EXTRAJUDIALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO E REDUÇÃO DE BUROCRACIAS CARTORÁRIAS PARA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

EXTRAJUDIALIZATION OF PRIVATE LAW AND REDUCTION OF NOTARY BUREAUCRACIES TO ENFORCE FUNDAMENTAL RIGHTS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10282480


Laura Luiza Oliveira Sousa¹;
Jessica Silva Tavares²;
Professora Orientadora: Maria Laura Vargas.


RESUMO

Este trabalho aborda a extrajudicialização no direito privado e a redução de burocracias, enfocando o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva e a efetivação do inventário extrajudicial. O acesso à justiça, um direito fundamental, enfrenta obstáculos devido à sobrecarga de processos no Judiciário brasileiro. Em 2018, havia quase 80 milhões de processos em andamento, segundo o CNJ. O Judiciário vê nas serventias extrajudiciais uma solução para desafogar seu sistema. Atribuir competências aos cartórios é uma estratégia para reduzir a judicialização excessiva de conflitos no Brasil. O objetivo do presente trabalho foi analisar como a extrajudicialização do direito privado e a simplificação das burocracias cartorárias contribuem para a efetivação dos direitos fundamentais. O presente trabalho teve como metodologia a revisão bibliográfica, tendo como fonte de consulta uma variedade literária relacionada ao tema estudado, tais como o uso de artigos, livros e teses sobre o tema. A extrajudicialização, especialmente após a Lei 11.441/07, agiliza a justiça e reduz custos ao simplificar procedimentos como inventários e divórcios. As leis do tabelionato ampliam as funções dos tabeliães, facilitando a resolução eficiente de disputas e contribuindo para a segurança jurídica. O reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, normatizado pelo CNJ, fortalece vínculos familiares baseados em afeto, refletindo uma resposta às necessidades sociais contemporâneas. Desafios permanecem na harmonização das práticas jurídicas, apesar dos avanços na desjudicialização. A expansão da extrajudicialização indica um sistema jurídico mais eficiente e adaptado às necessidades modernas.

Palavras chaves: Extra judicialização. Direito Privado. Cartórios. Acesso a Justiça. Celeridade.

ABSTRACT

This work addresses extrajudicialization in private law and the reduction of bureaucracy, focusing on the extrajudicial recognition of socio-affective affiliation and the implementation of the extrajudicial inventory. Access to justice, a fundamental right, faces obstacles due to the overload of processes in the Brazilian Judiciary. In 2018, there were almost 80 million processes in progress, according to the CNJ. The Judiciary sees extrajudicial services as a solution to unburden its system. Assigning powers to notary offices is a strategy to reduce the excessive judicialization of conflicts in Brazil. The objective of this work was to analyze how the extrajudicialization of private law and the simplification of notary bureaucracies contribute to the realization of fundamental rights. The methodology of this work was bibliographical review, using as a source of consultation a literary variety related to the topic studied, such as the use of articles, books and theses on the topic. Extrajudicialization, especially after Law 11,441/07, speeds up justice and reduces costs by simplifying procedures such as inventories and divorces. Notary laws expand the functions of notaries, facilitating the efficient resolution of disputes and contributing to legal certainty. The extrajudicial recognition of socio-affective affiliation, standardized by the CNJ, strengthens family bonds based on affection, reflecting a response to contemporary social needs. Challenges remain in the harmonization of legal practices, despite advances in dejudicialization. The expansion of extrajudicialization indicates a more efficient legal system adapted to modern needs.

Keywords: Extra judicialization. Private right. Registry Offices. Access to justice. Celerity.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abarcar a temática da Extra judicialização do Direito Privado, bem como a redução de burocracias, em especial a possibilidade de reconhecimento da filiação socioafetiva reconhecida pelo cartório de registro civil e também a possibilidade de efetivação do inventario extrajudicial lavrado pelo tabelionado de notas.

Enquanto direito fundamental, o direito de acesso à justiça está associado intimamente aos demais direitos fundamentais, visto que é a partir da possibilidade dada a cada indivíduo de que estes levem ao Judiciário seus litígios. Nesta perspectiva, atualmente, tem se notado, na prática, uma verdadeira dificuldade do jurisdicionado em exercer sua cidadania para fins de concretizar plena e satisfatoriamente seu direito de acesso à justiça. Uma dessas barreiras impeditivas a esse acesso efetivo está na numerosa carga de processos em trâmite no Poder Judiciário brasileiro.

