REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411261442
Adalberto Cordeiro Raymundo1
Dimas Souza da Silva Junior2
Orientador: Prof. Me. Antônio Carlos de Sousa Gomes Júnior3
RESUMO
Em decorrência do princípio da eficiência, que rege às atividades da administração pública, o Estado deve, na licitação, buscar o caminho que melhor atenda aos interesses do poder público e, por conseguinte, da coletividade. Nesse processo de seleção e escolha da proposta mais vantajosa, alguns critérios são utilizados, como é o caso do “menor preço”. Todavia, defendeu-se, nesta pesquisa, que o menor preço não subsiste sozinho, ele precisa ser avaliado em conjunto com algumas diretrizes, como por exemplo, se o preço é exequível. Nessa senda, a escolha, isoladamente, do menor preço pode conduzir a licitação ao enfrentamento de alguns percalços, pois preços bem abaixo do mercado têm o potencial de provocar a impossibilidade de alcance do objetivo licitatório, fazendo, assim, com que o processo não tenha resultado exitoso. Foi pontuado que preços menores do que o esperado ou do que os concorrentes oferecem não são, de pronto, rejeitados: há uma presunção relativa na qual deve ser oportunizado um momento para que o concorrente justifique o porquê do valor cobrado e, a partir disso, o poder público tenha condições de avaliar se o menor preço, naquele caso concreto, mostra-se plausível ou revela algum intuito que esteja desafinado ao que ambiciona o certame, e, futuramente, por conta disso, possa causar prejuízos, no lugar de benefícios. A metodologia de revisão de literatura bibliográfica foi a que se encaixou nos propósitos científicos deste estudo e, portanto, utilizou-se ela, com materiais eletrônicos e físicos publicados nos últimos sete anos, no máximo, com exceção das leis e julgados que foram importantes para a argumentação.
Palavras-chave: Eficiência. Lei 14.133/2021. Inexequibilidade da proposta. Licitação.
ABSTRACT
In accordance with the principle of efficiency, which governs the activities of public administration, the State must, in bidding, seek the path that best meets the interests of the public power and, therefore, of the community. In this process of selection and choice of the most advantageous proposal, some criteria are used, such as the “lowest price” case. However, it was argued in this research that the lowest price does not exist alone, it needs to be evaluated together with some guidelines, such as whether the price is feasible. In this way, the choice of the lowest price alone may lead to a bid to face some mishaps, because prices well below the market have the potential to cause the impossibility of achieving the bidding objective, thus making the process not successful. It was pointed out that prices lower than expected or what the competitors offer are not immediately rejected: there is a relative presumption in which a time must be provided for the competitor to justify why the amount charged and, From this, the public power is able to assess whether the lower price in that particular case is plausible or reveals some intention that is out of tune with what the event aims, and, in future, because of this, may cause losses instead of benefits. The methodology of literature review was that fit in the scientific purposes of this study and therefore it was used, with electronic and physical materials published in the last seven years, at most, except for the laws and judgments that were important to the argument.
Keywords: Efficiency. Law 14.133/2021. Proposal’s unfeasibility. Bidding.
1. INTRODUÇÃO
A licitação pública pode ser caracterizada como o procedimento através do qual é selecionado o fornecedor que atenderá a necessidade administrativa, mediante a celebração de um contrato.
Conforme será abordado no momento conveniente, atualmente, tem-se que o paradigma que melhor se encaixa aos propósitos da administração pública é aquele que a coloca como uma seara que deve ser encarada de forma estratégica, ou seja, mediante o estudo dos meios que sejam considerados mais eficazes para o alcance dos objetivos.
O caminhar estratégico passa, inequivocadamente, pela obediência à exequibilidade das licitações a partir do critério do “menor preço”. Se, por um lado, o poder público deve escolher o que for mais barato de ser pago, por outro, essa escolha, sem a devida ponderação, pode terminar por distanciar o Estado do propósito que ele estabelece, quando decide efetivar um processo licitatório.
