FAKE NEWS E ELEIÇÕES: ATUAÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PIAUÍ NO ENFRENTAMENTO A DESINFORMAÇÃO DURANTE AS ELEIÇÕES DE 2022¹

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11100397


Clóvis Alves Moura Matildes2
Paulo Fernando Gonzalez de Oliveira3
Charles Max Pessoa M. da Rocha4


RESUMO

O presente artigo destina perquirir um estudo sobre o fenômeno das fake news e desinformação durante o processo eleitoral, tema este de grande repercussão no contexto brasieliro, uma vez que, informações falsas podem manipular a opinião pública, e influenciar o eleitorado na tomada de decisão e distorcer a percepção sobre candidatos e propostas políticas. Portanto, o presente estudo tem como finalidade analisar precedentes do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí no enfrentamento a esses fatos sabidamente inverídicos propagados durante as eleições de 2022.

Palavras-Chave: Liberdade de expressão. Democracia. fake news. Fatos sabidamente inverídicos. Desinformação. Constituição Federal. Processo eleitoral. Justiça. Internet. Propagação. Notícias. Candidatos. Eleitor. Julgados. Precedentes.

ABSTRACT

This article aims to research a study on the phenomenon of fake news and disinformation during the electoral process, a topic of great repercussion in the Brazilian context, since false information can manipulate public opinion, and influence the electorate in decision-making and distort the perception of candidates and political proposals. Therefore, the purpose of this study is to analyze precedents from the Regional Electoral Court of Piauí in confronting these known untrue facts propagated during the 2022 elections.

Keywords: Freedom of expression. Democracy. fake news. Facts known to be untrue. Disinformation. Federal Constitution. Electoral process. Justice. Internet. Propagation. News. Candidates. Voter. Judged. Precedents.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo geral investigar precedentes do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí nos casos de fake news propagados durante as eleições de 2022.

Nessa perspectiva, coloca-se em evidência um breve estudo voltado à proteção da liberdade de expressão e manifestação no contexto eleitoral, fundamento este de “primeira dimensão”, que garante aos cidadãos a livre manifestação da vontade e, de outro lado, a garantia – igualmente constitucional – do cidadão receber e acessar informação plural, correta, verdadeira, educativa, cidadã. Entretanto, a garantia da liberdade de expressão não é absoluta,  tem um limite, ou seja, vai até um certo ponto, o indivíduo não pode violar os preceitos da democracia.

O tema supracitado é de grande importância, pois a ocorrência da propagação de fatos sabidamente inverídicos durante o processo eleitoral coloca em “cheque” o Estado Democrático de Direito. Com isso, faz-se necessário investigar como o Tribunal Regional do Piauí combateu e puniu os autores que propagaram notícias falsas durante as eleições de 2022.

A pesquisa realizada foi de natureza qualitativa, principalmente, com base em análise jurisprudencial de julgados proferidos pelo Tribunal Regional Eleitoral do Piauí referentes ao fenômeno das fake News e desinformação disseminadas durante as eleições de 2022. Ademais, foram utilizados, ainda, como fonte primária, para construção da presente pesquisa, artigos científicos, e, de forma secundária, doutrinas, legislações, Resoluções do TSE, bem como, recentes debates do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema em apreço.

Para tanto, o artigo será dividido em seis tópicos. No primeiro será abordado um estudo voltado aos limites estabelecidos pela liberdade de expressão segundo a Constituição Federal de 1988 e os tratados internacionais (Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, Pacto de San José da Costa Rica, Pacto Internacional sobre Direitos Políticos Direitos Civis) ; no segundo, será perquirida o conceito doutrinário e o histórico do fenômeno das fake News – fatos sabidamente inverídicos durante as eleições; em terceiro, será abordado os efeitos negativos que as fake News e a desinformação propagados durante o processo eleitoral podem trazer para o Estado Democrático de Direito; no quarto, será investigado a disciplina legal deste fenômeno; no quinto será abordado sobre a remoção de conteúdo na internet conforme as Resoluções consolidadas pelo TSE; e no sexto capítulo, será apreciado como o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí tem enfrentado os casos de fake News propagados durante as eleições de 2022.

2. Os limites da Liberdade de expressão e manifestação no processo eleitoral conforme o entendimento a luz da Constituição Federal de 1988 e dos tratados internacionais

Quando se fala em liberdade de expressão, imediatamente se pensa na liberdade de falar, de defender ideais, e de expor pensamentos. E, de fato, esta é uma perspectiva do livre discurso. Trata-se da dimensão individual. Precisamos ter liberdade para expressar nossa visão de mundo aos demais, debater e colocar a forma como entendemos as questões.

A liberdade de expressão existe não apenas para que possamos falar, mas sobretudo para que possamos ouvir e, consequentemente, nos informar. É a dimensão social ou coletiva de expressar nossas ideias. Essa tem sido uma das principais preocupações da justiça eleitoral durante as eleições: permitir que a liberdade informativa não seja maculada por discursos falaciosos, enviesados descontextualizados ou fabricados.

Isto posto, para relatar sobre as fake news e desinformação no processo eleitoral, não tem como deixar de lado uma imersão no tema da liberdade de expressão voltado ao processo eleitoral.

Desta forma, insta-nos ressaltar os limites estabelecidos no teor da  Constituição Federal e dos tratados internacionais (Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, Pacto de San José da Costa Rica, Pacto Internacional sobre Direitos Políticos e Direitos Civis) como meios de proteção da liberdade de expressão e opinião.