À esteira de dados publicados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano de 2019, se veem que, no ano anterior (2018), existiam quase 80 milhões de processos em andamento nas mais variadas esferas da justiça brasileira.

Diante deste cenário, o próprio Poder Judiciário, através do fenômeno da de judicialização, vislumbra como possível “saída” ao desafogamento de seu aparelho as serventias extrajudiciais, mais conhecidas popularmente como cartórios.

O Poder Judiciário chegou à conclusão de que atribuir competências às serventias extrajudiciais seria uma alternativa para o enfrentamento e a prevenção da cultura de judicialização dos conflitos no Brasil, que, a qualquer momento, poderia significar um colapso de seu sistema.

Sendo assim, o objetivo do presente trabalho foi analisar como a extrajudicialização do direito privado e a simplificação das burocracias cartorárias contribuem para a efetivação dos direitos fundamentais. O estudo visou explorar as leis e regulamentos que permitem a desjudicialização, com foco particular no sistema de desjudicialização e nas portarias relacionadas. Além disso, pretende-se examinar o papel dos tabelionatos neste processo e especificar o impacto dessas mudanças em procedimentos específicos, como inventários e o reconhecimento socioafetivo, avaliando como tais procedimentos podem ser materializados no âmbito extrajudicial.

2 IMPORTÂNCIA DA EXTRAJUDICIALIZAÇÃO NO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO

A extrajudicialização, ou desjudicialização, é uma estratégia fundamental para a agilização da justiça brasileira, reduzindo custos e descentralizando procedimentos tradicionalmente incumbidos ao Poder Judiciário. Ela envolve a transferência de certos procedimentos para órgãos extrajudiciais da esfera administrativa, como exemplificado pelo PROCON na proteção e defesa dos direitos do consumidor (RODRIGUES; MARCHETTI FILHO, 2021).

Sendo assim, Lando e Souza (2018), menciona que esta prática oferece uma série de benefícios, como a redução de custos para as partes envolvidas, diminuição do estresse gerado por processos judiciais e a promoção de soluções consensuais e mais céleres.

César (2019), relata que com a modernização dos serviços extrajudiciais, notou-se um avanço significativo no processo de desjudicialização, o que contribui para a diminuição da dependência do sistema judiciário e promove a utilização de métodos alternativos para resolução de conflitos. O Código de Processo Civil brasileiro endossa a desjudicialização por meio de métodos consensuais, como a mediação, conciliação e arbitragem.

A Lei 11.441/07 é considerada um marco na extrajudicialização no Brasil, permitindo a realização de inventários, divórcios e partilhas em cartórios de notas. Antes dessa normativa, processos que poderiam ser resolvidos de forma consensual levavam anos para serem oficializados no Judiciário.

Art. 982.  Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. Parágrafo único.  O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial (BRASIL, 2007, p. 01).

Desde sua implementação, essa lei beneficiou milhões de pessoas, simplificando procedimentos anteriormente demorados e dispendiosos. Ela também gerou economia significativa para os cofres públicos, reduzindo os custos associados ao processamento judicial desses atos (OLIVEIRA, 2018).

A atividade tabelionária, sendo privada, não impõe ônus ao Estado. Espíndola (2018), diz que os tabelionatos desempenham um papel crucial na fiscalização da arrecadação de impostos, contribuindo significativamente para as receitas municipais e estaduais. Além disso, a vasta rede de cartórios no Brasil garante uma capilaridade que muitos órgãos da administração pública não possuem, aumentando o acesso e a segurança jurídica para a sociedade.

A pandemia acelerou a adoção de serviços online em cartórios, como a lavratura de escrituras de forma 100% eletrônica, democratizando e agilizando os serviços. Isso foi possível graças ao provimento número 100 do CNJ, que facilitou operações imobiliárias, divórcios, inventários, reconhecimento de firma e autenticação de documentos de maneira totalmente digital (CASTRO; ROCHA, 2019).

Seguindo o sucesso da lei 11.441/07, outros atos extrajudiciais foram implementados, como a usucapião e as cartas de sentença. A contínua evolução tecnológica abre novas possibilidades para que mais procedimentos sejam repassados aos cartórios, solidificando ainda mais a extrajudicialização como uma realidade irreversível.

Embora os avanços na extrajudicialização sejam notáveis, persistem desafios, especialmente na harmonização das práticas entre diferentes jurisdições e na adequação constante às necessidades sociais e tecnológicas emergentes. Tavares et al. (2022) relata que a extrajudicialização no sistema judiciário brasileiro representa uma mudança paradigmática, oferecendo uma abordagem mais ágil, econômica e acessível à resolução de disputas. Seu sucesso e contínua expansão indicam um caminho promissor para a modernização e eficiência do sistema jurídico brasileiro.

