais questionadas com o advento desses julgamentos da suprema corte brasileira, por ser uma restrição sem precedentes ao princípio constitucional da ampla defesa, fundamental em uma constituição conhecida por ser garantista.

Conforme entende Aury Lopes (2016. p. 158) sobre o acúmulo de funções e o comprometimento do contraditório e da ampla defesa:

É um erro psicológico crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar, acusar, defender e julgar. A concentração dessas funções numa única entidade impossibilita o exercício de um contraditório eficaz e também compromete a ampla defesa (LOPES JUNIOR, 2016, p. 158).

Observa-se que, segundo o autor, é um equívoco esperar que uma mesma pessoa desempenhe funções tão diversas e, muitas vezes, antagônicas, como investigar, acusar, defender e julgar, sendo necessária a separação de poderes e a divisão de responsabilidades dentro do sistema jurídico, pois, ao concentrar todas essas funções em uma única entidade como o Supremo Tribunal Federal, mesmo com todo o poder por ele desempenhado, ainda sim corre-se o risco de comprometer não apenas a imparcialidade, mas também a efetividade do contraditório e a garantia da ampla defesa, direitos fundamentais no processo penal, o que leva a insegurança não só jurídica, mas também à própria democracia e a separação dos poderes. Afinal, a capacidade de apresentar argumentos e evidências contrárias às acusações é essencial para garantir um julgamento justo e equitativo para todos aqueles envolvidos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente que a liberdade de expressão, quando exercida de maneira construtiva, fomenta a reflexão, subsequente debate e, por conseguinte, a formação de opiniões mais embasadas. É consabido que a liberdade não equivale a uma licença irrestrita para agir segundo a própria vontade; a doutrina predominante reconhece a possibilidade de limitações aos direitos, especialmente quando seu exercício inadequado conflita com outros direitos. Portanto, antes de se considerar efetivamente a restrição da liberdade de expressão por meio da censura como ferramenta supostamente necessária ao combate das fake news, faz-se necessário a observância de todo o arcabouço jurídico, pois ao passo que essa censura resulta em uma série de violações de preceitos fundamentais, uma série de problemas graves são criados com a justificativa de combater a desinformação e isso é muito pouco para restringir, por exemplo, a ampla defesa e a liberdade de expressão.

No que tange às fake news e a sua relação com a liberdade de expressão emergem como um tema crucial no contexto contemporâneo, principalmente no âmbito jurídico. Fato é que elas são caracterizadas pela disseminação deliberada de informações falsas, representam um desafio significativo para a sociedade moderna, reduzindo a confiança nas instituições públicas, distorcendo o debate público e influenciando processos democráticos contrariando normas e princípios legais. Todavia, a liberdade de expressão, um dos pilares das democracias modernas, é essencial para o livre fluxo de ideias, o escrutínio público e a autodeterminação dos indivíduos. No entanto, as tensões entre a desinformação e liberdade exigem uma análise cuidadosa das implicações jurídicas, éticas e sociais envolvidas.

É notável ao longo deste artigo que as fake news se trata de um fenômeno complexo e multifacetado, caracterizado pela disseminação intencional de informações falsas com o propósito de enganar, manipular ou influenciar o público. Essas informações podem variar de boatos inocentes a campanhas de desinformação elaboradas, abrangendo uma ampla gama de assuntos, desde política e saúde até entretenimento e economia. Ocorre que a rapidez e a facilidade com que as fake news podem se espalhar nas plataformas digitais vem a ampliar ainda mais seu alcance e impacto, tornando-se um desafio significativo para os esforços de combate à desinformação e para a preservação da integridade do debate público.

No contexto jurídico, a liberdade de expressão é um direito fundamental consagrado em muitas constituições ao redor do mundo. Essa liberdade não se limita apenas à ausência de censura governamental, mas também inclui o direito dos indivíduos de buscar, receber e compartilhar informações e ideias sem interferência ou retaliação. A proteção da liberdade de expressão é essencial para garantir a diversidade de opiniões, a busca da verdade e o funcionamento saudável das democracias. No entanto, esse direito não é absoluto e pode ser restringido em certas circunstâncias, especialmente quando entra em conflito com outros direitos ou interesses legítimos.

Fato é que a regulamentação das fake news é um desafio complexo, que envolve questões jurídicas, éticas, técnicas e políticas visto que a natureza descentralizada e global da internet dificulta a aplicação de leis e regulamentos pertinentes, enquanto as tentativas de censurar a desinformação podem ser vistas como uma ameaça à liberdade de expressão. Além disso, a definição precisa do que constitui uma fake news e a identificação dos responsáveis por sua criação e disseminação representam obstáculos adicionais para a eficácia das medidas dos órgãos de controle.

Diante disso, o debate acerca da censura e liberdade de expressão é intensificado quando se trata das fake news. Embora seja tentador adotar medidas enérgicas para conter a disseminação de informações falsas, a censura governamental realizada pelos Poderes pode abrir precedentes perigosos e corromper os princípios democráticos, onde a liberdade de expressão deve ser protegida como um valor fundamental constitucional, mesmo diante das ameaças representadas pelas fake news. No entanto, é essencial encontrar um equilíbrio que permita combater a desinformação sem comprometer os direitos individuais e a diversidade de opiniões, pois sem elas a democracia fica enfraquecida.

As plataformas digitais desempenham um papel crucial na disseminação e no combate às fake news. Como intermediários entre os produtores de conteúdo e os usuários finais, essas empresas têm a responsabilidade de combater a desinformação enquanto protegem a liberdade de expressão. A implementação de políticas de moderação de conteúdo, o uso de algoritmos de detecção de fake news e a promoção da alfabetização midiática são algumas das medidas que podem ajudar a mitigar os efeitos nocivos das informações falsas sem recorrer à censura.

Ao mesmo tempo, que diante dos desafios perante a implementação prática dessas ideias, como a definição de critérios claros para distinguir entre desinformação e liberdade de expressão legítima, ou a questão da responsabilidade dos diferentes atores na disseminação e no combate à desinformação, deve-se atentar sobre quais ações estão ao alcance do poder público, havendo necessidade do poder legislativo ouvindo o povo legislar sobre o tema.

A identificação precisa das fake news apresenta desafios éticos e jurídicos significativos. A distinção entre informações falsas, opiniões divergentes e erros honestos nem sempre é clara, tornando difícil determinar quando uma intervenção é justificada. Além disso, a responsabilização dos propagadores de fake news levanta questões sobre a liberdade de expressão e o devido processo legal. É essencial desenvolver abordagens equilibradas que protejam os direitos individuais e promovam a responsabilidade social e a transparência.

Portanto, diante da complexidade e dos desafios envolvidos na interseção entre fake news e liberdade de expressão, é fundamental adotar uma abordagem holística e democrática para enfrentar esse problema. Isso requer a colaboração entre governos, sociedade civil, empresas de tecnologia e instituições de ensino para desenvolver soluções que preservem tanto a liberdade de expressão quanto a integridade do debate público. Ao mesmo tempo, é necessário promover a alfabetização midiática, o pensamento crítico e a responsabilidade individual como parte de uma estratégia abrangente para combater a desinformação e fortalecer os fundamentos democráticos de nossa sociedade.

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1Graduando em Direito do Centro Universitário São Lucas. E-mail: jabes.mota@sounidesc.com.br

2Especialista em Direito Administrativo. E-mail: delner.azevedo@saolucas.edu.br