2.1 Liberdade de expressão conforme a Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal conferiu amplos contornos ao direito à informação e aos direitos que lhe são conexos. Contemplando a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de expressão em suas variadas formas e o direito à informação com feição coletivas. (DIOGO RAIS,2023,p.116)

O direito à opinião é tutelado de forma ampla na Constituição Federal, em vários dispositivos. Esses dispositivos não apenas definem a liberdade e protegem a liberdade de expressão, mas também estabelecem limites explícitos ao seu exercício. O art. 5°, IV, por exemplo, contém a enunciação geral da liberdade de expressão, nos seguintes termos: “é livre a manifestação do pensamento”, mas prevê uma limitação: “sendo vedado o anonimato” O art. 5°, V, define as formas de reparação e compensação para os casos em que o exercício da liberdade de expressão causa danos, ao garantir um “direito de resposta, proporcional ao agravo”, além da “indenização por dano material, moral ou a imagem” Já o art. 5°, IX, protege aspectos específicos da liberdade de expressão em certas áreas e também proíbe a censura e as exigências de licença , nos seguintes termos “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura e licença.” (Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.)

A Liberdade de se expressar, é direito fundamental de primeira geração, neste sentido, leciona Canotillho como “garantia essencial ao livre desenvolvimento da personalidade e à dignidade humana”. Desta forma, a consagração Constitucional da liberdade de expressão parte da premissa antipaternalista de que as pessoas são capazes de julgar por si mesmas o que é bom ou ruim, correto ou incorreto e tem o direito moral de fazê-lo.

Entretanto, “precisamos ter em mente que a liberdade de opinião e de consciência não abrange a divulgação de informações falsas, essa conduta não é protegida pela Constituição, porque conduziria a um pseudo-operação de formação da opinião” (PORTELLA, 2022,p.31).

2.2 Liberdade de expressão conforme os tratados internacionais

O reconhecimento da promitência do direito à liberdade de opinião e expressão ultrapassa barreiras geográficas, muito além da constituição brasileira, encontrando abrigo em tratados internacionais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (art. 191), o Pacto de San José da Costa Rica (art.132) e o Pacto Internacional sobre Direitos Políticos e Direitos Civis (art. 193)

No mesmo sentido, nada obstante uma vertilização do debate escape ao estreito limite desse estudo, cada ordenamento alberga uma concepção própria sobre a extensão do conteúdo da liberdade de expressão, atendendo as necessidades e realidades locais e à corresponder formação cultural, histórica e legislativa, desde uma visão mais liberatória e orientada pelo “medo da censura”, como anglo-saxã, até uma percepção mais preocupada com a promoção da pluralidade de ideais e da igualdade de oportunidades no plano ideológico, como a verificada em países latino-americano e na Europa Ociodental (MAGALLÓN ROSA, 2023,P.104;PÉREZ DE LA FUENTE, 2014,P.23)

O entendimento extraído da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre liberdade de expressão é tratado como a principal base teórica para formação de padrões que balizam a conduta dos Estados no enfrentamento de quaisquer questões relativas aos direitos humanos, o que inclui a desinformação.

O estado brasileiro é parte da Convenção de direitos humanos, a qual foi promulgada pelo Decreto n° 678, de 6.11.1992. Em seu art. 1°, o texto da Convenção preceitua que os Estados-Partes assumem o compromisso de respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza.

Na mesma linha, o Enunciado n° 5 da I jornada de Direito Eleitoral, promovida pela Escola Judiciária Eleitoral do TSE em parceria com a Academia Brasileira de Direito Eleitoral (Abradep), aduz que Convenção americana de Direitos Humanos e as demais normas que integram o Sistema Interamericano de Direitos Humanos podem ser invocadas como funcionamento jurídico para defesa de direitos políticos no Brasil, cabendo aos juízes e cortes eleitorais exercer o controle de convencionalidade.

Embora a desinformação represente um risco à liberdade de expressão de opinião e ao sistema democrático, as medidas adotadas pelo Estado não podem ser mais prejudiciais que o problema que deseja conter.

Portanto, é necessário observar como a Corte IDH interpreta a liberdade de expressão e o texto do art. 13 do Pacto de San José da Costa Rica. Segundo seu entendimento, o livre discurso no sistema interamericano de direitos humanos tem duas finalidades principais: possibilitar que as pessoas possam expressar seus próprios pensamentos e que também a opção de buscar, receber e difundir ideias de toda a índole (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2001ª). Tal como Mill (2017) já defendia no século XIX, a liberdade de expressão existe não só para os falantes, sobretudo para os ouvintes.

Entretanto, quando se trata da desinformação em contextos eleitorais, este é um parâmetro que deve ser atentamente observado. O Estado, quando lida com a desinformação nas eleições e combate, deve respeitar o direito que as pessoas têm de difundir suas opiniões por meio dos mais diversos canais, inclusive por aplicativo de mensagens instantâneas e mídias sociais.

Dessa forma, afirma Goltzman que “é preciso cautela no enfrentamento da desinformação da para que não se macule a liberdade de expressão”.

Durante as eleições, a liberdade de expressão é fundamental para que os candidatos expressem suas ideias e plataformas políticas de forma livre. Da mesma forma, os eleitores precisam poder dizer o que pensam sobre as propostas apresentadas e ter condições de buscar informações de seu interesse, debatendo, dialogando e construindo seu posicionamento político. (GOLTZMAN)

Nessa linha de raciocínio, a luta contra a desinformação em contextos eleitorais não pode ser uma justificativa para mitigar a liberdade de pensamento dos cidadãos de forma indevida.

Insta-nos ressaltar que a liberdade de expressão, embora constitua um “direito importantíssimo”, não possui “propriedades milagrosas (SPECTOR,2018,p.52), tampouco natureza “onímoda” (BALLAGUER CALLEJÓN,2017,p.225) ou “absoluta”(WOLDENBERG,2021,p.90). Nesse ponto, é relevante destacar a relação entre, de um lado o princípio da liberdade de expressão, e de outro, os elementos justificadores de sua limitação, sobremaneira diante de conteúdos com “elevado potencial nocivo” e “especialmente perigosos para a vida, integridade pública e a saúde das pessoas” (OSÓRIO, 2022,p.101), como discursos de ódio e de apologia à violência ou abolição ao Estado Democrático de Direito (incluindo a recusa dos resultados eleitorais).