Ainda segundo Tavares et al. (2022), a desjudicialização, como política pública, tem como objetivo a ampliação do acesso à justiça e a pacificação social, contribuindo para o desenvolvimento regional. Esse processo é ancorado na evolução histórica do acesso à justiça e nas interconexões com a ordem jurídica justa, com ênfase na atuação das serventias extrajudiciais​​.

A Constituição Federal de 1988 assegura o livre acesso e a inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV), levando à adaptação do sistema normativo-legal brasileiro na busca por soluções integradas de litígios. Esta previsão constitucional reforça o papel do Poder Judiciário na apreciação de qualquer lesão ou ameaça a direito, mantendo-o como solução primordial, mas não exclusiva​​.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV — a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (BRASIL, 1998, p. 01).

Observa-se uma tendência na estruturação de diversas formas para exercitar o acesso à justiça. O sistema multiportas engloba várias alternativas de solução, adicionando aos métodos jurisdicionais tradicionais outros meios integrados de obtenção de pacificação social e desenvolvimento regional​​.

Diversas leis e resoluções normativas são cruciais no processo de desjudicialização, como a Constituição Federal de 1988 e as Leis n. 6.015/1973, 8.935/1994, 9.099/1995, 13.105/2015, 13.140/2015, 14.382/2022, além da Resolução CNJ n. 125/2010. Estes dispositivos regulam aspectos relevantes do acesso à justiça e a atuação das serventias extrajudiciais​​.

No âmbito da desjudicialização no Brasil, uma gama de leis e resoluções normativas desempenha um papel crucial, cada uma contribuindo de maneira distintiva para a configuração do acesso à justiça e a atuação das serventias extrajudiciais.  A Lei nº 6.015/1973, que regulamenta os registros públicos, é essencial para a compreensão das funções e responsabilidades das serventias extrajudiciais, especialmente no que tange ao registro de atos e negócios jurídicos (BRASIL, 1973). Já a Lei nº 8.935/1994, que normatiza o serviço notarial e de registro, define as atribuições e responsabilidades dos notários e registradores, delineando a estrutura operacional destas serventias (BRASIL, 1994).

Por sua vez, a Lei nº 9.099/1995, estabelecendo os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, introduz uma forma simplificada e célere de processamento judicial, influenciando indiretamente o processo de desjudicialização ao promover resoluções de litígios de maneira mais eficiente (BRASIL, 1995).

O Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, incorpora transformações substanciais no procedimento processual civil, enfatizando a resolução consensual de conflitos por meio de mediação e arbitragem, e solidificando o conceito de desjudicialização na legislação processual (BRASIL, 2015). Já a Lei nº 13.140/2015, por sua vez, aborda a mediação entre particulares e a autocomposição de conflitos na administração pública, incentivando a resolução extrajudicial de disputas (BRASIL, 2015).

Embora a Lei nº 14.382/2022 requeira uma análise mais aprofundada para compreender plenamente suas implicações na desjudicialização, ela representa um desenvolvimento recente e relevante neste contexto (BRASIL, 2022). Finalmente, a Resolução CNJ nº 125/2010 estabelece a política judiciária nacional para o tratamento adequado de conflitos, promovendo a conciliação, a mediação e outras formas consensuais de solução de conflitos no âmbito do Judiciário (BRASIL, 2010).

Cada um destes dispositivos legais e normativos desempenha um papel fundamental no arcabouço da desjudicialização no Brasil, refletindo uma abordagem progressiva e diversificada para a resolução de conflitos e o acesso à justiça.

A pesquisa aborda como a desjudicialização pode representar um avanço na resolução de conflitos e contribuir para desafogar o Poder Judiciário, conferindo às serventias extrajudiciais a capacidade de resolver questões anteriormente restritas ao Judiciário​​.

O Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105) fortaleceu o conceito de Sistema Multiportas, permitindo que a jurisdição se exerça conforme os moldes desejados pelas partes, incluindo a mediação e a arbitragem​​. O novo CPC incentiva a utilização de métodos consensuais, como mediação, conciliação e serviços extrajudiciais, para a resolução de conflitos, antes de prosseguir com o processo judicial​​.

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito (BRASIL, 2015, p. 01).