Ressalta-se que não é apenas o menor preço que pode frustrar, ao final, uma licitação: outros critérios, se forem inobservados ou não receberem a devida responsabilidade, podem dificultar uma escolha consciente e que reflita os direitos que as pessoas têm em relação ao que receber do poder público, tendo a CRFB como mola propulsora.
Com base nessas introduções, a pergunta que merece ser colocada nesta pesquisa para o adequado desenvolvimento do referencial teórico e, posteriormente, receba uma resposta técnica e contextualizada, é: “Os mecanismos estabelecidos a partir da Lei nº 14.133/2021 e Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022 são suficientes para aferição da exequibilidade de propostas nas licitações?”.
No que concerne aos objetivos que fundamentam a elaboração textual, o geral é este: identificar se os mecanismos estabelecidos a partir da Lei nº 14.133/2021 e Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022 são suficientes para aferição da exequibilidade de propostas nas licitações; e os específicos são, respectivamente, estes: conhecer a evolução histórica do conceito de inexequibilidade; entender o conceito de inexequibilidade; e entender os critérios estabelecidos pela lei 14.133/2021 e pela Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022.
Além dos objetivos, esta pesquisa possui justificativas que se enquadram em três óticas diferentes: social, acadêmica e profissional. No primeiro âmbito, que é o social, as propostas exequíveis apresentam chances de oferecer, ao final, bons resultados e a sociedade será beneficiada com isso. Cabe, portanto, aos cidadãos fiscalizar e cobrar que o processo licitatório se dê de forma compatível com o que a CRFB disciplina a respeito bem como as leis específicas sobre a matéria.
Na seara acadêmica, a exequibilidade das propostas à luz da Novex Lei de Licitação proporciona algumas discussões em relação ao planejamento estratégico da administração pública, incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa em um contexto não judicial, presunção relativa de inexequibilidade, evolução histórica do tratamento jurídico brasileiro sobre a matéria etc.
Profissionalmente, é assaz importante que os sujeitos envolvidos no processo de licitação estejam cientes do que busca a nova Lei e da necessidade de olhar o processo licitatório sob uma lente estratégica, não se baseando apenas no que diz a Lei, mas buscando um diálogo entre os diplomas que são pertinentes ao assunto e a realidade social, realizando as devidas conformações, portanto. Dessa forma, os profissionais devem buscar o constante aprimoramento para que resultados mais expressivos sejam visualizados.
A metodologia de revisão de literatura bibliográfica é reconhecida, consoante Gil (2022), como a que proporciona a exploração científica de materiais físicos ou eletrônicos, extraindo, deles, críticas, conceitos e interpretações acerca de determinado objeto de estudo. Para facilitar a obtenção dos resultados, alguns descritores são aplicados, tais como “Nova Lei de Licitação”, “Exequibilidade das Propostas Licitatórias” e “Licitação e Planejamento Estratégico”.
O lapso temporal de 07 (sete) anos é a escolha para garantir que a pesquisa não seja produzida com supedâneo em fontes desatualizadas e que já foram superadas por ideias e abordagens científicas mais modernas. Por fim, este estudo não impede a confecção de outras investigações, sobre o assunto, que sejam complementares e tenham o intuito de maximizar o entendimento sobre o tema.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE INEXEQUIBILIDADE
A Lei 14.133/2021 traz vários comandos normativos para orientar o gestor público e os concorrentes no que tange à forma de se preparar para, de um lado, participar da disputa, e, do outro, selecionar, dentre os disponíveis, quem tem o mais eficiente a prestar.
Mesmo sendo uma tarefa com múltiplas exigências, a licitação não pode se distanciar de, dentre outros, dois princípios basilares: supremacia do interesse público e eficiência. O primeiro, conforme Mazza (2019), representa o dever que o Estado tem de não desprezar ou ignorar assuntos que sejam essenciais ao bem estar da coletividade.