A divulgação de fatos falsos ou gravemente descontextualizados, em conexão com o exposto, não encontra respaldo no direito, tão pouco guarita em qualquer código moral – ainda que se mantenham, sem nenhum questionamento, a vedação categórica da censura e indesejabilidade do efeito de silenciamento.

As notícias fraudulentas e a desinformação são extremamente danosas à democracia. Por gerar desconfiança e incerteza, prejudicam a ação individual no espaço público, visto que o cidadão passa a se guiar por inverdades. Além disso, essas práticas facilitam a polarização social, dificultando, ou mesmo inviabilizando, o diálogo plural, tão fundamental para democracia.
O regime democrático necessita de um ambiente em que ocorra o livre trânsito de ideais, razão pela qual as nações democráticas tutelam com vigor a liberdade de expressão. No entanto, esse direito não pode dar guarida à desinformação. Em verdade, o pleno exercício da liberdade de expressão depende do acesso a informações fidedignas, as quais são necessárias ao conhecimento e ao pensamento livre. (TOFFOLI, 2020,p.137)

Nesta esteira, a apologia ou incitação de atos ilegais e nocivos trespassa o arco abrangente da proteção da liberdade de expressão do pensamento, , em especial quando conecta com campanhas desinformativas que desafiem a segurança nacional, a ordem pública ou a confiança social nas instituições (SCHULDT, 2023,p.25-26)

O controle judicial da desinformação deve ser visto, em linha de princípio e dentro de um contexto apropriado, não como uma intervenção autoritária indesejável, mas, precisamente, como uma tarefa imperativa e constitucionalmente acobertada, , visando a preservação de um patamar civilizatório expressado em um regime no qual o exercício das liberdades não sacrifica os ideais da justiça.

Em suma, a liberdade de expressão é de ser, provavelmente, respeitada, contudo em conexão com a preservação da harmonia social, com o imperativo de não agressão, com o respeito à dignidade humana e com direito de acesso a informações balanceadas e à própria democracia.

Portanto, a liberdade de expressão não constitui um direito absoluto, deixa se ser um simples direito individual, devendo ter limites quanto a manifestação. Desta forma, não podem as pessoas ou grupos se utilizarem do direito fundamental, como escudo para difundir fake news.

3. O que vem a ser o fenômeno das fake news e desinformação no âmbito Eleitoral?

A humanidade sempre conviveu com a mentira e outras formas de deturpação da verdade. Isso não é novidade. O fenômeno não é recente, tampouco restrito, mas tornou-se mais acentuado com o advento e a popularização da internet.

Desde as eleições presidenciais estadunidenses de 2016 que a desinformação se tornou alvo generalizado de atenção e combate, em grande parte por ter sido percebida como um fator determinante na disputa eleitoral. 

Convém destacar, que em 2017, a palavra fake news foi eleita a “palavra do ano” pelo Dicionário Collins. De acordo com lexicógrafos, seu uso cresceu 326% entre 2016 e 2017 (FLOOD,2017). O termo tem origem na língua inglesa, e sua tradução literal como notícias falsas ou mentirosas não é satisfatória porque “a mentira não é objeto central do direito”. Somos mentirosos, em maior ou menor medida, e isso, querendo ou não, está no campo da ética e não do direito. O direito não se preocupa, isoladamente, com a mentira, mas sim com o dano efetivo ou potencial” (RAIS,2018,P.148-149)

Em 2018, vivenciamos situação semelhante no Brasil.

Naquele momento a Justiça Eleitoral não estava preparada para lidar com o fenômeno na intensidade em que foi verificado, o que elevou os alertas para as eleições municipais de 2020 e, ainda mais, para as eleições gerais de 2022. Entretanto, ainda que passados quatro anos desde o grande sinal de preocupação, as eleições de 2022 sofreram com uma lacuna legislativa, uma vez que não havia no Brasil lei que regulamenta as plataformas digitais, nem sanciona a criação e a disseminação de desinformação.

Naquele pleito permaneceu o cenário de auto-regulamentação das plataformas digitais, em que cada uma delas estabeleceu a forma como lidou com a desinformação baseado nas suas políticas internas e termos de uso, sem a devida transparência e nem sempre alinhados com os ditames do Estado democrático de Direito (GOLTZMAN, 2023).

Contudo, a desinformação, apesar de não ter um conceito único e uniforme na doutrina, pode ser compreendido como “informações falsas e deliberadamente criadas para prejudicar uma pessoa, grupo social, organização ou país. ” (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017, p. 20). Ou seja, a desinformação é multifacetada, sendo os seus impactos diretos e indiretos difíceis de quantificar. Por isso os pesquisadores e pensadores ainda estão tentando compreender como ela opera e quais suas consequências para o Estado Democrático de Direito.

Se a palavra news, em inglês, significa notícias, e notícias se valem de eventos reais, o termo fake news, ou notícias falsas, representa uma contradição. Notícias devem se valer de elementos verdadeiros e não fictícios.

O termo fake news é difundido sem uma ideia clara do que significa, ou definição acordada. Assumiu uma variedade de significados, incluindo uma descrição de qualquer afirmação que não seja apreciada ou aceita pelo leitor. Essa polissemia gera uma confusão sobre seu alcance (RAIS,2018)

Critica-se o uso da expressão, também, porque “não é capaz de explicar a complexidade de suas práticas, tornando-se, inúmeras vezes, instrumento de um discurso político que se beneficia de tal simplificação” (RUEDIGER; GRASSI,2018,P.7)

Fake news não é sinônimo de mentira. A desinformação adota um modo de funcionamento “muito mais complexo que a mera utilização de “notícias falsas”. Um exemplo é o caso de fotos verdadeiras, usadas fora de contexto para enganar a audiência. Ou ainda vídeos verdadeiros, mas com descrição enganosa, que buscam lubridiar o público que os assiste (GOLTZMAN;SOUSA,2021,p. 59)

Isso significa que a desinformação não adota apenas o formato de notícias jornalísticas, mas de vídeos, memes, figuras, áudio e outras mídias para realizar seu desiderato de enganar o público.

