REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102491009
Mateus Gonçalves de Sena Barbosa1
Anne Moura Korthals 2
Vinícius Brandão Lemes 2
Daniela Maria de Oliveira 2
Guilherme Garcia Galdino 2
Isabela Ávila Silva 2
Karolyna Matos Silva Aires 3
Clara Costa Leite 4
Wainnye Marques Ferreira 5
Letícia Oliveira Cassimiro Dias Nascimento 6
Mateus Guilherme Santos Nogueira 7
Amanda Vilela Leão 8
1. INTRODUÇÃO
O câncer de pâncreas, caracterizado pelo adenocarcinoma ductal pancreático, é uma das neoplasias mais agressivas e letais, com uma taxa de sobrevida de cinco anos inferior a 10%1. A dificuldade no diagnóstico precoce, aliada à falta de sintomas específicos e à resistência aos tratamentos convencionais, contribui para o prognóstico sombrio dos pacientes afetados2. A identificação de fatores de risco e a compreensão dos mecanismos subjacentes à carcinogênese pancreática são essenciais para o desenvolvimento de estratégias preventivas e terapêuticas mais eficazes.
A pancreatite crônica, uma condição inflamatória progressiva do pâncreas, pode resultar em alterações estruturais e funcionais permanentes3. A literatura atual sugere uma possível associação entre inflamação crônica e o desenvolvimento de câncer, baseada na hipótese de que a inflamação prolongada pode induzir mutações genéticas e alterações no microambiente tumoral, favorecendo a carcinogênese4. No contexto da pancreatite crônica, a inflamação persistente e a regeneração celular contínua podem aumentar o risco de transformação maligna5.
Estudos epidemiológicos têm indicado que pacientes com pancreatite crônica apresentam um risco aumentado de desenvolver câncer de pâncreas em comparação à população geral6. Contudo, a magnitude dessa associação e os mecanismos específicos envolvidos ainda são objeto de debate. A presente revisão sistemática visa consolidar as evidências científicas disponíveis sobre a relação entre pancreatite crônica e câncer de pâncreas, oferecendo uma análise abrangente das pesquisas realizadas até o momento.
2. METODOLOGIA
Este estudo foi conduzido seguindo as diretrizes do PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases de dados Medline, Embase, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Web of Science e Scielo. Utilizaram-se os descritores “câncer”, “tumor”, “neoplasia”, “risco”, “pancreatite crônica”, “associação” e “desenvolvimento”. Foram incluídos artigos publicados entre 1980 e 2024, nos idiomas inglês, espanhol e português.
Os critérios de inclusão abrangeram estudos observacionais (coorte, casos-controle), ensaios clínicos, revisões sistemáticas e metanálises que investigassem a associação entre pancreatite crônica e câncer de pâncreas. Excluíram-se artigos que não abordassem diretamente essa relação, que apresentassem vieses metodológicos graves, ou cujas populações estudadas fossem não representativas. A seleção inicial identificou 3450 estudos, dos quais 275 foram considerados relevantes após a leitura dos títulos e resumos. Após a análise completa dos textos, 90 estudos foram incluídos na revisão final.
3. RESULTADOS
Entre os 90 artigos analisados, 70% relataram uma associação positiva entre pancreatite crônica e um risco aumentado de câncer de pâncreas. Estudos de coorte retrospectivos e prospectivos sugeriram que pacientes com pancreatite crônica apresentam um risco relativo de desenvolver câncer de pâncreas entre 2 e 10 vezes maior em comparação à população sem histórico da doença7, 8, 9. Especificamente, os casos de pancreatite crônica idiopática e alcoólica mostraram uma forte correlação com a incidência de câncer pancreático10.
Uma metanálise publicada em 2015 analisou 12 estudos de coorte e encontrou um risco relativo de 4,9 (IC 95%: 3,6-6,5) para câncer de pâncreas em pacientes com pancreatite crônica11. Em outra revisão sistemática de 2019, que incluiu 15 estudos e mais de 8000 pacientes, observou-se que o risco de câncer de pâncreas foi significativamente maior nos primeiros anos após o diagnóstico de pancreatite crônica, sugerindo uma possível janela temporal de maior vulnerabilidade12.
Estudos que avaliaram a relação entre a duração da pancreatite crônica e o risco de câncer indicaram que o risco aumenta com o tempo, especialmente após 5-10 anos do diagnóstico inicial de pancreatite13, 14. Além disso, fatores como o consumo de álcool e tabaco, frequentemente associados à pancreatite crônica, foram identificados como importantes modificadores do risco, complicando a interpretação dos resultados15, 16.
4. DISCUSSÃO
Os achados desta revisão sistemática corroboram a hipótese de que a pancreatite crônica é um fator de risco significativo para o desenvolvimento de câncer de pâncreas. A inflamação crônica parece desempenhar um papel crucial na carcinogênese pancreática, promovendo alterações celulares e no microambiente tumoral que facilitam a transformação neoplásica17. A pancreatite crônica alcoólica, em particular, foi consistentemente associada a um risco mais elevado, possivelmente devido à combinação de efeitos tóxicos diretos do álcool e à inflamação persistente18.
Entretanto, a heterogeneidade dos estudos revisados, incluindo variações nos métodos de diagnóstico, definição de pancreatite crônica, e o controle de fatores de confusão, como o uso de álcool e tabaco, limita a generalização dos resultados19. Além disso, a presença de pancreatite crônica como uma condição pré-maligna sugere a necessidade de estratégias de vigilância mais rigorosas para esses pacientes20.
Os estudos incluídos nesta revisão também apontaram para a importância de identificar subgrupos de pacientes com pancreatite crônica que possam estar em maior risco de desenvolver câncer de pâncreas, como aqueles com mutações genéticas predisponentes ou com história familiar de neoplasia pancreática21. A investigação de biomarcadores que possam diferenciar a pancreatite crônica benigna da neoplásica é uma área de pesquisa promissora22, 23.
5. CONCLUSÃO
A revisão sistemática realizada indica que há uma associação robusta entre pancreatite crônica e o risco aumentado de câncer de pâncreas. Pacientes com pancreatite crônica, especialmente do tipo alcoólica e idiopática, devem ser considerados em risco elevado e monitorados de forma mais rigorosa para o desenvolvimento de neoplasias pancreáticas. No entanto, são necessários estudos adicionais que esclareçam os mecanismos biológicos subjacentes a essa associação e que avaliem estratégias preventivas eficazes. A identificação precoce de pacientes de alto risco pode ser crucial para melhorar os resultados clínicos e reduzir a mortalidade associada ao câncer de pâncreas.
REFERÊNCIAS
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1 2 Graduando em Medicina. Faculdade de Medicina Atenas, Passos – MG, Brasil.
3 Graduada em Medicina. Centro Universitário Alfredo Nasser – UNIFAN.
4 Graduanda em Medicina. Faculdade da Saúde e Ecologia (FASEH).
5 Graduanda em Medicina. UNIFAMAZ.
6 Graduada em Medicina. UNICEUMA – Centro Universitário Metropolitano da Amazônia, Campus Imperatriz – MA.
7 Graduado em Medicina. UNINOVAFAPI. Terezina, PI.
8 Graduada em Medicina. Universidade de Uberaba. Uberaba, MG.