Nesses termos, o que a sociedade deve, necessariamente, ser colocado em caráter preferencial, quando comparado às ânsias particulares. O outro princípio, que é o da eficiência, garante que o Estado deve escolher, dentre as opções, aquela que providenciar maior retorno e menor gasto (Mazza, 2019).
Dessa maneira, a exequibilidade está inserida nesse contexto, ou seja, na perspectiva que o poder público tem de conferir eficiência e supremacia do interesse público às licitações. Contudo, apesar do destaque conferido à supremacia e à eficiência, não se pode olvidar que o processo de licitação tenha de se afinar a princípios outros, como o da moralidade administrativa.
O desrespeito aos princípios e bases do processo de licitação não repercutem apenas na esfera administrativa, sendo possível observar lampejos em outras searas, como é o caso do direito penal. Nessa toada, é pertinente expor o que está escrito no artigo 337-F, do Código Penal.
Reza o artigo 337-F, do diploma repressivo, que é crime: “Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório: Pena – reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa” (Brasil, 1940, grifou-se).
Essas explicações legitimam a existência de alguns diplomas legislativos, com o passar dos anos, sobre a matéria.
O decreto-lei 2.300, de 21 de novembro de 1986 foi um marco naquilo que pode ser falado sobre respeito às normas e credibilidade ao processo de licitação.
O referido diploma estabelecia:
Art 38. Serão desclassificadas: (…)
II – as propostas com preços excessivos ou manifestamente inexeqüíveis.
Apesar de não trazer previsão expressa sobre critério de avaliação no processo de licitação, foi o primeiro apontamento quanto ao conceito de exequibilidade e inexequibilidade de proposta na área de licitações.
De acordo com Pinheiro, Nascimento e Elbacha (2023), o decreto-lei 2.300/86 foi algo inovador e pioneiro em relação à maneira que a licitação passou a ser vista, em um momento de redemocratização pela qual o Brasil passava. Qualquer documento anterior ao referido decreto era bastante limitado e o segundo cuidou com mais detalhes de como a licitação deveria ser abordada.
Reis (2023) identifica, que o decreto-lei 2.300/86 foi o primeiro a dar uma direção precisa em relação à licitação, pois, até então, qualquer disposição sobre o tema não recebia um tratamento qualificado de modo que isso dificultava uma boa aplicação da licitação e, consequentemente, das atividades que o Estado precisa desenvolver para abraçar à coletividade em necessidades primárias.
No mais, Moraes (2017) assevera que o decreto-lei 2.300/86 não trazia previsão expressa sobre outros critérios de avaliação no processo de licitação, então, nesse sentido, os métodos de apuração da melhor escolha, ou seja, da proposta mais vantajosa não era plurais, diferentemente do que se observou com o advento da Lei 8666/1993.
Deve-se comentar que a criação da Lei 8666/1993 aconteceu sob a égide da atual Carta Política, isso significa dizer que o espírito que a norteou foi bem mais democrático e pautado na concretização de princípios que regem à administração pública e que estão expressos no texto constitucional.
Lei 8666/1993:
Art. 48. Serão desclassificadas: (…)
II – propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüiveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.
§ 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:
a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pela administração, ou
b) valor orçado pela administração.
A Lei 8666/1993 não aprofundou muito no tema da inexequibilidade, trouxe algum critério para as licitações de obras e serviços de engenharia, contudo, para as aquisições e serviços comuns a legislação nada disciplinou.
Outrossim, a Lei 8666/1993, que revogou, expressamente, o decreto 2.300/86, também não mais pertence ao ordenamento jurídico pátrio e deu lugar para a vigência da Lei 14.133 de 2021.
A nova Lei trouxe algumas mudanças interessantes e conservou outros pontos de sua anterior.
Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos: (…)
III – evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que: (…)
III – apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;
§ 4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.
Arremata-se que, de fato, houve uma evolução desde o decreto-lei 2.300/86 até a Lei 14.133/2021, especialmente em relação à eficiência e ao modo de interpretá-la no âmbito das licitações públicas. Contudo, verifica-se que quanto ao tema de exequibilidade/inexequibilildade a evolução foi bem tímida. Espera-se que a próxima Lei tenha ainda mais ânimo para fazer a diferença (positivamente) nesse tema que é tão caro aos interesses sociais.