De toda e qualquer maneira, é importante frisar que não há como definir aprioristicamente se um determinado fato é ou não é sabidamente inverídico. É a faticidade de cada caso, no final das contas, que irá determinar se há ou não a indigitada veiculação de fatos sabidamente inverídicos pelos atores eleitorais ou por quaisquer dos meios de comunicação social disponíveis à comunidade política.

Nesta esteira, ressalta Diogo Rais:

Fake news é um termo novo, mas é um problema velho. É um problema muito semelhante ao trote e ao boato”. Para o professor, “Fake news não é uma mentira, é uma mentira que parece verdade. É uma forma de enganar as pessoas. Acho que o principal elemento que diferencia ela é isso” (DIOGO RAIS, 2018)

Desta forma, para o professor “o termo fake news é difundido sem uma ideia clara do que significa, ou definição acordada. Assumiu uma variedade de significados, incluindo uma descrição de qualquer afirmação que não seja apreciada ou aceita pelo leitor. Essa polissemia gera uma confusão sobre seu alcance.”

As fake news ostentam, consoante diversos doutrinadores , algumas características próprias, quais sejam:

a) A aparência (estética) de relatos jornalísticos, emulando os moldes dos artigos publicados na imprensa escrita (distribuição por meio de comunicação aparentemente profissional, adoção de manchetes, infográficos, uso de linguagem e citações diretas etc)

b) A proveniência de fontes impostoras, desconhecidas, remotas ou inacessíveis;

c) O propósito de lesar direitos alheios e de induzir decisões contráreas às que seriam tomadas num contexto de pleno conhecimento dos fatos;

d) O investimento em temas impactantes e expressões pungentes;

e) A dependência das tecnologias digitais, eventualmente com o emprego de inteligência artificial para maximização do alcance social;

f) A propagação viral (circulação em larga escala no território digital); e 

g) A possibilidade de lucro, que incentiva a produção organizada, como parte de um negócio obscuro (AMORÓS GARCIA, 2018,p.37; BAKIR;MCSTAY,2018,p. 160;BUCCI,2019-bmp.41-42;DOURADO,2021ª,p.109-110)

Trata-se, seguramente, de um tema preocupante, que ganha a atenção pública em função dos efeitos cáusticos que atravessam as dimensões da política e das relações sociais. Isso porque as fake news , em conexão com a desinformação, não são arquitetadas por razões aleatórias: pelo contrário, assomam como “manipulações de alta voltagem” (ALANETE,2019,p.48) claramente utilitárias, que atendem , em cada caso, aos interesses específicos dos idealizadores, prejudicando um conjunto importante de processos políticos e interações humanas. Em definitivo , os grandes desinformadores  são, como regra, indivíduos ou grupos interessados que inventam, conscientemente, informações falsas a que conferem uma aparência incrível e atrativa, visando a alcançar objetivos concretos a  partir da sua propagação (AMORÓS GARCIA, 2018,p.47).

4. Os efeitos negativos que as fake News e a desinformação propagadas durante as eleições podem trazer para o Estado Democrático de Direito

Estamos vivendo um momento de “pós verdade”, o discurso de fatos sabidamente inverídicos coloca em “cheque” o Estado Democrático de Direito, bem como, a lisura do processo eleitoral, pois possuem capacidade de inferir no equilíbrio e na igualdade de oportunidades dos candidatos em uma disputa eleitoral.

Em contextos em que a democracia eleitoral esteja funcionando, as fake news poderiam influenciar o resultado de votações, sobretudo em disputas muito concorridas, nas quais a diferença entre o apoio aos principais candidatos é pequena. Em cenários mais trágicos e potencialmente violentos, o processo desinformativo poderia provocar uma ruptura social capaz de estimular e consolidar grupos favoráveis à instalação de regimes autoritários.4

Sobre o tópico em apreço, leciona Chis Tenove (2018) essas manobras digitais afetam, além do resultado das eleições , as bases da democracia como “participação”, devido ao acesso a ilegal aos dados dos usuários para desinformar, ameaçar e asssediar o eleitor; a “deliberação pública”, ao minar a qualidade do debate público com desinformação e e teorias da conspiração, promovendo a confiança com relação às instituições políticas; a”ação institucional”, por violar a legislação eleitoral e dificultar o trabalho dos agentes públicos. Como a escolha do candidato pelo eleitor deve ser livre, por força constitucional, é necessário que ocorra uma fiscalização e coerção de toda e qualquer forma de manipulação que possibilite uma violação da vontade popular.
De toda e qualquer maneira, Jairo Gomes faz um importante alerta segundo o qual “em ambiente democrático, os contrastes afloraram no debate político-ideológico, sobretudo por ocasião da campanha política”, ao passo que a crítica, ainda que contundente, “faz parte do discurso político, traduzindo a dialética própria do regime democrático, assentado que é no enfrentamento de ideias”. Daí que se deve ter muita parcimônia ao enfrentar-se este tema no âmbito eleitoral, até mesmo para não engessar (ou mesmo cercear) a propaganda eleitoral, que é um direito dos candidatos, partidos e coligações, mas, principalmente, do eleitorado.