É crucial entender que o acesso à justiça não se restringe apenas ao Estado-Juiz, mas engloba um complexo de instituições ligadas ao judiciário e à sociedade, incluindo os notários e registradores, que desempenham um papel vital na absorção eficiente e eficaz de serviços para a população​​.

3 A EFETIVAÇÃO DO INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL E O RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

O inventário extrajudicial foi instituído para desafogar o Poder Judiciário, trazendo maior facilidade e agilidade a um procedimento tradicionalmente moroso. Este processo é realizado por meio de escritura pública, geralmente em um Tabelionato de Notas, onde se regulariza a sucessão dos bens do falecido para os herdeiros, sem a necessidade de intervenção judicial (LEITE, 2022).

A possibilidade de realizar o inventário extrajudicial foi introduzida pela Lei 11.441/07, que alterou alguns dispositivos do Código de Processo Civil de 1973. Essa legislação trouxe critérios específicos para a realização do inventário extrajudicial, bem como para a separação e o divórcio consensual em cartório, em determinadas situações (BRASIL, 1973).

Com o advento do Novo CPC, as disposições sobre o inventário extrajudicial foram mantidas, estando previstas no art. 610, §§ 1º e 2º. O artigo estipula que o inventário e a partilha podem ser feitos por escritura pública se todos os herdeiros forem capazes e concordes, e a escritura deve ser lavrada com a assistência de um advogado ou defensor público.

Art. 610.  Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.

§1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial (BRASIL, 2015, p. 01).

Embora o CPC não detalhe amplamente o funcionamento do inventário extrajudicial, cada Estado possui seus próprios Códigos de Normas Extrajudiciais, que esclarecem as etapas necessárias para a viabilização do procedimento.

Para a efetivação do inventário extrajudicial, é necessário que todos os herdeiros sejam maiores de idade e capazes, além de estarem de acordo com os termos da partilha de bens. É importante notar que a presença de testamento do falecido geralmente impede a realização do inventário extrajudicial (SILVA; AREAL, 2022).

Conforme o §2º do art. 610 do CPC, o procedimento em cartório deve ser acompanhado por um advogado ou defensor público. Complementando, o art. 611 do CPC estabelece que o processo de inventário e de partilha deve ser iniciado dentro de dois meses a contar da abertura da sucessão, com prazos prorrogáveis pelo juiz.

Art. 611.  O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte (BRASIL, 2015, p. 01). 

Martins (2019), relata que o valor a ser pago depende da tabela de emolumentos do Poder Judiciário de cada Estado e é calculado com base no valor dos bens deixados pelo falecido. Sendo assim, a socioafetividade como forma de estabelecer vínculo de filiação surgiu na doutrina e jurisprudência, sendo reconhecida como uma energia formadora de vínculo familiar merecedora de proteção jurídica.

A Constituição Federal de 1988, ao consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana, deu novo enfoque às formas de constituição de família e filiação (BRASIL, 1988). A filiação socioafetiva encontrou respaldo no artigo 1.593 do Código Civil de 2002 e foi normatizada pelo CNJ através do Provimento nº 63/2017, alterado pelo Provimento nº 83/2019.

O Provimento estabelece que os ascendentes não poderão, pela via extrajudicial, realizar o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva dos seus descendentes, uma vez que já existe vínculo preexistente entre eles (BRASIL, 2019, p. 01).

A filiação socioafetiva pode ser reconhecida judicialmente ou extrajudicialmente, diretamente nos cartórios de registro civil, diferentemente da adoção, que requer um processo judicial. O reconhecimento da filiação socioafetiva exige uma situação fática prévia e não elimina o vínculo biológico, diferentemente da adoção, onde o vínculo com os pais biológicos desaparece.

A certidão de nascimento resultante do reconhecimento de filiação socioafetiva contém o nome dos pais biológicos e do pai ou da mãe socioafetiva, refletindo a multiparentalidade. Este aspecto difere da adoção, onde o registro de nascimento é alterado para refletir apenas o vínculo adotivo.

Uma característica distintiva do inventário extrajudicial é a sua potencial celeridade, pois o processo é normalmente concluído em um único ato formal​​. A presença de um advogado especialista é crucial em todo inventário. Este profissional verifica o conteúdo da escritura pública e sugere correções necessárias​​​​.

A filiação socioafetiva, reconhecida extrajudicialmente, reflete uma mudança significativa na estrutura jurídica da família brasileira. Este reconhecimento, que contribui para a dignidade humana, é uma forma de relação familiar baseada no afeto, amor e cuidado, além do critério biológico​​.