2.2 O CONCEITO DE INEXEQUIBILIDADE
A forma de interpretar as licitações e, inclusive, o conceito de inexequibilidade das propostas está umbilicalmente relacionado ao novo paradigma de gestão pública. Nesse diapasão, antes das devidas considerações sobre “inexequibilidade”, é preciso comentar alguns conceitos que rodeiam o modo de entendimento e emprego das licitações.
Segundo Amorim e Costa (2020), a administração pública gerencial teve a intenção de levar para o setor público algumas práticas que, até então, eram vistas apenas na iniciativa privada. Nesse sentido, despertou a necessidade de diminuir as diferenças entre o público e privado, em algumas áreas, mas preservando a essência de cada espaço.
A administração pública gerencial, portanto, foi essencial, quanto ao seu surgimento, por colocar a eficiência como uma meta e, ao mesmo tempo, um princípio orientador de condutas públicas e isso se disseminou para vários institutos, razão pela qual, atualmente, as licitações precisam ter a máxima eficiência possível.
A par dessas colocações, percebe-se que a administração pública, até apresentar o atual modelo de licitação, modificou a forma de pensar e implementar seus comandos, redirecionando o foco para o que, de fato, pode provocar melhoria no atendimento às necessidades da administração e, consequentemente, da população.
Nessa ambiência, melhor sorte não poderia ter tido a licitação pública, a qual, principalmente depois que entrou em vigor a Lei 14.133/2021, viu-se diante de uma conjuntura propícia à respeitá-la amplamente, não apenas na teoria, mas na prática, a partir das boas lições que a administração pública gerencial e estratégica tem a compartilhar.
Por esses motivos, licitações inexequíveis devem ser afastadas, elas são sinônimo de ineficiência para a administração pública. A intenção, portanto, funda-se em licitações exequíveis e que possam, realmente, ostentar bons resultados. O artigo 59 da Lei 14.133/2021 traz algumas abordagens sobre a inexequibilidade na licitação:
Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que: (…)
III – apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;
IV – não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração; (…)
§ 1º A verificação da conformidade das propostas poderá ser feita exclusivamente em relação à proposta mais bem classificada.
§ 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo.
§ 3º No caso de obras e serviços de engenharia e arquitetura, para efeito de avaliação da exequibilidade e de sobrepreço, serão considerados o preço global, os quantitativos e os preços unitários tidos como relevantes, observado o critério de aceitabilidade de preços unitário e global a ser fixado no edital, conforme as especificidades do mercado correspondente.
§ 4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração (Brasil, 2021).
A Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022, dispõe sobre a licitação pelo critério de julgamento por menor preço ou maior desconto, na forma eletrônica, para a contratação de bens, serviços e obras, regulamentou:
Inexequibilidade da proposta
Art. 33. No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.
Art. 34. No caso de bens e serviços em geral, é indício de inexequibilidade das propostas valores inferiores a 50% (cinquenta por cento) do valor orçado pela Administração.
Parágrafo único. A inexequibilidade, na hipótese de que trata o caput, só será considerada após diligência do agente de contratação ou da comissão de contratação, quando o substituir, que comprove:
I – que o custo do licitante ultrapassa o valor da proposta; e
II – inexistirem custos de oportunidade capazes de justificar o vulto da oferta.
A referida legislação buscou aprofundar os critérios de aferição de inexequibilidade, que nas legislações anteriores eram limitadas. Aqui, além do parâmetro para as obras e serviços de engenharia – já constantes nas normas revogadas, tem-se critérios definidos para aquisição de bens e serviços em geral.
Vê-se que a Lei não traz um conceito para o que possa ser concebido como licitação inexequível, apenas alguns parâmetros para a constatação daquele resultado. Sendo assim, fica como encargo da literatura jurídica alcançar uma definição que seja capaz de expressar em que consiste a inexequibilidade.