Neste sentido, as fake news podem minar a confiança pública, distorcer a percepção da realidade e influenciar indevidamente o processo democrático, prejudicando a tomada de decisões informadas pelos cidadãos. O compartilhamento desenfreado de informações falsas pode comprometer a integridade do debate público e favorecer a disseminação de narrativas tendenciosas, afetando, assim, a saúde da democracia. Desta forma, enquanto houver o discurso do ódio, a disseminação de narrativas fraudulentas na esfera pública, a Democracia está em apuros.

Cumpre destacar, que, as eleições de 2022 foram especialmente peculiares e desafiadoras, cabendo uma reflexão sobre alguns entraves e dificuldades ali vivenciados, com vistas a evitar que alguns equívocos se repitam nos pleitos vindouros, especialmente no que toca à desinformação, respeito às instituições democráticas e liberdade de expressão.

Portanto, para que tenhamos eleições democráticas, é necessário respeitar as “regras do jogo”, devendo a justiça eleitoral, de acordo com a legislação vigente, combater e punir os autores que se beneficiam desse fenômeno, a qual a única finalidade é lubrificar a opinião da sociedade através de narrativas sabidamente inverídicas.

5. Os ditames da legislação a respeito das fake news durante as eleições

Uma vez conceituado o que seriam tais fatos sabidamente inverídicos no contexto das campanhas eleitorais, é importante investigar qual o tratamento que a legislação eleitoral posta atribui à respectiva temática.

A expressão “fato sabidamente inverídico” ou “conceito, imagem ou afirmação sabidamente inverídica” aparece na legislação eleitoral lato sensu em duas oportunidades, ao menos. A primeira, é como causa de pedir do chamado direito de resposta, tal e qual o artigo 58 da Lei n° 9504/97 (Lei Geral das Eleições). E a segunda é no artigo 323 do Código Eleitoral brasileiro, a partir de um crime eleitoral devidamente tipificado no ordenamento jurídico nacional. Comecemos pela primeira.

É sediço que segundo  o artigo 58 da Lei n°. 9504/97 “A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social”

Trata-se, aqui, do chamado direito de resposta, uma ação eleitoral que visa reparar, mediante resposta no mesmo veículo de comunicação, imagem de candidatos, partidos ou coligações atacadas por outrem em razão da veiculação de eventual conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou, ressalte- se, sabidamente inverídica.

Já a segunda oportunidade em que a expressão “fato sabidamente inverídico” ou “conceito, imagem ou afirmação sabidamente inverídica” aparece na legislação eleitoral é a partir do texto constante do artigo 323 do Código Eleitoral, segundo o qual configura crime eleitoral a conduta de “Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado”

Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupos de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, de partido ou de coligação.

Nesse diapasão, a vigência da Lei 13.834/2019 que criou o tipo penal eleitoral do art. 316-A, Código Eleitoral objetiva suprir a lacuna quanto à impunidade no âmbito dos crimes eleitorais em relação aos comportamentos próprios dos denuncismo irresponsável e emulação.

Não que seja desejável a criação de meios repressivos e inibidores ao apontamento de fatos ilícitos no processo eleitoral, pois limitaria o direito à liberdade de expressão de pensamento e de expressão, direito à petição e, sobretudo, o controle do sistema jurisdicional quanto às diversas infrações eleitorais.

Desse modo, focando no arcabouço normativo interno, haure-se que a legislação prevê regras esparsas, insuficientes e inadequadas sobre o tema em questão. 

6. Remoção de conteúdo na internet conforme as Resoluções consolidadas pelo TSE

A internet evoluiu consideravelmente, passando de um meio que proporciona restrito acesso a conteúdos para um meio que trouxe novas perspectivas a partir do momento que novos serviços interativos começaram a surgir. Esses serviços, como as redes sociais, permitiram uma participação mais ativa dos usuários, essencialmente por meio do exercício do direito de livre manifestação do pensamento. Além disso, os usuários passaram a desempenhar importante papel na divulgação de informações sobre os mais variados temas. (DIOGO RAIS. 2023,p.120)

Paralelamente a essa evolução na Internet, e como consequência da grande ampliação de conteúdos nela disponíveis, surgiram as primeiras controvérsias jurídicas consistentes na colisão entre o direito à informação e à livre manifestação do pensamento e os direitos da personalidade. Por serem os intermediários que disponibilizam tais serviços interativos, os provedores de aplicação de Internet passaram a ter papel central nessas controvérsias além de serem constantemente demandados a remover conteúdo de terceiros, seus usuários, sob alegação de ofensa a direitos de personalidade. (DIOGO RAIS. 2023,p.120)

Daí a importância a importância da Resolução TSE 23.551/2018 ao disciplinar parâmetros e critérios mais precisos para tutela da liberdade de expressão na Internet e para disciplinar a remoção de seu conteúdo, suprindo importante lacuna da legislação eleitoral quanto à matéria, os quais foram mantidos pelas Resoluções TSE 23.610/2019 e 23.671/2021.

A resolução TSE nº 23.671/21 inseriu o Art. 9º-A na Resolução 23.610/19, que dispõe sobre a propaganda eleitoral.  A norma preceitua que são vedados a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinja a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. Além disso, o Projeto de Lei Complementar nº 112/021, aprovado na Câmara e atualmente no Senado , que versa sobre o Novo Código Eleitoral, também trata da desinformação. O art. 623, parágrafo único, do texto em discussão conceitua a desinformação como difusão massiva, por meios artificiais ou automatizados, de conteúdo evidentemente dotado de elementos inexatos, seja pela falta de de correspondência fática ou pela inadequação do contexto, capaz de induzir os destinatários a uma equivocada concepção da realidade, como aptidão para: I – promover ou prejudicar candidato, partido político ou coligação; II- impedir, causar embaraços ou desestimular o exercício do voto; III-deslegitimar o processo eleitoral.