O Provimento nº 63/2017 do CNJ, juntamente com o anterior nº 16/2012, autoriza o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva. O provimento nº 63/2017 trouxe uma modernização significativa, incluindo a maternidade socioafetiva com as mesmas formalidades da paternidade socioafetiva​​.

O provimento estabelece que o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva pode ser feito por qualquer pessoa perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. O reconhecimento é irrevogável, salvo nos casos de vício de vontade, fraude ou simulação​​. No que tange ao provimento 83/2019 do CNJ, o mesmo restringe o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva apenas para os maiores de 12 anos. Para os menores de 12 anos, o reconhecimento deve ser feito judicialmente​​.

3.1 Leis do Tabelionato

Os serviços notariais e de registro são essenciais para garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Notários e oficiais de registro, profissionais do direito dotados de fé pública, desempenham estas atividades delegadas, que devem ser prestadas de modo eficiente e adequado, em horários estabelecidos pelo juízo competente e em locais acessíveis ao público​​.

Aos notários compete formalizar juridicamente a vontade das partes, intervir em atos e negócios jurídicos para conferir-lhes forma legal ou autenticidade, e autenticar fatos. Eles são responsáveis por redigir instrumentos adequados e expedir cópias fidedignas​​.

Com a Lei nº 14.711, de 2023, os tabeliães de notas também podem atuar como mediadores, conciliadores ou árbitros, além de certificar a ocorrência de condições negociais e realizar operações financeiras relacionadas a negócios jurídicos​​ (BRASIL, 2023).

No que se refere a livre escolha e limites geográficos do tabelião de notas, há liberdade para escolher o tabelião de notas, independentemente do domicílio das partes ou localização dos bens. No entanto, o tabelião não pode praticar atos de seu ofício fora do município para o qual recebeu delegação​​.

Existem atribuições específicas para tabeliães de diferentes áreas, como contratos marítimos e protesto de títulos, cada um com suas competências e procedimentos estabelecidos em lei​​. Logo, os notários e oficiais de registro têm direitos e deveres específicos, como manter a ordem em seus livros e documentos, atender as partes com eficiência e urbanidade, e observar os emolumentos fixados para a prática de seus atos​​.

CONCLUSÃO

Constatou-se que a extrajudicialização do direito privado, como exemplificado na Lei 11.441/07, introduz uma eficiência significativa nos processos de inventário, divórcio e partilha. Esta lei, ao permitir a realização de tais procedimentos em cartórios, simplifica processos anteriormente morosos e dispendiosos, demonstrando a efetividade da desjudicialização na agilização da justiça e na redução de custos para as partes envolvidas. Esse processo é refletido na rápida formalização de inventários extrajudiciais, contrastando com a lentidão dos procedimentos judiciais.

Foi visto que a simplificação das burocracias cartorárias, especialmente no contexto da atividade tabelionária, reforça a acessibilidade e segurança jurídica. As leis do tabelionato, como a Lei nº 14.711 de 2023, expandem as funções dos tabeliães, incluindo a mediação e arbitragem, contribuindo para a resolução eficiente de disputas. A ampla rede de cartórios no Brasil e a possibilidade de realização de serviços online, como estabelecido pelo provimento número 100 do CNJ, democratizam e agilizam os serviços notariais e de registro.

Notou-se que o reconhecimento da filiação socioafetiva, normatizado pelo Provimento nº 63/2017 do CNJ e suas subsequentes atualizações, exemplifica a contribuição da extrajudicialização na efetivação dos direitos fundamentais. Esta modalidade de reconhecimento, que permite o estabelecimento de vínculos familiares baseados em afeto, reforça a dignidade da pessoa humana e responde às necessidades sociais contemporâneas. O reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, facilitado pelos cartórios, ressalta a importância de abordagens alternativas à jurisdição tradicional.

Foi possível observar que, apesar dos avanços na extrajudicialização, desafios persistem, especialmente na harmonização das práticas entre diferentes jurisdições e na adaptação constante às necessidades emergentes. O sucesso da desjudicialização e a expansão contínua de procedimentos extrajudiciais apontam para um sistema jurídico mais moderno e eficiente, onde a promoção da conciliação, mediação e soluções consensuais, conforme reforçado pelo Novo Código de Processo Civil, contribui substancialmente para a pacificação social e o desenvolvimento regional.

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1 Graduanda em Direito, faculdade Una campus Divinópolis
2 Graduanda em Direito, faculdade Una campus Divinópolis