Dias, Marchiori e Abreu (2020) definem, de modo geral, que propostas inexequíveis são aquelas que apresentam preços muito baixos e, por isso, suscitam dúvidas quanto à viabilidade da eficácia que terá no certame. Frisa-se, pois, que o móvel dos preços mais baixos deve ser investigado a fim de que a escolha pelo critério do “menor preço” não seja, na verdade, passaporte para vários prejuízos econômicos. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2022, já tocou nesse assunto desta forma:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – A proposta veiculada pela impetrante, na Concorrência n.º 002/SVMA/2022, foi desclassificada sob o fundamento de que era inexequível, uma vez que ficou abaixo do mínimo estabelecido – Além disso, a licitante também deixou de apresentar “planilha de composição de custo” com a proposta – Indeferimento do pedido liminar do writ, consistente na suspensão do certame – Ausentes os requisitos previstos pelo artigo 7.º, inciso III, da Lei n.º 12.016/2009 – No julgamento do recurso administrativo, a autoridade agravada, mesmo de posse da planilha de custos ofertada pela recorrente, continuou a considerar que a proposta, de fato, era inexequível – Em sede de cognição sumária, não é possível vislumbrar-se, de plano, o contrário – Confirmação da decisão agravada – Recurso não provido.
(TJ-SP – AI: 21744216620228260000 SP 2174421-66.2022.8.26.0000, Relator: Osvaldo de Oliveira, Data de Julgamento: 05/12/2022, 12ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 05/12/2022, grifou-se).
Depreende-se que a administração pública tem liberdade suficiente para compreender uma proposta como inexequível, mas não pode tomar tal decisão sem fazer um cuidadoso exame acerca do fato de que há ou não inexequibilidade, isso por que uma decisão apressada poderia conduzir à má apreciação da opção e, consequentemente, a ocorrência de uma injustiça.
Nesse trilho, foi criada a súmula 262 do TCU (Tribunal de Contas da União), que, ainda pertencente ao ordenamento jurídico, diz: “O critério definido no art. 48, inciso II, § 1º, alíneas “a” e “b”, da Lei nº 8.666/93 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta” (Brasil, 2010, grifou-se).
Embora essa súmula tenha sido criada sob as bases da revogada Lei de Licitação Pública, o conteúdo continua pertinente, pois a Lei em vigor desde 2021 também abraça a necessidade de avaliar a exequibilidade das propostas, em matéria de licitação pública, afastando aquelas que realmente sejam inexequíveis e não conseguirão proporcionar os objetivos estrategicamente elaborados.
Vale ressaltar que as empresas têm poderio econômico que diverge de uma empresa para outra. Nesse sentido, o critério de inexequibilidade, apesar de envolver uma lógica matemática, tem alguma carga subjetiva, pois o que é inexequível para uma atividade comercial não será, necessariamente, inexequível para outra, existem fatores sociais, econômicos e até políticos que pesam na decisão e os princípios do contraditório e da ampla defesa devem ser fielmente respeitados.
Posto tudo isso, a inexequibilidade da proposta pode, a princípio, fazer com que o gestor público compreenda que desrespeitará ao princípio da eficiência, se decidir acatar um preço considerado mais baixo do que o normalmente esperado em relação à determinado objeto.
Contudo, a presunção é de ordem relativa e deve admitir o contraditório e a ampla defesa para oportunizar que o indivíduo demonstre o porquê de sua proposta dever, apesar do primeiro impacto, ser acatada e que isso não colocará em risco a lisura e a consecução do que a licitação quer como produto final.
2.3 CRITÉRIOS ADOTADOS PARA A EXEQUIBILIDADE DA LICITAÇÃO
Congruente com o trabalhado no capítulo anterior, licitações exequíveis são o foco e garantem ou, ao menos, são um benéfico caminho para garantir que a licitação pública seja respeitada em todos os pontos essenciais ao certame. Por consequência, a inexequibilidade não merece prosperar, isso pensado aprioristicamente, pois há chances de o inexequível ser plenamente exequível e estar de acordo com os interesses da administração pública.