As eleições de 2022 sofreram com uma lacuna legislativa, uma vez que não havia no Brasil lei que regulamenta as plataformas digitais, nem sanciona a criação e a disseminação de desinformação.

Em 20 de outubro de 2022, a dez dias do segundo turno das eleições gerais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou a Resolução nº 23.714/20225, que trata do enfrentamento à desinformação que atinge a integridade do processo eleitoral. Essa resolução foi publicada em meio a uma campanha presidencial muito acirrada e polarizada, durante a qual as urnas eletrônicas e a confiabilidade do TSE estiveram em constante questionamento.

A resolução, então, instituiu pena de multa no valor entre “R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 150.000,00 (cem e cinquenta mil reais) por hora de descumprimento, a contar do término da segunda hora após o recebimento da notificação” (BRASIL, 2022) a ser aplicada às plataformas que não cumprirem ordem de remoção da URL, URI ou URN expedida pelo TSE.

Igualmente, ampliou, no artigo 3º, a possibilidade de a ordem de remoção ser expedida pela Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, de forma monocrática, quando verificada situação com idêntico conteúdo de outra deliberada pelo Plenário do Tribunal.

Outra sanção inaugurada foi a autorização de suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais quando verificada a produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral. A suspensão engloba, não apenas a conta em que se verificou as postagens, como também, outras já existentes ou novas, atribuídas aos responsáveis dos originais.

Por fim, esclareceu que a vedação contida no parágrafo único do artigo 240 do Código Eleitoral (BRASIL, 1965) – ou seja, a proibição de propaganda política mediante radiodifusão, televisão, comícios ou reuniões públicas desde quarenta e oito horas antes até vinte e quatro horas depois da eleição – se aplica à veiculação paga de propaganda na internet, e instituiu que o descumprimento caracteriza gasto ilícito de recursos eleitorais e, ainda, multa direcionada às plataformas digitais que que descumprirem, após 1 hora a contar do recebimento da notificação, a remoção da URL, URI ou URN que descumpra a vedação.

7. Precedentes do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí: combate às fake news durante as eleições de 2022

Depois de realizarmos uma abordagem acerca do que seriam os tais fatos sabidamente inverídicos no universo político-eleitoral, de expressar como tal instituto é positivado no direito brasileiro, cumpre-nos abordar, finalmente, um tema de extrema relevância, atualidade e pertinência, qual seja a controvérsia envolta às chamadas fake news. Esta polêmica, segura e certamente, permeia boa parte dos debates envoltos no processo eleitoral que se avizinha.

As eleições de 2022 foram especialmente peculiares e desafiadoras, cabendo uma reflexão sobre alguns entraves e dificuldades ali vivenciados, com vistas a evitar que alguns equívocos se repitam nos pleitos vindouros, especialmente no que toca à desinformação, respeito às instituições democráticas e liberdade de expressão.

Ano a ano a justiça eleitoral recebe uma enxurrada de processos diante desse fenômeno. No entanto, durante as eleições de 2022 no estado do Piauí, em meio à disputa eleitoral para Governador, Senador, bem como, para Deputado Federal e Estadual, houve vários ataques nas redes e mídias sócias associados ao fenômeno das fake news, como por exemplo, postagem de vídeos, fotos e notícias fraudulentas envolvendo a imagem dos candidatos. Desta forma, o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí pacificou entendimento conforme Legislação Eleitoral, bem como as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral -TSE, no enfrentamento das fake news difundidas durante as eleições no Estado.

Pois bem, a respeito de tais considerações, passaremos a analisar alguns dos julgados do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Piauí, que firmou entendimento perante os autores que foram além dos limites da liberdade de opinião durante as eleições de 2022.

A representação criminal de número 0601437-51.2022.6.18.0000 (VAMOS MUDAR O PIAUÍ 44-UNIÃO / Federação PSDB Cidadania – PSDB/CIDADANIA / 11-PP / 12-PDT / 14-PTB / 70- AVANTE vs BENEDITO ANGELO DE CARVALHO AVELINO VELOSO), tratou de potencial negativo, requerendo que fossem removidos conteúdos veiculados nas plataformas digitais, envolvendo fatos sabidamente inverídicos ao candidato referido. Vejamos a ementa:

EMENTA.RECURSO ELEITORAL -REPRESENTAÇÃO – PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA – PRELIMINAR INÉPCIA DA INICIAL – REJEITADA -INTERNET – REDES SOCIAIS – NOTÍCIA FRAUDULENTA – FAKE NEWS – PREJUÍZO À IMAGEM DE CANDIDATO – PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA – CONCESSÃO DE LIMINAR -HOMOLOGAÇÃO PELA CORTE- RETIRADA DAS PUBLICAÇÕES – PROIBIÇÃO DE REPUBLICAR OU COMPARTILHAR MATERIAL IMPUGNADO – MÉRITO – RATIFICAÇÃO DA LIMINAR – APLICAÇÃO DE MULTA – RECURSO PROVIDO EM PARTE – REFORMA DA DECISÃO PARA AFASTAR MULTA PELO §5.º DO ART. 57-B DA LEI 9.504/1997 – REATIVAÇÃO DOS PERFIS IMPUGNADOS – REMOÇÃO EM DEFINITIVO DAS POSTAGENS IMPUGNADAS
1. Uma das formas de caracterização da propaganda eleitoral negativa, é quando há desvirtuação do conteúdo tido como jornalístico através de manipulação, edições maliciosamente executadas, falseamento de fonte ou apresentadas de forma sensacionalista, ou, ainda, instrumentalizadas para fins ilegítimos, sem a devida checagem de seus conteúdos, não há que se falar em liberdade de expressão ou exercício regular da profissão pelo repórter.
2. Configurada a propaganda eleitoral negativa, não há que se falar em multa, apenas a remoção do conteúdo, com a indicação precisa da URL, cabendo, esta penalidade, apenas, se houver descumprimento da decisão.
3. A Multa constante do §5.º do art. 57-B da Lei 9.504/1997,só é aplicada, no presente caso, quando a pessoa natural contrata impulsionamento de conteúdo, o que não foi comprovado através das provas acostadas aos autos.
4. Recurso conhecido e provido em parte.