O já mencionado artigo 58 da Lei 14.133 de 2021 traz algumas diretrizes acerca da concepção que a inexequibilidade tem, no cenário das licitações públicas. Mesmo assim, falta alguma objetividade no sentido de verificação se, na prática, o preço é inexequível ou não.
Na antiga Lei de Licitações, que foi criada em 1993, existia a média aritmética superior a 50% do orçado pela administração pública e, nos casos de obras de engenharia, valores inferiores a 70% (Brasil, 1993). Por outro lado, com a Lei de 2021, houve um aumento do parâmetro, também em obras de engenharia, para 75% em relação ao valor orçado pela administração pública e estabelecimento de 50% para bens e serviços em geral (Brasil, 2021).
Noutras palavras, nem sempre o mais barato será mais eficiente para o Estado e vice-versa, é preciso uma minuciosa ponderação e diante da incompletude que a Lei vigente apresenta, faz-se mister buscar outros instrumentos para tentar sanar ou minimizar a dificuldade que se assenta nesse tema. A partir disso, tem-se a Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022, da qual expõe-se, primeiramente, os artigos 3º e 9º, § 2º:
Art. 3º O critério de julgamento de menor preço ou maior desconto será adotado quando o estudo técnico preliminar demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que excederem os requisitos mínimos das especificações não forem relevantes aos fins pretendidos pela Administração.
Art. 9º O critério de julgamento por menor preço ou maior desconto considerará o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação.
§ 2º O julgamento por maior desconto terá como referência o preço global fixado no edital de licitação ou tabela de preços praticada no mercado, e o desconto será estendido aos eventuais termos aditivos (Brasil, 2022).
No que leva em consideração a inexequibilidade da proposta, a Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022, no artigo 34, trouxe alguns elementos avaliativos que são considerados mais claros do que o que a Lei 14.133 entende a respeito. Nesse sentido, o primeiro instrumento estabeleceu isto:
Art. 34. No caso de bens e serviços em geral, é indício de inexequibilidade das propostas valores inferiores a 50% (cinquenta por cento) do valor orçado pela Administração.
Parágrafo único. A inexequibilidade, na hipótese de que trata o caput, só será considerada após diligência do agente de contratação ou da comissão de contratação, quando o substituir, que comprove:
I – que o custo do licitante ultrapassa o valor da proposta; e
II – inexistirem custos de oportunidade capazes de justificar o vulto da oferta (Brasil, 2022).
Em alguns casos, o critério do menor preço pode, simplesmente, tentar mascarar algum problema que a empresa enfrenta, mas que, futuramente, será revelado e trará graves consequências ao poder público e, por extensão, à coletividade.
Diante dessas literaturas, depreende-se que a sociedade deve se imiscuir nos assuntos relacionados à licitação, vigiando os preços inexequíveis e sabendo se serão agasalhados ou não bem como quais as providências necessitam ser tomadas para que a licitação tome um caminho pautado na legalidade, moralidade, lisura e transparência do processo.
Para além disso, não se considera que os critérios existentes para caracterização da inexequibilidade sejam satisfatórios e suficientemente objetivos para tratar do tema, motivo esse que exige acréscimos aos comandos normativos já existentes ou, quiçá, a criação de novos documentos.
3. CONCLUSÃO
No primeiro capítulo desta pesquisa demonstrou-se que houve uma evolução na forma de compreender a licitação. Inicialmente, o relevo para o tema começou com o decreto-lei 2.300/86, que configurou um documento fruto da redemocratização pela qual passava o Brasil.
Por meio do conceito introduzido na legislação brasileira pelo decreto, foi visto maior lisura, transparência e objetividade ao processo de licitação, além da adoção de alguns princípios que, dois anos depois, passaram a fazer parte da constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Outro ponto observado, que vale a pena destacar, é que o Decreto 2.300/86 tornou o processo de licitação mais técnico, pelas diretrizes aplicadas no referido diploma legal.