Em análise sumária dos fatos trazidos, trata-se de Representação eleitoral por Propaganda Eleitoral Negativa, com pedido de Tutela de Urgência, interposta pela coligação “Vamos Mudar o Piauí” (União Brasil, Progressistas, Federação PSDB e Cidadania, PTB, PDT, Avante e PROS) em face de Benedito Ângelo de Carvalho Avelino Veloso.

Se infere dos autos, que ocorreram divulgações de notícias fraudulentas através das mídias sociais da @TV PIQUÍ, nos endereços eletrônicos abaixo listados:

a) TikTok: https://www.tiktok.com/@tvpiqui?lang=pt-BR,

b) Instagram: https://www.instagram.com/tvpiqui/,

c) Facebook: https://ms-my.facebook.com/tvpiqui,

d) Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCk5M0xhhkCdltfr_smZjLIg.

Alega que as referidas postagens tratam de “um grupo de jovens supostamente teria participado de um ato de publicidade político partidária em favor do candidato Silvio Mendes, serviço prestado, mediante suposta promessa de pagamento da quantia de R$ 250,00. Contudo, segundo as mesmas publicações, nenhum dos atores contratados, teriam recebidos a referida quantia prometida”

Portanto, não restou dúvidas de que “a intenção do perfil da @TV PIQUÍ” era imputar, denegrir, ferir, através de fatos sabidamente inverídicos, a imagem do candidato a Governador, Senhor Silvio Mendes.

É perceptível diante do caso em tela, que houve ofensa à imagem do candidato, bem como, ficou configurado propaganda eleitoral negativa, por envolverem informações inverídicas.

Em razão disso, o eminente Relator deferiu o pedido de liminar, determinando a retirada das postagens através das URL’S supracitadas. Ademais, aduziu que trata-se de propaganda eleitoral negativa, desta forma, não há que se falar em multa, concedendo apenas a remoção do conteúdo.

Dito isto, o Presidente do Tribunal pacificou entendimento já firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, ou seja, determinação da retirada das postagens dentro do prazo de 24 horas.

 Vejamos um trecho extraído da decisão:

“Desta forma, quando há desvirtuação do conteúdo tido como jornalístico através de manipulação, edições maliciosamente executadas, falseamento de fonte ou apresentadas de forma sensacionalista, ou, ainda, instrumentalizadas para fins ilegítimos, sem a devida checagem de seus conteúdos, não há que se falar em liberdade de expressão ou exercício regular da profissão pelo repórter.’’

Ademais, aduziu que “ a multa só poderia ser aplicada, caso houvesse impulsionamento do conteúdo, o que não foi comprovado através das provas carreadas nos autos.” A fundamentação se baseou no art. 22, quanto o art. 27 da Resolução TSE 23.610/2019, uma vez que, não preveem a sanção de multa, somente a restrição da propaganda irregular.

Nessa esteira, vislumbra-se da decisão que a aplicação da multa foi afastada, aplicando-se tão somente a retirada das postagens.

Em caso análogo o eminente Relator trouxe o seguinte precedente sobre o caso que aqui se cuida, confira-se:

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2020. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. COMPARTILHAMENTO. INTERNET. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO À IMAGEM. SOPESAMENTO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.1. Concernente à propaganda antecipada negativa, o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento de que a irregularidade não se limita ao pedido de “não voto”, estabelecendo que configuram propaganda eleitoral antecipada negativa críticas que desborda os limites da liberdade de informação, em contexto indissociável da disputa eleitoral do pleito vindouro (TSE, ac. de 10.02.2011 no AgR-REspe n. 3967112, rel. Min. Arnaldo Versiani). E, além disso, a divulgação de fatos que levem o eleitor a não votar em determinada pessoa, provável candidato, pode ser considerada propaganda eleitoral antecipada, negativa (TSE, ac. De 23.10.2002 no REspe n. 20073, rel. Min. Fernando Neves). 2. A livre manifestação do pensamento somente é passível de limitação quando ofender a honra, a imagem ou, igualmente, divulgar fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos, partidos ou coligações, ainda que antes do início do período da propaganda eleitoral. 3. Constata-se no conjunto probatório dos autos que o vídeo postado em período de pré-campanha não objetivava o exercício concreto da liberdade de expressão ou manifestação do pensamento, que assegura aos cidadãos o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra autoridades ou agentes do Estado. Ao contrário disso, o contexto fático demonstra que a replicação da paródia visava tão somente desprestigiar o pré-candidato e atual prefeito do município de Parauapebas, colocando- o em posição de desvantagem em relação a outros candidatos, de sorte a interferir no resultado do pleito; 4. O mero compartilhamento de informações pejorativas em página de rede social, conforme observado no feito, amolda-se à conduta ilícita de divulgação de propaganda negativa, configurando a responsabilidade do representado pelos atos. 5. Recurso conhecido e, no mérito, provido para reformar a sentença de primeiro grau. (Recurso Eleitoral nº 060014142, Acórdão de Relator(a) Des. JUIZ EDMAR SILVA PEREIRA, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 55, Data 18/03/2021, Página 6)

O segundo caso que passaremos a analisar é acordão Nº 060148862 (FORÇA DO POVO Federação Brasil da Esperança – FE BRASIL (PT/PC do B/PV) / 15-MDB / 36-AGIR / 40-PSB / 55- PSD / 77- SOLIDARIEDADE / 90-PROS representado JOSE WELLINGTON BARROSO DE ARAUJO DIAS vs ARCANGELA REGIA SOARES DA SILVA e ANCELMO JORGE SOARES DA SILVA:

EMENTA – REPRESENTAÇÃO ELEITORAL – PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA – VEICULAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO – FAKE NEWS – INTERNET – REDES SOCIAIS – MONTAGEM DE VÍDEO – CONTEÚDO INVERÍDICO – LIMINAR CONCEDIDA

Diante dos autos, alegam os representantes, em síntese, que os representados divulgaram o seguinte conteúdo montado pelo Instagram (@ancelmojorgepi) e WhatsApp ((89) 9468-2732, perfil ARCANJELA) (id 21894008)

Candidato Wellington Dias: “E é importante. Votar 111 significa a eleição desse grande Senador!”