O decreto-lei 2.300/86 foi expressamente superado pela Lei 8666/1993, a qual reproduziu algumas coisas do diploma anterior, mas inovou em outras matérias, com mais princípios, detalhes e informações sobre licitação, além de contemplar mais modalidades.
Depois da Lei 8666/1993, surgiu a Lei 14.133/2021, sendo pertinente destacar que a última surgiu em uma atmosfera de incentivo à administração pública gerencial. Outrossim, o princípio da eficiência, presente na Constituição Federal, pela ec 45 de 2004, ficou bem evidente na Lei 14.133/2021. Futuramente, quando surgir uma outra Lei para substituir a que está em vigor, qual seja 14.133/2021, julga-se que a intenção de focar na eficiência continuará existindo, pois trata-se de um princípio que tem amplas condições de valorizar a atividade do Estado perante seus administrados.
A segunda divisão do referencial teórico cuidou de abordar a inexequibilidade das propostas no processo de licitação. De forma resumida, foi estudado que o processo de licitação foi completamente idealizado para dar certo, pois o Estado precisa do certame para concretizar os mais variados direitos sociais.
Contudo, não basta apenas ter o interesse no êxito da licitação, é necessário que, na prática, o Estado busque minimizar os riscos e ampliar as oportunidades de alcançar a escolha que melhor consiga abraçar seus objetivos ao produzir um certame tão importante.
A inexequibilidade consiste na inviabilidade de ser realizada a escolha por determinado produto ou serviço, pois o preço em análise é baixo a ponto de o gestor público “desconfiar” da plausibilidade. Sendo a administração pública guiada por princípios como moralidade e impessoalidade, optar por um preço bem abaixo do mercado pode culminar em desvantagens que serão sentidas em larga escala.
Com a evolução histórica observou-se um aprimoramento do conceito legal e das ferramentas de reconhecimento da exequibilidade, que se tornaram mais objetivos, entretanto, conforme sublinhado, pelos mecanismos de lei e norma avaliados, verificou-se que a constatação da inexequibilidade não é automática ou restrita à observação do valor dado pelo interessado. É preciso fazer a análise em conjunto com fatores sociais, econômicos e políticos, interpretando-se que é urgente contribuir para a circulação de dinheiro, mas também que nem todas as empresas, por exemplo, sentem as mesmas dificuldades e possuem a mesma condição financeira.
Nesses termos, antes de decidir pela inexequibilidade, a administração pública deve conceder, em nome dos princípios do contraditório e da ampla defesa, inseridos no contexto administrativo e judicial, um momento para que o indivíduo apresente sua justificativa no que concerne à cobrança menor do que a esperada para aquele caso concreto.
O último capítulo, que foi o terceiro, discutiu acerca de critérios para o exame da inexequibilidade e tentou se apoiar na Lei 14.133/2021 e na Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022, porém, nenhum dos dois documentos foi considerado completamente eficaz para objetificar de forma definitiva, a discussão quanto à inexequibilidade dos preços propostos por empresas em processo de licitação, bem como, também não forneceram ferramentas para coibi-los definitivamente.
Também restou consolidado que deve ser elaborado norma ou dispositivo legal com um conteúdo que torne mais matemáticos, pelo que se sugere a criação de fórmulas afeitas à realidade do processo, ou do objeto, com critérios para aferição da inexequibilidade em sede de propostas licitatórias. Enquanto isso não acontecer, as análises devem seguir a perspectiva do caso concreto, a partir de métricas como a capacidade econômica da empresa, planilha de custos e valor de mercado.
REFERÊNCIAS
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1Discente e orientando da Faculdade dos Carajás. bettocordeiro_1@hotmail.com
2Discente e orientando da Faculdade dos Carajás. dimasjunior18@gmail.com
3Docente e orientador da Faculdade dos Carajás. adv.gomes.jr@gmail.com