Candidato Joel Rodrigues: “E eu não tiro a sua razão.”

É sediço que a propaganda negativa eleitoral montada em rede social é irregular e atrai a incidência do art. 9º-A e art. 27, §1º, art. 38, §1º, 6º, da Resolução TSE nr. 23.610/2019 c/c art. 57-I da Lei nr. 9.504/97.

Nesta esteira, ressaltou o eminente Relator que, “O vídeo está claramente editado e se apresenta, assim, como uma montagem que cria uma falsa informação ao eleitor, sabidamente inverídica, visto que o representado Wellington Dias é opositor ao candidato Joel Rodrigues, pois ambos concorrem ao cargo eletivo majoritário de senador. Situação que atrai a incidência do art. 9º-A da Resolução nr. 23. 610/2019”

O Relator ao analisar todos os requisitos apostos, acolheu a liminar pleiteada, determinou que o senhor Anselmo Jorge Soares da Silva se abstenha de realizar novas postagens do mesmo conteúdo acima descrito sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 por postagem detectada por dia.

Diante dos casos em comento, colhe-se que os autores usaram das redes sociais via WhatsApp e Instagram para difundirem fatos sabidamente inverídicos dos supostos candidatos, tendo como único intuito lubrificar a opinião do eleitorado.

Desta forma, o Tribunal Regional do Estado do Piauí agiu conforme entendimentos já consolidados pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema em apreço. Ressalta-se que, a retirada das postagens é medida cabível que se impõe, mas, sobretudo, deve haver uma regulação mais severa aos autores diante desse fenômeno, aqui não deve figurar a incidência do direito da liberdade de expressão, vez que, os autores usaram artifícios fraudulentos para lubrificar a opinião pública.

Observa-se dos julgados supracitados, que os agentes foram além dos limites estabelecidos, colocaram a imagem dos candidatos em meio às redes sociais para minar a desconfiança pública, e isso, precisa ser combatido. Contudo, é essencial a necessidade de cessar propagandas eleitorais difundidas para manchar determinado partido político. Entretanto, ao combater o fenômeno das fake news, os julgadores devem sempre ficarem atentos aos limites estabelecidos pela liberdade de expressão e opinião, garantidos pelas Constituições Federal e pelos tratados internacionais.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A disseminação de fake News e desinformação durante o processo eleitoral é um fenômeno que possui capacidade de inferir a lisura do Processo Eleitoral,  comprometendo os princípios que regem o Estado Democrático de Direito.

Desta forma, a Justiça Eleitoral deve fortalecer a democracia, regular o que precisa ser regulamentado, punindo aqueles que se valem do discurso do ódio durante o período eleitoral. Entretanto, deve ter cautela, não pode haver censura por parte do estado, uma vez que a Justiça deve zelar pelos  fundamentos da liberdade de expressão extraídos da Constituição Federal e dos tratados internacionais. 

Contudo, as iniciativas legislativas precisam de cautela. A liberdade de expressão é necessária para um ambiente de liberdade institucional. O uso da internet por agentes que se valem da desinformação pode trazer a sensação de que limitações ao livre discurso são a solução do problema. Sabe-se que a liberdade de expressão não é direito absoluto e pode ser restringida quando presentes os requisitos previstos na legislação e jurisprudência. Mas o contingenciamento deve ser utilizado em hipóteses excepcionais.

De fato, o Estado não pode ficar estático, algo há de ser feito para minimizar os efeitos nocivos da desinformação. Existem estratégias regulatórias e não regulatórias. Como um

Exemplo de estratégia não regulatória, cita-se a alfabetização midiática e informacional, que empodera o cidadão no uso das tecnologias e na leitura das informações que circulam pelos multimeios.

Portanto, dois aprendizados ficam: a necessidade de atualização urgente da legislação para que a desinformação em contextos políticos seja combatida, e a prontidão da Justiça Eleitoral para zelar pela democracia e punir aqueles que se valem da desinformação.


1Artigo 19º “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
2Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar: a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem rejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia o ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.rejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia o ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
3Artigo 19 – 1.     Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. 2.  Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha. 3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.
4(https://www.poder360.com.br/opiniao/como-as-fake-news-ameacam-a-democracia-escreve-wladimir-gramacho/)
5Art. 2º É vedada, nos termos do Código Eleitoral, a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos. § 1º Verificada a hipótese prevista no caput, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão fundamentada, determinará às plataformas a imediata remoção da URL, URI ou URN, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 150.000,00 (cem e cinquenta mil reais) por hora de descumprimento, a contar do término da segunda hora após o recebimento da notificação. § 2º Entre a antevéspera e os três dias seguintes à realização do pleito, a multa do § 1º incidirá a partir do término da primeira hora após o recebimento da notificação.

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1Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), Teresina-PI, 26 de Abril de 2024.
2Bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). E-mail: clovismatildes17@gmail.com
3Bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). E-mail: Paulofernando1410@hotmail.com
4Especialista em direito constitucional pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Professor e Orientador do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). E-mail: charllesmax@gmail.com